O documento descreve a história de um grande ulmeiro em Mosqueiro que deu nome à vila. O sábio Dr. Pafúncio explica que "Mosqueiro" deriva da palavra para ulmeiro e que a árvore deveria ser considerada um monumento nacional. Os moradores ficam orgulhosos da história da sua vila e a árvore passa a ser oficialmente reconhecida como um ponto de interesse público.
1. In O CÃO, O GATO E A ÁRVORE
de Leonel Neves
Manuela D. L .Ramos
Outubro 2010
2. Mesmo no centro da vila e no meio do
jardim, perto do rio estreito e de uma
pontezinha, há um ulmeiro. É uma árvore tão
alta que pode ser vista de qualquer ponto da
vila, cujas casas mais altas não chegam a ter
metade daquela altura; uma árvore tão grossa
e de copa tão larga que a sua sombra cobre
quase todo o jardim, um grande quadrado de
terra com uma moldura de canteiros de flores
e de bancos verdes; e tão velha que o mais
velhinho dos velhos da vila conta que já
falava dela o seu avô e que este lhe tinha dito
que já também dela falava o avô dele, e
acrescenta:
Fotografia do célebre ulmeiro de S. Martinho de Anta, imortalizado por Miguel Torga no poema “A um negrilho”. Imagem
reproduzida do livro de Ernesto Goes, Árvores monumentais de Portugal (Portucel, 1984)
3. — Viu-nos nascer a todos. É tão
velha como o mundo e parece sempre
nova. Ora vejam: eu tive o cabelo preto,
mais tarde da cor das cinzas, depois
branco e hoje nenhum. Mas ela tem
sempre aquela linda cabeleira verde...
E toda a gente da vila de
Mosqueiro sentia muita satisfação em a
sua terra pequenina possuir uma
árvore tão grande.
Imagem: Ulmeiro em Almeida (distrito da Guarda) antes
de ser escandalosamente mutilado. Fotografia de Pedro
Nuno Teixeira Santos in Árvores de Portugal
4. Ora um dia tal satisfação transformou-se
em orguIho. Foi quando lá apareceu, de
propósito para ver aquele ulmeiro, o sábio
Doutor Pafúncio, então a fazer uma cura de
águas nas Termas, uma aldeia pendurada na
encosta da serra próxima da vila.
O Dr. Pafúncio da Silva era professor de
Zoologia (o estudo dos animais), de Botânica (o
estudo das plantas) e Mineralogia (o estudo do
que não é animal nem planta, como as pedras e
as rochas).
Imagem: flores,folhas e frutos do ulmeiro in Flora von
Deutschland Österreich und der Schweiz (1885)
5. Esteve mais de dez minutos a andar à roda da
árvore, a olhar para ela, muito calado, e por fim
disse:
— É um belo ulmeiro, talvez o maior ulmeiro
português. Devia ser considerado monumento
nacional. E deu o nome à tua vila, como sabes.
O senhor Presidente da Câmara, que tinha
sido colega do sábio na Universidade de Coimbra e
o levara junto da árvore, ficou de boca aberta e
gaguejou:
— O... o quê!?
— Ulmeiro... Mosqueiro — disse o doutor
Pafúncio. Estás a perceber
— Não — respondeu o senhor Presidente. Ora
explica lá isso.
Imagem: detalhe de uma alameda de 11 ulmeiros, na Guarda, classificados de interesse público em 2008.
Fotografia de Pedro Nuno Teixeira Santos in Árvores de Portugal
6. As plantas, os
animais e os
— Ulmeiro ou ulmo é o mesmo que olmo ou olmeiro. Mas também
minerais para pode ter outros nomes: negrilho, lamegueiro ou... mosqueiro. Se não
além do seu
nome comum, acreditas, vai ver a um bom dicionário.
vulgar ou
vernacular (da Com certeza esta árvore, há algumas centenas de anos, é que deu o
língua própria nome a esta vila. Donde julgavas tu que vinha o nome da tua terra?
de um país)
também têm — Eu... eu... E achas que isto é um monumento nacional? — perguntou
um nome o senhor Presidente.
científico, em
latim ,que se — Devia ser — respondeu o sábio. — Mas, pelo menos, é de interesse
escreve em
itálico. público, o que quer dizer que, sendo como é uma árvore tão antiga, tão alta
O ulmeiro e tão bonita, ninguém lhe pode fazer mal, ninguém a pode cortar. É da lei!
mais comum
em Portugal é o Encontras tudo isso num decreto* publicado há muitos anos no “Diário do
Ulmus minor. Governo” (hoje Diário da República).
(carregar para
aceder à ficha
desta espécie
no ARBORIUM,
•Trata-se do Decreto-Lei nº 28468 de 15 de Fevereiro de 1938 ver aqui.
Atlas das • Esta lei está em processo de revisão. >
árvores de
Leiria (on line)
7. O senhor Presidente da Câmara ia quase desmaiando de alegria.
E, passada uma hora, todas as pessoas da vila sabiam daquela conversa com o
doutor Pafúncio, toda a gente estava muito contente; e a satisfação de haver na sua vila
pequenina uma árvore tão grande, um ser tão importante, transformou-se em orgulho.
E até havia razão para esse contentamento e para esse orgulho, porque para os
mosqueirenses era como se lhes tivessem tirado de cima um grande peso: a troça que
deles costumavam fazer as outras pessoas quando, longe da vila, eles diziam que eram
de Mosqueiro.
Mais ou menos isto:
— Ah! você é de Mosqueiro? Terra feia e suja, sítio de moscas, não é?
— Nada disso. É até uma vila muito branca e muito limpa.
— Pois sim, está-se mesmo a ver: Mosqueiro...
E, afinal, Mosqueiro era o nome do ulmeiro do jardim!
8. Os mosqueirenses ficaram por isso muito contentes, orgulhosos e comovidos.
Assim aconteceu com Zé Pataco, vendedor de jornais, poeta popular e
repentista, tão comovido que não conseguiu, nem quis dizer de repente uma quadra,
como costumava fazer a propósito de qualquer pessoa ou de qualquer caso
engraçado.
Dessa vez, Zé Pataco resolveu pensar muito bem... e escreveu uma poesia, até
com título, que foi publicada na primeira página do jornal da vila, por baixo de uma
fotografia do ulmeiro tirada por Quim Santos e ao lado das declarações do sábio
doutor Pafúncio sobre a árvore.
Era assim:
9. A Madrinha
Se em Mosqueiro há casas toscas,
a vila é limpa e decente. Viste, ó árvore velhinha,
Mosqueiro é terra de gente, nascer este povo inteiro
nunca foi terra de moscas. e a todo o povo pertences.
Tem um orgulho profundo
no seu nome: assim se chama Tu és a nossa Madrinha,
o seu ulmeiro de fama, pois deste o nome a Mosqueiro
que é o maior deste mundo. e a todos os mosqueirenses.
10. O Sr. Presidente da Câmara enviou logo às autoridades
Árvores
de Interesse Público – competentes do Governo, em Lisboa, com esse número do jornal
Monumentos Vivos “A Voz de Mosqueiro”, uma carta a pedir que o enorme ulmeiro
«O que são árvores de fosse considerado monumento nacional.
interesse público?
E, passado algum tempo, recebeu de Lisboa a resposta, com
São árvores que pelo um exemplar do “Diário da República” que dizia respeito ao
seu porte, desenho,
idade e raridade se caso... e um letreiro com vidro e moldura, uma placa que devia
distinguem dos outros ser colocada na árvore e em que, a seguir ao seu nome em latim e
exemplares. Também
os motivos históricos ou antes do número do decreto que nela falava, estava escrito:
culturais são factores a
ter em conta. »
aqui Ulmus minor
ULMEIRO (Mosqueiro)
Considerado de interesse público.
Av. João Crisóstomo, 28
Decreto-Lei nº 28468 de 15 de Fevereiro de 1938
1069-040 LISBOA
Tel.: 213 124 800
E-mail: info@afn.min- Imediatamente foi combinado fazer-se uma grande festa
agricultura.pt
para a colocação da placa. E assim se fez... e foi uma festa muito
bonita. (…)
11. “A árvore” in O cão, o gato e a árvore de
Leonel NEVES. 2ª ed. Lisboa: Asa, 1987
Nota: este livro encontra-se esgotado
Alguns links de Interesse
Árvores de Interesse Público - Monumentos Vivos (Autoridade Florestal Nacional)
Base de Dados das Árvores Classificadas de Interesse Público (id.)
Árvores classificadas ( Dias com Árvores)
Árvores classificadas ( Sombra Verde)
Classificação de Árvores de Interesse Público ( Árvores de Portugal)
Registo Nacional de Árvores Notáveis ( Árvores de Portugal)
Manuela D.L.Ramos
Outubro 2010