O documento discute os mecanismos fisiopatológicos da dor, distinguindo dor aguda e crônica. A dor aguda é fisiológica e útil, enquanto a dor crônica é patológica e incapacitante. A dor é gerada por estímulos que ativam os nociceptores e causam inflamação, sensibilizando os nervos periféricos. A transmissão da dor é modulada no sistema nervoso central e periférico por mecanismos inibitórios e
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FARMACOLOGÍA DEL DOLOR
Atualização em Mecanismos e Fisiopatologia da Dor
Luiz Fernando de Oliveira, TSA – SBA
Professor Titular de Anestesiologia – Faculdade de Medicina – UERJ - Rio
1.INTRODUÇÃO -
A dor é experiência sensorial e emocional de caráter desagradável provocada por lesão tissular, ou
atribuída a tal (IASP). Fisiologicamente funciona como sinal de alerta desencadeando reações de defesa
e preservação, tendo importante função de defesa.
Do ponto de vista clínico podemos distinguir dois tipos de dor, aguda e crônica. A dor aguda é de caráter
fisiológico, é deflagrada por lesão corporal e tem função de alerta e defesa contribuindo para a
preservação da vida. Normalmente é de breve duração, provocada por estímulo nociceptivo periférico
e/ou reação inflamatória e tem relação causa-efeito bem determinada. A dor crônica tem caráter
patológico, não apresenta relação causa-efeito bem definida, freqüentemente não se encontrando causa
periférica que a justifique. Insidiosa, não tem função de alerta ou defesa, é gradativamente incapacitante e
está relacionada a alteração dos mecanismos centrais de nocicepção, que acarretam sua progressiva
centralização. Pode existir ou persistir na ausência de lesão real, produz alterações persistentes no
comportamento psicomotor (emocional) e pode levar à incapacidade física e mental permanente. Podemos
dizer que a dor aguda, fisiológica, é útil e cumpre uma função de preservação, enquanto a dor crônica,
patológica, ao contrário, é inútil e incapacitante.
2. MECANISMOS ANÁTOMO-FISIOLÓGICOS -
2.1. – ORIGEM
Fisiologicamente a dor é deflagrada por estímulos intensos e potencialmente lesivos que ativam os
nociceptores, lesam o tecido e desencadeiam reação inflamatória (humoral e celular) com liberação de
mediadores químicos como a Bradicinina (BK), Prostaglandinas (PGI e PGE2), IL-1, NO e substância P
(sP). Esses mediadores a par de desencadearem as alterações vasculares e imunológicas inflamatórias,
ativam os nociceptores (como a Bradicinina - BK), ou reduzem seu limiar de excitabilidade,
sensibilizando-os (Hiperestesia ou Hiperalgesia primária) como a PGE e a PGI. Do equilíbrio da ação
dos vários mediadores pró-inflamatórios (algogênicos) e de mediadores antiinflamatórios (opióides
periféricos) resulta o estado de sensibilidade do nociceptor. Esse mecanismo permite uma sintonia fina da
excitabilidade dos nociceptores às condições locais do tecido.
A ativação dos nociceptores, não depende assim apenas da natureza e intensidade do estímulo lesivo, mas
também da extensão e intensidade da hiperestesia primária gerada pelo processo inflamatório a nível
local. Por isso, a dor gerada por ativação nociceptiva periférica responde às drogas antiinflamatórias,
mesmo quando não é gerada primariamente por processo inflamatório.
2.1.1. HIPERALGESIA PRIMÁRIA E SECUNDÁRIA
Ao observarmos a área lesada verificamos a presença de duas zonas distintas de hipersensibilidade. A
hiperalgesia que se observa na área inflamada é denominada de Primária. Ao redor da zona de lesão
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observamos um segundo halo de hiperestesia que é denominada de Hiperalgesia Secundária. Enquanto a
hiperalgesia primária é devida à sensibilização periférica dos nociceptores pelos mediadores
inflamatórios, a secundária deve-se a sensibilização espinhal. Esta é conseqüência do alargamento do
campo receptor dos nociceptores, da sensibilização dos neurônios de largo espectro da lâmina V (“wide
dinamic range”- WDR) com conseqüente “wind-up” (aumento) da freqüência de disparo dos neurônios
nociceptivos medulares, e ativação de sinapses silentes o que acarreta facilitação da ativação
espinotalâmica inclusive pelos neurônios não-nociceptivos. A hiperalgesia secundária é de natureza
progressiva e a longo prazo é responsável por alterações plásticas do sistema nervoso que levam à
cronificação da dor.
2.2. - VIAS NOCICEPTIVAS -
O sinal gerado no nociceptor é conduzido pelas fibras nociceptivas finas (C-amielínicas e Adelta-
mielinizadas finas), cujo corpo celular se localiza no gânglio sensorial da raiz dorsal e que terminam na
medula espinhal ou núcleo sensitivo do trigêmeo, e daí se projeta para a Formação Reticular, Tálamo e
Córtex .
A estimulação nociceptiva converge no corno posterior medular sôbre duas populações celulares distintas,
os neurônios da lâmina I e os da lâmina V. Estes últimos recebem tanto inervação nociceptiva quanto
não-nociceptiva, daí sua designação de neurônios de largo espectro (“WDR”) e dão origem às fibras
espino-talâmicas e espino-reticulares responsáveis pela projeção da estimulação nociceptiva para o tronco
cerebral e tálamo. Além desses dois sistemas de projeção, um sistema próprio-espinhal cursa pela
substância cinzenta interligando metâmeros vizinhos e pode, quando da lesão dos sistemas primários,
passar a exercer importante papel na condução do estímulo nociceptivo até a Formação Reticular do
Tronco.
As fibras neoespinotalâmicas se projetam para o núcleo ventro-póstero-lateral (VPL) do tálamo, e daí para
o neo-córtex somato-sensorial (parietal). Este sistema é oligossináptico, direto, sofre menor influência
moduladora inibitória, e está envolvido com a percepção (componente neuro-sensorial) da dor e sua
análise cognitiva. Já as fibras paleo-espinotalâmicas e espinoreticulares, assumem posição mais mediana
no tronco cerebral, projetando-se para a formação reticular na qual fazem múltiplas sinapses,
especialmente na zona reticular central do tegumento em torno do Aqueduto de Silvius (PAG), e na área
periventricular (PVG) do hipotálamo, projetando-se a seguir para os núcleos centro-mediano e
intralaminares do tálamo, neo-córtex frontal (área pré-frontal) e sistema límbico. Esse sistema é
multisináptico, indireto e mais sensível à modulação inibitória. Está envolvido com as reações
neurovegetativas e de alerta, bem como com o afeto aversivo (sofrimento) e a resposta emocional
(psicomotora) à dor.
2.3.- MODULAÇÃO -
2.3.1. LOCAL - A excitabilidade dos nociceptores é modulada químicamente por mediadores liberados
localmente pelos macrófagos, terminações nervosas e células endoteliais vasculares como as
Prostaglandinas (PGI e PGE2), TNF, BK, sP, que induzem Hiperestesia (Hiperalgesia primária)
dos nociceptores.
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2.3.2. SEGMENTAR - Modulação Inibitória Espinhal - A transmissão do impulso nociceptivo entre os
aferentes periféricos e os neurônios de transmissão (Lâminas I e V) é mediada pelo Glutamato,
que é responsável pela transmissão excitatória nociceptiva e pela Substância P (sP), que atua
como neuromoduladora da excitabilidade pós-sináptica.
A transmissão do sinal nociceptivo é modulada por mecanismos inibitórios e facilitadores a nível espinhal
e reticular.
A nível segmentar os aferentes não-nociceptivos (fibras grossas) ativam os neurônios inibitórios da S.
Gelatinosa (lâminas II e III) dificultando a ativação dos neurônios nociceptivos centrais.
Sistema central inibitório originário da Formação Reticular (PAG/PVG) e Bulbo (região do núcleo
reticular mago – NRM e do Locus Coeruleus – LC) se projeta à medula espinhal pelo Funículo Dorso-
Lateral e inibe as sinapses nociceptivas na substância cinzenta espinhal por: a) mecanismo opióide
dependente (mediado por 5-HT e Dinorfina/met-Encefalina); e b) mecanismo não-opióide, mediado por
Noradrenalina (receptores alfa 2) e ACh. Esses mecanismos controlam a excitabilidade da sinapse
nociceptiva medular, funcionando como um "portão", que ao se abrir ou fechar, regula o acesso da
informação nociceptiva ao SNC, bloqueando a entrada de estímulos não-nociceptivos e regulando a
sensibilidade dessas sinapses ao estímulo nociceptivo, estabelecendo o que poderíamos denominar de um
limiar medular à estimulação dolorosa. Sistema central eferente facilitador, originário da Formação
Reticular e mediado por colecistocinina (CCK) e óxido nítrico (NO), exerce influência antagônica.
Resultados recentes demonstram que a ativação continuada dos aferentes nociceptivos leva ao
aparecimento de hiperexcitabilidade espinhal (Hipersensibilidade), com facilitação da ativação do
sistema espinotalâmico. Esse fenômeno se contrapõe à modulação inibitória, e parece contribuir de forma
decisiva, não só para aumentar e prolongar a dor, como também para a sua consolidação, centralização e
cronificação.
A transmissão excitatória nas sinapses espinhais é mediada por mecanismo Glutamato/NMDA
dependente. O mecanismo pelo qual o Glutamato transmite informação é complexo. Três tipos de
receptor estão envolvidos, o AMPA, o NMDA, e o Metabotrópico. Os dois primeiros são ligados a canal
iônico, respectivamente de sódio (Na - AMPA) e cálcio (Ca - NMDA), e o último é ligado a proteína G e
Fosfolipase C da membrana, ativando produção de DAG e IP3.
Em condições normais o Glutamato interage principalmente com o receptor AMPA e devido a sua meia-
vida muito curta, produz apenas rápidos potenciais Na-dependentes, responsáveis pela ativação do
neurônio nociceptivo espinhal. O cálcio pouco participa desse processo pois o canal de cálcio-NMDA-
dependente está normalmente bloqueado por íon Magnésio.
No caso de uma ativação repetitiva ou prolongada dos neurônios nociceptivos a liberação repetitiva de sP
e Glutamato pelas terminações aferentes espinhais acarreta despolarização prolongada da membrana dos
neurônios espinhais (WDR e lâmina I). Essa prévia despolarização da membrana desloca os íons
magnésio do canal de Cálcio do receptor NMDA, ativando o receptor NMDA e gerando grande fluxo de
cálcio para o interior do neurônio. Isto leva a aumento da concentração intracelular do cálcio, com grande
alteração na função do neurônio pós-sináptico. O aumento do cálcio intracelular, por exemplo, ativa
proteíno-cinases responsáveis pela fosforilação e ativação dos canais iônicos AMPA e NMDA
prolongando sua ativação e aumentando as correntes iônicas. Ativa também a NO-Sintase e a produção de
óxido nítrico (NO) que estimula a liberação de Glutamato, aumentando em intensidade e duração a
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ativação da sinapse, gerando longas e sustentadas despolarizações (Potenciação de Longa Duração - PLD)
que acarretam disparo repetitivo dos neurônios nociceptivos espinhais (“Wind up”).
Estudos experimentais revelam também que o aumento do cálcio intracelular estimula a transcrição de
proto-oncogenes (genes reguladores do processo de transcrição do ADN) como o c-fos e o c-jun. As
proteínas resultantes ativam a síntese de ARNm controladores da síntese de proteínas fundamentais ao
funcionamento do neurônio tais como receptores do Glutamato (aumentando sua densidade na membrana
e tornando o neurônio mais sensível ao Glu), canais iônicos (aumentando sua densidade na membrana), e
enzimas como fosforilases e proteíno-cinases. Essas mudanças resultam em alteração plástica neuronal,
são duradouras e eventualmente permanentes, tornando esses neurônios hipersensíveis por longos
períodos, capazes até de atividade espontânea, eventualmente para o resto de sua vida, ou seja da vida do
próprio indivíduo. Esse mecanismo parece ser o responsável pela consolidação da ativação das sinapses
nociceptivas nos processos dolorosos crônicos, estabelecendo o traço de memória da dor que
acompanhará o indivíduo pelo resto de sua vida
Estudos recentes de Ferreira e cols., sugerem a existência também de uma "memória" periférica da dor,
caracterizada por estado de hipersensibilidade do nociceptor, e que provavelmente também contribui de
forma significativa para a consolidação de estados de dor crônica.
3. CONCLUSÃO-
Podemos concluir assim que dois fatores fundamentais estão envolvidos na dor :
a. AGRESSÃO – determina a intensidade e a extensão da lesão e funciona como estímulo para ativação,
em condições normais, da via nociceptiva;
b. SENSIBILIDADE – modula a reatividade dos nociceptores e das sinapses centrais ao estímulo
nociceptivo aferente e depende de mecanismos inibitórios e facilitadores locais e espinhais;
O sistema nervoso é capaz assim de se adaptar funcional (de maneira temporária) ou permanentemente
(plasticidade) à estimulação nociceptiva, ajustando sua sensibilidade aos estímulos nociceptivos e
tornando-se mais ou menos sensível à dor ao longo do tempo.
Ao longo de toda a via nociceptiva parece existir um equilíbrio entre os aferentes excitatórios
nociceptivos e os aferentes não nociceptivos e inibitórios. A rutura desse equilíbrio, quer pelo
desenvolvimento de hipersensibilidade das sinapses excitatórias nociceptivas, ou pela redução da
estimulação não-nociceptiva concorrente ou falência das sinapses inibitórias, pode determinar o
aparecimento de hiperatividade nociceptiva central, hiperestesia, centralização da dor e sua consolidação.
Assim, a alteração do processamento nociceptivo central resultante tanto de deaferentação com
subseqüente desequilíbrio entre os impulsos nociceptivos e não-nociceptivos (inibitórios), quanto a
decorrente do aparecimento de hiperssensibilidade central devida a hiperatividade Glutamato - NMDA
dependente, exerce papel relevante na Dor Central e é responsável pela progressiva centralização dos
processos de dor crônica.
Referências
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