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Volume 7
Número 1
Jan/Jun 2017
Doc. 1
Rev. Bras. de Casos de Ensino em Administração ISSN 2179-135X
________________________________________________________________________________________________
©FGV-EAESP / GVcasos | São Paulo | V. 7 | n. 1 | jan-jun 2017 www.fgv.br/gvcasos
DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv7n1c1
O PRIMEIRO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DA EMPRESA ABC SOFTWARE
The first strategic planning of ABC Software
MARCUS JOSÉ ROCHA – marcus@coord.com.br
Centro Universitário Estácio de Sá de Santa Catarina – São José, SC, Brasil
ÉVERTON LUÍS PELLIZZARO DE LORENZI CANCELLIER – everton.cancellier@gmail.com
Universidade do Estado de Santa Catarina – Florianópolis, SC, Brasil
Submissão: 17/11/2014 | Aprovação: 01/02/2017
_________________________________________________________________________________
Resumo
A ABC Software é uma empresa de tecnologia de pequeno porte, que distribui no Brasil o software
de uma empresa dos EUA, no modelo SaaS (Software as a Service, ou Software como Serviço). A
empresa percebe que não está alcançando os objetivos propostos pelos seus sócios, e também vem
enfrentando diversas pressões do ambiente externo. O estilo de tomada de decisão estratégica,
centralizado nos sócios e baseado em reações a acontecimentos pontuais, também não está
funcionando. A partir dessa situação, o diretor-geral da empresa contrata o Sr. Smith, um consultor
norte-americano que não fala português, para realizar um planejamento estratégico utilizando o
método E-Myth, desconhecido para todos na empresa e que não prevê a análise SWOT. Tal situação
de mudança representa diversos desafios para a ABC Software, principalmente na adaptação a um
novo modelo de gestão e a uma nova metodologia de planejamento e execução das suas estratégias.
Palavras-chave: estratégia, planejamento estratégico, SWOT, mudança organizacional
Abstract
ABC Software is a small technology company located in Brazil that distributes software made by a
U.S. company. That software is marketed as a service (Software as a Service – SaaS – business
model). The shareholders of this company realized that the objectives proposed were not being
achieved, and company was facing various pressures from external environment. The style of
strategic decision making, centered on the members and based on reactions to specific events, was
also not working. Considering that situation, ABC General Manager hired an American consultant
who didn’t speak Portuguese (local language) to conduct a strategic planning using a method
unknown to everyone in the company: E-Myth. This changing situation represented many challenges
for ABC Software, especially in adapting to a new management model and a new methodology for
planning and executing strategies.
Keywords: strategy, strategic planning, SWOT, organizational change
Introdução
Este caso de ensino tem por objetivo compreender e refletir sobre os sucessos e falhas do
primeiro planejamento estratégico da ABC Software, uma empresa de pequeno porte que distribui,
nacionaliza e comercializa no Brasil softwares estrangeiros, vindos principalmente dos Estados
Unidos. Os principais personagens desta história são o Sr. Rodolfo, diretor-geral e sócio majoritário
da empresa, e o Sr. Smith, um consultor norte-americano que, apesar de morar há mais de três anos
no Brasil, entende pouco e não fala a língua portuguesa. Também é importante mencionar a
participação da Sra. Ana, diretora de tecnologia e sócia minoritária da empresa, além dos demais
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funcionários da empresa. Destaca-se que esta é uma história real, mas as empresas e pessoas aqui
mencionadas têm nomes fictícios.
A ABC Software se considera inovadora, seguindo as tendências mais atuais do segmento no
qual atua. A empresa surgiu com o objetivo de trazer softwares bem-sucedidos nos Estados Unidos
para o mercado brasileiro, a partir da experiência dos dois sócios da empresa, que estudaram e
moraram por mais de 10 anos naquele país. Portanto, a empresa tem clara influência da cultura norte-
americana, e, quando se percebeu a necessidade de realizar um planejamento estratégico, foi natural
a contratação do Sr. Smith, pessoa que fazia parte do círculo pessoal de relacionamentos do Sr.
Rodolfo.
Destaca-se que a ABC Software, até então, nunca tinha feito um planejamento estratégico,
mas alguns dos seus funcionários já tinham experiência nessa prática quando trabalharam em outras
empresas. Além disso, o Sr. Smith resolveu aplicar um método totalmente desconhecido para todos,
o E-Myth, que é bastante diferente dos métodos tradicionais. Tal situação trouxe desafios adicionais
que precisavam ser transpostos pela empresa.
Sendo assim, o presente caso de ensino está estruturado da seguinte forma: inicialmente, é
realizada uma caracterização do histórico e do contexto da empresa, seguida de uma descrição do
método de planejamento estratégico adotado. Logo após, são descritos os momentos mais
importantes da criação do plano estratégico. Por fim, são colocadas as orientações para a aplicação
deste caso de ensino, juntamente com a fundamentação teórica e com perguntas para discussão em
grupo.
ABC Software
A empresa ABC Software (nome fictício) foi criada em 2006 para distribuir no Brasil os
aplicativos da empresa norte-americana SoftCo (nome também fictício), que são comercializados no
modelo de Software como Serviço, por usuário nomeado. Ou seja, o cliente final paga uma anuidade
(que pode ser parcelada) por cada usuário que utiliza o sistema. A SoftCo tem mais de 15 mil
clientes em cerca de 100 países, e seu software é reconhecido e premiado internacionalmente,
englobando os principais processos organizacionais: vendas; finanças; contabilidade; recursos
humanos; estoque; produção; projetos; atendimento ao cliente; marketing; comércio eletrônico.
O primeiro desafio da ABC foi garantir que um aplicativo estrangeiro fosse aderente às
peculiaridades de idioma, processos, cultura e leis do Brasil. Com isso, a empresa precisou
desenvolver módulos para a nacionalização do software da SoftCo, trabalho que demorou cerca de
dois anos e que hoje é um dos seus principais ativos. Essa iniciativa priorizou os processos com
menor regulamentação legal (vendas, marketing, projetos e atendimento ao cliente), para, em seguida,
nacionalizar os módulos relacionados aos processos de finanças, estoque, comércio eletrônico
produção, recursos humanos e contabilidade.
O faturamento da ABC vem principalmente da revenda do produto da SoftCo, juntamente
com a venda dos módulos de nacionalização e dos serviços de consultoria, implantação e suporte ao
usuário final. Considerando que a empresa trabalha no modelo comercial SaaS e que a SoftCo
considera a venda do produto em contratos com duração de um ano, uma questão importante para a
manutenção e o crescimento do faturamento da empresa é a renovação anual dos contratos com os
atuais clientes.
Por ser uma empresa de pequeno porte, os dois sócios da ABC sempre estiveram envolvidos
nas suas atividades diárias. O Sr. Rodolfo, sócio majoritário, atuava na diretoria-geral da empresa (o
que incluía marketing e vendas), enquanto a Sra. Ana era responsável pela diretoria de tecnologia.
Os objetivos principais da empresa, conforme eles expressaram, eram: “consolidar os aplicativos da
SoftCo no mercado de pequenas e médias empresas no Brasil, junto com os módulos de
nacionalização da ABC Software” e “fazer da ABC Software uma empresa de médio porte em
termos de faturamento”.
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Considerando o interesse para o retorno dos investimentos realizados e também as pressões
da SoftCo para aumento no volume de vendas, apesar dos objetivos descritos anteriormente, o
processo estratégico da ABC era baseado em decisões pontuais centralizadas do sócio Rodolfo, de
acordo com as oportunidades ou ameaças detectadas no ambiente externo, ou, ainda, a partir de
problemas internos que surgiam. As decisões sobre os negócios eram tomadas com base na intuição,
com poucas informações e pouco tempo disponível. Frequentemente, esse comportamento gerava
mudanças importantes na empresa em curtos períodos, e algumas decisões, inclusive, conflitavam
com posicionamentos adotados pouco tempo antes. Enquanto isso, a sócia Ana estava mais
concentrada nas questões relacionadas aos softwares e à implantação dos sistemas nos clientes
contratados.
Ao final do ano de 2012 a ABC Software contava cerca de 30 clientes e 20 funcionários,
faturando aproximadamente R$ 4 milhões no mesmo ano. Nesse ano, percebeu-se que a empresa não
estava caminhando na direção dos objetivos planejados, pois:
 algumas partes importantes do software da SoftCo ainda não tinham sido nacionalizadas pela
ABC;
 a maior parte dos clientes da ABC era de grande porte, e havia dificuldades nas vendas para
clientes de pequeno e médio portes;
 a empresa ainda estava com poucos clientes, distribuídos em diferentes segmentos de mercado;
 uma parcela significativa dos clientes da ABC não renovava seus contratos;
 as vendas e as receitas não estavam evoluindo conforme o desejado;
 a empresa percebia pouco ou nenhum lucro.
Ao mesmo tempo, os dois sócios da ABC começavam a perceber que a excessiva
dependência da SoftCo passava a ser um risco para a sobrevivência da empresa. Como o volume de
vendas e a quantidade de clientes da ABC estavam baixos, a SoftCo começava a dar sinais de que
buscaria outras alternativas para fomentar as suas vendas no Brasil, o que incluía a busca por outros
parceiros, que seriam concorrentes da ABC.
O planejamento estratégico para a ABC Software
Tal situação de insegurança com a SoftCo acionou um “alarme geral” na ABC Software, e o
sócio Rodolfo percebeu que o atual modelo de gestão precisava mudar. As decisões tomadas de
maneira reativa e na base da intuição não estavam trazendo os resultados desejados. Então, foi
decidido que era necessário realizar um planejamento estratégico, algo nunca feito antes na empresa.
A sócia Ana apoiou a decisão.
Devido à proximidade com a SoftCo e também com outras empresas norte-americanas, foi
contratado um consultor dos Estados Unidos, com residência fixa no Brasil havia alguns anos. O
profissional escolhido pelo Sr. Rodolfo foi John Smith (nome fictício), que tinha mais de 20 anos de
experiência em empresas de consultoria de grande porte, mas não tinha fluência na língua portuguesa.
Novamente, a sócia Ana concordou com a decisão.
Feita a contratação do consultor e o anúncio da realização do planejamento estratégico para
todos os funcionários da ABC Software, o trabalho do Sr. Smith começou com o levantamento da
situação atual, realizando entrevistas com os sócios e com quase todos os demais funcionários.
Como nem todas as pessoas na ABC Software falavam inglês fluente, em muitas ocasiões, foi
necessário solicitar a ajuda de colegas para realizar a tradução.
Durante as entrevistas, percebeu-se que a maior parte dos funcionários com cargos de gestão
na ABC já tinha passado por processos de planejamento estratégico em outras empresas e estava
bastante confortável em relação a esse trabalho. Porém, o Sr. Smith trouxe um método de
planejamento estratégico chamado E-Myth, criado por Michael Gerber e Thomas Travisano, com o
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objetivo inicial de criar um programa educacional para ensinar técnicas de gestão de negócios para
empreendedores (Gerber, 2005). Destaca-se que ninguém na empresa conhecia esse método.
O E-Myth traz uma abordagem sistêmica para o planejamento de empresas, trabalhando
sobre sete disciplinas principais: liderança; marketing; finanças; gestão; atendimento aos clientes;
conversão de prospectos em clientes; geração de novos potenciais clientes. O processo de
planejamento estratégico desse método é desenvolvido nos seguintes passos: definição do propósito
principal da empresa; definição do objetivo estratégico; estratégia empresarial; estratégia
administrativa; estratégia para gestão de pessoas; estratégia de marketing; estratégia para
sistematização dos processos na empresa (Gerber, 2005).
Com a definição do E-Myth, apesar do entusiasmo do diretor-geral da empresa, os gestores
da ABC mostraram-se bastante desconfortáveis sobre o uso de um método de planejamento
estratégico totalmente desconhecido. Também manifestaram preocupações em relação à barreira do
idioma, pois o Sr. Smith não falava português, e nem todos os funcionários falavam inglês, incluindo
alguns gestores. Porém o Sr. Rodolfo, com o apoio de sua sócia, deu toda a autoridade necessária
para que o Sr. Smith realizasse o trabalho, que teve início oficial no mês de abril de 2013 e cujas
principais ações são descritas a seguir.
Realização de reuniões semanais com os gestores
Para garantir o correto entendimento do método E-Myth, realizar acompanhamento e
alinhamento das ações, e desenvolver lideranças, foi estabelecida uma rotina de reuniões semanais,
das quais todos os gestores da empresa precisavam participar.
As reuniões eram realizadas na forma de workshops. Antes da reunião, cada participante
precisava ler parte do material disponibilizado, para que os primeiros minutos fossem dedicados ao
entendimento dos conteúdos. Em seguida, o Sr. Smith atribuía uma atividade que deveria ser
realizada para a tomada de decisão em grupo, ao final da reunião. Também eram definidas ações
individuais, a serem executadas durante a semana. Essas ações eram apresentadas na reunião da
semana seguinte.
As reuniões correram de maneira regular no início do planejamento. Houve alguma
resistência por parte de alguns gestores, justificando que estavam bastante sobrecarregados e tinham
dificuldade em entender o que estava sendo discutido em inglês. Com o passar do tempo, isso
acabou prejudicando a regularidade das reuniões, que, por algumas vezes, foram adiadas ou não
contavam com todas as pessoas.
Implantação da ferramenta “relato de frustrações-chave”
Para identificar gargalos e problemas em geral que estivessem representando dificuldades na
execução dos trabalhos cotidianos da empresa, o método E-Myth sugeria a implantação de relatos de
frustrações-chave. Todos os funcionários da empresa foram convocados a utilizar essa ferramenta.
Para tanto, foi realizada uma apresentação geral sobre o que era o procedimento de relatar
frustrações-chave, sua justificativa e sua importância. Foi criado um formulário eletrônico no qual
qualquer pessoa da empresa poderia indicar suas frustrações, a partir dos seguintes passos:
identificação da frustração ou problema; classificação da causa principal do problema (pessoal ou
sistêmica); impactos do problema na empresa; sugestão de solução sistêmica para o problema;
criação de um compromisso para corrigir o problema; desenho do processo para solucionar o
problema; cronograma.
A ferramenta funcionou muito bem nas primeiras semanas, com participação geral dos
colaboradores, o que gerou um cenário bastante completo sobre os principais problemas da empresa
e suas principais causas. Porém, com o passar do tempo, a lista de frustrações não diminuía, e havia
uma certa desconexão entre os trabalhos que foram realizados e os problemas que eram levantados.
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Alguns colaboradores afirmaram que a ferramenta caiu em um certo descrédito, sendo abandonada
meses mais tarde.
Definição do objetivo primário pessoal
A definição do objetivo primário pessoal é uma ação proposta no método E-Myth para
verificar o alinhamento dos objetivos pessoais dos colaboradores com os objetivos da empresa.
Novamente, todos os funcionários foram convocados a participar, incluindo os dois diretores/sócios
da empresa.
Para essa atividade, o E-Myth propõe reflexões com base nos seguintes tópicos principais: o
que você não quer para a sua vida; o que você quer para a sua vida; quais as suas prioridades e suas
barreiras; escrever o seu discurso de elogio fúnebre; definição do objetivo primário pessoal;
definição de objetivos específicos e metas para alcançar o objetivo primário.
Cada pessoa da empresa deveria preencher um formulário contendo as questões e declarações
propostas pelo método e apresentar ao seu gestor imediato. Isso gerou desconforto em parte
significativa dos funcionários, pois julgaram ter sua privacidade invadida com tal prática. Para
contornar o problema, o Sr. Smith divulgou para todos os funcionários o seu próprio formulário, e
também foi decidido que todos os funcionários apresentariam de maneira privada suas ideias para ele.
Novamente, a barreira do idioma foi um fator complicador, e, em alguns casos, as sessões de
apresentação tiveram que ser coletivas, com pelo menos uma pessoa que falasse inglês, não
resolvendo a questão do desconforto que havia sido manifestada.
As pessoas revelaram que não viram conexão desse exercício com o planejamento estratégico.
O Sr. Smith disse ter percebido que, em alguns casos, as pessoas não foram totalmente honestas ou
não realizaram o exercício com a profundidade desejada. Também externou que a falta da definição
da visão da empresa, questão que atrasou por alguns meses, também prejudicou essa atividade, pois
não havia base de comparação entre os objetivos pessoais de cada um e o objetivo da empresa.
Definição da visão da empresa
O planejamento estratégico pressupõe uma série de estratégias para o alcance de um ou mais
objetivos. Assim, a definição da visão está presente em métodos que trabalham com a “escola do
planejamento estratégico”, como o E-Myth, principalmente porque ela é o principal objetivo
estratégico a ser conquistado.
Para a elaboração da visão estratégica, o E-Myth propõe o levantamento de itens como tempo,
produtos e/ou serviços que serão oferecidos ao mercado, metas de crescimento e de tamanho da
empresa, área geográfica de atuação, posicionamento de marketing e elementos para vantagem
competitiva. Apesar de a documentação sobre o método ter sido divulgada a todos na empresa,
apenas os dois sócios da empresa trabalharam nisso, com a assessoria do Sr. Smith, e não houve
clareza sobre a realização dessa atividade.
Um dos questionamentos feitos ao método dizia respeito à falta de investigação mais
aprofundada do ambiente externo. Também não foi feita uma análise estruturada do ambiente interno
da empresa. Com isso, não era possível realizar uma análise SWOT, relacionando oportunidades e
ameaças do ambiente externo com forças e fraquezas do ambiente interno. Ou seja, a definição da
visão estratégica seria algo mais baseado nas convicções dos diretores/sócios, a partir das definições
sugeridas pelo E-Myth, do que algo deliberado a partir de uma análise mais detalhada dos cenários
interno e externo.
Passados pouco mais de dois meses do início do planejamento estratégico, ainda não havia
consenso sobre a visão da empresa. Além disso, nesse mesmo período, foi realizada uma venda para
um cliente de grande porte, com cronograma de implantação bastante agressivo, e que demandou o
envolvimento dos principais gestores e funcionários técnicos da empresa.
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Com isso, a maior parte das atenções da ABC foi voltada ao novo cliente, e o planejamento
acabou ficando em segundo plano. Nesse período, a visão continuava indefinida, ao mesmo tempo
que as vendas da empresa começaram a estagnar. Passados outros dois meses, o Sr. Smith
demonstrou a sua frustração com a situação e convenceu o sócio Rodolfo de que era importante para
a empresa voltar a priorizar o planejamento estratégico. Nesse período, alguns colaboradores
também evidenciaram a sua frustração, pois não viam evolução no planejamento estratégico e
também não tinham visibilidade sobre quais seriam os rumos da empresa.
Sem a definição da visão, o planejamento estratégico como um todo começou a atrasar, pois
outras atividades importantes dependiam dessa definição. Finalmente, com o final da implantação
naquele novo cliente, as atenções puderam voltar ao planejamento estratégico. A visão, então, foi
definida pelo Sr. Rodolfo, com a validação da Sra. Ana, como “Ser a empresa número 1 do Brasil
em softwares para gestão no modelo SaaS para médias e grandes empresas”. Tal definição
representou uma mudança significativa em relação ao mercado de pequenas e médias empresas, que
antes era o foco da ABC Software.
Devido à mudança de rumo trazida pela nova visão, foi necessário realizar ajustes
consideráveis na estrutura organizacional, juntamente com modificações em processos importantes
que já haviam sido definidos e documentados. Isso porque clientes de grande porte exigem
atendimento mais personalizado para os serviços de implantação e de suporte do software.
Mapeamento e documentação de processos
Como mencionado anteriormente, foi realizado um trabalho para a definição e documentação
dos processos da empresa, com a participação dos gestores, que contavam com o suporte do Sr.
Smith. Tal atividade também é proposta pelo método E-Myth, e conta com o auxílio da ferramenta
de “relato de frustrações-chave” para resolver gargalos e problemas de qualidade na empresa,
fazendo com que as operações sejam coerentes com as definições do planejamento estratégico.
O mapeamento dos processos da empresa, em todas as áreas, foi iniciado logo após o
levantamento do organograma da ABC Software, que, no início do planejamento estratégico, sofreu
alguns ajustes deliberados pelo Sr. Rodolfo. A principal mudança foi a criação de uma diretoria
específica para o atendimento ao cliente, englobando as gerências de implantação de software,
desenvolvimento e integração de softwares, suporte ao cliente, treinamento, e qualidade. Esta era
uma área-chave para a empresa.
Houve alguma resistência em relação a essa nova diretoria, pois havia uma disputa de poder
em relação à ocupação do cargo. Com isso, o relacionamento entre o novo diretor e seus gerentes
tinha significativos conflitos, e, frequentemente, os gerentes recorriam diretamente aos sócios da
empresa para resolverem seus problemas.
Com isso, inicialmente, o trabalho de mapeamento dos processos dessa área ficou quase que
totalmente nas mãos do novo diretor, contando com pouca colaboração dos seus gerentes. Ao mesmo
tempo, na diretoria administrativa/financeira, havia pouco conflito, com cooperação ativa dos
colaboradores. Porém, havia pouca experiência no trabalho de mapear processos.
Já na área de marketing/vendas, a prioridade era vender, pois as vendas da empresa estavam
estagnando nesse período. Com isso, o mapeamento dos processos ficou em segundo plano.
Com a definição da visão da empresa, também foi anunciada uma nova mudança na estrutura
organizacional da empresa, que foi deliberada pelo Sr. Rodolfo e pelo Sr. Smith, sem nenhum aviso
prévio aos colaboradores nem participação dos demais gestores. Nessa nova estrutura, o Sr. Smith
acabou sendo declarado diretor da área de atendimento ao cliente, e o diretor anterior foi
redirecionado para a gerência comercial. Tal mudança visava reduzir os conflitos na área-chave da
empresa, além de dotar a área comercial de uma pessoa que tivesse conhecimento pleno dos produtos
comercializados pela empresa e que também pudesse mapear os processos na área de
marketing/vendas.
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Com a mudança, o Sr. Smith passou a ter maior autoridade para desenvolver o planejamento
estratégico, também tendo maior poder para cobrar o andamento dos trabalhos das demais áreas da
ABC. Assim, os processos da área de atendimento ao cliente passaram a ser mapeados e implantados.
Na área de marketing/vendas, o então gerente (ex-diretor de atendimento ao cliente) finalizou o
mapeamento dos processos, mas pediu demissão em seguida, alegando desmotivação pelo
rebaixamento de cargo e mudança de área sem discussão prévia.
Na área administrativa/financeira, os trabalhos de mapeamento e implantação de processos
também se encaminharam, mas surgiu um conflito entre o diretor dessa área e o Sr. Smith, que
discordavam sobre o método de planejamento estratégico E-Myth e como colocar as ações em
operação. Tal situação se agravou e culminou com o pedido de demissão do diretor
administrativo/financeiro, em dezembro de 2013.
A totalidade dos processos da empresa foi mapeada e implantada em janeiro de 2014, quando
se iniciou um trabalho de melhoria contínua baseado, principalmente, na ferramenta de relato de
frustrações-chave.
Definição das estratégias da ABC Software
Para que a visão da empresa seja alcançada, a escola do planejamento indica também a
deliberação de estratégias. Nesse sentido, entende-se que cada estratégia é uma “linha de ação”, ou
um conjunto abrangente de planos, que visa o alcance do objetivo (visão) definido. O método E-
Myth sugere que sejam definidas: estratégia empresarial; estratégia administrativa; estratégia para
gestão de pessoas; estratégia de marketing; e estratégia para sistematização dos processos na
empresa.
As estratégias foram deliberadas principalmente pelo sócio Rodolfo, com algumas sugestões
da sócia Ana, juntamente com o Sr. Smith. A primeira estratégia deliberada estava relacionada aos
produtos. Considerando o risco de depender excessivamente da SoftCo, a ABC Software começou a
desenvolver parceiras com outras empresas e também passou a desenvolver alguns produtos próprios.
A estratégia começou a ser implantada em meados de setembro de 2013, e, no fim do mesmo ano, a
ABC já tinha em seu portfolio mais três outros produtos complementares a qualquer software de
gestão do mercado, inclusive em relação ao software da SoftCo.
Nesse período, o Sr. Rodolfo deliberou pelo menos três definições diferentes para a estratégia
administrativa da ABC Software, principalmente naquilo que se relacionava às finanças da empresa.
Paralelamente, os já mencionados atritos entre o diretor administrativo/financeiro e o Sr. Smith
aumentavam, o que culminou com o pedido de demissão do referido gestor.
Apesar de deliberada pelo sócio Rodolfo junto com o agora diretor Smith, a estratégia de
gestão de pessoas não havia sido operacionalizada ainda, por falta de recursos para investimento na
área. Mesmo assim, algumas ações pontuais para aferição do clima organizacional e também para o
desenvolvimento de pessoas começaram a ser realizadas a partir de dezembro de 2013.
A estratégia de marketing passou a ser um problema, pois, até o final do ano de 2013, não
havia uma definição clara. Apenas a diretriz de vender para médias e grandes empresas foi
implantada, e foi considerada como uma “estratégia” pelo diretor-geral da ABC Software. A
operacionalização veio na forma da criação de uma política para representantes comerciais e da
alocação de um profissional específico para trabalhar com licitações. As ações de promoção e
comunicação não receberam investimentos adicionais.
Definição de indicadores de desempenho e metas
Para avaliar a eficácia das estratégias deliberadas, era necessário estabelecer um conjunto de
indicadores. O E-Myth sugere a criação de um sistema de indicadores estratégicos, de negócio (para
cada área da empresa) e de sistemas (para cada processo da empresa). Esse trabalho foi realizado
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pelos gestores da empresa, incluindo agora o Sr. Smith como diretor da área de atendimento ao
cliente.
Quando assumiu a direção da área de atendimento ao cliente, Smith começou a acelerar os
trabalhos de mapeamento de processos, estabelecendo também alguns “indicadores de sistema”.
Mesmo sendo a ABC especializada em software de gestão que possui funcionalidades para cálculo e
exibição de indicadores de desempenho, houve dificuldades para implantar os indicadores da própria
empresa, relacionadas principalmente à falta de pessoal e de tempo para dedicação a essa atividade.
Com o final do mapeamento dos processos, o trabalho de definição de indicadores de sistema
passou a ser priorizado. À medida que esses indicadores eram definidos e implantados em cada
processo e área da empresa, deveriam ser desenvolvidos os indicadores de negócio. Tal atividade
poderia ser desenvolvida em paralelo, mas o Sr. Smith preferiu finalizar primeiro os indicadores de
sistema para garantir coerência, uma vez que havia o risco de os indicadores de negócio estarem
desconexos dos indicadores de sistema se o trabalho fosse feito em paralelo. Até o final de 2013,
ainda não havia sido mapeado nenhum indicador de negócio.
Os indicadores estratégicos foram definidos durante as reuniões semanais dos gestores. Para
tanto, o E-Myth propõe um processo de trabalho para enumerar indicadores tangíveis (quantitativos)
e intangíveis (qualitativos). Os indicadores tangíveis escolhidos foram os seguintes: faturamento;
lucratividade; investimentos; número de clientes ativos; churn (taxa de clientes perdidos); custo do
retrabalho. Os indicadores intangíveis foram: satisfação dos clientes; clima organizacional;
comunicação.
Para os indicadores tangíveis, foram criadas as respectivas fórmulas matemáticas e iniciado o
trabalho de configuração no software de gestão da ABC. Para os indicadores intangíveis, era
necessário criar um método que pudesse traduzir questões qualitativas em números. No indicador
satisfação dos clientes, foi adotado o método do net promoter score (NPS), que identifica clientes
detratores, neutros e promotores da empresa a partir de uma pergunta que visa descobrir qual seria
(em uma escala de 0 a 10) a vontade do cliente em indicar a ABC Software para a sua rede de
relacionamento.
Para o indicador clima organizacional, foi realizada uma pesquisa com base no método
utilizado pelo prêmio “Melhores Empresas para se Trabalhar”, desenvolvido pela Universidade de
São Paulo (USP) e pela revista Você S/A. Até o final de 2013, não havia sido definido um método
para apurar o indicador comunicação.
O encerramento do planejamento estratégico e o futuro da ABC Software
O planejamento estratégico da ABC Software foi dado como finalizado na última semana útil
de dezembro de 2013, por meio de um anúncio feito na reunião de encerramento dos trabalhos no
ano, com a participação de todos os colaboradores. Na ocasião, o diretor-geral Rodolfo declarou que
estava satisfeito com o que havia sido entregue até então, e que as estratégias deliberadas estavam
suficientes. A sócia Ana concordou.
Após o evento, em reunião reservada, alguns gestores da empresa declararam não estar
totalmente satisfeitos com o planejamento estratégico, principalmente pela falta de maiores detalhes
sobre as estratégias deliberadas e por não haver diretivas sobre como essas estratégias seriam
efetivamente aplicadas.
Nessa mesma reunião, os gestores também expressaram que, mesmo percebendo que o
método E-Myth não tivesse sido totalmente cumprido, houve um aprendizado importante durante o
planejamento estratégico da ABC Software. Também foram realizadas manifestações indicando que
o maior desafio da empresa seria executar o planejamento, adaptando a cultura de tomada de decisão
intuitiva e, algumas vezes, apressada por um processo mais estruturado e coerente com o objetivo e
as estratégias definidas.
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A partir desse histórico e de toda a situação que se apresenta para a ABC Software, o Sr.
Rodolfo começou a refletir sobre como ocorreu o processo de planejamento estratégico, e também
sobre o que fazer para garantir um futuro melhor para a empresa. Ele se perguntou quais decisões
precisariam ser tomadas para garantir a execução das estratégias que foram definidas e, assim,
garantir um futuro melhor para a empresa. Além disso, também começou a pensar em formas de
facilitar o trabalho necessário para finalizar a aplicação do E-Myth, um método que, no julgamento
dele, era muito adequado para a empresa.
Para saber mais sobre o método E-Myth
O E-Myth é um método que foi apresentado por Michael Gerber no livro “The E-Myth”, em
1986. A expressão E-Myth vem do inglês “entrepreneurial myth” (“mito do empreendedor”, em
português) e se refere à falsa premissa de que alguém tecnicamente competente que decide
empreender na sua própria área técnica certamente terá sucesso. Gerber procura desfazer esse mito
mostrando que um empreendedor bem-sucedido precisa ser, acima de tudo, um gestor eficiente – que
procura implantar sistemas que tragam lucro para a empresa – e um empresário com uma clara visão
de futuro para o seu negócio.
O autor escreveu vários outros livros sobre o mesmo tema. Um deles, “The E-Myth Revisited:
Why Most Small Business Don’t Work and What to Do about It”, lançado em 1995, foi considerado
um dos 25 livros de gestão mais influentes nos Estados Unidos, segundo a revista Times.
O E-Myth considera uma série de práticas para cada um dos “sete centros de atenção
gerencial”, conforme destaca o seu criador. São eles: liderança; marketing; finanças; gestão; geração
de leads (potenciais clientes); conversão de leads em clientes; atendimento ao cliente.
Há bastante material disponível na internet sobre o E-Myth. Para saber mais sobre esse
método, há dois links bastante interessantes:
 http://www.emyth.com: site oficial do método (em inglês).
 https://www.youtube.com/watch?v=KJ8iEjV2Bkw: vídeo com o resumo dos principais pontos
do E-Myth (em português).
Volume 7
Número 1
Jan/Jun 2017
Doc. 2
Rev. Bras. de Casos de Ensino em Administração ISSN 2179-135X
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DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv7n1c2
REMUNERAÇÃO VARIÁVEL APLICADA À EMPRESA JOHN & WERNER
CONTADORES ASSOCIADOS
Variable compensation applied at John & Werner Associate Accountants
RENATO BREITENBACH – renatobreitenbach@gmail.com
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – Porto Alegre, RS, Brasil
ROSECLER MASCHIO GILIOLI – rgilioli@terra.com.br
Universidade de Caxias do Sul – Caxias do Sul, RS, Brasil
FERNANDO FANTONI BENCKE– fernando.bencke@unoesc.edu.br
Universidade do Oeste de Santa Catarina – Joaçaba, SC, Brasil
PELAYO MUNHOZ OLEA – pelayo.olea@gmail.com
Universidade de Caxias do Sul – Caxias do Sul, RS, Brasil
Submissão: 23/06/2015 | Aprovação: 03/02/2017
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Resumo
O caso enfoca o papel da remuneração variável para estratégia de desenvolvimento de uma empresa
de contabilidade. Discute o desafio de motivar os colaboradores a gerenciar novas contas com
qualidade e interesse, por meio da elevação dos ganhos em termos de remuneração variável, por
meio de um programa de participação nos resultados.
Palavras-chave: gestão de pessoas, remuneração variável, participação em lucros e resultados,
motivação, desempenho
Abstract
The case focuses on the role of variable compensation for the development strategy of an accounting
firm. It discusses the challenge of motivating employees to manage new accounts with quality and
interest, by raising earnings through a profit sharing program.
Keywords: people management, variable compensation, participation in profits and results,
motivation, performance
Introdução
Este caso para ensino foi desenvolvido na empresa John & Werner Contadores Associados,
inaugurada em janeiro de 1997.
Inicialmente, a empresa dividia as atribuições dos seus colaboradores por atividades. A
definição de responsabilidades ficava obscura, pela difícil separação das tarefas, identificação do
usuário operador ou mesmo da segurança da informação aos clientes, uma vez que qualquer pessoa
do setor contábil, fiscal ou de pessoal poderia atender qualquer cliente, indistintamente.
A partir da reestruturação dos processos, houve a categorização de clientes por opção
tributária – simples nacional, lucro presumido, lucro real, associações e profissionais liberais –,
seguida da identificação do número médio de lançamentos contábeis e fiscais de cada cliente.
Realizada essa identificação inicial, promoveu-se a separação das empresas por afinidade de opção
tributária ou segmento empresarial – indústria, comércio ou serviços –, atribuindo a cada um dos
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colaboradores uma carteira de clientes, que passaria a ser gerenciada individualmente, realizando a
recepção dos documentos, as operações fiscais e contábeis, a apuração tributária, o atendimento ao
cliente e todas as demais funções necessárias ao bom desempenho da prestação de serviços àqueles
clientes.
Assim, buscou-se motivar os colaboradores a gerenciar novas contas, com qualidade e
interesse, por meio da elevação dos ganhos em termos de remuneração variável, especificamente,
bônus de PPR. Dessa forma, para a John & Werner Contadores Associados, surgem um novo
modelo de prestação de serviços em contabilidade e uma alternativa para gestão de pessoas que
envolve a remuneração variável como estratégia de motivação e desempenho dos colaboradores.
A trajetória e a formação dos sócios
De gostos e aptidões semelhantes, os sócios conviveram durante anos como amigos. Colegas
no curso técnico em contabilidade, em março de 1992, ingressaram na graduação em ciências
contábeis. Em janeiro de 1997, despertou-lhes o interesse pela criação de uma empresa de prestação
de serviços contábeis. Iniciadas as atividades, a renda pelos serviços prestados não era suficiente, e
houve necessidade de conciliar atividades paralelas, a fim de garantir os recursos financeiros
necessários à continuidade do negócio.
Um ano e meio se passou, a carteira de clientes ainda era pequena, mas a crença no sucesso
levou os dois sócios a cursarem uma especialização em contabilidade gerencial e finanças, com o
propósito de promover a diferenciação na prestação de serviços contábeis, com viés para a gestão e
consultoria, agregando valor e promovendo maior conquista de clientes.
Em março de 1998, paralelamente, como forma de melhoramento da renda pessoal e maior
visibilidade, ambos iniciaram atividades docentes no ensino médio, o que lhes despertou o gosto pela
atividade e os levou a buscar um mestrado na área de gestão, a fim de elevar ainda mais o diferencial
na prestação de serviços e no ensino da graduação. Ingressando no mestrado em maio de 2000,
surgiu o convite para ministrar as primeiras aulas na universidade em novembro do mesmo ano,
iniciando a atividade de docência em março de 2001. Serviços contábeis combinados com
consultoria na área de gestão financeira, custos e controladoria, além de ministrar aulas nessa área na
universidade, foram diferenciais no desenvolvimento de uma carteira de clientes cada vez maior,
também ampliada pela vitrine promovida pela atividade docente.
O investimento em imóvel, a aquisição de empresas concorrentes e a contratação de uma
equipe de colaboradores contribuíram cada vez mais para o fortalecimento da carteira de clientes. O
crescimento tornou-se algo natural e consequente de todo um trabalho desenvolvido, porém ocorreu
de maneira mais rápida que a capacidade de acompanhamento por parte dos sócios. Veio o segundo
imóvel, e o terceiro, e mais colaboradores e clientes... A desordem tomou conta, e dela adveio a
perda de controle, desencadeando em multas por atrasos na entrega de guias ou declarações,
descontentamento de clientes pelo mau atendimento ou mesmo pela demora na prestação das
informações necessárias.
A equipe foi formada gradativamente, sem critérios ou análise de competências. A
necessidade de contratação de colaboradores, por vezes, era maior que a oferta, e qualquer pessoa
disponível, por menor que fosse o seu conhecimento, era contratada e treinada. Treinamento
demanda tempo, e tempo era o recurso menos disponível naquele momento. A hierarquia não estava
claramente definida, e as responsabilidades individuais não eram claras. Quem deveria decidir estava
envolvido com a operação, e o operacional decidia. Em caso de erro ou omissão, a responsabilidade
era atribuída à empresa como um todo, pois a indefinição de cargos e funções tornava obscura a
identificação das responsabilidades. A sensação era de estar andando em círculos e sem solução, até
mesmo porque os sócios combinavam as atividades da empresa com a atividade docente
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universitária, o que permaneceu e permanece até os dias atuais, reduzindo o tempo de dedicação à
empresa e à solução dos problemas operacionais.
A empresa dividia as atribuições dos seus colaboradores por atividades, cada qual com
pessoas treinadas e desenvolvidas para as suas funções. A definição de responsabilidades ficava
obscura, pela difícil separação das tarefas, identificação do usuário operador ou mesmo da segurança
da informação aos clientes, uma vez que qualquer pessoa do setor contábil, fiscal ou de pessoal
poderia atender qualquer cliente, indistintamente.
A reorganização da empresa
Em 2004, não sendo mais possível trabalhar daquela forma, a empresa procurou conhecer o
modo de trabalho de outras empresas de sucesso no ramo de prestação de serviços contábeis,
estabelecidas em regiões não concorrentes, a fim de promover uma mudança interna. Depois de
analisadas as alternativas, os sócios encantaram-se por um modelo que promoveria uma revolução na
forma como até então as atividades eram desenvolvidas.
O novo processo consistiu basicamente na categorização de clientes por opção tributária –
simples nacional, lucro presumido, lucro real, associações e profissionais liberais –, seguida da
identificação do número médio de lançamentos contábeis e fiscais de cada cliente. Realizada essa
identificação inicial, promoveu-se a separação das empresas por afinidade de opção tributária ou
segmento empresarial – indústria, comércio ou serviços –, atribuindo a cada um dos oito
colaboradores uma carteira de clientes, que passaria a ser gerenciada individualmente, realizando a
recepção dos documentos, as operações fiscais e contábeis, a apuração tributária, o atendimento ao
cliente e todas as demais funções necessárias ao bom desempenho da prestação de serviços àqueles
clientes.
A mudança foi seguida de revisão de horários de trabalho, adaptando a jornada para 44 horas
semanais, e foram revisados os salários de todos colaboradores, pela elevação da jornada, que antes
era de 40 horas, ou pela nova disposição das tarefas.
A mudança foi positiva, e o resultado, praticamente imediato, pois cada cliente passou a ser
gerenciado por um colaborador específico, e houve aumento na segurança e na qualidade da
informação. A nova hierarquia, agora contando com um gerente de contabilidade e fiscal, permitiu
que os sócios ficassem liberados para dar atenção aos clientes, promovendo visitas periódicas e
atendimento personalizado. O gerente de contabilidade e fiscal ficou responsável pelo atendimento
aos colaboradores e dedicou-se à conferência dos trabalhos realizados, à pesquisa e atualização fiscal,
acompanhamento de prazos e atendimento de clientes, quando necessário. Os gerentes de contas
ficaram responsáveis pelo gerenciamento da contabilidade dos clientes, em número compatível com
a capacidade produtiva média, atualmente de 4.300 lançamentos mensais. No departamento de
recursos humanos, que continuou separado dos demais, por sua especificidade, igualmente
promoveu-se o gerenciamento de contas entre os colaboradores que nele trabalham. Cada
colaborador é responsável pelo gerenciamento das folhas de pagamento de alguns clientes,
atendendo desde o registro dos colaboradores até a rescisão, passando pelo processamento das folhas
de pagamento e consultoria, quando necessário. O organograma da empresa pode ser visualizado na
Figura 1.
Em outubro de 2012, a empresa mudou-se para um novo espaço físico, mais uma vez com
diferencial na prestação de serviços, totalmente climatizado e arborizado, oferecendo melhores
condições de trabalho aos seus colaboradores, além de melhores condições de atendimento a clientes,
com amplo estacionamento e sala especial de atendimento. Recentemente, houve ampliação no
investimento de treinamento aos colaboradores, ultrapassando 20 horas de treinamento por pessoa no
último ano.
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Ocorre que o número de clientes dobrou, a empresa passou para uma estrutura de 12
colaboradores, seu resultado econômico e financeiro elevou-se em 50% em relação ao que possuía
anteriormente à mudança, e o contínuo crescimento da empresa produziu um dilema: “Como motivar
os colaboradores a gerenciarem novas contas, com qualidade e interesse, se a remuneração é fixa e
serão agregadas tão somente responsabilidades, em vez de salário?”.
Figural 1. Organograma da empresa John & Werner Contadores Associados Ltda.
Fonte: John & Werner Contadores Associados Ltda.
A participação nos resultados
Com o propósito de estimular os colaboradores a gerenciarem novas contas, com qualidade e
interesse, buscou-se mudar o conceito formado pelos colaboradores sobre remuneração, partindo de
uma remuneração fixa para uma remuneração variável, em que quanto maiores forem o
envolvimento, dedicação e desempenho, maior poderá ser seu bônus. A comissão avaliadora
constitui-se da diretoria da empresa, do gerente de contabilidade e de dois gerentes de conta, como
forma de promover a transparência na implantação do programa de participação em resultados.
Como indicadores grupais, a empresa avalia a produtividade das melhorias implementadas pelos
círculos de controle da qualidade (CCQ) e o registro de novos clientes. Para as melhorias
implementadas pelo CCQ, determinou-se um mínimo de quatro contribuições de cada grupo por
semestre, com implantação ao menos de uma dessas contribuições, que produzisse melhoria na
redução de custos. Entre as melhorias, destacam-se ações de relacionamento com cliente, redução de
custos por melhoria na utilização dos recursos internos, treinamento de colaboradores e clientes,
alterações no sistema de informação, entre outras. Em relação ao registro de clientes novos, a meta
da empresa consiste na conquista de um cliente por colaborador por ano.
Os colaboradores também ficam vinculados a indicadores de desempenho individual,
abrangendo o retrabalho e a produtividade. O retrabalho, alto gerador de custos em organizações
dessa natureza, é medido sobre os procedimentos que envolvam o software utilizado pela empresa,
desprezando os trabalhos realizados pela internet e outros, considerados de difícil medição. A
produtividade fica estabelecida em 4.300 lançamentos mensais e 51.600 lançamentos anuais por
colaborador, ficando estabelecido um bônus a título de PPR, na proporção de 50% desse indicador
quando os lançamentos compreenderem o limite de 48.001 a 51.600 lançamentos, e 100% quando
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ultrapassarem esse limite. Além disso, são medidos o número de lançamentos corrigidos, o número
de atendimentos telefônicos realizados, o número de lançamentos excluídos, entre outros.
No que diz respeito aos indicadores gerais, também a vinculação se refere a dois indicadores,
envolvendo assistência técnica e economia. O indicador de assistência técnica tem por base a
reposição de peças em equipamentos ou mobiliário produzidos por descuidos ou imprudência na sua
utilização. Para isso, são comparados os gastos com assistência técnica com o faturamento líquido da
empresa. A título de economia, há comparação entre os custos fixos globais e o faturamento bruto,
devendo-se alcançar uma economia média de 1% por ano na média geral.
Ainda, indicadores específicos são agregadores de desempenho individual, como o resultado
individual e o absenteísmo. Como resultado individual, acresce em 5% o bônus a título de PPR de
cada colaborador na inclusão de nova empresa na sua carteira, limitados a 10%. E, como fator de
absenteísmo, apuram-se a frequência e a regularidade do colaborador no cumprimento dos seus
horários, limitados ao equivalente de até seis faltas por ano, sem prejuízo do bônus. Acima desse
limite, há prejuízo ao colaborador, não fazendo jus à parte do bônus referente ao absenteísmo.
A medição dos desempenhos individual e coletivo provocou um senso de responsabilidade
nunca visto na empresa antes da implantação do projeto, embora tenha havido resistência inicial.
Para quem nunca havia sido controlado, a implementação de metas produz um sentimento de perda
da liberdade, que antes era total. Em um segundo momento, quando cada colaborador se reestabelece
na sua nova rotina, passa a ser percebida a concorrência entre os colegas para agregar à sua carteira
de clientes cada vez mais volume, a fim de atingir o crescimento de bônus.
O desafio
Entre os colaboradores da empresa, estão profissionais graduados com excelente qualificação
e alto nível de conhecimento e alguns em formação universitária. A seu favor, está a elevada
qualificação, o conhecimento da equipe e a formação diferenciada, com forte viés para consultoria,
não explorada profissionalmente pelas demais empresas do segmento na região de atuação.
A remuneração fixa da empresa é compatível com a do mercado local, porém busca-se
oportunizar maior renda variável aos colaboradores, retendo, assim, talentos. Novos negócios e
funções serão necessários a fim de permitir elevação dos ganhos em termos de remuneração variável,
especificamente, bônus de PPR.
Assim, o desafio está em “motivar os colaboradores a gerenciar novas contas, com qualidade
e interesse, por meio da elevação dos ganhos em termos de remuneração variável, especificamente,
bônus de PPR”.
Volume 7
Número 1
Jan/Jun 2017
Doc. 3
Rev. Bras. de Casos de Ensino em Administração ISSN 2179-135X
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DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv7n1c3
PRODUÇÃO DE COUROS ACABADOS NA CHINA
Production of finished leather in China
MARCELO ANDRÉ MACHADO – mmachado@unisinos.br
Escola de Gestão e Negócios UNISINOS – Porto Alegre, RS, Brasil
MICHELE CRISTINA MÜHL– michelemuhl@universo.univates.br
Centro Universitário UNIVATES – Lajeado, RS, Brasil
Submissão: 16/12/2015 | Aprovação: 01/02/2017
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Resumo
O diretor comercial de uma empresa brasileira fabricante brasileiro de couros acabados de alto valor,
precisa decidir qual o melhor modo de produção na China. A decisão de produzir na China surge da
necessidade de estar mais próximo dos clientes nesse país, maior consumidor de couros acabados do
mundo. O leitor é convidado a escolher o melhor modo de produzir na China: contrato de produção;
licenciamento; ou investimento externo direto do tipo greenfield ou brownfield.
Palavras-chave: estratégia, negócios internacionais, China
Abstract
The commercial director of a Brazilian Brazilian manufacturer of high-quality finished leathers
needs to decide on the best mode of production in China. The decision to produce in China arises
from the need to be closer to customers in that country, the largest consumer of finished leather in
the world. The reader is invited to choose the best mode of production in China: production contract;
licensing; Or direct foreign investment of the greenfield or brownfield type.
Keywords: strategy, international business, China
Introdução
Germano D’Ávila, diretor comercial do Grupo Global Leather, após ouvir repetidamente de
um experiente trader internacional que, na China, “quanto mais próximo do cliente estiver a empresa
estrangeira, melhor o relacionamento e os seus resultados”, passou a refletir sobre alguns
movimentos estratégicos que seriam necessários para o crescimento internacional da companhia.
Contudo, o próprio diretor em questão pôs-se a questionar se não seria tarde demais para instalar
uma operação na China, pois os principais concorrentes do grupo já operam naquele país. Para
muitos analistas, no entanto, talvez o maior erro seja justamente não investir na China.
A Global Leather, ou Grupo GL, é um grupo empresarial do setor coureiro com foco na
produção de couros acabados de alto padrão para calçados, artefatos e acessórios, estofamentos
automotivos e móveis estofados. Fundada em 1985, no sul do Brasil, a empresa atua desde 2000 no
exterior, exportando para vários países, entre os quais a China é o que compra o maior volume e tem
uma relação comercial de mais de 10 anos com o grupo. Em 2013, China e Hong Kong
representaram 65% da quantidade do couro acabado exportado pelo Grupo GL.
O couro acabado é a peça de couro pronta para ser utilizada pelas indústrias calçadistas,
moveleiras e automobilísticas, não sendo necessário nenhum outro tipo de finalização. É justamente
nesse segmento, de produtos de maior valor agregado, que a Global Leather tem sua maior expertise
e sua maior margem de lucro. A empresa, ao longo de seus 30 anos de história, desenvolveu
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PRODUÇÃO DE COUROS ACABADOS NA CHINA
Marcelo André Machado, Michele Cristina Mühl
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processos de curtimento e tingimento que garantem couros acabados de alto padrão de qualidade e
com propostas inovadoras de acabamento. Por outro lado, o grupo produz diversos tipos de couro,
desde couros semiacabados de baixo valor agregado, chamados de wet blue (Anexo 1), até couros
acabados de alto padrão (Anexo 2).
De todos os tipos de couros vendidos pela empresa, apenas 40% são direcionados para o
mercado doméstico, e 60%, para o mercado externo, colocando-a entre os 10 maiores exportadores
brasileiros de couros e peles. Porém, para o exterior, é vendido, principalmente, o couro
semiacabado. Dessa forma, a atuação internacional do Grupo GL está no centro das preocupações do
diretor comercial da empresa.
Como a produção de couros acabados é mais complexa e exige grande conhecimento técnico, a
Global Leather realiza toda a operação de acabamento de couros de alto padrão no Brasil. Dessa
forma, o diretor Germano percebe que está cada vez mais difícil competir no mercado chinês com o
produto que traz a maior margem de contribuição líquida para a empresa. A dificuldade de atender,
prontamente, a pedidos específicos e customizados de algumas indústrias calçadistas e moveleiras na
China, além dos custos cada vez mais caros de se fazer todo o acabamento do couro aqui no Brasil,
tiram o sono do executivo. Ainda, os custos logísticos das exportações para a China e a flutuação da
taxa de câmbio, tanto do real brasileiro como do iuane chinês perante o dólar, afetam a
competitividade das exportações de couro acabado de alto padrão a partir do Brasil.
O Brasil tem matéria-prima de qualidade para atender os clientes chineses, já que, atualmente,
o País tem o maior rebanho bovino do mundo, e a produção total de couro brasileiro está além da
demanda doméstica, o que justifica a grande exportação brasileira do produto. Para que o Grupo GL,
que tem uma relação de muitos anos com clientes chineses, possa ter menor tempo de produção e
menor custo, uma opção seria exportar o couro semiacabado (wet blue) para a China e, naquele país,
finalizar o produto, de acordo com a escolha e as necessidades dos clientes chineses.
Assim, produzindo couros acabados na China, a empresa teria um grande diferencial
competitivo, já que o tempo de entrega seria reduzido em comparação ao tempo em que o couro
pronto sairia do Brasil. Essa operação poderia auxiliar, ainda, no atendimento de encomendas
customizadas de acabamento de couros a um custo bem menor em comparação à operação realizada
no Brasil.
Por outro lado, o governo chinês tem incentivado empreendimentos estrangeiros no país com o
objetivo de assegurar matérias-primas para as indústrias estratégicas, como as de calçados, de
móveis e automobilísticas. Essas indústrias são caracterizadas pelo uso intensivo de mão de obra e
por puxarem uma complexa cadeia de empresas correlatas.
Como uma indústria favorecida pelo governo chinês, a Global Leather poderia estar diante de
uma grande oportunidade. Com uma população de mais de um bilhão de pessoas e uma área superior
à dos Estados Unidos, a China apresenta um mercado que poucas empresas podem desprezar.
Contudo, para produzir naquele país, o Grupo GL deveria estar disposto a transferir sua tecnologia
de acabamento de couro para a China.
A Global Leather e sua expertise em acabamento de couros
Para que fosse possível levar adiante a ideia de iniciar uma operação na China, a direção do
Grupo GL entende que há a necessidade, em primeiro lugar, de uma análise interna da organização.
Para o diretor citado, é a partir da compreensão dos recursos e pontos fortes da empresa, bem como
de suas fragilidades, que seria possível definir a melhor opção estratégica de produção de couros
acabados na China.
O Grupo GL iniciou suas atividades em 1985, no interior do Rio Grande do Sul, por meio de
dois sócios que já possuíam larga experiência no curtimento, tingimento e acabamento de couro para
várias finalidades. Os fundadores, Gilmar Schneider e Silvio Bischoff, escolheram localizar a planta
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PRODUÇÃO DE COUROS ACABADOS NA CHINA
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do primeiro curtume em uma pequena cidade no interior do Estado, localizada em uma região de
forte colonização germânica, o que oferecia, segundo os fundadores, mão de obra muito qualificada
para curtimento e acabamento de couro.
Após o estabelecimento dessa planta, o Grupo GL repetiu a fórmula, adquirindo duas novas
plantas também em pequenas cidades do Rio Grande do Sul, em regiões de descendentes de alemães.
Uma das plantas especializou-se em artigos diferenciados para calçados e artefatos de alto valor
agregado, explorando diversos acabamentos e estampas inovadoras. A outra também produz artigos
para calçados, artefatos e vestuário, mas com propostas mais tradicionais. Cabe salientar que a
unidade fabril pioneira do grupo produz artigos nobres, utilizando as melhores classes do couro
brasileiro destinadas à produção de calçados e artefatos de alto padrão.
O Grupo GL criou dois centros de pesquisa e desenvolvimento de novos tratamentos e
produtos para o acabamento de couros. Os dois centros funcionam em parceria com universidades da
região, que desenvolvem pesquisas com a empresa. Alguns processos de acabamento já foram
patenteados no Brasil, e os produtos que os utilizam são vendidos com exclusividade para grandes
marcas internacionais de calçados e artefatos de couro.
Já a produção no exterior não é novidade para o Grupo GL. Após a aquisição de uma dezena
de unidades produtivas de couro acabado no Brasil, o grupo fez, em 2009, a compra da sua primeira
unidade fabril no exterior. Trata-se de uma planta na Argentina para a produção de couros inteiros
destinados às indústrias moveleiras e automotivas daquele país.
O Grupo GL tem preocupação constante com a preservação do meio ambiente, por isso são
realizados expressivos investimentos não apenas para cumprir a legislação ambiental, mas também
para criar uma consciência ecológica entre os colaboradores. Todas as unidades fabris do grupo
fazem parte de um programa nacional que neutraliza a emissão de gases de efeito estufa. Ainda, duas
unidades do grupo já possuem a certificação Gold Rated, concedida pelo The Leather Working
Group, o mais alto nível de certificação expedido por esse organismo internacional. Todas as plantas
do Grupo GL têm certificação ISO 9001 e ISO 14001, além de laboratórios completos para análises
físico-químicas de todos os insumos utilizados e da qualidade dos artigos de couro produzidos.
A empresa vende couros para todo o Brasil, trabalhando com representantes comerciais em
cada região. Desde 2000, o grupo realiza exportações diretas e indiretas, por meio de agentes de
exportação nacionais e internacionais. Atualmente, do total faturado pela empresa, 60% são
provenientes do mercado externo. O grupo possui vários colaboradores bilíngues e com boa
experiência em mercados externos no segmento de couros.
O Grupo GL tem uma situação financeira bastante sólida e vem operando com boa
lucratividade nos últimos anos, o que lhe proporciona acesso facilitado a vários tipos de
financiamento existentes no mercado. Atualmente, a organização tem acesso a financiamentos a
juros internacionais, bem mais baixos que os juros praticados no Brasil, destinados apenas a
empresas que têm boa parte de seu faturamento proveniente da exportação. Assim, uma eventual
necessidade de capital para produção na China não seria problema, apesar de que o custo de
oportunidade do capital no mercado doméstico não recomendaria captar recursos financeiros no
Brasil para investimento produtivo no exterior.
Quanto à capacidade de produção do grupo, as unidades de beneficiamento de couro wet blue
funcionam junto aos principais frigoríficos que fornecem o couro salgado. Nota-se, assim, que a
empresa está verticalizada no segmento de couros com um ciclo de produção completo, iniciando na
matéria-prima direta do frigorífico e terminando no acabamento final antes da venda para indústrias
calçadistas, moveleiras e outras. Da mesma forma, um eventual aumento na demanda por couro seria
facilmente resolvido pela forte parceria de 30 anos com os principais frigoríficos brasileiros.
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PRODUÇÃO DE COUROS ACABADOS NA CHINA
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Dessa forma, é possível estabelecer alguns pontos fortes que auxiliariam o Grupo GL na
tomada de decisão de produção na China, bem como apontar fragilidades que dificultariam tal
empreendimento, conforme é explicitado na Figura 1 (Anexo 3).
Modos de produção de couros acabados na China
Para o Grupo GL passar a produzir couros acabados de alto padrão na China, um ponto
pareceu irredutível na opinião do diretor Germano: a matéria-prima deveria ser enviada a partir do
Brasil, via exportação direta. Segundo ele, “como se tem acesso facilitado a uma grande oferta de
couro cru no Brasil, é possível fazer um primeiro processamento aqui e enviar o couro no estágio wet
blue para a finalização na China”.
Essa decisão do diretor da Global Leather foi amplamente discutida com os demais executivos
do grupo e baseou-se nos seguintes argumentos levantados por ele:
1. É aqui no Brasil que se encontra a grande fonte de matéria-prima da empresa, pois o País possui
o maior rebanho bovino do mundo. Os fornecedores do Grupo GL situam-se muito próximos das
plantas de curtimento do grupo, além de possuírem um relacionamento de anos com a empresa,
tornando-os confiáveis, principalmente na garantia de qualidade na entrega do couro cru (couro
salgado).
2. A Global Leather possui grande capacidade produtiva para couros wet blue. Caso as peças de
couro fossem compradas em outro país para processamento na China, além do risco de queda na
qualidade da matéria-prima, poderia haver rompimento nos contratos de fornecimento de couro
cru com frigoríficos e abatedouros no Brasil. Ainda, a empresa teria que lidar com a ociosidade
das suas plantas domésticas.
3. Um curtume na China importando matéria-prima do Brasil poderia operar em regime de
drawback. Nesse regime, o importador chinês estaria isento de impostos de importação, desde
que vendesse o produto acabado para fábricas chinesas que utilizassem esse couro acabado na
fabricação de produtos que seriam posteriormente exportados.
4. A Global Leather tem experiência de mais de 10 anos na exportação para a China, dominando
todos os processos logísticos, aduaneiros e cambiais envolvidos nessa operação. Ainda, a
empresa já tem experiência de produção de couros acabados no exterior, com sua fábrica
localizada na Argentina.
Com essa condição definida previamente pelo diretor comercial, resta estabelecer quais são
as possíveis estratégias ou modos de entrada que permitirão a produção de couros acabados na China,
levando-se em consideração a necessidade de controle sobre a tecnologia de curtimento e a qualidade,
bem como os custos de produção e os recursos necessários para implementar essa decisão. A partir
disso, a direção da empresa iniciou um levantamento de alternativas que permitissem a execução
dessa intenção estratégica.
Depois de várias conversas informais com representantes da Câmara de Comércio e Indústria
Brasil-China (CCIBC) e do Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB), além de uma
viagem à China para visitar clientes e discutir todas as possibilidades de produção local, o diretor
Germano tem à sua disposição as seguintes opções que permitem ao Grupo GL desempenhar a
atividade de produção de couros acabados na China:
 Contrato de produção – A Global Leather poderia exportar o couro semiacabado para um
curtume chinês que seria responsável pelo acabamento do couro naquele país. Após isso, essa
empresa contratada entregaria para os clientes do Grupo GL na China, a partir dos pedidos
apresentados pelos representantes comerciais da Global Leather. Contudo, a empresa brasileira
deveria repassar o conhecimento técnico e as especificidades do acabamento de couros para a
empresa contratada na China. O contrato de produção permitiria acessar custos mais favoráveis
de produção de couro acabado na China, sem a necessidade de investir em ativos imobilizados
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no exterior e lidar com questões trabalhistas e fiscais, além de permitir o início imediato da
operação. A descontinuidade dessa estratégia é mais simples de ser executada.
 Licenciamento – A empresa brasileira poderia exportar seu couro semiacabado para um curtume
licenciado na China. Esse curtume usaria a tecnologia de acabamento da Global Leather, sob
contrato de licenciamento, para vender o produto final aos seus clientes. A empresa brasileira
receberia royalties sobre a venda do produto final. A partir do licenciamento, a empresa
licenciada na China poderia vender a outros clientes na China, desde que pagasse royalties ao
Grupo GL, ampliando, assim, as receitas do grupo na China sem precisar investir nesse mercado.
 Joint venture – O Grupo GL, a partir da identificação de um curtume parceiro na China, poderia
dividir os custos e riscos de uma produção naquele país. A empresa brasileira enviaria o couro
semiacabado para uma joint venture criada com um sócio chinês. O parceiro chinês poderia
assumir os custos e riscos da planta fabril, dos equipamentos e dos empregados locais. A Global
Leather entraria com a matéria-prima, o conhecimento técnico de acabamento de couros de alto
padrão e a sua carteira de clientes na China. A criação de uma joint venture com sócios chineses
é estimulada e bem-vista pelo governo chinês, o que facilitaria ao lidar com o ambiente
institucional naquele país.
 Investimento externo direto (IED) greenfield ou aquisição – Outra possibilidade apresentada
para a Global Leather foi a construção de uma nova planta fabril, investimento do tipo greenfield
ou, ainda, a aquisição de um curtume local, investimento do tipo brownfield, na China. Com uma
subsidiária de acabamento de couros 100% de sua propriedade, a empresa brasileira poderia
exportar o couro semiacabado a partir do Brasil, tendo controle total do processo produtivo e da
comercialização do produto final no mercado chinês.
A partir dessas possibilidades de produção na China, a direção do Grupo GL precisava
aprofundar sua análise sobre o ambiente de negócios no mercado chinês, identificando oportunidades
e ameaças que refletiriam na decisão da empresa. Isso é apresentado a seguir.
Fazendo negócios na China
Usar superlativos para descrever a China tem sido lugar-comum em relatórios de análise
sobre o país. Com uma população superior a 1,3 bilhão de habitantes, as oportunidades são tão
grandes quanto os desafios de compreender a complexidade de desenvolver negócios no gigante
asiático. A seguir, serão destacadas algumas variáveis do ambiente de negócios na China que o
diretor comercial do Grupo GL está analisando para a decisão da estratégia de produção mais
adequada naquele país.
A economia chinesa
A economia da China expandiu-se vigorosamente desde que o país abandonou o rígido sistema
de controle estatal sobre os meios de produção e introduziu reformas durante o governo de Deng
Xiaoping, em 1978. A partir de 1979, o foco da política econômica chinesa passou do campo para a
cidade, principalmente com destaque à sua industrialização. O “socialismo de mercado” chinês
esteve, assim, calcado por décadas no tripé IED, na industrialização em setores intensivos de mão de
obra e na expansão das exportações.
O desenvolvimento econômico chinês sempre foi bem mais rápido nas províncias costeiras se
comparado às do interior, principalmente pelo fato de lá estarem localizadas as zonas especiais de
exportação, onde há regras mais tolerantes para a iniciativa privada. Por outro lado, isso também
provocou grandes disparidades na renda per capita das regiões.
Nos últimos anos, percebeu-se que o modelo de crescimento chinês, que garantiu taxas de
evolução do PIB de dois dígitos anuais por mais de duas décadas, começou a ser colocado em dúvida
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(Anexo 4). Para lidar com essa nova fase da economia, a China vem fazendo reformas graduais que
incluíram, por exemplo, a venda dos maiores bancos chineses para investidores estrangeiros.
O governo da China já percebeu o desafio que tem pela frente. Das três formas clássicas de
crescimento de uma economia – exportações, investimento estrangeiro direto e consumo –, é
justamente nessa última que estão as apostas do governo chinês e de analistas estrangeiros. Essa
estratégia de crescimento econômico pode trazer grandes oportunidades para empresas que já
estiverem operando dentro da China, ou seja, explorar o gigantesco mercado interno. De qualquer
forma, a mensagem que fica aos investidores estrangeiros na China é de que se trata de um país onde
há grande intervenção do Estado na economia.
A remuneração baixa dos trabalhadores, que transformou a China no destaque mundial de
exportações e ajudou a criar muitos investimentos em infraestrutura, está passando por um reajuste
gradual que pode trazer grande oportunidade para empresas que fabricam bens de consumo duráveis
e não duráveis naquele país. Por outro lado, pode ser uma ameaça a quem procura apenas mão de
obra barata para produzir.
A população chinesa
Com a maior população do mundo, com mais de 1,3 bilhão de pessoas, a China tem a grande
maioria de seu povo proveniente de uma mesma etnia, denominada Han, que representa 91% dos
chineses. Porém, o país ainda é composto por 55 etnias minoritárias espalhadas por regiões
localizadas nas fronteiras ao norte, nordeste, noroeste e sudeste do país. Assim, de certo modo, os
chineses são mais homogêneos, do ponto de vista étnico, do que países como Brasil e Estados
Unidos, nos quais a formação da população contou com grande participação de grupos étnicos
estrangeiros como os africanos, os europeus e mesmo os asiáticos.
Na China, a desigualdade social e econômica apresenta-se em três aspectos distintos: primeiro,
a diferença na renda dos indivíduos; segundo, a diferença no poder de compra da população rural e
urbana; e, em terceiro, as taxas de crescimento das diferentes regiões e províncias do país. Por
exemplo, a renda dos 10% mais ricos da China chega a ser 18 vezes maior que a dos mais pobres, e a
previsão é que esses números piorem se o modelo de crescimento for mantido sem correções.
Como visto na Figura 3 (Anexo 5), a China também é marcada por enorme desigualdade na
distribuição populacional. Sua densidade demográfica média de 135 hab/km² não traduz a realidade,
já que, no leste do país, há concentrações acima de 2 mil hab/km². Como resultado dessa realidade,
80% da população habita um quinto do território. Contudo, a realidade demográfica chinesa está
passando por transformações, não necessariamente positivas. A primeira mudança está no fato de
que o bônus demográfico está acabando e, em poucos anos, a Índia deverá ultrapassar a China como
o país mais populoso do mundo. A segunda diz respeito à migração das pessoas para as regiões
urbanas. Essas mudanças demográficas podem afetar a qualidade de vida nas grandes cidades da
China. As maiores cidades são Xangai, com 13 milhões de habitantes, Pequim, com 11 milhões,
Tianjin, com 6,5 milhões, e Xenyang, com população de 5,2 milhões. A região administrativa
especial, Hong Kong, possui 6,8 milhões de habitantes.
Já a fórmula da mão de obra chinesa barata, que funcionou durante muitos anos, está ficando
para trás. Empregados chineses que aceitavam dormir apertados em dormitórios hoje obrigam as
fábricas a oferecerem ar-condicionado e apartamentos para casais. Assim, as empresas na China
terão que modernizar sua base industrial para produzirem mercadorias com maior valor agregado.
Estima-se que os salários dos trabalhadores chineses vão subir em torno de 30% ao ano até 2018, já
que vêm crescendo acima de 15% por ano nas províncias mais ricas.
Embora a China tenha uma força de trabalho de quase 800 milhões de pessoas, dessas, poucas
têm todas as qualificações desejadas pelas empresas. Os chineses estão preferindo trabalhar na
indústria automobilística e de componentes eletrônicos a trabalhar em fábricas de calçados, empresas
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têxteis e curtumes, uma vez que, nas primeiras, o serviço é menos manual e os locais de trabalho são
mais salubres que nas últimas. A rotatividade de pessoas nas empresas chinesas é de 20% ao mês,
enquanto no Brasil é de 2%. Assim, é importante que as novas empresas estejam localizadas onde,
além de encontrar mão de obra qualificada, as pessoas trabalhem próximas a suas casas.
O ambiente político e de negócios na China
Mesmo tratando-se de um país socialista, regido pelo Partido Comunista da China, foi aceita
no país, há muitos anos, a existência de economia de mercado. Por esse motivo, a China é
denominada como “socialismo de mercado”. Em 1997, a China abandonou o socialismo de mercado
e partiu para o capitalismo convencional, acabando com o princípio de propriedade estatal e
reconhecendo a propriedade privada em sua constituição. Estima-se que, no mínimo, cerca de 70%
da economia chinesa já esteja em mãos privadas, com tendência de crescimento.
O governo chinês também está focado em reduzir a corrupção, uma vez que o problema o
coloca, hoje, entre os mais corruptos, segundo o índice de percepção da corrupção no setor público
da ONG Transparência Internacional. O índice vai de zero, para um país muito corrupto, até 100, que
indica um país livre de corrupção. No índice de 2014, Brasil e China têm escores inferiores a 50, o
que indicaria um nível preocupante de corrupção no setor público. Contudo, a China ficou na
posição 100, com um escore de 36, ou seja, em uma situação pior que a brasileira, com a posição 69
e escore 43.
Para ajudar no combate a esse problema, os membros do Partido Comunista da China que
estejam sob suspeita de corrupção são observados pelo Comitê Central de Inspeção Disciplinar. Esse
comitê tem acesso privilegiado a informações, além de poder controlar redes de informações e
arquivos pessoais. Assim, a ofensiva contra os corruptos aumentou, e o governo abre à mídia a
cobertura das punições, que podem incluir até execuções. Contudo, para o bom desenvolvimento de
negócios na China, é importante que se tenha alguma ligação com o governo, pois, dessa maneira, é
possível se antecipar a possíveis mudanças, além de obter certa influência para conseguir incentivos
governamentais.
Uma boa maneira de verificar a facilidade de se fazerem negócios ou a atratividade de um
mercado para investidores estrangeiros é a análise do relatório Doingbusiness do Banco Mundial.
Esse relatório anual compara e cria um ranking dos países mais amigáveis aos investidores
estrangeiros e os mais refratários a novos negócios vindos do exterior. No ranking de 2015, que
avaliou 189 países no que diz respeito à facilidade de desenvolvimento de negócios, percebe-se que a
China tem uma posição relativamente melhor que a brasileira, conforme observado na Tabela 1
(Anexo 6).
Dos 10 quesitos avaliados pelo Banco Mundial, a China apresenta um ambiente de negócios
mais favorável em sete pontos. Para registrar uma nova empresa em qualquer país, por exemplo, o
empreendedor deve superar vários obstáculos burocráticos e legais. Na China, leva-se em torno de
38 dias para abrir uma empresa, enquanto no Brasil o tempo é de aproximadamente 60 dias. Para
pagar os impostos e contribuições obrigatórias, as empresas chinesas precisam fazer sete pagamentos
por ano, enquanto no Brasil os empreendimentos locais precisam fazer algumas dezenas de
pagamentos no mesmo período. Também é importante levar em consideração que o imposto sobre
lucros é de 6% na China e de 21,4% no Brasil.
O ambiente cultural chinês
O empresário estrangeiro que pretende conduzir algum tipo de negociação com contrapartes
chinesas deve entender as diferenças culturais que permeiam a construção de relacionamentos
comerciais no país. Na China, nas relações interpessoais, algumas palavras são muito importantes
para um estrangeiro conhecer. Uma delas é o guanxi, que significa o relacionamento com base na
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confiança pessoal. O entendimento da palavra guanxi (关系) é fundamental para garantir o bom
desenrolar de uma parceria de negócios. Ela refere-se às relações sólidas entre as pessoas, ou uma
rede de relações sólidas, que são construídas ao longo de suas vidas.
Para os executivos chineses, tanto na unidade familiar quanto no círculo de amizades, a
confiança estabelecida é um valor de extrema importância. Uma vez estabelecido um elo de
confiança com seu interlocutor, quebrá-lo por algum motivo seria complicado para suas relações
pessoais e profissionais. Dessa maneira, na China, o que se diz vale muito mais do que o contrato em
si.
Outro bom exemplo de como pode ser analisado o ambiente cultural da China nos negócios é
por meio do trabalho desenvolvido pelo sociólogo holandês Geert Hofstede. Para ele, a cultura pode
ser entendida como uma programação coletiva da mente ou, como ele chamou, o software da mente.
Em seus estudos, Hofstede desenvolveu seis dimensões de comportamento cultural que podem
auxiliar a compreender como os gestores de uma sociedade diferenciam-se de outras. As seis
dimensões culturais propostas são:
 Distância do poder (power distance) – Há países nos quais as pessoas toleram mais a
distribuição desigual de renda e poder na sociedade, enquanto em outros há intolerância quanto a
essas diferenças.
 Individualismo (individualism) – Em países de orientação mais individualista, prevalecem as
decisões e responsabilidades individuais. Já em países mais coletivistas, prevalecem mais as
decisões em grupo.
 Masculinidade (masculinity) – Em sociedades mais masculinas, são valorizados traços desse
comportamento, como a competição, o desempenho e o sucesso. Já em sociedades mais
femininas, os valores dominantes são o cuidado com o outro e a qualidade de vida, por exemplo.
 Aversão à incerteza (uncertainty avoidance) – Refere-se ao modo como determinada sociedade
lida com o fato de que o futuro não pode ser conhecido.
 Orientação para o longo prazo (long term orientation) – Em países com forte orientação para o
longo prazo, há prevalência ao desenvolvimento de relacionamentos. Já as sociedades mais
orientadas ao curto prazo perseguem resultados mais pragmáticos e objetivos.
 Indulgência (indulgence) – Refere-se a quanto as pessoas tentam controlar seus desejos e
impulsos. Um fraco controle revelaria uma sociedade mais indulgente, e um forte controle
demonstra uma sociedade mais restritiva.
Dessa forma, como pode ser observado na Figura 3 (Anexo 7), não se podem esperar acordos
rápidos na China, pois a forte orientação para o longo prazo e o alto coletivismo daquela sociedade
revelam preocupação em construir uma relação de confiança. Ainda, a alta distância do poder e a
baixa indulgência revelam uma sociedade muito formal e que respeita muito as hierarquias. Assim, é
necessário que se esteja preparado para ceder, mostrar sinceridade e boa vontade nos seus atos, mas
também que se tenha firmeza e consistência na condução das negociações com chineses.
China e o mercado do couro
Segundo o Ministério da Indústria e Comércio Exterior brasileiro (MDIC, 2015), em 2014, o
principal parceiro comercial do Brasil foi a China, representando 19% de tudo o que o país exportou
naquele ano. China e Hong Kong compraram mais de 35% de todo o couro exportado pelo Brasil em
2014, com um crescimento de 25% em relação a 2012.
As indústrias chinesas envolvidas com o produto couro estão divididas em três tipos: as
indústrias de processamento de couro e curtumes; as indústrias de calçados; e as indústrias de
acessórios e artefatos de couro. Essas indústrias empregam em torno de 5,5 milhões de chineses e
são constituídas por mais de 16 mil empresas. Dessas, mais de 2.900 são indústrias de
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processamento de couro, 7.200 são indústrias de calçados e mais de 3.700 são indústrias de
acessórios de couro e produtos de couros em geral. Das indústrias de processamento de couro na
China, 700 são curtumes.
É na produção de calçados que se concentra a maior demanda por couro acabado na China. O
país, sozinho, produz 57% do volume de pares de calçados consumidos no mundo e responde por
72% das exportações mundiais do produto, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de
Calçados. Ainda, o potencial de crescimento do setor na China é maior ao se considerar que o
consumo de calçados por habitante foi de 4,1 pares/ano no Brasil, em 2014, 71% superior à média
mundial, que é de 2,4 pares anuais, segundo a Abicalçados. Enquanto o consumo per capita nos
Estados Unidos foi de 7,2 pares por ano, na China, foi de apenas 1,8. Como a grande maioria da
população chinesa está melhorando, gradualmente, seu poder aquisitivo, espera-se um crescimento
da produção e do consumo de calçados nos próximos anos. Esse fenômeno não se restringe apenas à
China, mas também às nações menos desenvolvidas que conseguirem melhorar sua distribuição de
renda.
Um elemento muito importante quando se analisa a produção ou investimento produtivo na
China é a localização da planta fabril. Cada região da China é única, pois o país não é homogêneo. A
decisão de localização da produção no país pode levar algumas empresas a cometeram o erro de
optarem por regiões onde o custo da mão de obra e das matérias-primas é mais baixo, mas os demais
serviços e insumos necessários para empreender não estão disponíveis ou suficientemente
desenvolvidos. Assim, seria recomendável à Global Leather buscar parceiros ou investir em regiões
nas quais se concentram as atividades da cadeia produtiva do setor coureiro na China.
Segundo dados do Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB, 2014), os curtumes da
China estão concentrados principalmente no leste do país, nas províncias de Zhejiang, Hebei,
Shandong e Guangdong. Já os principais polos calçadistas, maiores compradores de couros acabados,
são Guangdong e Zhejiang, conforme Tabela 2 (Anexo 8). Dongguan, situada na província de
Guangdong, é a cidade mais importante para o setor calçadista. As principais empresas fornecedoras
de produtos químicos, matéria-prima essencial para o acabamento do couro, estão localizadas em
Dongguan, predominantemente, além de em Xangai e Guangzhou.
Desse modo, percebe-se que o setor coureiro calçadista está concentrado em alguns clusters
regionais. Isso facilita a decisão de localização ou busca por curtumes e indústrias de calçados na
China, pois toda a cadeia produtiva está concentrada em um só lugar.
Outro fator importante que as empresas do setor coureiro devem levar em consideração, em
qualquer país, é o cuidado com o meio ambiente. O processo de curtimento e acabamento do couro
produz quantidade significativa de resíduos tóxicos, que não podem retornar à natureza sem
tratamento. As estações de tratamento de água em curtumes requerem consideráveis investimentos
de capital e aderência a práticas regulatórias rígidas, o que aumenta os custos de produção. O
governo chinês tem uma preocupação constante com o impacto ambiental das indústrias lá instaladas,
principalmente pela forte pressão internacional sobre o país.
Já os clientes chineses que compram o couro acabado imprimem um nível de exigência
bastante alto quando se trata de qualidade do que compram, pois ainda há a concorrência do couro
sintético na China. Assim, o couro com valor agregado deve ter qualidade muito alta. Os clientes
desejam aproximação com o seu fornecedor de couros acabados, a manutenção de um
relacionamento e a facilidade na logística de entrega do produto final.
Por fim, cabe destacar que a China hospeda algumas das principais feiras de couro do mundo,
o que permite às empresas participantes conhecer e melhorar o relacionamento com os clientes, além
de acompanhar as mudanças e tendências do mercado, dos preços praticados e dos novos players no
setor.
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A decisão de produção na China
Após semanas de reuniões com colaboradores, agentes internacionais e outros empresários,
bem como viagens para coleta de dados, o diretor comercial sabe que é urgente a necessidade de um
posicionamento por parte da empresa. De acordo com a direção, a proximidade com os clientes
compradores de couro na China é um fator imperativo para a evolução dos negócios da Global
Leather no segmento de couro de maior valor agregado.
Nesse sentido, a direção está colocando na mesa algumas possibilidades para finalizar o couro
na China: seria o momento de eliminar parceiros locais e controlar toda a operação na China por
meio de um IED naquele país? Ou uma joint venture com um curtume chinês seria mais prudente,
tendo-se em vista os recursos envolvidos e a necessidade de lidar com o complexo ambiente de
negócios na China? Por fim, o diretor do Grupo GL entende, também, que arranjos contratuais, como
contrato de produção e licenciamento, permitiriam a produção de couro acabado sem ter a
necessidade de nenhum investimento por parte da Global Leather. Assim, a empresa poderia
concentrar esforços em outros mercados que, após a crise de 2008, começam a demandar couro de
alto padrão, como Itália e Índia.
Anexo 1
Exemplo de uma peça de couro bovino em estágio wet blue
Fonte: http://portuguese.alibaba.com/product-gs/wet-blue-leather-from-peru-143829320.html.
Nota: Wet blue é um couro semiacabado em estágio inicial de curtimento, ou curtido ao cromo.
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Anexo 2
Peças de couro acabado da Global Leather
Anexo 3
Pontos fortes e fracos do Grupo GL para produção na China
Pontos fortes Pontos fracos
Relacionamento com clientes no Brasil e no exterior:
preocupação com o atendimento aos clientes, levando em
consideração as demandas específicas de clientes, a
pontualidade na entrega e os serviços de pós-venda.
Diversificação de mercados: atua nos mercados interno e
externo, atendendo a demandas de diversos setores
industriais.
Expertise fabril: domínio de recursos produtivos e
tecnológicos únicos no acabamento de couro com alto
valor agregado.
Promoção comercial: participa de feiras como a Feira
Internacional de Couros, Químicos, Componentes e
Acessórios, Equipamentos e Máquinas para Calçados e
Curtumes (Fimec) e Couro Moda, no Brasil e, também,
das feiras de Hong Kong e Xangai.
Experiência internacional: aprendizado em gestão
internacional na aquisição de uma planta na Argentina.
Exporta há muitos anos e, para a China, há 12 anos.
Produção completa: grupo está verticalizado com ciclo
de produção completo, iniciando na matéria-prima do
frigorífico e terminando no acabamento final.
Matéria-prima: com plantas e contratos de fornecimento
junto aos grandes frigoríficos, há uma redução de custos
logísticos e de riscos de falta de matéria-prima.
Diversificação de artigos: grande gama de couros
acabados, atendendo segmentos como calçados, artefatos,
estofamento moveleiro e automotivo.
Pouco controle sobre a área comercial: as
vendas, em sua maioria, são por meio de
representantes e agentes. No mercado interno, a
empresa atua com representantes por região, e, na
exportação, as negociações são feitas por meio de
agentes. Dessa forma, algumas vezes a empresa
não consegue receber e tratar as demandas da
melhor maneira, já que depende do agente.
Falta de profissionais preparados para
gerenciar o negócio na China: a dificuldade está
em ter profissionais que conheçam a empresa, os
produtos e tenham domínio de todo o processo de
produção, ao mesmo tempo que tenham
experiência em um mercado tão complexo como o
chinês.
Falta de forte relacionamento institucional na
China: mesmo exportando há 12 anos para aquele
país, a empresa sabe que, para investir em um
mercado como o chinês, é fundamental bom
relacionamento com o governo e parceiros locais.
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Anexo 4
Desaceleração da economia chinesa
Fonte: Bloomberg
Anexo 5
Projeção do crescimento populacional chinês
Fonte: Organização das Nações Unidas
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Anexo 6
Comparação do ambiente de negócios China vs. Brasil
Critério China Brasil
Diferença
para o Brasil
Abertura de uma empresa 128 167 -39
Obtenção de alvarás de construção 179 174 5
Obtenção de eletricidade 124 19 105
Registro de propriedade 37 138 -101
Obtenção de crédito 71 89 -18
Proteção a investidores 132 35 97
Pagamento de impostos 120 177 -57
Comércio através de fronteiras 98 123 -25
Cumprimento de contratos 35 118 -83
Resolução de insolvência 53 55 -2
Ranking geral da facilidade de fazer
negócios
90 120 -30
Fonte: http://doingbusiness.gov, acessado em outubro de 2015.
Anexo 7
Comparação China e Brasil nas dimensões culturais de Hofstede
Fonte: http://geert-hofstede.com/china.html, acessado em outubro de 2015.
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Anexo 8
Principais regiões da China em produção de calçados
Região Participação na produção
Guangdong 36,10%
Zhejiang 33,50%
Fujian 20,00%
Jiangsu 2,60%
Shandong 2,00%
Outras 6,80%
Total 100%
Fonte: CICB (2014).
Anexo 9
Resumo da análise do ambiente de negócios na China
Ambiente Oportunidades Ameaças
Ambiente
econômico
- Economia em constante expansão;
- Política econômica voltada para incentivar o
consumo de produtos na China;
- Boa infraestrutura nos modais rodoviário,
ferroviário, aéreo e marítimo.
- Mão de obra abundante, porém o seu
valor está aumentando rapidamente, e
sua qualidade é sempre uma dúvida;
- Disparidade de renda entre as regiões;
-Forte intervenção do Estado na
economia.
Ambiente
político e legal
- Participa de várias organizações internacionais,
como a OMC;
- Os entraves burocráticos e tributários são menores
se comparados ao Brasil.
- Problemas de corrupção;
- Aumento da preocupação com o meio
ambiente;
- Forte intervenção do Estado nos
negócios.
Ambiente
cultural
- A confiança para os chineses é fundamental;
- Os chineses se preocupam com a pontualidade nas
entregas e nos compromissos.
- Negociar requer tempo, atenção e
conhecimento da empresa.
Mercado
chinês de couro
- 57% da produção mundial de calçados, ou seja, um
dos maiores mercados consumidores de couro
acabado do mundo;
-Cadeia produtiva coureiro-calçadista concentrada
em clusters industriais;
- Algumas das principais feiras do segmento
coureiro são realizadas na China.
- Do total exportado pela China,
somente 18% são calçados de couro;
-Concorrência do couro sintético;
-Grandes players do segmento
coureiro-calçadista já estabelecidos.
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Planejamento estratégico da ABC Software

  • 2. Volume 7 Número 1 Jan/Jun 2017 Doc. 1 Rev. Bras. de Casos de Ensino em Administração ISSN 2179-135X ________________________________________________________________________________________________ ©FGV-EAESP / GVcasos | São Paulo | V. 7 | n. 1 | jan-jun 2017 www.fgv.br/gvcasos DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv7n1c1 O PRIMEIRO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DA EMPRESA ABC SOFTWARE The first strategic planning of ABC Software MARCUS JOSÉ ROCHA – marcus@coord.com.br Centro Universitário Estácio de Sá de Santa Catarina – São José, SC, Brasil ÉVERTON LUÍS PELLIZZARO DE LORENZI CANCELLIER – everton.cancellier@gmail.com Universidade do Estado de Santa Catarina – Florianópolis, SC, Brasil Submissão: 17/11/2014 | Aprovação: 01/02/2017 _________________________________________________________________________________ Resumo A ABC Software é uma empresa de tecnologia de pequeno porte, que distribui no Brasil o software de uma empresa dos EUA, no modelo SaaS (Software as a Service, ou Software como Serviço). A empresa percebe que não está alcançando os objetivos propostos pelos seus sócios, e também vem enfrentando diversas pressões do ambiente externo. O estilo de tomada de decisão estratégica, centralizado nos sócios e baseado em reações a acontecimentos pontuais, também não está funcionando. A partir dessa situação, o diretor-geral da empresa contrata o Sr. Smith, um consultor norte-americano que não fala português, para realizar um planejamento estratégico utilizando o método E-Myth, desconhecido para todos na empresa e que não prevê a análise SWOT. Tal situação de mudança representa diversos desafios para a ABC Software, principalmente na adaptação a um novo modelo de gestão e a uma nova metodologia de planejamento e execução das suas estratégias. Palavras-chave: estratégia, planejamento estratégico, SWOT, mudança organizacional Abstract ABC Software is a small technology company located in Brazil that distributes software made by a U.S. company. That software is marketed as a service (Software as a Service – SaaS – business model). The shareholders of this company realized that the objectives proposed were not being achieved, and company was facing various pressures from external environment. The style of strategic decision making, centered on the members and based on reactions to specific events, was also not working. Considering that situation, ABC General Manager hired an American consultant who didn’t speak Portuguese (local language) to conduct a strategic planning using a method unknown to everyone in the company: E-Myth. This changing situation represented many challenges for ABC Software, especially in adapting to a new management model and a new methodology for planning and executing strategies. Keywords: strategy, strategic planning, SWOT, organizational change Introdução Este caso de ensino tem por objetivo compreender e refletir sobre os sucessos e falhas do primeiro planejamento estratégico da ABC Software, uma empresa de pequeno porte que distribui, nacionaliza e comercializa no Brasil softwares estrangeiros, vindos principalmente dos Estados Unidos. Os principais personagens desta história são o Sr. Rodolfo, diretor-geral e sócio majoritário da empresa, e o Sr. Smith, um consultor norte-americano que, apesar de morar há mais de três anos no Brasil, entende pouco e não fala a língua portuguesa. Também é importante mencionar a participação da Sra. Ana, diretora de tecnologia e sócia minoritária da empresa, além dos demais
  • 3. 2 O PRIMEIRO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DA EMPRESA ABC SOFTWARE Marcus José Rocha, Éverton Luís Pellizzaro De Lorenzi Cancellier ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 7 | n. 1 | jan-jun 2017 www.fgv.br/gvcasos funcionários da empresa. Destaca-se que esta é uma história real, mas as empresas e pessoas aqui mencionadas têm nomes fictícios. A ABC Software se considera inovadora, seguindo as tendências mais atuais do segmento no qual atua. A empresa surgiu com o objetivo de trazer softwares bem-sucedidos nos Estados Unidos para o mercado brasileiro, a partir da experiência dos dois sócios da empresa, que estudaram e moraram por mais de 10 anos naquele país. Portanto, a empresa tem clara influência da cultura norte- americana, e, quando se percebeu a necessidade de realizar um planejamento estratégico, foi natural a contratação do Sr. Smith, pessoa que fazia parte do círculo pessoal de relacionamentos do Sr. Rodolfo. Destaca-se que a ABC Software, até então, nunca tinha feito um planejamento estratégico, mas alguns dos seus funcionários já tinham experiência nessa prática quando trabalharam em outras empresas. Além disso, o Sr. Smith resolveu aplicar um método totalmente desconhecido para todos, o E-Myth, que é bastante diferente dos métodos tradicionais. Tal situação trouxe desafios adicionais que precisavam ser transpostos pela empresa. Sendo assim, o presente caso de ensino está estruturado da seguinte forma: inicialmente, é realizada uma caracterização do histórico e do contexto da empresa, seguida de uma descrição do método de planejamento estratégico adotado. Logo após, são descritos os momentos mais importantes da criação do plano estratégico. Por fim, são colocadas as orientações para a aplicação deste caso de ensino, juntamente com a fundamentação teórica e com perguntas para discussão em grupo. ABC Software A empresa ABC Software (nome fictício) foi criada em 2006 para distribuir no Brasil os aplicativos da empresa norte-americana SoftCo (nome também fictício), que são comercializados no modelo de Software como Serviço, por usuário nomeado. Ou seja, o cliente final paga uma anuidade (que pode ser parcelada) por cada usuário que utiliza o sistema. A SoftCo tem mais de 15 mil clientes em cerca de 100 países, e seu software é reconhecido e premiado internacionalmente, englobando os principais processos organizacionais: vendas; finanças; contabilidade; recursos humanos; estoque; produção; projetos; atendimento ao cliente; marketing; comércio eletrônico. O primeiro desafio da ABC foi garantir que um aplicativo estrangeiro fosse aderente às peculiaridades de idioma, processos, cultura e leis do Brasil. Com isso, a empresa precisou desenvolver módulos para a nacionalização do software da SoftCo, trabalho que demorou cerca de dois anos e que hoje é um dos seus principais ativos. Essa iniciativa priorizou os processos com menor regulamentação legal (vendas, marketing, projetos e atendimento ao cliente), para, em seguida, nacionalizar os módulos relacionados aos processos de finanças, estoque, comércio eletrônico produção, recursos humanos e contabilidade. O faturamento da ABC vem principalmente da revenda do produto da SoftCo, juntamente com a venda dos módulos de nacionalização e dos serviços de consultoria, implantação e suporte ao usuário final. Considerando que a empresa trabalha no modelo comercial SaaS e que a SoftCo considera a venda do produto em contratos com duração de um ano, uma questão importante para a manutenção e o crescimento do faturamento da empresa é a renovação anual dos contratos com os atuais clientes. Por ser uma empresa de pequeno porte, os dois sócios da ABC sempre estiveram envolvidos nas suas atividades diárias. O Sr. Rodolfo, sócio majoritário, atuava na diretoria-geral da empresa (o que incluía marketing e vendas), enquanto a Sra. Ana era responsável pela diretoria de tecnologia. Os objetivos principais da empresa, conforme eles expressaram, eram: “consolidar os aplicativos da SoftCo no mercado de pequenas e médias empresas no Brasil, junto com os módulos de nacionalização da ABC Software” e “fazer da ABC Software uma empresa de médio porte em termos de faturamento”.
  • 4. 3 O PRIMEIRO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DA EMPRESA ABC SOFTWARE Marcus José Rocha, Éverton Luís Pellizzaro De Lorenzi Cancellier ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 7 | n. 1 | jan-jun 2017 www.fgv.br/gvcasos Considerando o interesse para o retorno dos investimentos realizados e também as pressões da SoftCo para aumento no volume de vendas, apesar dos objetivos descritos anteriormente, o processo estratégico da ABC era baseado em decisões pontuais centralizadas do sócio Rodolfo, de acordo com as oportunidades ou ameaças detectadas no ambiente externo, ou, ainda, a partir de problemas internos que surgiam. As decisões sobre os negócios eram tomadas com base na intuição, com poucas informações e pouco tempo disponível. Frequentemente, esse comportamento gerava mudanças importantes na empresa em curtos períodos, e algumas decisões, inclusive, conflitavam com posicionamentos adotados pouco tempo antes. Enquanto isso, a sócia Ana estava mais concentrada nas questões relacionadas aos softwares e à implantação dos sistemas nos clientes contratados. Ao final do ano de 2012 a ABC Software contava cerca de 30 clientes e 20 funcionários, faturando aproximadamente R$ 4 milhões no mesmo ano. Nesse ano, percebeu-se que a empresa não estava caminhando na direção dos objetivos planejados, pois:  algumas partes importantes do software da SoftCo ainda não tinham sido nacionalizadas pela ABC;  a maior parte dos clientes da ABC era de grande porte, e havia dificuldades nas vendas para clientes de pequeno e médio portes;  a empresa ainda estava com poucos clientes, distribuídos em diferentes segmentos de mercado;  uma parcela significativa dos clientes da ABC não renovava seus contratos;  as vendas e as receitas não estavam evoluindo conforme o desejado;  a empresa percebia pouco ou nenhum lucro. Ao mesmo tempo, os dois sócios da ABC começavam a perceber que a excessiva dependência da SoftCo passava a ser um risco para a sobrevivência da empresa. Como o volume de vendas e a quantidade de clientes da ABC estavam baixos, a SoftCo começava a dar sinais de que buscaria outras alternativas para fomentar as suas vendas no Brasil, o que incluía a busca por outros parceiros, que seriam concorrentes da ABC. O planejamento estratégico para a ABC Software Tal situação de insegurança com a SoftCo acionou um “alarme geral” na ABC Software, e o sócio Rodolfo percebeu que o atual modelo de gestão precisava mudar. As decisões tomadas de maneira reativa e na base da intuição não estavam trazendo os resultados desejados. Então, foi decidido que era necessário realizar um planejamento estratégico, algo nunca feito antes na empresa. A sócia Ana apoiou a decisão. Devido à proximidade com a SoftCo e também com outras empresas norte-americanas, foi contratado um consultor dos Estados Unidos, com residência fixa no Brasil havia alguns anos. O profissional escolhido pelo Sr. Rodolfo foi John Smith (nome fictício), que tinha mais de 20 anos de experiência em empresas de consultoria de grande porte, mas não tinha fluência na língua portuguesa. Novamente, a sócia Ana concordou com a decisão. Feita a contratação do consultor e o anúncio da realização do planejamento estratégico para todos os funcionários da ABC Software, o trabalho do Sr. Smith começou com o levantamento da situação atual, realizando entrevistas com os sócios e com quase todos os demais funcionários. Como nem todas as pessoas na ABC Software falavam inglês fluente, em muitas ocasiões, foi necessário solicitar a ajuda de colegas para realizar a tradução. Durante as entrevistas, percebeu-se que a maior parte dos funcionários com cargos de gestão na ABC já tinha passado por processos de planejamento estratégico em outras empresas e estava bastante confortável em relação a esse trabalho. Porém, o Sr. Smith trouxe um método de planejamento estratégico chamado E-Myth, criado por Michael Gerber e Thomas Travisano, com o
  • 5. 4 O PRIMEIRO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DA EMPRESA ABC SOFTWARE Marcus José Rocha, Éverton Luís Pellizzaro De Lorenzi Cancellier ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 7 | n. 1 | jan-jun 2017 www.fgv.br/gvcasos objetivo inicial de criar um programa educacional para ensinar técnicas de gestão de negócios para empreendedores (Gerber, 2005). Destaca-se que ninguém na empresa conhecia esse método. O E-Myth traz uma abordagem sistêmica para o planejamento de empresas, trabalhando sobre sete disciplinas principais: liderança; marketing; finanças; gestão; atendimento aos clientes; conversão de prospectos em clientes; geração de novos potenciais clientes. O processo de planejamento estratégico desse método é desenvolvido nos seguintes passos: definição do propósito principal da empresa; definição do objetivo estratégico; estratégia empresarial; estratégia administrativa; estratégia para gestão de pessoas; estratégia de marketing; estratégia para sistematização dos processos na empresa (Gerber, 2005). Com a definição do E-Myth, apesar do entusiasmo do diretor-geral da empresa, os gestores da ABC mostraram-se bastante desconfortáveis sobre o uso de um método de planejamento estratégico totalmente desconhecido. Também manifestaram preocupações em relação à barreira do idioma, pois o Sr. Smith não falava português, e nem todos os funcionários falavam inglês, incluindo alguns gestores. Porém o Sr. Rodolfo, com o apoio de sua sócia, deu toda a autoridade necessária para que o Sr. Smith realizasse o trabalho, que teve início oficial no mês de abril de 2013 e cujas principais ações são descritas a seguir. Realização de reuniões semanais com os gestores Para garantir o correto entendimento do método E-Myth, realizar acompanhamento e alinhamento das ações, e desenvolver lideranças, foi estabelecida uma rotina de reuniões semanais, das quais todos os gestores da empresa precisavam participar. As reuniões eram realizadas na forma de workshops. Antes da reunião, cada participante precisava ler parte do material disponibilizado, para que os primeiros minutos fossem dedicados ao entendimento dos conteúdos. Em seguida, o Sr. Smith atribuía uma atividade que deveria ser realizada para a tomada de decisão em grupo, ao final da reunião. Também eram definidas ações individuais, a serem executadas durante a semana. Essas ações eram apresentadas na reunião da semana seguinte. As reuniões correram de maneira regular no início do planejamento. Houve alguma resistência por parte de alguns gestores, justificando que estavam bastante sobrecarregados e tinham dificuldade em entender o que estava sendo discutido em inglês. Com o passar do tempo, isso acabou prejudicando a regularidade das reuniões, que, por algumas vezes, foram adiadas ou não contavam com todas as pessoas. Implantação da ferramenta “relato de frustrações-chave” Para identificar gargalos e problemas em geral que estivessem representando dificuldades na execução dos trabalhos cotidianos da empresa, o método E-Myth sugeria a implantação de relatos de frustrações-chave. Todos os funcionários da empresa foram convocados a utilizar essa ferramenta. Para tanto, foi realizada uma apresentação geral sobre o que era o procedimento de relatar frustrações-chave, sua justificativa e sua importância. Foi criado um formulário eletrônico no qual qualquer pessoa da empresa poderia indicar suas frustrações, a partir dos seguintes passos: identificação da frustração ou problema; classificação da causa principal do problema (pessoal ou sistêmica); impactos do problema na empresa; sugestão de solução sistêmica para o problema; criação de um compromisso para corrigir o problema; desenho do processo para solucionar o problema; cronograma. A ferramenta funcionou muito bem nas primeiras semanas, com participação geral dos colaboradores, o que gerou um cenário bastante completo sobre os principais problemas da empresa e suas principais causas. Porém, com o passar do tempo, a lista de frustrações não diminuía, e havia uma certa desconexão entre os trabalhos que foram realizados e os problemas que eram levantados.
  • 6. 5 O PRIMEIRO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DA EMPRESA ABC SOFTWARE Marcus José Rocha, Éverton Luís Pellizzaro De Lorenzi Cancellier ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 7 | n. 1 | jan-jun 2017 www.fgv.br/gvcasos Alguns colaboradores afirmaram que a ferramenta caiu em um certo descrédito, sendo abandonada meses mais tarde. Definição do objetivo primário pessoal A definição do objetivo primário pessoal é uma ação proposta no método E-Myth para verificar o alinhamento dos objetivos pessoais dos colaboradores com os objetivos da empresa. Novamente, todos os funcionários foram convocados a participar, incluindo os dois diretores/sócios da empresa. Para essa atividade, o E-Myth propõe reflexões com base nos seguintes tópicos principais: o que você não quer para a sua vida; o que você quer para a sua vida; quais as suas prioridades e suas barreiras; escrever o seu discurso de elogio fúnebre; definição do objetivo primário pessoal; definição de objetivos específicos e metas para alcançar o objetivo primário. Cada pessoa da empresa deveria preencher um formulário contendo as questões e declarações propostas pelo método e apresentar ao seu gestor imediato. Isso gerou desconforto em parte significativa dos funcionários, pois julgaram ter sua privacidade invadida com tal prática. Para contornar o problema, o Sr. Smith divulgou para todos os funcionários o seu próprio formulário, e também foi decidido que todos os funcionários apresentariam de maneira privada suas ideias para ele. Novamente, a barreira do idioma foi um fator complicador, e, em alguns casos, as sessões de apresentação tiveram que ser coletivas, com pelo menos uma pessoa que falasse inglês, não resolvendo a questão do desconforto que havia sido manifestada. As pessoas revelaram que não viram conexão desse exercício com o planejamento estratégico. O Sr. Smith disse ter percebido que, em alguns casos, as pessoas não foram totalmente honestas ou não realizaram o exercício com a profundidade desejada. Também externou que a falta da definição da visão da empresa, questão que atrasou por alguns meses, também prejudicou essa atividade, pois não havia base de comparação entre os objetivos pessoais de cada um e o objetivo da empresa. Definição da visão da empresa O planejamento estratégico pressupõe uma série de estratégias para o alcance de um ou mais objetivos. Assim, a definição da visão está presente em métodos que trabalham com a “escola do planejamento estratégico”, como o E-Myth, principalmente porque ela é o principal objetivo estratégico a ser conquistado. Para a elaboração da visão estratégica, o E-Myth propõe o levantamento de itens como tempo, produtos e/ou serviços que serão oferecidos ao mercado, metas de crescimento e de tamanho da empresa, área geográfica de atuação, posicionamento de marketing e elementos para vantagem competitiva. Apesar de a documentação sobre o método ter sido divulgada a todos na empresa, apenas os dois sócios da empresa trabalharam nisso, com a assessoria do Sr. Smith, e não houve clareza sobre a realização dessa atividade. Um dos questionamentos feitos ao método dizia respeito à falta de investigação mais aprofundada do ambiente externo. Também não foi feita uma análise estruturada do ambiente interno da empresa. Com isso, não era possível realizar uma análise SWOT, relacionando oportunidades e ameaças do ambiente externo com forças e fraquezas do ambiente interno. Ou seja, a definição da visão estratégica seria algo mais baseado nas convicções dos diretores/sócios, a partir das definições sugeridas pelo E-Myth, do que algo deliberado a partir de uma análise mais detalhada dos cenários interno e externo. Passados pouco mais de dois meses do início do planejamento estratégico, ainda não havia consenso sobre a visão da empresa. Além disso, nesse mesmo período, foi realizada uma venda para um cliente de grande porte, com cronograma de implantação bastante agressivo, e que demandou o envolvimento dos principais gestores e funcionários técnicos da empresa.
  • 7. 6 O PRIMEIRO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DA EMPRESA ABC SOFTWARE Marcus José Rocha, Éverton Luís Pellizzaro De Lorenzi Cancellier ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 7 | n. 1 | jan-jun 2017 www.fgv.br/gvcasos Com isso, a maior parte das atenções da ABC foi voltada ao novo cliente, e o planejamento acabou ficando em segundo plano. Nesse período, a visão continuava indefinida, ao mesmo tempo que as vendas da empresa começaram a estagnar. Passados outros dois meses, o Sr. Smith demonstrou a sua frustração com a situação e convenceu o sócio Rodolfo de que era importante para a empresa voltar a priorizar o planejamento estratégico. Nesse período, alguns colaboradores também evidenciaram a sua frustração, pois não viam evolução no planejamento estratégico e também não tinham visibilidade sobre quais seriam os rumos da empresa. Sem a definição da visão, o planejamento estratégico como um todo começou a atrasar, pois outras atividades importantes dependiam dessa definição. Finalmente, com o final da implantação naquele novo cliente, as atenções puderam voltar ao planejamento estratégico. A visão, então, foi definida pelo Sr. Rodolfo, com a validação da Sra. Ana, como “Ser a empresa número 1 do Brasil em softwares para gestão no modelo SaaS para médias e grandes empresas”. Tal definição representou uma mudança significativa em relação ao mercado de pequenas e médias empresas, que antes era o foco da ABC Software. Devido à mudança de rumo trazida pela nova visão, foi necessário realizar ajustes consideráveis na estrutura organizacional, juntamente com modificações em processos importantes que já haviam sido definidos e documentados. Isso porque clientes de grande porte exigem atendimento mais personalizado para os serviços de implantação e de suporte do software. Mapeamento e documentação de processos Como mencionado anteriormente, foi realizado um trabalho para a definição e documentação dos processos da empresa, com a participação dos gestores, que contavam com o suporte do Sr. Smith. Tal atividade também é proposta pelo método E-Myth, e conta com o auxílio da ferramenta de “relato de frustrações-chave” para resolver gargalos e problemas de qualidade na empresa, fazendo com que as operações sejam coerentes com as definições do planejamento estratégico. O mapeamento dos processos da empresa, em todas as áreas, foi iniciado logo após o levantamento do organograma da ABC Software, que, no início do planejamento estratégico, sofreu alguns ajustes deliberados pelo Sr. Rodolfo. A principal mudança foi a criação de uma diretoria específica para o atendimento ao cliente, englobando as gerências de implantação de software, desenvolvimento e integração de softwares, suporte ao cliente, treinamento, e qualidade. Esta era uma área-chave para a empresa. Houve alguma resistência em relação a essa nova diretoria, pois havia uma disputa de poder em relação à ocupação do cargo. Com isso, o relacionamento entre o novo diretor e seus gerentes tinha significativos conflitos, e, frequentemente, os gerentes recorriam diretamente aos sócios da empresa para resolverem seus problemas. Com isso, inicialmente, o trabalho de mapeamento dos processos dessa área ficou quase que totalmente nas mãos do novo diretor, contando com pouca colaboração dos seus gerentes. Ao mesmo tempo, na diretoria administrativa/financeira, havia pouco conflito, com cooperação ativa dos colaboradores. Porém, havia pouca experiência no trabalho de mapear processos. Já na área de marketing/vendas, a prioridade era vender, pois as vendas da empresa estavam estagnando nesse período. Com isso, o mapeamento dos processos ficou em segundo plano. Com a definição da visão da empresa, também foi anunciada uma nova mudança na estrutura organizacional da empresa, que foi deliberada pelo Sr. Rodolfo e pelo Sr. Smith, sem nenhum aviso prévio aos colaboradores nem participação dos demais gestores. Nessa nova estrutura, o Sr. Smith acabou sendo declarado diretor da área de atendimento ao cliente, e o diretor anterior foi redirecionado para a gerência comercial. Tal mudança visava reduzir os conflitos na área-chave da empresa, além de dotar a área comercial de uma pessoa que tivesse conhecimento pleno dos produtos comercializados pela empresa e que também pudesse mapear os processos na área de marketing/vendas.
  • 8. 7 O PRIMEIRO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DA EMPRESA ABC SOFTWARE Marcus José Rocha, Éverton Luís Pellizzaro De Lorenzi Cancellier ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 7 | n. 1 | jan-jun 2017 www.fgv.br/gvcasos Com a mudança, o Sr. Smith passou a ter maior autoridade para desenvolver o planejamento estratégico, também tendo maior poder para cobrar o andamento dos trabalhos das demais áreas da ABC. Assim, os processos da área de atendimento ao cliente passaram a ser mapeados e implantados. Na área de marketing/vendas, o então gerente (ex-diretor de atendimento ao cliente) finalizou o mapeamento dos processos, mas pediu demissão em seguida, alegando desmotivação pelo rebaixamento de cargo e mudança de área sem discussão prévia. Na área administrativa/financeira, os trabalhos de mapeamento e implantação de processos também se encaminharam, mas surgiu um conflito entre o diretor dessa área e o Sr. Smith, que discordavam sobre o método de planejamento estratégico E-Myth e como colocar as ações em operação. Tal situação se agravou e culminou com o pedido de demissão do diretor administrativo/financeiro, em dezembro de 2013. A totalidade dos processos da empresa foi mapeada e implantada em janeiro de 2014, quando se iniciou um trabalho de melhoria contínua baseado, principalmente, na ferramenta de relato de frustrações-chave. Definição das estratégias da ABC Software Para que a visão da empresa seja alcançada, a escola do planejamento indica também a deliberação de estratégias. Nesse sentido, entende-se que cada estratégia é uma “linha de ação”, ou um conjunto abrangente de planos, que visa o alcance do objetivo (visão) definido. O método E- Myth sugere que sejam definidas: estratégia empresarial; estratégia administrativa; estratégia para gestão de pessoas; estratégia de marketing; e estratégia para sistematização dos processos na empresa. As estratégias foram deliberadas principalmente pelo sócio Rodolfo, com algumas sugestões da sócia Ana, juntamente com o Sr. Smith. A primeira estratégia deliberada estava relacionada aos produtos. Considerando o risco de depender excessivamente da SoftCo, a ABC Software começou a desenvolver parceiras com outras empresas e também passou a desenvolver alguns produtos próprios. A estratégia começou a ser implantada em meados de setembro de 2013, e, no fim do mesmo ano, a ABC já tinha em seu portfolio mais três outros produtos complementares a qualquer software de gestão do mercado, inclusive em relação ao software da SoftCo. Nesse período, o Sr. Rodolfo deliberou pelo menos três definições diferentes para a estratégia administrativa da ABC Software, principalmente naquilo que se relacionava às finanças da empresa. Paralelamente, os já mencionados atritos entre o diretor administrativo/financeiro e o Sr. Smith aumentavam, o que culminou com o pedido de demissão do referido gestor. Apesar de deliberada pelo sócio Rodolfo junto com o agora diretor Smith, a estratégia de gestão de pessoas não havia sido operacionalizada ainda, por falta de recursos para investimento na área. Mesmo assim, algumas ações pontuais para aferição do clima organizacional e também para o desenvolvimento de pessoas começaram a ser realizadas a partir de dezembro de 2013. A estratégia de marketing passou a ser um problema, pois, até o final do ano de 2013, não havia uma definição clara. Apenas a diretriz de vender para médias e grandes empresas foi implantada, e foi considerada como uma “estratégia” pelo diretor-geral da ABC Software. A operacionalização veio na forma da criação de uma política para representantes comerciais e da alocação de um profissional específico para trabalhar com licitações. As ações de promoção e comunicação não receberam investimentos adicionais. Definição de indicadores de desempenho e metas Para avaliar a eficácia das estratégias deliberadas, era necessário estabelecer um conjunto de indicadores. O E-Myth sugere a criação de um sistema de indicadores estratégicos, de negócio (para cada área da empresa) e de sistemas (para cada processo da empresa). Esse trabalho foi realizado
  • 9. 8 O PRIMEIRO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DA EMPRESA ABC SOFTWARE Marcus José Rocha, Éverton Luís Pellizzaro De Lorenzi Cancellier ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 7 | n. 1 | jan-jun 2017 www.fgv.br/gvcasos pelos gestores da empresa, incluindo agora o Sr. Smith como diretor da área de atendimento ao cliente. Quando assumiu a direção da área de atendimento ao cliente, Smith começou a acelerar os trabalhos de mapeamento de processos, estabelecendo também alguns “indicadores de sistema”. Mesmo sendo a ABC especializada em software de gestão que possui funcionalidades para cálculo e exibição de indicadores de desempenho, houve dificuldades para implantar os indicadores da própria empresa, relacionadas principalmente à falta de pessoal e de tempo para dedicação a essa atividade. Com o final do mapeamento dos processos, o trabalho de definição de indicadores de sistema passou a ser priorizado. À medida que esses indicadores eram definidos e implantados em cada processo e área da empresa, deveriam ser desenvolvidos os indicadores de negócio. Tal atividade poderia ser desenvolvida em paralelo, mas o Sr. Smith preferiu finalizar primeiro os indicadores de sistema para garantir coerência, uma vez que havia o risco de os indicadores de negócio estarem desconexos dos indicadores de sistema se o trabalho fosse feito em paralelo. Até o final de 2013, ainda não havia sido mapeado nenhum indicador de negócio. Os indicadores estratégicos foram definidos durante as reuniões semanais dos gestores. Para tanto, o E-Myth propõe um processo de trabalho para enumerar indicadores tangíveis (quantitativos) e intangíveis (qualitativos). Os indicadores tangíveis escolhidos foram os seguintes: faturamento; lucratividade; investimentos; número de clientes ativos; churn (taxa de clientes perdidos); custo do retrabalho. Os indicadores intangíveis foram: satisfação dos clientes; clima organizacional; comunicação. Para os indicadores tangíveis, foram criadas as respectivas fórmulas matemáticas e iniciado o trabalho de configuração no software de gestão da ABC. Para os indicadores intangíveis, era necessário criar um método que pudesse traduzir questões qualitativas em números. No indicador satisfação dos clientes, foi adotado o método do net promoter score (NPS), que identifica clientes detratores, neutros e promotores da empresa a partir de uma pergunta que visa descobrir qual seria (em uma escala de 0 a 10) a vontade do cliente em indicar a ABC Software para a sua rede de relacionamento. Para o indicador clima organizacional, foi realizada uma pesquisa com base no método utilizado pelo prêmio “Melhores Empresas para se Trabalhar”, desenvolvido pela Universidade de São Paulo (USP) e pela revista Você S/A. Até o final de 2013, não havia sido definido um método para apurar o indicador comunicação. O encerramento do planejamento estratégico e o futuro da ABC Software O planejamento estratégico da ABC Software foi dado como finalizado na última semana útil de dezembro de 2013, por meio de um anúncio feito na reunião de encerramento dos trabalhos no ano, com a participação de todos os colaboradores. Na ocasião, o diretor-geral Rodolfo declarou que estava satisfeito com o que havia sido entregue até então, e que as estratégias deliberadas estavam suficientes. A sócia Ana concordou. Após o evento, em reunião reservada, alguns gestores da empresa declararam não estar totalmente satisfeitos com o planejamento estratégico, principalmente pela falta de maiores detalhes sobre as estratégias deliberadas e por não haver diretivas sobre como essas estratégias seriam efetivamente aplicadas. Nessa mesma reunião, os gestores também expressaram que, mesmo percebendo que o método E-Myth não tivesse sido totalmente cumprido, houve um aprendizado importante durante o planejamento estratégico da ABC Software. Também foram realizadas manifestações indicando que o maior desafio da empresa seria executar o planejamento, adaptando a cultura de tomada de decisão intuitiva e, algumas vezes, apressada por um processo mais estruturado e coerente com o objetivo e as estratégias definidas.
  • 10. 9 O PRIMEIRO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DA EMPRESA ABC SOFTWARE Marcus José Rocha, Éverton Luís Pellizzaro De Lorenzi Cancellier ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 7 | n. 1 | jan-jun 2017 www.fgv.br/gvcasos A partir desse histórico e de toda a situação que se apresenta para a ABC Software, o Sr. Rodolfo começou a refletir sobre como ocorreu o processo de planejamento estratégico, e também sobre o que fazer para garantir um futuro melhor para a empresa. Ele se perguntou quais decisões precisariam ser tomadas para garantir a execução das estratégias que foram definidas e, assim, garantir um futuro melhor para a empresa. Além disso, também começou a pensar em formas de facilitar o trabalho necessário para finalizar a aplicação do E-Myth, um método que, no julgamento dele, era muito adequado para a empresa. Para saber mais sobre o método E-Myth O E-Myth é um método que foi apresentado por Michael Gerber no livro “The E-Myth”, em 1986. A expressão E-Myth vem do inglês “entrepreneurial myth” (“mito do empreendedor”, em português) e se refere à falsa premissa de que alguém tecnicamente competente que decide empreender na sua própria área técnica certamente terá sucesso. Gerber procura desfazer esse mito mostrando que um empreendedor bem-sucedido precisa ser, acima de tudo, um gestor eficiente – que procura implantar sistemas que tragam lucro para a empresa – e um empresário com uma clara visão de futuro para o seu negócio. O autor escreveu vários outros livros sobre o mesmo tema. Um deles, “The E-Myth Revisited: Why Most Small Business Don’t Work and What to Do about It”, lançado em 1995, foi considerado um dos 25 livros de gestão mais influentes nos Estados Unidos, segundo a revista Times. O E-Myth considera uma série de práticas para cada um dos “sete centros de atenção gerencial”, conforme destaca o seu criador. São eles: liderança; marketing; finanças; gestão; geração de leads (potenciais clientes); conversão de leads em clientes; atendimento ao cliente. Há bastante material disponível na internet sobre o E-Myth. Para saber mais sobre esse método, há dois links bastante interessantes:  http://www.emyth.com: site oficial do método (em inglês).  https://www.youtube.com/watch?v=KJ8iEjV2Bkw: vídeo com o resumo dos principais pontos do E-Myth (em português).
  • 11. Volume 7 Número 1 Jan/Jun 2017 Doc. 2 Rev. Bras. de Casos de Ensino em Administração ISSN 2179-135X ________________________________________________________________________________________________ ©FGV-EAESP / GVcasos | São Paulo | V. 7 | n. 1 | jan-jun 2017 www.fgv.br/gvcasos DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv7n1c2 REMUNERAÇÃO VARIÁVEL APLICADA À EMPRESA JOHN & WERNER CONTADORES ASSOCIADOS Variable compensation applied at John & Werner Associate Accountants RENATO BREITENBACH – renatobreitenbach@gmail.com Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – Porto Alegre, RS, Brasil ROSECLER MASCHIO GILIOLI – rgilioli@terra.com.br Universidade de Caxias do Sul – Caxias do Sul, RS, Brasil FERNANDO FANTONI BENCKE– fernando.bencke@unoesc.edu.br Universidade do Oeste de Santa Catarina – Joaçaba, SC, Brasil PELAYO MUNHOZ OLEA – pelayo.olea@gmail.com Universidade de Caxias do Sul – Caxias do Sul, RS, Brasil Submissão: 23/06/2015 | Aprovação: 03/02/2017 _________________________________________________________________________________ Resumo O caso enfoca o papel da remuneração variável para estratégia de desenvolvimento de uma empresa de contabilidade. Discute o desafio de motivar os colaboradores a gerenciar novas contas com qualidade e interesse, por meio da elevação dos ganhos em termos de remuneração variável, por meio de um programa de participação nos resultados. Palavras-chave: gestão de pessoas, remuneração variável, participação em lucros e resultados, motivação, desempenho Abstract The case focuses on the role of variable compensation for the development strategy of an accounting firm. It discusses the challenge of motivating employees to manage new accounts with quality and interest, by raising earnings through a profit sharing program. Keywords: people management, variable compensation, participation in profits and results, motivation, performance Introdução Este caso para ensino foi desenvolvido na empresa John & Werner Contadores Associados, inaugurada em janeiro de 1997. Inicialmente, a empresa dividia as atribuições dos seus colaboradores por atividades. A definição de responsabilidades ficava obscura, pela difícil separação das tarefas, identificação do usuário operador ou mesmo da segurança da informação aos clientes, uma vez que qualquer pessoa do setor contábil, fiscal ou de pessoal poderia atender qualquer cliente, indistintamente. A partir da reestruturação dos processos, houve a categorização de clientes por opção tributária – simples nacional, lucro presumido, lucro real, associações e profissionais liberais –, seguida da identificação do número médio de lançamentos contábeis e fiscais de cada cliente. Realizada essa identificação inicial, promoveu-se a separação das empresas por afinidade de opção tributária ou segmento empresarial – indústria, comércio ou serviços –, atribuindo a cada um dos
  • 12. 2 REMUNERAÇÃO VARIÁVEL APLICADA À EMPRESA JOHN & WERNER CONTADORES ASSOCIADOS Renato Breitenbach, Rosecler Maschio Gilioli, Fernando Fantoni Bencke, Pelayo Munhoz ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 7 | n. 1 | jan-jun 2017 www.fgv.br/gvcasos colaboradores uma carteira de clientes, que passaria a ser gerenciada individualmente, realizando a recepção dos documentos, as operações fiscais e contábeis, a apuração tributária, o atendimento ao cliente e todas as demais funções necessárias ao bom desempenho da prestação de serviços àqueles clientes. Assim, buscou-se motivar os colaboradores a gerenciar novas contas, com qualidade e interesse, por meio da elevação dos ganhos em termos de remuneração variável, especificamente, bônus de PPR. Dessa forma, para a John & Werner Contadores Associados, surgem um novo modelo de prestação de serviços em contabilidade e uma alternativa para gestão de pessoas que envolve a remuneração variável como estratégia de motivação e desempenho dos colaboradores. A trajetória e a formação dos sócios De gostos e aptidões semelhantes, os sócios conviveram durante anos como amigos. Colegas no curso técnico em contabilidade, em março de 1992, ingressaram na graduação em ciências contábeis. Em janeiro de 1997, despertou-lhes o interesse pela criação de uma empresa de prestação de serviços contábeis. Iniciadas as atividades, a renda pelos serviços prestados não era suficiente, e houve necessidade de conciliar atividades paralelas, a fim de garantir os recursos financeiros necessários à continuidade do negócio. Um ano e meio se passou, a carteira de clientes ainda era pequena, mas a crença no sucesso levou os dois sócios a cursarem uma especialização em contabilidade gerencial e finanças, com o propósito de promover a diferenciação na prestação de serviços contábeis, com viés para a gestão e consultoria, agregando valor e promovendo maior conquista de clientes. Em março de 1998, paralelamente, como forma de melhoramento da renda pessoal e maior visibilidade, ambos iniciaram atividades docentes no ensino médio, o que lhes despertou o gosto pela atividade e os levou a buscar um mestrado na área de gestão, a fim de elevar ainda mais o diferencial na prestação de serviços e no ensino da graduação. Ingressando no mestrado em maio de 2000, surgiu o convite para ministrar as primeiras aulas na universidade em novembro do mesmo ano, iniciando a atividade de docência em março de 2001. Serviços contábeis combinados com consultoria na área de gestão financeira, custos e controladoria, além de ministrar aulas nessa área na universidade, foram diferenciais no desenvolvimento de uma carteira de clientes cada vez maior, também ampliada pela vitrine promovida pela atividade docente. O investimento em imóvel, a aquisição de empresas concorrentes e a contratação de uma equipe de colaboradores contribuíram cada vez mais para o fortalecimento da carteira de clientes. O crescimento tornou-se algo natural e consequente de todo um trabalho desenvolvido, porém ocorreu de maneira mais rápida que a capacidade de acompanhamento por parte dos sócios. Veio o segundo imóvel, e o terceiro, e mais colaboradores e clientes... A desordem tomou conta, e dela adveio a perda de controle, desencadeando em multas por atrasos na entrega de guias ou declarações, descontentamento de clientes pelo mau atendimento ou mesmo pela demora na prestação das informações necessárias. A equipe foi formada gradativamente, sem critérios ou análise de competências. A necessidade de contratação de colaboradores, por vezes, era maior que a oferta, e qualquer pessoa disponível, por menor que fosse o seu conhecimento, era contratada e treinada. Treinamento demanda tempo, e tempo era o recurso menos disponível naquele momento. A hierarquia não estava claramente definida, e as responsabilidades individuais não eram claras. Quem deveria decidir estava envolvido com a operação, e o operacional decidia. Em caso de erro ou omissão, a responsabilidade era atribuída à empresa como um todo, pois a indefinição de cargos e funções tornava obscura a identificação das responsabilidades. A sensação era de estar andando em círculos e sem solução, até mesmo porque os sócios combinavam as atividades da empresa com a atividade docente
  • 13. 3 REMUNERAÇÃO VARIÁVEL APLICADA À EMPRESA JOHN & WERNER CONTADORES ASSOCIADOS Renato Breitenbach, Rosecler Maschio Gilioli, Fernando Fantoni Bencke, Pelayo Munhoz ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 7 | n. 1 | jan-jun 2017 www.fgv.br/gvcasos universitária, o que permaneceu e permanece até os dias atuais, reduzindo o tempo de dedicação à empresa e à solução dos problemas operacionais. A empresa dividia as atribuições dos seus colaboradores por atividades, cada qual com pessoas treinadas e desenvolvidas para as suas funções. A definição de responsabilidades ficava obscura, pela difícil separação das tarefas, identificação do usuário operador ou mesmo da segurança da informação aos clientes, uma vez que qualquer pessoa do setor contábil, fiscal ou de pessoal poderia atender qualquer cliente, indistintamente. A reorganização da empresa Em 2004, não sendo mais possível trabalhar daquela forma, a empresa procurou conhecer o modo de trabalho de outras empresas de sucesso no ramo de prestação de serviços contábeis, estabelecidas em regiões não concorrentes, a fim de promover uma mudança interna. Depois de analisadas as alternativas, os sócios encantaram-se por um modelo que promoveria uma revolução na forma como até então as atividades eram desenvolvidas. O novo processo consistiu basicamente na categorização de clientes por opção tributária – simples nacional, lucro presumido, lucro real, associações e profissionais liberais –, seguida da identificação do número médio de lançamentos contábeis e fiscais de cada cliente. Realizada essa identificação inicial, promoveu-se a separação das empresas por afinidade de opção tributária ou segmento empresarial – indústria, comércio ou serviços –, atribuindo a cada um dos oito colaboradores uma carteira de clientes, que passaria a ser gerenciada individualmente, realizando a recepção dos documentos, as operações fiscais e contábeis, a apuração tributária, o atendimento ao cliente e todas as demais funções necessárias ao bom desempenho da prestação de serviços àqueles clientes. A mudança foi seguida de revisão de horários de trabalho, adaptando a jornada para 44 horas semanais, e foram revisados os salários de todos colaboradores, pela elevação da jornada, que antes era de 40 horas, ou pela nova disposição das tarefas. A mudança foi positiva, e o resultado, praticamente imediato, pois cada cliente passou a ser gerenciado por um colaborador específico, e houve aumento na segurança e na qualidade da informação. A nova hierarquia, agora contando com um gerente de contabilidade e fiscal, permitiu que os sócios ficassem liberados para dar atenção aos clientes, promovendo visitas periódicas e atendimento personalizado. O gerente de contabilidade e fiscal ficou responsável pelo atendimento aos colaboradores e dedicou-se à conferência dos trabalhos realizados, à pesquisa e atualização fiscal, acompanhamento de prazos e atendimento de clientes, quando necessário. Os gerentes de contas ficaram responsáveis pelo gerenciamento da contabilidade dos clientes, em número compatível com a capacidade produtiva média, atualmente de 4.300 lançamentos mensais. No departamento de recursos humanos, que continuou separado dos demais, por sua especificidade, igualmente promoveu-se o gerenciamento de contas entre os colaboradores que nele trabalham. Cada colaborador é responsável pelo gerenciamento das folhas de pagamento de alguns clientes, atendendo desde o registro dos colaboradores até a rescisão, passando pelo processamento das folhas de pagamento e consultoria, quando necessário. O organograma da empresa pode ser visualizado na Figura 1. Em outubro de 2012, a empresa mudou-se para um novo espaço físico, mais uma vez com diferencial na prestação de serviços, totalmente climatizado e arborizado, oferecendo melhores condições de trabalho aos seus colaboradores, além de melhores condições de atendimento a clientes, com amplo estacionamento e sala especial de atendimento. Recentemente, houve ampliação no investimento de treinamento aos colaboradores, ultrapassando 20 horas de treinamento por pessoa no último ano.
  • 14. 4 REMUNERAÇÃO VARIÁVEL APLICADA À EMPRESA JOHN & WERNER CONTADORES ASSOCIADOS Renato Breitenbach, Rosecler Maschio Gilioli, Fernando Fantoni Bencke, Pelayo Munhoz ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 7 | n. 1 | jan-jun 2017 www.fgv.br/gvcasos Ocorre que o número de clientes dobrou, a empresa passou para uma estrutura de 12 colaboradores, seu resultado econômico e financeiro elevou-se em 50% em relação ao que possuía anteriormente à mudança, e o contínuo crescimento da empresa produziu um dilema: “Como motivar os colaboradores a gerenciarem novas contas, com qualidade e interesse, se a remuneração é fixa e serão agregadas tão somente responsabilidades, em vez de salário?”. Figural 1. Organograma da empresa John & Werner Contadores Associados Ltda. Fonte: John & Werner Contadores Associados Ltda. A participação nos resultados Com o propósito de estimular os colaboradores a gerenciarem novas contas, com qualidade e interesse, buscou-se mudar o conceito formado pelos colaboradores sobre remuneração, partindo de uma remuneração fixa para uma remuneração variável, em que quanto maiores forem o envolvimento, dedicação e desempenho, maior poderá ser seu bônus. A comissão avaliadora constitui-se da diretoria da empresa, do gerente de contabilidade e de dois gerentes de conta, como forma de promover a transparência na implantação do programa de participação em resultados. Como indicadores grupais, a empresa avalia a produtividade das melhorias implementadas pelos círculos de controle da qualidade (CCQ) e o registro de novos clientes. Para as melhorias implementadas pelo CCQ, determinou-se um mínimo de quatro contribuições de cada grupo por semestre, com implantação ao menos de uma dessas contribuições, que produzisse melhoria na redução de custos. Entre as melhorias, destacam-se ações de relacionamento com cliente, redução de custos por melhoria na utilização dos recursos internos, treinamento de colaboradores e clientes, alterações no sistema de informação, entre outras. Em relação ao registro de clientes novos, a meta da empresa consiste na conquista de um cliente por colaborador por ano. Os colaboradores também ficam vinculados a indicadores de desempenho individual, abrangendo o retrabalho e a produtividade. O retrabalho, alto gerador de custos em organizações dessa natureza, é medido sobre os procedimentos que envolvam o software utilizado pela empresa, desprezando os trabalhos realizados pela internet e outros, considerados de difícil medição. A produtividade fica estabelecida em 4.300 lançamentos mensais e 51.600 lançamentos anuais por colaborador, ficando estabelecido um bônus a título de PPR, na proporção de 50% desse indicador quando os lançamentos compreenderem o limite de 48.001 a 51.600 lançamentos, e 100% quando
  • 15. 5 REMUNERAÇÃO VARIÁVEL APLICADA À EMPRESA JOHN & WERNER CONTADORES ASSOCIADOS Renato Breitenbach, Rosecler Maschio Gilioli, Fernando Fantoni Bencke, Pelayo Munhoz ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 7 | n. 1 | jan-jun 2017 www.fgv.br/gvcasos ultrapassarem esse limite. Além disso, são medidos o número de lançamentos corrigidos, o número de atendimentos telefônicos realizados, o número de lançamentos excluídos, entre outros. No que diz respeito aos indicadores gerais, também a vinculação se refere a dois indicadores, envolvendo assistência técnica e economia. O indicador de assistência técnica tem por base a reposição de peças em equipamentos ou mobiliário produzidos por descuidos ou imprudência na sua utilização. Para isso, são comparados os gastos com assistência técnica com o faturamento líquido da empresa. A título de economia, há comparação entre os custos fixos globais e o faturamento bruto, devendo-se alcançar uma economia média de 1% por ano na média geral. Ainda, indicadores específicos são agregadores de desempenho individual, como o resultado individual e o absenteísmo. Como resultado individual, acresce em 5% o bônus a título de PPR de cada colaborador na inclusão de nova empresa na sua carteira, limitados a 10%. E, como fator de absenteísmo, apuram-se a frequência e a regularidade do colaborador no cumprimento dos seus horários, limitados ao equivalente de até seis faltas por ano, sem prejuízo do bônus. Acima desse limite, há prejuízo ao colaborador, não fazendo jus à parte do bônus referente ao absenteísmo. A medição dos desempenhos individual e coletivo provocou um senso de responsabilidade nunca visto na empresa antes da implantação do projeto, embora tenha havido resistência inicial. Para quem nunca havia sido controlado, a implementação de metas produz um sentimento de perda da liberdade, que antes era total. Em um segundo momento, quando cada colaborador se reestabelece na sua nova rotina, passa a ser percebida a concorrência entre os colegas para agregar à sua carteira de clientes cada vez mais volume, a fim de atingir o crescimento de bônus. O desafio Entre os colaboradores da empresa, estão profissionais graduados com excelente qualificação e alto nível de conhecimento e alguns em formação universitária. A seu favor, está a elevada qualificação, o conhecimento da equipe e a formação diferenciada, com forte viés para consultoria, não explorada profissionalmente pelas demais empresas do segmento na região de atuação. A remuneração fixa da empresa é compatível com a do mercado local, porém busca-se oportunizar maior renda variável aos colaboradores, retendo, assim, talentos. Novos negócios e funções serão necessários a fim de permitir elevação dos ganhos em termos de remuneração variável, especificamente, bônus de PPR. Assim, o desafio está em “motivar os colaboradores a gerenciar novas contas, com qualidade e interesse, por meio da elevação dos ganhos em termos de remuneração variável, especificamente, bônus de PPR”.
  • 16. Volume 7 Número 1 Jan/Jun 2017 Doc. 3 Rev. Bras. de Casos de Ensino em Administração ISSN 2179-135X ________________________________________________________________________________________________ ©FGV-EAESP / GVcasos | São Paulo | V. 7 | n. 1 | jan-jun 2017 www.fgv.br/gvcasos DOI: http://dx.doi.org/10.12660/gvcasosv7n1c3 PRODUÇÃO DE COUROS ACABADOS NA CHINA Production of finished leather in China MARCELO ANDRÉ MACHADO – mmachado@unisinos.br Escola de Gestão e Negócios UNISINOS – Porto Alegre, RS, Brasil MICHELE CRISTINA MÜHL– michelemuhl@universo.univates.br Centro Universitário UNIVATES – Lajeado, RS, Brasil Submissão: 16/12/2015 | Aprovação: 01/02/2017 _________________________________________________________________________________ Resumo O diretor comercial de uma empresa brasileira fabricante brasileiro de couros acabados de alto valor, precisa decidir qual o melhor modo de produção na China. A decisão de produzir na China surge da necessidade de estar mais próximo dos clientes nesse país, maior consumidor de couros acabados do mundo. O leitor é convidado a escolher o melhor modo de produzir na China: contrato de produção; licenciamento; ou investimento externo direto do tipo greenfield ou brownfield. Palavras-chave: estratégia, negócios internacionais, China Abstract The commercial director of a Brazilian Brazilian manufacturer of high-quality finished leathers needs to decide on the best mode of production in China. The decision to produce in China arises from the need to be closer to customers in that country, the largest consumer of finished leather in the world. The reader is invited to choose the best mode of production in China: production contract; licensing; Or direct foreign investment of the greenfield or brownfield type. Keywords: strategy, international business, China Introdução Germano D’Ávila, diretor comercial do Grupo Global Leather, após ouvir repetidamente de um experiente trader internacional que, na China, “quanto mais próximo do cliente estiver a empresa estrangeira, melhor o relacionamento e os seus resultados”, passou a refletir sobre alguns movimentos estratégicos que seriam necessários para o crescimento internacional da companhia. Contudo, o próprio diretor em questão pôs-se a questionar se não seria tarde demais para instalar uma operação na China, pois os principais concorrentes do grupo já operam naquele país. Para muitos analistas, no entanto, talvez o maior erro seja justamente não investir na China. A Global Leather, ou Grupo GL, é um grupo empresarial do setor coureiro com foco na produção de couros acabados de alto padrão para calçados, artefatos e acessórios, estofamentos automotivos e móveis estofados. Fundada em 1985, no sul do Brasil, a empresa atua desde 2000 no exterior, exportando para vários países, entre os quais a China é o que compra o maior volume e tem uma relação comercial de mais de 10 anos com o grupo. Em 2013, China e Hong Kong representaram 65% da quantidade do couro acabado exportado pelo Grupo GL. O couro acabado é a peça de couro pronta para ser utilizada pelas indústrias calçadistas, moveleiras e automobilísticas, não sendo necessário nenhum outro tipo de finalização. É justamente nesse segmento, de produtos de maior valor agregado, que a Global Leather tem sua maior expertise e sua maior margem de lucro. A empresa, ao longo de seus 30 anos de história, desenvolveu
  • 17. 2 PRODUÇÃO DE COUROS ACABADOS NA CHINA Marcelo André Machado, Michele Cristina Mühl ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 7 | n. 1 | jan-jun 2017 www.fgv.br/gvcasos processos de curtimento e tingimento que garantem couros acabados de alto padrão de qualidade e com propostas inovadoras de acabamento. Por outro lado, o grupo produz diversos tipos de couro, desde couros semiacabados de baixo valor agregado, chamados de wet blue (Anexo 1), até couros acabados de alto padrão (Anexo 2). De todos os tipos de couros vendidos pela empresa, apenas 40% são direcionados para o mercado doméstico, e 60%, para o mercado externo, colocando-a entre os 10 maiores exportadores brasileiros de couros e peles. Porém, para o exterior, é vendido, principalmente, o couro semiacabado. Dessa forma, a atuação internacional do Grupo GL está no centro das preocupações do diretor comercial da empresa. Como a produção de couros acabados é mais complexa e exige grande conhecimento técnico, a Global Leather realiza toda a operação de acabamento de couros de alto padrão no Brasil. Dessa forma, o diretor Germano percebe que está cada vez mais difícil competir no mercado chinês com o produto que traz a maior margem de contribuição líquida para a empresa. A dificuldade de atender, prontamente, a pedidos específicos e customizados de algumas indústrias calçadistas e moveleiras na China, além dos custos cada vez mais caros de se fazer todo o acabamento do couro aqui no Brasil, tiram o sono do executivo. Ainda, os custos logísticos das exportações para a China e a flutuação da taxa de câmbio, tanto do real brasileiro como do iuane chinês perante o dólar, afetam a competitividade das exportações de couro acabado de alto padrão a partir do Brasil. O Brasil tem matéria-prima de qualidade para atender os clientes chineses, já que, atualmente, o País tem o maior rebanho bovino do mundo, e a produção total de couro brasileiro está além da demanda doméstica, o que justifica a grande exportação brasileira do produto. Para que o Grupo GL, que tem uma relação de muitos anos com clientes chineses, possa ter menor tempo de produção e menor custo, uma opção seria exportar o couro semiacabado (wet blue) para a China e, naquele país, finalizar o produto, de acordo com a escolha e as necessidades dos clientes chineses. Assim, produzindo couros acabados na China, a empresa teria um grande diferencial competitivo, já que o tempo de entrega seria reduzido em comparação ao tempo em que o couro pronto sairia do Brasil. Essa operação poderia auxiliar, ainda, no atendimento de encomendas customizadas de acabamento de couros a um custo bem menor em comparação à operação realizada no Brasil. Por outro lado, o governo chinês tem incentivado empreendimentos estrangeiros no país com o objetivo de assegurar matérias-primas para as indústrias estratégicas, como as de calçados, de móveis e automobilísticas. Essas indústrias são caracterizadas pelo uso intensivo de mão de obra e por puxarem uma complexa cadeia de empresas correlatas. Como uma indústria favorecida pelo governo chinês, a Global Leather poderia estar diante de uma grande oportunidade. Com uma população de mais de um bilhão de pessoas e uma área superior à dos Estados Unidos, a China apresenta um mercado que poucas empresas podem desprezar. Contudo, para produzir naquele país, o Grupo GL deveria estar disposto a transferir sua tecnologia de acabamento de couro para a China. A Global Leather e sua expertise em acabamento de couros Para que fosse possível levar adiante a ideia de iniciar uma operação na China, a direção do Grupo GL entende que há a necessidade, em primeiro lugar, de uma análise interna da organização. Para o diretor citado, é a partir da compreensão dos recursos e pontos fortes da empresa, bem como de suas fragilidades, que seria possível definir a melhor opção estratégica de produção de couros acabados na China. O Grupo GL iniciou suas atividades em 1985, no interior do Rio Grande do Sul, por meio de dois sócios que já possuíam larga experiência no curtimento, tingimento e acabamento de couro para várias finalidades. Os fundadores, Gilmar Schneider e Silvio Bischoff, escolheram localizar a planta
  • 18. 3 PRODUÇÃO DE COUROS ACABADOS NA CHINA Marcelo André Machado, Michele Cristina Mühl ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 7 | n. 1 | jan-jun 2017 www.fgv.br/gvcasos do primeiro curtume em uma pequena cidade no interior do Estado, localizada em uma região de forte colonização germânica, o que oferecia, segundo os fundadores, mão de obra muito qualificada para curtimento e acabamento de couro. Após o estabelecimento dessa planta, o Grupo GL repetiu a fórmula, adquirindo duas novas plantas também em pequenas cidades do Rio Grande do Sul, em regiões de descendentes de alemães. Uma das plantas especializou-se em artigos diferenciados para calçados e artefatos de alto valor agregado, explorando diversos acabamentos e estampas inovadoras. A outra também produz artigos para calçados, artefatos e vestuário, mas com propostas mais tradicionais. Cabe salientar que a unidade fabril pioneira do grupo produz artigos nobres, utilizando as melhores classes do couro brasileiro destinadas à produção de calçados e artefatos de alto padrão. O Grupo GL criou dois centros de pesquisa e desenvolvimento de novos tratamentos e produtos para o acabamento de couros. Os dois centros funcionam em parceria com universidades da região, que desenvolvem pesquisas com a empresa. Alguns processos de acabamento já foram patenteados no Brasil, e os produtos que os utilizam são vendidos com exclusividade para grandes marcas internacionais de calçados e artefatos de couro. Já a produção no exterior não é novidade para o Grupo GL. Após a aquisição de uma dezena de unidades produtivas de couro acabado no Brasil, o grupo fez, em 2009, a compra da sua primeira unidade fabril no exterior. Trata-se de uma planta na Argentina para a produção de couros inteiros destinados às indústrias moveleiras e automotivas daquele país. O Grupo GL tem preocupação constante com a preservação do meio ambiente, por isso são realizados expressivos investimentos não apenas para cumprir a legislação ambiental, mas também para criar uma consciência ecológica entre os colaboradores. Todas as unidades fabris do grupo fazem parte de um programa nacional que neutraliza a emissão de gases de efeito estufa. Ainda, duas unidades do grupo já possuem a certificação Gold Rated, concedida pelo The Leather Working Group, o mais alto nível de certificação expedido por esse organismo internacional. Todas as plantas do Grupo GL têm certificação ISO 9001 e ISO 14001, além de laboratórios completos para análises físico-químicas de todos os insumos utilizados e da qualidade dos artigos de couro produzidos. A empresa vende couros para todo o Brasil, trabalhando com representantes comerciais em cada região. Desde 2000, o grupo realiza exportações diretas e indiretas, por meio de agentes de exportação nacionais e internacionais. Atualmente, do total faturado pela empresa, 60% são provenientes do mercado externo. O grupo possui vários colaboradores bilíngues e com boa experiência em mercados externos no segmento de couros. O Grupo GL tem uma situação financeira bastante sólida e vem operando com boa lucratividade nos últimos anos, o que lhe proporciona acesso facilitado a vários tipos de financiamento existentes no mercado. Atualmente, a organização tem acesso a financiamentos a juros internacionais, bem mais baixos que os juros praticados no Brasil, destinados apenas a empresas que têm boa parte de seu faturamento proveniente da exportação. Assim, uma eventual necessidade de capital para produção na China não seria problema, apesar de que o custo de oportunidade do capital no mercado doméstico não recomendaria captar recursos financeiros no Brasil para investimento produtivo no exterior. Quanto à capacidade de produção do grupo, as unidades de beneficiamento de couro wet blue funcionam junto aos principais frigoríficos que fornecem o couro salgado. Nota-se, assim, que a empresa está verticalizada no segmento de couros com um ciclo de produção completo, iniciando na matéria-prima direta do frigorífico e terminando no acabamento final antes da venda para indústrias calçadistas, moveleiras e outras. Da mesma forma, um eventual aumento na demanda por couro seria facilmente resolvido pela forte parceria de 30 anos com os principais frigoríficos brasileiros.
  • 19. 4 PRODUÇÃO DE COUROS ACABADOS NA CHINA Marcelo André Machado, Michele Cristina Mühl ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 7 | n. 1 | jan-jun 2017 www.fgv.br/gvcasos Dessa forma, é possível estabelecer alguns pontos fortes que auxiliariam o Grupo GL na tomada de decisão de produção na China, bem como apontar fragilidades que dificultariam tal empreendimento, conforme é explicitado na Figura 1 (Anexo 3). Modos de produção de couros acabados na China Para o Grupo GL passar a produzir couros acabados de alto padrão na China, um ponto pareceu irredutível na opinião do diretor Germano: a matéria-prima deveria ser enviada a partir do Brasil, via exportação direta. Segundo ele, “como se tem acesso facilitado a uma grande oferta de couro cru no Brasil, é possível fazer um primeiro processamento aqui e enviar o couro no estágio wet blue para a finalização na China”. Essa decisão do diretor da Global Leather foi amplamente discutida com os demais executivos do grupo e baseou-se nos seguintes argumentos levantados por ele: 1. É aqui no Brasil que se encontra a grande fonte de matéria-prima da empresa, pois o País possui o maior rebanho bovino do mundo. Os fornecedores do Grupo GL situam-se muito próximos das plantas de curtimento do grupo, além de possuírem um relacionamento de anos com a empresa, tornando-os confiáveis, principalmente na garantia de qualidade na entrega do couro cru (couro salgado). 2. A Global Leather possui grande capacidade produtiva para couros wet blue. Caso as peças de couro fossem compradas em outro país para processamento na China, além do risco de queda na qualidade da matéria-prima, poderia haver rompimento nos contratos de fornecimento de couro cru com frigoríficos e abatedouros no Brasil. Ainda, a empresa teria que lidar com a ociosidade das suas plantas domésticas. 3. Um curtume na China importando matéria-prima do Brasil poderia operar em regime de drawback. Nesse regime, o importador chinês estaria isento de impostos de importação, desde que vendesse o produto acabado para fábricas chinesas que utilizassem esse couro acabado na fabricação de produtos que seriam posteriormente exportados. 4. A Global Leather tem experiência de mais de 10 anos na exportação para a China, dominando todos os processos logísticos, aduaneiros e cambiais envolvidos nessa operação. Ainda, a empresa já tem experiência de produção de couros acabados no exterior, com sua fábrica localizada na Argentina. Com essa condição definida previamente pelo diretor comercial, resta estabelecer quais são as possíveis estratégias ou modos de entrada que permitirão a produção de couros acabados na China, levando-se em consideração a necessidade de controle sobre a tecnologia de curtimento e a qualidade, bem como os custos de produção e os recursos necessários para implementar essa decisão. A partir disso, a direção da empresa iniciou um levantamento de alternativas que permitissem a execução dessa intenção estratégica. Depois de várias conversas informais com representantes da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China (CCIBC) e do Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB), além de uma viagem à China para visitar clientes e discutir todas as possibilidades de produção local, o diretor Germano tem à sua disposição as seguintes opções que permitem ao Grupo GL desempenhar a atividade de produção de couros acabados na China:  Contrato de produção – A Global Leather poderia exportar o couro semiacabado para um curtume chinês que seria responsável pelo acabamento do couro naquele país. Após isso, essa empresa contratada entregaria para os clientes do Grupo GL na China, a partir dos pedidos apresentados pelos representantes comerciais da Global Leather. Contudo, a empresa brasileira deveria repassar o conhecimento técnico e as especificidades do acabamento de couros para a empresa contratada na China. O contrato de produção permitiria acessar custos mais favoráveis de produção de couro acabado na China, sem a necessidade de investir em ativos imobilizados
  • 20. 5 PRODUÇÃO DE COUROS ACABADOS NA CHINA Marcelo André Machado, Michele Cristina Mühl ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 7 | n. 1 | jan-jun 2017 www.fgv.br/gvcasos no exterior e lidar com questões trabalhistas e fiscais, além de permitir o início imediato da operação. A descontinuidade dessa estratégia é mais simples de ser executada.  Licenciamento – A empresa brasileira poderia exportar seu couro semiacabado para um curtume licenciado na China. Esse curtume usaria a tecnologia de acabamento da Global Leather, sob contrato de licenciamento, para vender o produto final aos seus clientes. A empresa brasileira receberia royalties sobre a venda do produto final. A partir do licenciamento, a empresa licenciada na China poderia vender a outros clientes na China, desde que pagasse royalties ao Grupo GL, ampliando, assim, as receitas do grupo na China sem precisar investir nesse mercado.  Joint venture – O Grupo GL, a partir da identificação de um curtume parceiro na China, poderia dividir os custos e riscos de uma produção naquele país. A empresa brasileira enviaria o couro semiacabado para uma joint venture criada com um sócio chinês. O parceiro chinês poderia assumir os custos e riscos da planta fabril, dos equipamentos e dos empregados locais. A Global Leather entraria com a matéria-prima, o conhecimento técnico de acabamento de couros de alto padrão e a sua carteira de clientes na China. A criação de uma joint venture com sócios chineses é estimulada e bem-vista pelo governo chinês, o que facilitaria ao lidar com o ambiente institucional naquele país.  Investimento externo direto (IED) greenfield ou aquisição – Outra possibilidade apresentada para a Global Leather foi a construção de uma nova planta fabril, investimento do tipo greenfield ou, ainda, a aquisição de um curtume local, investimento do tipo brownfield, na China. Com uma subsidiária de acabamento de couros 100% de sua propriedade, a empresa brasileira poderia exportar o couro semiacabado a partir do Brasil, tendo controle total do processo produtivo e da comercialização do produto final no mercado chinês. A partir dessas possibilidades de produção na China, a direção do Grupo GL precisava aprofundar sua análise sobre o ambiente de negócios no mercado chinês, identificando oportunidades e ameaças que refletiriam na decisão da empresa. Isso é apresentado a seguir. Fazendo negócios na China Usar superlativos para descrever a China tem sido lugar-comum em relatórios de análise sobre o país. Com uma população superior a 1,3 bilhão de habitantes, as oportunidades são tão grandes quanto os desafios de compreender a complexidade de desenvolver negócios no gigante asiático. A seguir, serão destacadas algumas variáveis do ambiente de negócios na China que o diretor comercial do Grupo GL está analisando para a decisão da estratégia de produção mais adequada naquele país. A economia chinesa A economia da China expandiu-se vigorosamente desde que o país abandonou o rígido sistema de controle estatal sobre os meios de produção e introduziu reformas durante o governo de Deng Xiaoping, em 1978. A partir de 1979, o foco da política econômica chinesa passou do campo para a cidade, principalmente com destaque à sua industrialização. O “socialismo de mercado” chinês esteve, assim, calcado por décadas no tripé IED, na industrialização em setores intensivos de mão de obra e na expansão das exportações. O desenvolvimento econômico chinês sempre foi bem mais rápido nas províncias costeiras se comparado às do interior, principalmente pelo fato de lá estarem localizadas as zonas especiais de exportação, onde há regras mais tolerantes para a iniciativa privada. Por outro lado, isso também provocou grandes disparidades na renda per capita das regiões. Nos últimos anos, percebeu-se que o modelo de crescimento chinês, que garantiu taxas de evolução do PIB de dois dígitos anuais por mais de duas décadas, começou a ser colocado em dúvida
  • 21. 6 PRODUÇÃO DE COUROS ACABADOS NA CHINA Marcelo André Machado, Michele Cristina Mühl ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 7 | n. 1 | jan-jun 2017 www.fgv.br/gvcasos (Anexo 4). Para lidar com essa nova fase da economia, a China vem fazendo reformas graduais que incluíram, por exemplo, a venda dos maiores bancos chineses para investidores estrangeiros. O governo da China já percebeu o desafio que tem pela frente. Das três formas clássicas de crescimento de uma economia – exportações, investimento estrangeiro direto e consumo –, é justamente nessa última que estão as apostas do governo chinês e de analistas estrangeiros. Essa estratégia de crescimento econômico pode trazer grandes oportunidades para empresas que já estiverem operando dentro da China, ou seja, explorar o gigantesco mercado interno. De qualquer forma, a mensagem que fica aos investidores estrangeiros na China é de que se trata de um país onde há grande intervenção do Estado na economia. A remuneração baixa dos trabalhadores, que transformou a China no destaque mundial de exportações e ajudou a criar muitos investimentos em infraestrutura, está passando por um reajuste gradual que pode trazer grande oportunidade para empresas que fabricam bens de consumo duráveis e não duráveis naquele país. Por outro lado, pode ser uma ameaça a quem procura apenas mão de obra barata para produzir. A população chinesa Com a maior população do mundo, com mais de 1,3 bilhão de pessoas, a China tem a grande maioria de seu povo proveniente de uma mesma etnia, denominada Han, que representa 91% dos chineses. Porém, o país ainda é composto por 55 etnias minoritárias espalhadas por regiões localizadas nas fronteiras ao norte, nordeste, noroeste e sudeste do país. Assim, de certo modo, os chineses são mais homogêneos, do ponto de vista étnico, do que países como Brasil e Estados Unidos, nos quais a formação da população contou com grande participação de grupos étnicos estrangeiros como os africanos, os europeus e mesmo os asiáticos. Na China, a desigualdade social e econômica apresenta-se em três aspectos distintos: primeiro, a diferença na renda dos indivíduos; segundo, a diferença no poder de compra da população rural e urbana; e, em terceiro, as taxas de crescimento das diferentes regiões e províncias do país. Por exemplo, a renda dos 10% mais ricos da China chega a ser 18 vezes maior que a dos mais pobres, e a previsão é que esses números piorem se o modelo de crescimento for mantido sem correções. Como visto na Figura 3 (Anexo 5), a China também é marcada por enorme desigualdade na distribuição populacional. Sua densidade demográfica média de 135 hab/km² não traduz a realidade, já que, no leste do país, há concentrações acima de 2 mil hab/km². Como resultado dessa realidade, 80% da população habita um quinto do território. Contudo, a realidade demográfica chinesa está passando por transformações, não necessariamente positivas. A primeira mudança está no fato de que o bônus demográfico está acabando e, em poucos anos, a Índia deverá ultrapassar a China como o país mais populoso do mundo. A segunda diz respeito à migração das pessoas para as regiões urbanas. Essas mudanças demográficas podem afetar a qualidade de vida nas grandes cidades da China. As maiores cidades são Xangai, com 13 milhões de habitantes, Pequim, com 11 milhões, Tianjin, com 6,5 milhões, e Xenyang, com população de 5,2 milhões. A região administrativa especial, Hong Kong, possui 6,8 milhões de habitantes. Já a fórmula da mão de obra chinesa barata, que funcionou durante muitos anos, está ficando para trás. Empregados chineses que aceitavam dormir apertados em dormitórios hoje obrigam as fábricas a oferecerem ar-condicionado e apartamentos para casais. Assim, as empresas na China terão que modernizar sua base industrial para produzirem mercadorias com maior valor agregado. Estima-se que os salários dos trabalhadores chineses vão subir em torno de 30% ao ano até 2018, já que vêm crescendo acima de 15% por ano nas províncias mais ricas. Embora a China tenha uma força de trabalho de quase 800 milhões de pessoas, dessas, poucas têm todas as qualificações desejadas pelas empresas. Os chineses estão preferindo trabalhar na indústria automobilística e de componentes eletrônicos a trabalhar em fábricas de calçados, empresas
  • 22. 7 PRODUÇÃO DE COUROS ACABADOS NA CHINA Marcelo André Machado, Michele Cristina Mühl ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 7 | n. 1 | jan-jun 2017 www.fgv.br/gvcasos têxteis e curtumes, uma vez que, nas primeiras, o serviço é menos manual e os locais de trabalho são mais salubres que nas últimas. A rotatividade de pessoas nas empresas chinesas é de 20% ao mês, enquanto no Brasil é de 2%. Assim, é importante que as novas empresas estejam localizadas onde, além de encontrar mão de obra qualificada, as pessoas trabalhem próximas a suas casas. O ambiente político e de negócios na China Mesmo tratando-se de um país socialista, regido pelo Partido Comunista da China, foi aceita no país, há muitos anos, a existência de economia de mercado. Por esse motivo, a China é denominada como “socialismo de mercado”. Em 1997, a China abandonou o socialismo de mercado e partiu para o capitalismo convencional, acabando com o princípio de propriedade estatal e reconhecendo a propriedade privada em sua constituição. Estima-se que, no mínimo, cerca de 70% da economia chinesa já esteja em mãos privadas, com tendência de crescimento. O governo chinês também está focado em reduzir a corrupção, uma vez que o problema o coloca, hoje, entre os mais corruptos, segundo o índice de percepção da corrupção no setor público da ONG Transparência Internacional. O índice vai de zero, para um país muito corrupto, até 100, que indica um país livre de corrupção. No índice de 2014, Brasil e China têm escores inferiores a 50, o que indicaria um nível preocupante de corrupção no setor público. Contudo, a China ficou na posição 100, com um escore de 36, ou seja, em uma situação pior que a brasileira, com a posição 69 e escore 43. Para ajudar no combate a esse problema, os membros do Partido Comunista da China que estejam sob suspeita de corrupção são observados pelo Comitê Central de Inspeção Disciplinar. Esse comitê tem acesso privilegiado a informações, além de poder controlar redes de informações e arquivos pessoais. Assim, a ofensiva contra os corruptos aumentou, e o governo abre à mídia a cobertura das punições, que podem incluir até execuções. Contudo, para o bom desenvolvimento de negócios na China, é importante que se tenha alguma ligação com o governo, pois, dessa maneira, é possível se antecipar a possíveis mudanças, além de obter certa influência para conseguir incentivos governamentais. Uma boa maneira de verificar a facilidade de se fazerem negócios ou a atratividade de um mercado para investidores estrangeiros é a análise do relatório Doingbusiness do Banco Mundial. Esse relatório anual compara e cria um ranking dos países mais amigáveis aos investidores estrangeiros e os mais refratários a novos negócios vindos do exterior. No ranking de 2015, que avaliou 189 países no que diz respeito à facilidade de desenvolvimento de negócios, percebe-se que a China tem uma posição relativamente melhor que a brasileira, conforme observado na Tabela 1 (Anexo 6). Dos 10 quesitos avaliados pelo Banco Mundial, a China apresenta um ambiente de negócios mais favorável em sete pontos. Para registrar uma nova empresa em qualquer país, por exemplo, o empreendedor deve superar vários obstáculos burocráticos e legais. Na China, leva-se em torno de 38 dias para abrir uma empresa, enquanto no Brasil o tempo é de aproximadamente 60 dias. Para pagar os impostos e contribuições obrigatórias, as empresas chinesas precisam fazer sete pagamentos por ano, enquanto no Brasil os empreendimentos locais precisam fazer algumas dezenas de pagamentos no mesmo período. Também é importante levar em consideração que o imposto sobre lucros é de 6% na China e de 21,4% no Brasil. O ambiente cultural chinês O empresário estrangeiro que pretende conduzir algum tipo de negociação com contrapartes chinesas deve entender as diferenças culturais que permeiam a construção de relacionamentos comerciais no país. Na China, nas relações interpessoais, algumas palavras são muito importantes para um estrangeiro conhecer. Uma delas é o guanxi, que significa o relacionamento com base na
  • 23. 8 PRODUÇÃO DE COUROS ACABADOS NA CHINA Marcelo André Machado, Michele Cristina Mühl ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 7 | n. 1 | jan-jun 2017 www.fgv.br/gvcasos confiança pessoal. O entendimento da palavra guanxi (关系) é fundamental para garantir o bom desenrolar de uma parceria de negócios. Ela refere-se às relações sólidas entre as pessoas, ou uma rede de relações sólidas, que são construídas ao longo de suas vidas. Para os executivos chineses, tanto na unidade familiar quanto no círculo de amizades, a confiança estabelecida é um valor de extrema importância. Uma vez estabelecido um elo de confiança com seu interlocutor, quebrá-lo por algum motivo seria complicado para suas relações pessoais e profissionais. Dessa maneira, na China, o que se diz vale muito mais do que o contrato em si. Outro bom exemplo de como pode ser analisado o ambiente cultural da China nos negócios é por meio do trabalho desenvolvido pelo sociólogo holandês Geert Hofstede. Para ele, a cultura pode ser entendida como uma programação coletiva da mente ou, como ele chamou, o software da mente. Em seus estudos, Hofstede desenvolveu seis dimensões de comportamento cultural que podem auxiliar a compreender como os gestores de uma sociedade diferenciam-se de outras. As seis dimensões culturais propostas são:  Distância do poder (power distance) – Há países nos quais as pessoas toleram mais a distribuição desigual de renda e poder na sociedade, enquanto em outros há intolerância quanto a essas diferenças.  Individualismo (individualism) – Em países de orientação mais individualista, prevalecem as decisões e responsabilidades individuais. Já em países mais coletivistas, prevalecem mais as decisões em grupo.  Masculinidade (masculinity) – Em sociedades mais masculinas, são valorizados traços desse comportamento, como a competição, o desempenho e o sucesso. Já em sociedades mais femininas, os valores dominantes são o cuidado com o outro e a qualidade de vida, por exemplo.  Aversão à incerteza (uncertainty avoidance) – Refere-se ao modo como determinada sociedade lida com o fato de que o futuro não pode ser conhecido.  Orientação para o longo prazo (long term orientation) – Em países com forte orientação para o longo prazo, há prevalência ao desenvolvimento de relacionamentos. Já as sociedades mais orientadas ao curto prazo perseguem resultados mais pragmáticos e objetivos.  Indulgência (indulgence) – Refere-se a quanto as pessoas tentam controlar seus desejos e impulsos. Um fraco controle revelaria uma sociedade mais indulgente, e um forte controle demonstra uma sociedade mais restritiva. Dessa forma, como pode ser observado na Figura 3 (Anexo 7), não se podem esperar acordos rápidos na China, pois a forte orientação para o longo prazo e o alto coletivismo daquela sociedade revelam preocupação em construir uma relação de confiança. Ainda, a alta distância do poder e a baixa indulgência revelam uma sociedade muito formal e que respeita muito as hierarquias. Assim, é necessário que se esteja preparado para ceder, mostrar sinceridade e boa vontade nos seus atos, mas também que se tenha firmeza e consistência na condução das negociações com chineses. China e o mercado do couro Segundo o Ministério da Indústria e Comércio Exterior brasileiro (MDIC, 2015), em 2014, o principal parceiro comercial do Brasil foi a China, representando 19% de tudo o que o país exportou naquele ano. China e Hong Kong compraram mais de 35% de todo o couro exportado pelo Brasil em 2014, com um crescimento de 25% em relação a 2012. As indústrias chinesas envolvidas com o produto couro estão divididas em três tipos: as indústrias de processamento de couro e curtumes; as indústrias de calçados; e as indústrias de acessórios e artefatos de couro. Essas indústrias empregam em torno de 5,5 milhões de chineses e são constituídas por mais de 16 mil empresas. Dessas, mais de 2.900 são indústrias de
  • 24. 9 PRODUÇÃO DE COUROS ACABADOS NA CHINA Marcelo André Machado, Michele Cristina Mühl ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 7 | n. 1 | jan-jun 2017 www.fgv.br/gvcasos processamento de couro, 7.200 são indústrias de calçados e mais de 3.700 são indústrias de acessórios de couro e produtos de couros em geral. Das indústrias de processamento de couro na China, 700 são curtumes. É na produção de calçados que se concentra a maior demanda por couro acabado na China. O país, sozinho, produz 57% do volume de pares de calçados consumidos no mundo e responde por 72% das exportações mundiais do produto, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Calçados. Ainda, o potencial de crescimento do setor na China é maior ao se considerar que o consumo de calçados por habitante foi de 4,1 pares/ano no Brasil, em 2014, 71% superior à média mundial, que é de 2,4 pares anuais, segundo a Abicalçados. Enquanto o consumo per capita nos Estados Unidos foi de 7,2 pares por ano, na China, foi de apenas 1,8. Como a grande maioria da população chinesa está melhorando, gradualmente, seu poder aquisitivo, espera-se um crescimento da produção e do consumo de calçados nos próximos anos. Esse fenômeno não se restringe apenas à China, mas também às nações menos desenvolvidas que conseguirem melhorar sua distribuição de renda. Um elemento muito importante quando se analisa a produção ou investimento produtivo na China é a localização da planta fabril. Cada região da China é única, pois o país não é homogêneo. A decisão de localização da produção no país pode levar algumas empresas a cometeram o erro de optarem por regiões onde o custo da mão de obra e das matérias-primas é mais baixo, mas os demais serviços e insumos necessários para empreender não estão disponíveis ou suficientemente desenvolvidos. Assim, seria recomendável à Global Leather buscar parceiros ou investir em regiões nas quais se concentram as atividades da cadeia produtiva do setor coureiro na China. Segundo dados do Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB, 2014), os curtumes da China estão concentrados principalmente no leste do país, nas províncias de Zhejiang, Hebei, Shandong e Guangdong. Já os principais polos calçadistas, maiores compradores de couros acabados, são Guangdong e Zhejiang, conforme Tabela 2 (Anexo 8). Dongguan, situada na província de Guangdong, é a cidade mais importante para o setor calçadista. As principais empresas fornecedoras de produtos químicos, matéria-prima essencial para o acabamento do couro, estão localizadas em Dongguan, predominantemente, além de em Xangai e Guangzhou. Desse modo, percebe-se que o setor coureiro calçadista está concentrado em alguns clusters regionais. Isso facilita a decisão de localização ou busca por curtumes e indústrias de calçados na China, pois toda a cadeia produtiva está concentrada em um só lugar. Outro fator importante que as empresas do setor coureiro devem levar em consideração, em qualquer país, é o cuidado com o meio ambiente. O processo de curtimento e acabamento do couro produz quantidade significativa de resíduos tóxicos, que não podem retornar à natureza sem tratamento. As estações de tratamento de água em curtumes requerem consideráveis investimentos de capital e aderência a práticas regulatórias rígidas, o que aumenta os custos de produção. O governo chinês tem uma preocupação constante com o impacto ambiental das indústrias lá instaladas, principalmente pela forte pressão internacional sobre o país. Já os clientes chineses que compram o couro acabado imprimem um nível de exigência bastante alto quando se trata de qualidade do que compram, pois ainda há a concorrência do couro sintético na China. Assim, o couro com valor agregado deve ter qualidade muito alta. Os clientes desejam aproximação com o seu fornecedor de couros acabados, a manutenção de um relacionamento e a facilidade na logística de entrega do produto final. Por fim, cabe destacar que a China hospeda algumas das principais feiras de couro do mundo, o que permite às empresas participantes conhecer e melhorar o relacionamento com os clientes, além de acompanhar as mudanças e tendências do mercado, dos preços praticados e dos novos players no setor.
  • 25. 10 PRODUÇÃO DE COUROS ACABADOS NA CHINA Marcelo André Machado, Michele Cristina Mühl ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 7 | n. 1 | jan-jun 2017 www.fgv.br/gvcasos A decisão de produção na China Após semanas de reuniões com colaboradores, agentes internacionais e outros empresários, bem como viagens para coleta de dados, o diretor comercial sabe que é urgente a necessidade de um posicionamento por parte da empresa. De acordo com a direção, a proximidade com os clientes compradores de couro na China é um fator imperativo para a evolução dos negócios da Global Leather no segmento de couro de maior valor agregado. Nesse sentido, a direção está colocando na mesa algumas possibilidades para finalizar o couro na China: seria o momento de eliminar parceiros locais e controlar toda a operação na China por meio de um IED naquele país? Ou uma joint venture com um curtume chinês seria mais prudente, tendo-se em vista os recursos envolvidos e a necessidade de lidar com o complexo ambiente de negócios na China? Por fim, o diretor do Grupo GL entende, também, que arranjos contratuais, como contrato de produção e licenciamento, permitiriam a produção de couro acabado sem ter a necessidade de nenhum investimento por parte da Global Leather. Assim, a empresa poderia concentrar esforços em outros mercados que, após a crise de 2008, começam a demandar couro de alto padrão, como Itália e Índia. Anexo 1 Exemplo de uma peça de couro bovino em estágio wet blue Fonte: http://portuguese.alibaba.com/product-gs/wet-blue-leather-from-peru-143829320.html. Nota: Wet blue é um couro semiacabado em estágio inicial de curtimento, ou curtido ao cromo.
  • 26. 11 PRODUÇÃO DE COUROS ACABADOS NA CHINA Marcelo André Machado, Michele Cristina Mühl ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 7 | n. 1 | jan-jun 2017 www.fgv.br/gvcasos Anexo 2 Peças de couro acabado da Global Leather Anexo 3 Pontos fortes e fracos do Grupo GL para produção na China Pontos fortes Pontos fracos Relacionamento com clientes no Brasil e no exterior: preocupação com o atendimento aos clientes, levando em consideração as demandas específicas de clientes, a pontualidade na entrega e os serviços de pós-venda. Diversificação de mercados: atua nos mercados interno e externo, atendendo a demandas de diversos setores industriais. Expertise fabril: domínio de recursos produtivos e tecnológicos únicos no acabamento de couro com alto valor agregado. Promoção comercial: participa de feiras como a Feira Internacional de Couros, Químicos, Componentes e Acessórios, Equipamentos e Máquinas para Calçados e Curtumes (Fimec) e Couro Moda, no Brasil e, também, das feiras de Hong Kong e Xangai. Experiência internacional: aprendizado em gestão internacional na aquisição de uma planta na Argentina. Exporta há muitos anos e, para a China, há 12 anos. Produção completa: grupo está verticalizado com ciclo de produção completo, iniciando na matéria-prima do frigorífico e terminando no acabamento final. Matéria-prima: com plantas e contratos de fornecimento junto aos grandes frigoríficos, há uma redução de custos logísticos e de riscos de falta de matéria-prima. Diversificação de artigos: grande gama de couros acabados, atendendo segmentos como calçados, artefatos, estofamento moveleiro e automotivo. Pouco controle sobre a área comercial: as vendas, em sua maioria, são por meio de representantes e agentes. No mercado interno, a empresa atua com representantes por região, e, na exportação, as negociações são feitas por meio de agentes. Dessa forma, algumas vezes a empresa não consegue receber e tratar as demandas da melhor maneira, já que depende do agente. Falta de profissionais preparados para gerenciar o negócio na China: a dificuldade está em ter profissionais que conheçam a empresa, os produtos e tenham domínio de todo o processo de produção, ao mesmo tempo que tenham experiência em um mercado tão complexo como o chinês. Falta de forte relacionamento institucional na China: mesmo exportando há 12 anos para aquele país, a empresa sabe que, para investir em um mercado como o chinês, é fundamental bom relacionamento com o governo e parceiros locais.
  • 27. 12 PRODUÇÃO DE COUROS ACABADOS NA CHINA Marcelo André Machado, Michele Cristina Mühl ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 7 | n. 1 | jan-jun 2017 www.fgv.br/gvcasos Anexo 4 Desaceleração da economia chinesa Fonte: Bloomberg Anexo 5 Projeção do crescimento populacional chinês Fonte: Organização das Nações Unidas
  • 28. 13 PRODUÇÃO DE COUROS ACABADOS NA CHINA Marcelo André Machado, Michele Cristina Mühl ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 7 | n. 1 | jan-jun 2017 www.fgv.br/gvcasos Anexo 6 Comparação do ambiente de negócios China vs. Brasil Critério China Brasil Diferença para o Brasil Abertura de uma empresa 128 167 -39 Obtenção de alvarás de construção 179 174 5 Obtenção de eletricidade 124 19 105 Registro de propriedade 37 138 -101 Obtenção de crédito 71 89 -18 Proteção a investidores 132 35 97 Pagamento de impostos 120 177 -57 Comércio através de fronteiras 98 123 -25 Cumprimento de contratos 35 118 -83 Resolução de insolvência 53 55 -2 Ranking geral da facilidade de fazer negócios 90 120 -30 Fonte: http://doingbusiness.gov, acessado em outubro de 2015. Anexo 7 Comparação China e Brasil nas dimensões culturais de Hofstede Fonte: http://geert-hofstede.com/china.html, acessado em outubro de 2015.
  • 29. 14 PRODUÇÃO DE COUROS ACABADOS NA CHINA Marcelo André Machado, Michele Cristina Mühl ________________________________________________________________________________________________ GVcasos | São Paulo | V. 7 | n. 1 | jan-jun 2017 www.fgv.br/gvcasos Anexo 8 Principais regiões da China em produção de calçados Região Participação na produção Guangdong 36,10% Zhejiang 33,50% Fujian 20,00% Jiangsu 2,60% Shandong 2,00% Outras 6,80% Total 100% Fonte: CICB (2014). Anexo 9 Resumo da análise do ambiente de negócios na China Ambiente Oportunidades Ameaças Ambiente econômico - Economia em constante expansão; - Política econômica voltada para incentivar o consumo de produtos na China; - Boa infraestrutura nos modais rodoviário, ferroviário, aéreo e marítimo. - Mão de obra abundante, porém o seu valor está aumentando rapidamente, e sua qualidade é sempre uma dúvida; - Disparidade de renda entre as regiões; -Forte intervenção do Estado na economia. Ambiente político e legal - Participa de várias organizações internacionais, como a OMC; - Os entraves burocráticos e tributários são menores se comparados ao Brasil. - Problemas de corrupção; - Aumento da preocupação com o meio ambiente; - Forte intervenção do Estado nos negócios. Ambiente cultural - A confiança para os chineses é fundamental; - Os chineses se preocupam com a pontualidade nas entregas e nos compromissos. - Negociar requer tempo, atenção e conhecimento da empresa. Mercado chinês de couro - 57% da produção mundial de calçados, ou seja, um dos maiores mercados consumidores de couro acabado do mundo; -Cadeia produtiva coureiro-calçadista concentrada em clusters industriais; - Algumas das principais feiras do segmento coureiro são realizadas na China. - Do total exportado pela China, somente 18% são calçados de couro; -Concorrência do couro sintético; -Grandes players do segmento coureiro-calçadista já estabelecidos.