Manuel Bandeira

TESTAMENTO


Criou-me, desde eu menino,
   Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
 Sou poeta menor, perdoai!
Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho
                                          O MENINO DOENTE
                    19 de abril de 1886
                                          O menino dorme.
                                          Para que o menino
                                          Durma sossegado,
 Infância, Recife                         Sentada ao seu lado
                                          A mãezinha canta:
                                          — "Dodói, vai-te embora!
                                          "Deixa o meu filhinho,
 “ Evocação do Recife”                    "Dorme . . . dorme . . . meu . . ."
                                          Morta de fadiga,
                                          Ela adormeceu.
                                          Então, no ombro dela,
 Sua trajetória parece mais próxima de    Um vulto de santa,
 um autor romântico do que moderno.       Na mesma cantiga,
                                          Na mesma voz dela,
                                          Se debruça e canta:
                                          — "Dorme, meu amor.
                                          "Dorme, meu benzinho . . .
                                          E o menino dorme.
                                                     Manuel Bandeira,
                                          ―Ritmo Dissoluto‖, 1924.
Engenharia- Arquitetura



      Sanatório de Clavadel, Suíça.




       Paul Éluard,

            Um dos poetas mais importantes
            do modernismo francês.



          Retorna ao Brasil em 1914.
―As cinzas das horas‖ (1917)



       Poemas de influência parnasiana e
       simbolista.    DESENCANTO

             Eu faço versos como quem chora
            De desalento. . . de desencanto. . .
              Fecha o meu livro, se por agora
            Não tens motivo nenhum de pranto.

          Meu verso é sangue. Volúpia ardente. . .
            Tristeza esparsa... remorso vão...
           Dói-me nas veias. Amargo e quente,
              Cai, gota a gota, do coração.

             E nestes versos de angústia rouca,
               Assim dos lábios a vida corre,
             Deixando um acre sabor na boca.

             - Eu faço versos como quem morre.
― Carnaval ― (1919)



     Caracterizava-se por uma deliberada
     liberdade de composição ritmo




   Tradutor : peças Shakespeare e as
   aventuras do Tarzan.
Os Sapos                    Vede como primo          Clame a saparia
Enfunando os papos,         Em comer os hiatos!      Em críticas céticas:
Saem da penumbra,           Que arte! E nunca rimo   Não há mais poesia,
Aos pulos, os sapos.        Os termos cognatos.      Mas há artes poéticas…
A luz os delumbra.          –                        –
—                           O meu verso é bom        Urra o sapo-boi:
Em ronco que a terra,       Frumento sem joio.       – ―Meu pai foi rei‖ — ―Foi!‖
Berra o sapo-boi:           Faço rimas com           – ―Não foi!‖ — ―Foi!‖ — ―Não
– ―Meu pai foi à guerra!‖   Consoantes de apoio.     foi!‖
– ―Não foi!‖ — ―Foi!‖ —     —                        –
―Não foi!‖                  Vai por cinquenta anos   Brada em um assomo
–                           Que lhes dei a norma:    O sapo-tanoeiro:
O sapo-tanoeiro             Reduzi sem danos         – ―A grande arte é como
Parnasiano aguado,          As formas a forma.       Lavor de joalheiro.
Diz: — Meu cancioneiro
É bem martelado.
Ou bem de estatutário.    Que soluças tu,
Tudo quanto é belo,       Transido de frio,
Tudo quanto é vário,      Sapo-cururu
Canta no martelo.‖        Da beira do rio…
–
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas:
–‖Sei!‖ — ―Não sabe!‖ —
―Sabe!‖
–
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Verte a sombra imensa;
–
Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
―Libertinagem‖ (1930)



     Cristalização do movimento modernista.

                      PNEUMOTÓRAX

     Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
     A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
                   Tosse, tosse, tosse.

                Mandou chamar o médico:
                     - Diga trinta e três.
       - Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
                           - Respire.

  - O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e
                 o pulmão direito infiltrado.
  - Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
       - Não. A única coisa a fazer é tocar um tango
                        argentino.
―Libertinagem‖

                          POÉTICA

               Estou farto do lirismo comedido
                   Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
     protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário
             o cunho vernáculo de um vocábulo.
                        Abaixo os puristas
 Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
 Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
          Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
               Estou farto do lirismo namorador
                              Político
                             Raquítico
                              Sifilítico
      De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
                         fora de si mesmo
                     De resto não é lirismo
                                 (...)
―Libertinagem‖

   VOU-ME EMBORA PRA
       PASÁRGADA                   Em Pasárgada tem tudo
                                     É outra civilização
Vou-me embora pra Pasárgada       Tem um processo seguro
      Lá sou amigo do rei          De impedir a concepção
Lá tenho a mulher que eu quero     Tem telefone automático
    Na cama que escolherei         Tem alcalóide à vontade
Vou-me embora pra Pasárgada        Tem prostitutas bonitas
              (...)                 Para a gente namorar
     E como farei ginástica
      Andarei de bicicleta     E quando eu estiver mais triste
    Montarei em burro brabo       Mas triste de não ter jeito
    Subirei no pau-de-sebo        Quando de noite me der
    Tomarei banhos de mar!          Vontade de me matar
   E quando estiver cansado        - Lá sou amigo do rei -
      Deito na beira do rio     Terei a mulher que eu quero
              (...)               Na cama que escolherei
                               Vou-me embora pra Pasárgada
―Libertinagem‖



  Cristalização do movimento modernista.

                 O ÚLTIMO POEMA

       Assim eu quereria o meu último poema
 Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e
                menos intencionais
 Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
    A pureza da chama em que se consomem os
             diamantes mais limpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação
50 anos



1935, nomeado inspetor de
ensino secundário




1936, ―Homenagem a Manuel
Bandeira‖, comemora seus 50 anos




   Publica Estrela da Manhã
   em 1936.
―Estrela da Manhã‖ (1936)



     Cristalização do movimento modernista.
                 A ESTRELA DA MANHÃ

              Eu quero a estrela da manhã
             Onde está a estrela da manhã?
              Meus amigos meus inimigos
              Procurem a estrela da manhã
                          (...)

                   Virgem mal-sexuada
                 Atribuladora dos aflitos
                Girafa de duas cabeças
             Pecai por todos pecai com todos

                          (...)
         Pura ou degradada até a última baixeza
              eu quero a estrela da manhã
Academia Brasileira de
      Letras


       1938, professor de Literatura
       Universal no Colégio Pedro II




       Professor de Literatura Hispano-
       Americanas na Faculdade Nacional
       de Filosofia

       Aposenta por lei especial em 1956

           Recebeu dois prêmios por
           conjunto de obra e em
           1940 é eleito para a
           Academia Brasileira de
           Letras
Outros Livros



  Lira dos Cinquent’Anos (1940)
  Belo Belo (1948)




   Mafuá do Malungo (1948)




      Estrela da Tarde (1960)
      Estrela da Vida Inteira
      (1966)
―Opus 10‖ (1952)




                   CONSOADA

      Quando a Indesejada das gentes chegar
          (Não sei se dura ou caroável),
              talvez eu tenha medo.
               Talvez sorria, ou diga:
                   - Alô, iniludível!
      O meu dia foi bom, pode a noite descer.
         (A noite com os seus sortilégios.)
     Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
                    A mesa posta,
          Com cada coisa em seu lugar.
Memórias



1954, publica ―Itinerário de
Pasárgada‖, com memórias e a
criação poética


 1966, com 80 anos, é
 homenageado com o lançamento
 de seus livros




    13 de outubro de 1968,
    morre com 82 anos e é
    sepultado no Mausoléu da
    Academia de Letras
Auto-Retrato

  Provinciano que nunca soube
   Escolher bem uma gravata;
 Pernambucano a quem repugna
     A faca do pernambucano;
 Poeta ruim que na arte da prosa
 Envelheceu na infância da arte,
E até mesmo escrevendo crônicas
   Ficou cronista de província;
     Arquiteto falhado, músico
     Falhado (engoliu um dia
     Um piano, mas o teclado
   Ficou de fora); sem família,
        Religião ou filosofia;
Mal tendo a inquietação de espírito
    Que vem do sobrenatural,
    E em matéria de profissão
       Um tísico profissional.
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  • 1. TESTAMENTO Criou-me, desde eu menino, Para arquiteto meu pai. Foi-se-me um dia a saúde... Fiz-me arquiteto? Não pude! Sou poeta menor, perdoai!
  • 2. Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho O MENINO DOENTE 19 de abril de 1886 O menino dorme. Para que o menino Durma sossegado, Infância, Recife Sentada ao seu lado A mãezinha canta: — "Dodói, vai-te embora! "Deixa o meu filhinho, “ Evocação do Recife” "Dorme . . . dorme . . . meu . . ." Morta de fadiga, Ela adormeceu. Então, no ombro dela, Sua trajetória parece mais próxima de Um vulto de santa, um autor romântico do que moderno. Na mesma cantiga, Na mesma voz dela, Se debruça e canta: — "Dorme, meu amor. "Dorme, meu benzinho . . . E o menino dorme. Manuel Bandeira, ―Ritmo Dissoluto‖, 1924.
  • 3. Engenharia- Arquitetura Sanatório de Clavadel, Suíça. Paul Éluard, Um dos poetas mais importantes do modernismo francês. Retorna ao Brasil em 1914.
  • 4. ―As cinzas das horas‖ (1917) Poemas de influência parnasiana e simbolista. DESENCANTO Eu faço versos como quem chora De desalento. . . de desencanto. . . Fecha o meu livro, se por agora Não tens motivo nenhum de pranto. Meu verso é sangue. Volúpia ardente. . . Tristeza esparsa... remorso vão... Dói-me nas veias. Amargo e quente, Cai, gota a gota, do coração. E nestes versos de angústia rouca, Assim dos lábios a vida corre, Deixando um acre sabor na boca. - Eu faço versos como quem morre.
  • 5. ― Carnaval ― (1919) Caracterizava-se por uma deliberada liberdade de composição ritmo Tradutor : peças Shakespeare e as aventuras do Tarzan.
  • 6. Os Sapos Vede como primo Clame a saparia Enfunando os papos, Em comer os hiatos! Em críticas céticas: Saem da penumbra, Que arte! E nunca rimo Não há mais poesia, Aos pulos, os sapos. Os termos cognatos. Mas há artes poéticas… A luz os delumbra. – – — O meu verso é bom Urra o sapo-boi: Em ronco que a terra, Frumento sem joio. – ―Meu pai foi rei‖ — ―Foi!‖ Berra o sapo-boi: Faço rimas com – ―Não foi!‖ — ―Foi!‖ — ―Não – ―Meu pai foi à guerra!‖ Consoantes de apoio. foi!‖ – ―Não foi!‖ — ―Foi!‖ — — – ―Não foi!‖ Vai por cinquenta anos Brada em um assomo – Que lhes dei a norma: O sapo-tanoeiro: O sapo-tanoeiro Reduzi sem danos – ―A grande arte é como Parnasiano aguado, As formas a forma. Lavor de joalheiro. Diz: — Meu cancioneiro É bem martelado.
  • 7. Ou bem de estatutário. Que soluças tu, Tudo quanto é belo, Transido de frio, Tudo quanto é vário, Sapo-cururu Canta no martelo.‖ Da beira do rio… – Outros, sapos-pipas (Um mal em si cabe), Falam pelas tripas: –‖Sei!‖ — ―Não sabe!‖ — ―Sabe!‖ – Longe dessa grita, Lá onde mais densa A noite infinita Verte a sombra imensa; – Lá, fugido ao mundo, Sem glória, sem fé, No perau profundo E solitário, é
  • 8. ―Libertinagem‖ (1930) Cristalização do movimento modernista. PNEUMOTÓRAX Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos. A vida inteira que podia ter sido e que não foi. Tosse, tosse, tosse. Mandou chamar o médico: - Diga trinta e três. - Trinta e três... trinta e três... trinta e três... - Respire. - O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado. - Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax? - Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
  • 9. ―Libertinagem‖ POÉTICA Estou farto do lirismo comedido Do lirismo bem comportado Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor. Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo. Abaixo os puristas Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis Estou farto do lirismo namorador Político Raquítico Sifilítico De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo De resto não é lirismo (...)
  • 10. ―Libertinagem‖ VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA Em Pasárgada tem tudo É outra civilização Vou-me embora pra Pasárgada Tem um processo seguro Lá sou amigo do rei De impedir a concepção Lá tenho a mulher que eu quero Tem telefone automático Na cama que escolherei Tem alcalóide à vontade Vou-me embora pra Pasárgada Tem prostitutas bonitas (...) Para a gente namorar E como farei ginástica Andarei de bicicleta E quando eu estiver mais triste Montarei em burro brabo Mas triste de não ter jeito Subirei no pau-de-sebo Quando de noite me der Tomarei banhos de mar! Vontade de me matar E quando estiver cansado - Lá sou amigo do rei - Deito na beira do rio Terei a mulher que eu quero (...) Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada
  • 11. ―Libertinagem‖ Cristalização do movimento modernista. O ÚLTIMO POEMA Assim eu quereria o meu último poema Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais limpidos A paixão dos suicidas que se matam sem explicação
  • 12. 50 anos 1935, nomeado inspetor de ensino secundário 1936, ―Homenagem a Manuel Bandeira‖, comemora seus 50 anos Publica Estrela da Manhã em 1936.
  • 13. ―Estrela da Manhã‖ (1936) Cristalização do movimento modernista. A ESTRELA DA MANHÃ Eu quero a estrela da manhã Onde está a estrela da manhã? Meus amigos meus inimigos Procurem a estrela da manhã (...) Virgem mal-sexuada Atribuladora dos aflitos Girafa de duas cabeças Pecai por todos pecai com todos (...) Pura ou degradada até a última baixeza eu quero a estrela da manhã
  • 14. Academia Brasileira de Letras 1938, professor de Literatura Universal no Colégio Pedro II Professor de Literatura Hispano- Americanas na Faculdade Nacional de Filosofia Aposenta por lei especial em 1956 Recebeu dois prêmios por conjunto de obra e em 1940 é eleito para a Academia Brasileira de Letras
  • 15. Outros Livros Lira dos Cinquent’Anos (1940) Belo Belo (1948) Mafuá do Malungo (1948) Estrela da Tarde (1960) Estrela da Vida Inteira (1966)
  • 16. ―Opus 10‖ (1952) CONSOADA Quando a Indesejada das gentes chegar (Não sei se dura ou caroável), talvez eu tenha medo. Talvez sorria, ou diga: - Alô, iniludível! O meu dia foi bom, pode a noite descer. (A noite com os seus sortilégios.) Encontrará lavrado o campo, a casa limpa, A mesa posta, Com cada coisa em seu lugar.
  • 17. Memórias 1954, publica ―Itinerário de Pasárgada‖, com memórias e a criação poética 1966, com 80 anos, é homenageado com o lançamento de seus livros 13 de outubro de 1968, morre com 82 anos e é sepultado no Mausoléu da Academia de Letras
  • 18. Auto-Retrato Provinciano que nunca soube Escolher bem uma gravata; Pernambucano a quem repugna A faca do pernambucano; Poeta ruim que na arte da prosa Envelheceu na infância da arte, E até mesmo escrevendo crônicas Ficou cronista de província; Arquiteto falhado, músico Falhado (engoliu um dia Um piano, mas o teclado Ficou de fora); sem família, Religião ou filosofia; Mal tendo a inquietação de espírito Que vem do sobrenatural, E em matéria de profissão Um tísico profissional.