Aprendizagem Significativa e Funcionalidade das Perguntas
1. VI Encontro Internacional de Aprendizagem Significativa e 3o. Encontro Nacional de Aprendizagem Significativa, 26 a 30 de julho de 2010, São
Paulo
APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA E A FUNCIONALIDADE DAS PERGUNTAS NA
CONSTRUÇÃO DO DISCURSO EM AULAS DE CIÊNCIAS
FABIANO ANTUNES
UFGD / Faculdade de Ciências Biológicas e Ambientais, fabianoantunes@ufgd.edu.br
ÁLVARO LORENCINI JÚNIOR
UEL / Departamento de Biologia Geral, alvarojr@uel.br
ROSANA FIGUEIREDO SALVI
UEL / Departamento de Biologia Geral, salvi@uel.br
Resumo
O trabalho do professor de ciências em sala de aula é predominantemente uma atividade
discursiva. Do mesmo modo, podemos considerar que a participação dos alunos nas aulas de
ciências ocorre por meio de intervenções discursivas. Estas, no processo de ensino em sala de
aula, dependem necessariamente da mobilização de subsunçores disponíveis na estrutura
cognitiva dos participantes da discussão, sendo o entendimento recíproco alcançado quando os
integrantes possuem proximidade na significação de conceitos. Contudo, como pode ocorrer a
aprendizagem de conteúdos científicos quando o professor e alunos apresentam diferentes
significados para os mesmos conceitos? Qual a funcionalidade das perguntas formuladas em sala
de aula pelo professor e alunos e como estas podem mobilizar teias conceituais? Na busca de
subsídios para responder a estas perguntas, trazemos contribuições do modelo didático de
formulação de perguntas (LORENCINI JR, 2000) e da teoria da aprendizagem significativa ao
analisar uma situação real de ensino.
Palavras-chave: discurso, aprendizagem de conceitos, subsunçores, perguntas.
Resumen
La labor del profesor de ciencias en el aula es predominantemente una actividad discursiva. Del
mismo modo, podemos considerar que la participación de los estudiantes en clases de ciencias se
produce a través de la intervenciones discursivas. Estos, en el proceso de enseñanza en el
aula, depende necesariamente de la movilización de los inclusores disponible en estructura
cognitiva de los participantes de la discusión, y lo entendimiento mutuo logra cuando los
miembros están en la proximidad significado de los conceptos. Sin embargo, como se puede
producir contenidos para el aprendizaje de la ciencia cuando el profesor y los estudiantes
presentan diferentes significados para los mismos conceptos? ¿Cuál es la funcionalidad de las
preguntas formuladas en el aula por el profesor y los estudiantes y cómo pueden movilizar las
redes conceptuales? Al tratar de responder a estas preguntas, nos referiremos a contribuciones
del modelo didáctico de formulación de preguntas (Lorencini JR, 2000) y la teoría del
aprendizaje significativo para analizar una situación de enseñanza.
Palabras-clave: discurso, el aprendizaje de conceptos, inclusores, preguntas.
Abstract
The work of science teacher in classroom is predominantly a discursive activity. Similarly, we
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can consider that the students' participation in science classes occurs through the discursive
interventions. These, in the teaching process in classroom, necessarily depend on the
mobilization of available subsumers in the cognitive structure of subjects of the discussion, being
the reached mutual understanding when the individuals possess proximity in the significance of
concepts. However, how can happen the learning of scientific contents when the teacher and
students present different significances for the same concepts? Which the functionality of the
questions formulated in class room by the teacher and students and how can these mobilize
conceptual tissues? In the search of subsidies to answer these questions, we bring contributions
of the didactic model of asking questions (LORENCINI JR, 2000) and the theory of the
meaningful learning in analysing of a real situation of teaching.
Key-words: discurse, concepts learning, subsumers, questions.
Introdução
Dificilmente alguém argumentaria contra a importância dos discursos construídos em sala
de aula. Se não pela qualidade do discurso, a quantidade de tempo despendido no uso da
linguagem falada é facilmente observada na maioria das aulas de ciências 1. O intenso uso do
discurso tem despertado uma frente de pesquisa de cunho mais fundamentalmente sociológico,
não só em contraposição às pesquisas restritamente de cunho psicológico, sobre como se
processa a construção de significados pelos alunos (COBERN & AIKENHEAD, 1998). Essa
“mudança de foco” de pesquisa – de uma perspectiva analítica individual para uma sócio-cultural
– tem em Vigotski, uma forte referência para entender como as relações inter-subjetivas podem
se converter em estruturas intra-subjetivas (VIGOTSKI, 2008); isto é, questiona-se neste caso:
como ocorre a construção de significados pelo sujeito, a partir de negociações de significados
entre sujeitos?
Entretanto, o meio social não transmite de forma unívoca o significado dos conceitos. O
sujeito aprendente tem importante papel na construção do conhecimento, na medida em que o re-
elabora em sua rede conceitual prévia, seu conhecimento anterior. Ainda que a aprendizagem
seja algo pessoal e idiossincrático (GOWIN, 1981), é profundamente influenciada por todo o
meio envolvente (VIGOTSKI, 2008), no qual fazem parte a família e a escola.
No contexto escolar, diferentemente do familiar em que a criança tem contato com os
primeiros conceitos, os alunos vêm para as aulas de Ciências com conhecimentos prévios que
lhes parecem coerentes. Conhecimentos que respondem, em parte, aos seus questionamentos.
1
Não usamos aqui o termo “ciências” como ele se apresenta no Ensino Fundamental, simplesmente como um
componente curricular. Quando utilizamos o termo ciências, consideramos como um leque de disciplinas que
trabalham com aspectos da natureza: biologia, química, física e a geociências, independente do nível de ensino
ao qual esteja relacionado.
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Assim, os conceitos novos que são ensinados pelo professor não caem num “vazio cognitivo”.
Havendo a intenção de aprender, os alunos compreendem o novo conceito – isto é, dão
significados a ele – conforme a sua rede conceitual prévia. Se o novo conceito se articula com
seus subsunçores relevantes, os alunos podem afirmar que compreenderam a explicação, o que
não significa que tenham entendido aquilo que o professor intencionasse ensinar. A coerência, do
ponto de vista do aluno, é particular para ele e depende de relações entre subsunçores e os novos
conceitos em sua teia conceitual.
Então, um mesmo conceito pode fazer diferentes relações com outros conceitos. As
relações que o professor faz não são necessariamente (geralmente não são) as mesmas que
alunos fazem. Entre os alunos pode ser encontrada uma variedade de tipos de redes conceituais
que lhes fazem sentido, mesmo que não seja dentro de uma perspectiva científica. Assim, a fala
do professor que pretende ensinar conceitos, como o conceito de célula, pode vir carregada de
outros conceitos associados a este, como membrana plasmática, citoplasma, DNA, e que formam
uma rede conceitual que pode estar clara para aquele que ensina; sendo que o mesmo não se
pode dizer em relação aos alunos. Muitos conceitos trabalhados nas aulas de Ciências não tem
significado algum para o aluno e, quando tem, muitas vezes não é o mesmo significado
compartilhado pelo professor. Qual a razão dessa diferença? Parece-nos que os alunos, de
contextos sociais diversos, utilizam conceitos contextualmente aceitos em suas realidades sócio-
culturais, enquanto seus professores, em seu processo de formação docente, apresentam os
conceitos científicos relacionados a outros, também científicos, com um maior distanciamento do
concreto.
Considerações sobre a Teoria da Aprendizagem Significativa e a importância dos aspectos
sociais para a internalização de significados
A teoria da aprendizagem significativa (mais a frente, TAS) teve como principais
artífices Ausubel, Novak e Gowin. Ao contrário das teorias behavioristas que, aplicadas ao
ensino, enfatizam que tipos de estímulos provocariam as respostas desejadas, isto é, o que o
professor deveria fazer (como ensinar) para obter resultados esperados (aprendizagem), a TAS
busca o que ocorre no nível cognitivo durante o processo de aprendizagem. Considera que a
cognição não é uma “caixa preta” na qual entram estímulos (input) e saem respostas de maneira
uniforme (output), mas que a estrutura cognitiva é possível de ser compreendida como “teias de
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relações dinâmicas entre conceitos”. Não existem estímulos que garantam um determinado tipo
de resposta (aprendizagem behaviorista), pois aquilo que pode servir como estímulo para um
aluno pode não o ser para outro.
A aprendizagem significativa, então, segundo Ausubel et al. (1980), é um processo pelo
qual um novo conceito, uma nova informação, se relaciona de maneira substantiva, não-
arbitrária, a um aspecto relevante da estrutura cognitiva do indivíduo. Substantiva, por que a
relação não é literal, o que se relaciona é a substância e não a letra. Não-arbitrária, pois a relação
feita não é com qualquer conceito, mas com aqueles que são relevantes. Tais conceitos relevantes
encontram-se já estabelecidos na estrutura conceitual do indivíduo e são denominados de
subsunçores (tradução do inglês subsumers) que seriam como estruturas para ancoragem dos
novos conceitos. As novas informações passam, então, a serem significativas na medida em que
se relacionam com subsunçores específicos, isto é, com a estrutura cognitiva prévia do sujeito.
Note-se que disso depreende que a aprendizagem significativa não está associada a uma
aprendizagem “correta”. Podemos ter aprendizagem significativa incorreta do ponto de vista
científico. O que torna uma aprendizagem significativa não é seu grau de verdade, de estar
correta, mas o grau de relações feitas entre novos conhecimentos apresentados e aqueles que o
indivíduo já possui.
Muito embora a aprendizagem significativa seja o tipo de aprendizagem mais requerida,
por facilitar a retenção de novas informações, a aprendizagem mecânica pode ser necessária, na
ausência de subsunçores relevantes. Assim é o caso da memorização de um determinado sistema
da fisiologia humana, regras taxonômicas e vidraria de laboratório, por exemplo. É claro que não
é questão de “tudo ou nada”: ou se aprende significativamente ou se aprende mecanicamente. Há
um continuum entre as duas aprendizagens (MOREIRA, 1999, p. 17) sendo difícil, senão
impossível, encontrar aprendizagem puramente significativa e, outra, puramente mecânica, pois
ainda que o aluno não chegue à escola com um vazio cognitivo, as estruturas que se relacionam
(os conceitos) servem-se da linguagem para serem interiorizadas e, por meio da linguagem, são
memorizadas.
A situação descrita demonstra como um mesmo conceito desempenha diferentes papéis
em contextos distintos. O mesmo pode ser dito a respeito de outros conceitos científicos como
evolução, calor, trabalho e força. Por conseguinte, não se pode desconsiderar que os conceitos
estabelecem relações dinâmicas na cognição do sujeito e dependem da sua história de vida e das
relações sócio-culturais. Nessas relações, os discursos desempenham importante papel na
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internalização dos conceitos compartilhados entre os integrantes de um determinado grupo. Um
discurso que faz sentido para um determinado grupo pode mudar seu significado quando se
muda o contexto. Isso se deve, pois, em contextos distintos, a mesma fala pode ter diferentes
conotações.
Estaremos, neste trabalho, refletindo sobre como o professor pode, por meio das
interações discursivas, contribuir para a re-significação de conceitos de seus alunos. Nesse
sentido, apresentamos o modelo didático de formulação de perguntas de Lorencini Jr. (2000)
como um quadro referencial útil para o ensino de conteúdos científicos no que tange ao papel do
professor na negociação de significados entre ele e seus alunos e entre grupos de alunos, por
meio de interações discursivas na promoção de aprendizagem significativa. Admitimos que a
linguagem e, mais especificamente a fala, é carregada de significados e estes devem ser
explicitados para que os participantes possam estabelecer compreensão do conteúdo escolar em
questão. Portanto, o trabalho com perguntas desenvolvido pelo professor é ferramenta
importante, tanto para explicitar concepções, quanto para ativar processos cognitivos novos para
os alunos; isto é, para buscar o que o aluno já sabe e, a partir daí, fazê-lo pensar em novos
modelos, estruturas e novas respostas.
Considerações sobre o modelo didático de formulação de perguntas
Os estudos de Lorencini Jr. (2000) têm como um dos principais objetivos verificar quais
as possíveis mudanças que ocorrem na prática educativa dos professores, a partir da
implementação do modelo didático de formulação de perguntas. Neste modelo, não é proposta
uma ferramenta segmentada em itens, mas sim um modelo bastante flexível que focaliza a
utilização criteriosa de perguntas como força motriz para o desenvolvimento das aulas.
Este pesquisador investiga de que modo é construído o discurso pelo professor e seus
alunos no sentido da negociação, atribuição e compartilhamento dos significados acerca do
conhecimento científico, por meio das perguntas e respostas.
A decisão sobre quais perguntas a serem realizadas em sala dependem não só do conteúdo
a ser trabalhado, mas também do conhecimento que o professor vai adquirindo da cultura escolar
própria de cada escola, cada sala de aula e de cada aluno em particular. O planejamento das
questões deve levar em conta o cuidado para que elas não sejam ambíguas. A justificativa para
preparar as questões, antes da aula, está na possibilidade de que um rol de perguntas
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anteriormente refletidas, auxiliem o professor durante a aula a negociar significados em situações
inesperadas.
Não há como o professor preparar todas as questões de antemão, pois durante a prática
letiva, as questões levantadas pelo professor podem desencadear respostas que não eram
esperadas ou que necessitam de maior esclarecimento (LORENCINI JR, 2000). Assim, outras
questões podem ser necessárias no momento da aula, no sentido denominado por Schön (2000)
de reflexão-na-ação. O conteúdo, previamente planejado para uma aula, pode ser flexibilizado
tendo em conta as necessidades conceituais daquele momento específico.
A funcionalidade das perguntas formuladas pelo professor – o acesso aos subsunçores
relevantes.
A construção do discurso, por meio da formulação de perguntas, contribui para a criação
daquilo que Vigotski (2008) denomina de zona de desenvolvimento proximal (adiante ZDP).
Vigotski (2008) atenta para o fato de que não podemos nos limitar meramente à determinação de
níveis de desenvolvimento, se o que queremos é descobrir as relações reais entre o processo de
desenvolvimento e a capacidade de aprendizado. (VIGOTSKI, 2008, p. 95). A zona de
desenvolvimento real não diz prospectivamente o que o aluno consegue fazer com ajuda. Assim,
Vigotski propõe a ZDP como uma região ótima para estabelecimento de uma aprendizagem com
ajuda, de modo a alavancar o desenvolvimento do sujeito.
O primeiro nível de desenvolvimento é denominado por Vigotski (2008) de nível de
desenvolvimento real, o qual seria aquele resultado de um desenvolvimento já completado. O
segundo é o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas
sob a orientação de alguém mais experiente. A ZDP seria então, a distância que separa os dois
níveis. Vigotski (2008) defende que essa zona de desenvolvimento provê os educadores de um
instrumento para entender o curso interno do desenvolvimento (VIGOTSKI, 2008, p. 98). Para
Lorencini Jr. (2000), a utilização de perguntas pode gerar ZDPs a partir do momento em que,
durante o discurso interativo, o desenvolvimento real do aluno vai pondo-se a mostra tanto para
ele, como para seus interlocutores e os novos significados compartilhados intersubjetivamente
vão se tornando intrasubjetivos.
Consideramos que a Teoria da Aprendizagem Significativa pode adequadamente ser
entendida sob um enfoque vigotskiano, na medida em que considera necessária a presença do
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outro no estabelecimento de relações entre conceitos. Para Moreira (1999) faz sentido falar em
aprendizagem significativa em uma abordagem vigotskiana. Diz ele que a internalização de
instrumentos e signo (perspectiva vigotskiana) é análoga a transformação do significado lógico
dos materiais de ensino em significado psicológico para o aprendiz - perspectiva ausubeliana
(MOREIRA, 1999, p. 93).
Assim, consideraremos os discursos realizados pelo professor e aluno tanto sob a
perspectiva ausubeliana quanto sob a vigotskiana, pois entendemos que a construção de
significados pelo sujeito, a relação entre conceitos, é dependente de condições sócio-históricas.
Nesse sentido, qual seria a funcionalidade das perguntas do professor para acessar a rede
conceitual dos alunos? São as perguntas funcionais em criar a ZDP, ou ainda, para acessar os
subsunçores dos alunos?
Apresentamos, a seguir, uma transcrição de aula sobre fotossíntese realizada por
Lorencini Jr. (2000), e analisamos as relações discursivas em sala de aula, principalmente com
foco nas perguntas feitas pelo professor.
1 P: O que é fotossíntese?
2 A1: Planta faz...
3 A2: Respiração da planta.
4 A3: Processo que as plantas com luz...
5 A4: Os vegetais...
6 P: Parece que é consenso que só os vegetais fazem. Por que os animais não fazem?
No segmento acima, a primeira pergunta feita pelo professor ativou a rede conceitual dos
alunos explicitando outros conceitos que relacionam com fotossíntese: planta, respiração, luz.
Tais subsunçores funcionam como conceitos que ajudam a dar significado à nova informação –
fotossíntese. Então, o professor fez um comentário, encontrando relações entre as respostas de
modo a explicitar aos alunos as semelhanças entre elas, depreendendo outra pergunta. Observa-
se que aparece a relação do conceito de fotossíntese com respiração da planta. Mais a frente, o
professor deverá colocar comentários e questões para que essa relação equivocada entre
respiração e fotossíntese seja re-elaborada. isto é, o professor, por meio do discurso, pode
monitorar conscientemente essa teia de relações, buscando subsunçores relevantes adequados
para a ancoragem das novas informações ou, se necessário, utiliza-se de perguntas para explicitar
uma relação – ancoragem – equivocada feita pelo aluno.
6 P: Parece que é consenso que só os vegetais fazem. Por que os animais não fazem?
7 A5: Por causa da clorofila.
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8 A6: Porque não é verde.
9 P: Gafanhoto é verde. Ele não faz fotossíntese?
10 A4: Ele não é vegetal.
11 P: Qual é a diferença?
12 A7: Na nossa respiração, absorve o oxigênio e elimina o gás carbônico.
13 P: E as plantas?
14 A2: Ela absorve o gás carbônico e libera o oxigênio
Na sequencia da aula, o professor aproveita-se de um novo conceito (a clorofila) que foi
lembrado por um aluno, em resposta a pergunta anterior, e faz outra pergunta buscando a
diferenciação entre coloração verde / clorofila. Com base na TAS, podemos afirmar que a
pergunta do professor “Gafanhoto é verde. Ele não faz fotossíntese?” funciona como um
instrumento para desencadear um processo de diferenciação progressiva, onde se busca separar
os conceitos clorofila e coloração verde para modificar o conceito de que não é a cor verde a
responsável pela fotossíntese, mas sim a clorofila. O discurso do aluno A2 (turno 14) corrobora
que, em sua estrutura cognitiva, a fotossíntese é a respiração das plantas, só que uma respiração
“diferente”.
15 P: Pelo fato de não termos clorofila, nós não fazemos fotossíntese, é isso?
16 A5: Clorofila é para fazer fotossíntese.
17 P: O que mais? Só os vegetais que fazem, nós não fazemos porque não temos clorofila. Não somos verdes.
Alguém falou de luz. Estou anotando aqui no quadro. Luz solar, vocês concordam que é necessário para
fazer a fotossíntese?
18 A8: De noite ela não faz fotossíntese, ela dorme... (Risos da turma)
19 P: Luz solar. Todos concordam que a fotossíntese só ocorre na presença de luz solar? A planta de dentro de
casa morre, porque não recebe luz solar?
20 Alunos: Não.
21 P: Então, eu posso dizer que ela precisa de luz seja ela solar ou artificial?
22 A4: De dia ela elimina o oxigênio e pega o gás carbônico e de noite é ao contrário...
23 P: Então, espera aí: de dia ela libera o oxigênio e de noite ela libera o gás carbônico e...
24 A4: E de noite é o contrário.
25 P De noite, o que acontece?
26 A4: Ela absorve o oxigênio e libera o gás carbônico.
27 P: O que significa isso? Absorver oxigênio e eliminação de gás carbônico?
28 A4: Respiração.
29 P: Esse processo a gente também faz?
30 Alunos: Faz.
31 P: Todos animais?
32 Alunos: Todos.
33 P: A planta faz isso, também?
34 A2: Não.
35 A8: Sim.
36 P: Por que, não?
37 A2: Ela libera o oxigênio.
38 P: Então, ela não respira?
39 A2: Respira.
Novamente o aluno A2 volta a afirmar que as plantas não absorvem oxigênio e não
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liberam gás carbônico. No turno 39, reitera que esse é um tipo de respiração da planta. Isso
mostra que não é trivial a modificação de uma teia de relações que, para o aluno A2, faz sentido
pois não está em jogo uma mudança em um conceito isolado, mas sim uma mudança relacional,
entre conceitos aprendidos significativamente. O conceito prévio de fotossíntese já está tão
estável em sua estrutura cognitiva o que torna difícil a sua alteração. As perguntas formuladas
pelo professor tornam explícito esse tipo de relação.
Também aparece no turno de fala 22, a ideia de que as plantas fazem fotossíntese de dia e
respiração à noite (aluno A4). A resposta dele (turno 22) foi despertada pela pergunta anterior do
professor. Tal pergunta dependeu também das respostas e perguntas feitas anteriormente fazendo
aflorar outro problema conceitual: fotossíntese durante o dia, respiração durante a noite. O
professor agora tem dois problemas para resolver que dois alunos explicitaram e que,
provavelmente, representam grupos de alunos com o mesmo pensamento. A estratégia de re-
elaborar o conceito de respiração, um conceito compartilhado pela comunidade acadêmica, para
explicitar aos alunos a contradição em suas falas é a opção adotada pelo professor e é por meio
de perguntas que ele fará isso, como se pode perceber adiante.
40 P: A planta é viva ou não?
41 Alunos: É.
42 P: Uma das características do ser vivo é ele possuir metabolismo. Os processos do metabolismo podem
ser: nutrição, respiração... A planta respira?
43 Alunos: Respira.
44 P: Se respira, ela é viva. Por que a gente respira?
45 A7: Para sobreviver.
46 P: Se eu parar de respirar, eu morro, por quê?
47 A7: Vai faltar o oxigênio.
48 P: Por que o oxigênio é tão importante?
49 A7: Sem ele eu não respiro. (Risos da turma)
50 P: Quando você respira, você inspira o oxigênio. Se eu parar de respirar, eu não vou ter mais oxigênio
dentro do meu corpo. Por que você precisa de oxigênio?
51 A3: Para a circulação.
52 P: Se faltar oxigênio na célula, o que vai acontecer?
53 Alunos: Vai morrer.
54 P: Por que a célula morre?
55 A3: Porque ela precisa produzir energia, e para produzir energia, precisa de oxigênio.
56 P: O oxigênio é necessário para produção de energia. A célula precisa de energia para se manter
viva. Vamos voltar para a planta, a planta respira?
57 A3: Respira.
58 P: Por que ela respira?
59 A1: Para poder fazer a fotossíntese.
60 P: Vocês falaram para mim, quando ela respira, ela absorve oxigênio e libera gás carbônico. Vocês
acham que a planta faz isso?
61 A2: Eu acho que não.
62 A6: Faz.
63 A2: Lógico que não.
64 A5: Lógico que faz.
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65 A2: Ela libera o oxigênio, professora. Como que ela vai absorver?
66 A4: À noite ela faz.
Temos aí um conflito entre três concepções diferentes para fotossíntese: a do professor, a
do aluno A2 e do aluno A5. Nota-se a pergunta feita pelo aluno A2: “Como que ela vai absorver
(oxigênio) se ela libera?” Podemos observar que, por meio de uma pergunta, o aluno busca
resolver o conflito que percebe haver entre sua concepção e a do professor. A resposta vem de
outro aluno, o A4 e não do professor. No entanto não é uma resposta que resolve o problema,
pois o conceito de respiração das plantas para o aluno A4, além de ser equivocada, não cria
nenhuma ZDP para o aluno A2. Na sequência seguinte observaremos que o professor trás novas
informações para a situação problemática da sala de aula.
67 A1: Professora, o povo fala que não pode dormir com planta dentro do quarto porque ela rouba oxigênio.
68 P: Por que não é bom ter planta dentro do quarto?
69 A1: Porque ela também respira oxigênio.
70 P: Isto quer dizer que não há povos nas florestas. Porque a quantidade de árvores que tem...
71 A1: A floresta é um lugar aberto e o quarto é um lugar fechado.
72 P: Qual a diferença? Isso quer dizer que você dorme sozinha no quarto?
73 A1: Não. Durmo com a minha irmã.
74 P: Então, a sua irmã não pode dormir com você, porque você está respirando? (Risos da turma)
75 P: Falamos que o oxigênio é necessário para fazer energia. Será que a planta não precisa produzir energia
para se manter viva?
76 A3: Precisa.
77 P: Precisa de oxigênio?
78 A3: Precisa.
79 P: Então, ela respira, absorve oxigênio?
80 A4: De noite.
81 P: A planta respira. Pelo mesmo motivo que os animais fazem. Respiramos só durante o dia e à noite não?
Você para de respirar?
82 A5: Não acontece.
83 A3: Falta oxigênio no cérebro.
84 P: Só no cérebro?
85 A3: Nas células.
86 P: Se o corpo parar de produzir energia, para todas as funções e morre. A planta é um organismo, precisa
de oxigênio para produzir energia. Então, ela respira. Só à noite?
87 A6: De dia também.
88 P: Ela não para de respirar. Igual os animais. Alguém falou que a fotossíntese é a respiração da planta?
89 A2: Professora, não seria mais fácil, ao invés dela liberar o oxigênio, ela ficar com ele para fazer a
respiração?
Nesse último fragmento de aula, o desenrolar dos discursos interativos trouxe novas
informações para o debate. Um novo tema entra na relação discursiva trazido pelo aluno A1 no
turno 67: “Professora, o povo fala que não pode dormir com planta dentro do quarto porque ela
rouba oxigênio.” Embora o aluno não tenha utilizado de uma entonação que levasse a entender
que se tratava de uma pergunta, o professor retorna para o aluno: “Por que não é bom ter planta
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dentro do quarto?” Aqui o professor quer que o aluno explicite o que pensa. A resposta do aluno
gera outras perguntas do professor (turno 72 e 74) que mostra ao aluno o problema que ele
apresenta em sua concepção de que “as plantas roubam nosso oxigênio durante a noite”. O
silêncio do aluno após a pergunta do professor, indica que é provável que a pergunta do professor
provocou um conflito, em que o aluno não encontrou argumentos para responder. Não sabemos
se o aluno ainda manteve sua concepção inalterada ou se ele se apropriou da fala do professor.
Novas questões colocadas para este aluno poderiam esclarecer este ponto.
Voltando aos problemas conceituais dos alunos A2 e A4, verificamos que este último
ainda mantém a concepção de que “as plantas respiram só à noite”. Já A2 volta a perguntar no
turno 89: “Professora, não seria mais fácil, ao invés dela liberar o oxigênio, ela ficar com ele
para fazer a respiração? Esta é uma pergunta muito importante não apenas porque demonstra o
interesse do aluno em resolver um conflito, mas, principalmente, porque denota um forte indício
de que agora ele considera que a planta respira oxigênio! Do ponto de vista da TAS, podemos
afirmar que as interações discursivas geradas por meio de perguntas foi importante para
desestabilizar relações conceituais equivocadas. As novas informações que surgiram na
discussão, por exemplo no turno 86, contribuíram para que um novo padrão de relações pudesse
começar a se estabelecer na estrutura cognitiva do aluno A2.
O segmento de aula demonstra que não é um trabalho trivial acessar os conceitos prévios
dos alunos e trabalhar com estes conceitos. Muitos conceitos prévios não são relevantes para o
professor “ancorar” novos conhecimentos e outros podem funcionar como verdadeiros
obstáculos epistemológicos. Por exemplo: o conhecimento de fotossíntese compartilhado pela
comunidade científica se demonstrou ser muito diferente daquele conhecimento do aluno A2.
Isto é, o conhecimento deste aluno não ancorava o novo conhecimento, mas, pelo contrário, o
rejeitava. Porém, ao se utilizar de perguntas, o professor tornou evidentes as contradições e este
aluno começou a questionar o professor em busca de resolver este conflito conceitual. Isso é
importante para que durante a própria aula, de modo reflexivo, o professor decida que caminho
tomar, que comentários ou perguntas poderiam fazer.
Outro ponto levado em conta por Lorencini Jr. (2000) é aquele que diz respeito ao tempo
de espera para a resposta. O fornecimento de tempo de espera adequado para perguntas
formuladas para o aluno, o deixa pensar sobre a pergunta e melhora a qualidade do discurso, no
sentido da fluência, dinâmica e progressividade. Para o autor, as perguntas têm como objetivo
principal dar continuidade a um discurso interativo entre professor e alunos. Sendo assim, não há
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uma padronização única de interações I-R-A (Iniciação do professor, Resposta do aluno,
Avaliação do professor). Outros padrões podem emergir dentro de um discurso reflexivo que
reflitam sequências I-R-I-R-I-R, onde não só o professor questiona, mas o aluno também. Onde a
própria resposta do professor, pode ser uma nova pergunta.
Assim, sob a perspectiva da socialização do conhecimento, a aula torna-se um ambiente
democrático, na qual, ideias são compartilhadas e esclarecidas. O professor deve favorecer o
aparecimento de interações argumentativas entre os alunos para que cada um exponha o seu
ponto de vista, à luz das ideias do grupo. Deve também fomentar o surgimento de novos juízos e
das contradições entre esses e os anteriores, facilitando aos alunos a tomada de consciência de
suas próprias concepções acerca do assunto tratado. A atitude questionadora do professor que
adota este modelo torna-se um conteúdo atitudinal de como a ciência trabalha: formulando
perguntas. Tal postura pode desencadear, nos alunos, posturas também questionadoras.
Considerações finais
As perguntas, como já foi mencionado anteriormente, podem funcionar como ferramentas
que desencadeiam discursos interativos, quando bem utilizadas pelo professor e compreendidas
pelos alunos. Não acreditamos que o modelo didático de formulação de perguntas seja uma
receita de “como ensinar”, pois para cada situação de ensino, o professor é o profissional que
decide qual a melhor forma de trabalhar com uma determinada turma, levando em conta o
contexto da sala, da escola e da comunidade. Porém, assumir uma postura questionadora pode
trazer benefícios que dificilmente seriam alcançados por uma aula puramente expositiva. As
perguntas formuladas pelo professor podem fazer com que o aluno explicite melhor sua ideia ou
refaça sua argumentação – o que dá indícios ao docente sobre como ele relaciona conceitos, que
significado dá a eles. Por outro lado, as perguntas formuladas pelos alunos, indiciam lacunas
para compreensão, que subsunçores estão presentes e se está ocorrendo negociação de
significados entre os sujeitos. Que outros conceitos estão relacionados a estes, para o aluno? Que
perguntas o professor poderia fazer para evidenciar uma contradição? De que estratégias o aluno
se utiliza para evitar a contradição quando defende seu pensamento, mesmo estando equivocado?
Portanto, consideramos que as perguntas quando inseridas em um discurso interativo em
aulas de Ciências cumprem a funcionalidade de atender aos princípios da Aprendizagem
Significativa, a saber: ativam os conhecimentos prévios dos alunos, possibilitam ao professor
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estabelecer relações conceituais entre os conhecimentos prévios e as novas informações que são
transmitidas na forma de novas perguntas e permite resolver eventuais conflitos ou contradições
estabelecidas, a partir das respostas e perguntas dos alunos. Assim, a formulação de perguntas em
sala de aula é um modelo didático que atende a contento um encaminhamento metodológico para
promover a aprendizagem significativa.
Referências Bibliográficas
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