O documento discute regimes de bens no casamento e a separação judicial no direito de família brasileiro. Trata dos atuais regimes de bens, como comunhão universal e separação de bens, e menciona que o novo Código Civil permite a mudança do regime durante o casamento. Também aborda a separação judicial, distinguindo entre separação consensual e litigiosa, e discute se seria possível decretá-la sem alegar uma causa específica.
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MATERIAL DE APOIO
DIREITO CIVIL
DIREITO DE FAMILIA
Apostila 02
PROF.: PABLO STOLZE GAGLIANO
1. REGIMES DE BENS
Trata-se do estatuto patrimonial do casamento, regido pelos princípios da
liberdade de escolha, variabilidade e, com a entrada em vigor do novo Código
Civil, da mutabilidade (art. 1639).
Atuais regimes:
a) comunhão universal;
b) comunhão parcial;
c) separação convencional;
d) separação legal ou obrigatória;
e) participação final nos aquestos.
Disposições Gerais:
Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular,
quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.
§ 1o
O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do
casamento.
§ 2o
É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial
em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões
invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.
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O regime legal supletivo é o da comunhão parcial de bens (art. 1640).
O regime legal de separação obrigatória de bens, por sua vez, vem previsto
no art. 1641:
Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:
I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da
celebração do casamento;
II - da pessoa maior de sessenta anos;
III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.
Em nosso sentir, a obrigatoriedade do regime para pessoas maiores de
sessenta anos é flagrantemente inconstitucional por criar uma interdição
velada com base em um critério etário.
Obs.: Há entendimento na jurisprudência no sentido de conciliar o
regime da separação obrigatória de bens com a S. 377 do Supremo
Tribunal Federal (que permite a partilha dos bens aquestos, no regime
obrigatório de separação):
Casamento. Separação obrigatória. Súmula n° 377 do Supremo Tribunal
Federal. Precedentes da Corte.
1. Não violenta regra jurídica federal o julgado que admite a comunhão dos
aqüestos, mesmo em regime de separação obrigatória, na linha de
precedentes desta Turma.
2. Recurso especial não conhecido.
(RESP 208.640/RS, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO,
TERCEIRA TURMA, julgado em 15.02.2001, DJ 28.05.2001 p. 160)
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3
O novo Código Civil inovou, ao admitir a mudança de regime de bens, no curso
do casamento.
Dentre os regimes de bens, a novidade foi o da participação final nos
aquestos, inexistente na legislação anterior.
Neste novo regime, cada cônjuge possui patrimônio próprio (como no regime
da separação), cabendo, todavia, à época da dissolução da sociedade conjugal,
direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na
constância do casamento (art. 1672).
Embora se assemelhe com o regime da comunhão parcial, não há identidade,
uma vez que, neste último, entram também na comunhão os bens adquiridos
por apenas um dos cônjuges (na forma do regramento aplicável), e, da mesma
forma, determinados valores, havidos por fato eventual (a exemplo do dinheiro
proveniente de loteria).
No regime de participação final, por sua vez, apenas os bens adquiridos a
título oneroso, por ambos os cônjuges, serão partilhados, quando da
dissolução da sociedade, permanecendo, no patrimônio pessoal de cada um,
todos os outros bens que cada cônjuge, separadamente, possuía ao casar,
ou aqueles por ele adquiridos, a qualquer título, no curso do casamento.
Trata-se de um regime de regramento bastante complexo que, provavelmente,
não irá “pegar” no Brasil.
Por fim, vale mencionar que o STJ tem entendimento sustentando que, em
caso de separação do casal, créditos trabalhistas devem ser incluídos na
partilha dos bens (ver RESP. 421.801 – RS). A questão é polêmica, no Código
novo, que exclui da comunhão parcial e da universal “proventos do trabalho
pessoal de cada cônjuge” – arts. 1659, VI e 1668, V c/c o 1659, VI). Observou
o relator, Min. RUY ROSADO DE AGUIAR, no julgado mencionado, que “para a
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maioria dos casais brasileiros, os bens se resumem à renda mensal familiar. Se
tais rendas forem tiradas da comunhão, esse regime praticamente
desaparece”.
Na mesma vereda:
Direito civil e família. Recurso especial. Ação de divórcio.
Partilha dos direitos trabalhistas. Regime de comunhão parcial de bens.
Possibilidade.
- Ao cônjuge casado pelo regime de comunhão parcial de bens é devida à
meação das verbas trabalhistas pleiteadas judicialmente durante a constância
do casamento.
- As verbas indenizatórias decorrentes da rescisão de contrato de trabalho só
devem ser excluídas da comunhão quando o direito trabalhista tenha nascido
ou tenha sido pleiteado após a separação do casal.
Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 646.529/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado
em 21/06/2005, DJ 22/08/2005 p. 266)
Outra importante questão deve ser observada: mudança de regime de bens
e direito intertemporal.
Sobre a mudança de regimes de bens de casamentos anteriores, decidiu o STJ:
CIVIL - REGIME MATRIMONIAL DE BENS -
ALTERAÇÃO JUDICIAL - CASAMENTO OCORRIDO SOB
A ÉGIDE DO CC/1916 (LEI Nº 3.071) -
POSSIBILIDADE - ART. 2.039 DO CC/2002 (LEI Nº
10.406) - CORRENTES DOUTRINÁRIAS - ART. 1.639,
§ 2º, C/C ART. 2.035 DO CC/2002 - NORMA GERAL
DE APLICAÇÃO IMEDIATA.
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1 - Apresenta-se razoável, in casu, não considerar o
art. 2.039 do CC/2002 como óbice à aplicação de
norma geral, constante do art.
1.639, § 2º, do CC/2002, concernente à alteração
incidental de regime de bens nos casamentos
ocorridos sob a égide do CC/1916, desde que
ressalvados os direitos de terceiros e apuradas as
razões invocadas pelos cônjuges para tal pedido, não
havendo que se falar em retroatividade legal, vedada
nos termos do art. 5º, XXXVI, da CF/88, mas, ao
revés, nos termos do art. 2.035 do CC/2002, em
aplicação de norma geral com efeitos imediatos.
2 - Recurso conhecido e provido pela alínea "a" para,
admitindo-se a possibilidade de alteração do regime
de bens adotado por ocasião de matrimônio realizado
sob o pálio do CC/1916, determinar o retorno dos
autos às instâncias ordinárias a fim de que procedam
à análise do pedido, nos termos do art. 1.639, § 2º,
do CC/2002.
(REsp 730.546/MG, Rel. Ministro JORGE
SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em
23.08.2005, DJ 03.10.2005 p. 279)
Na mesma linha, o seguinte julgado:
Direito civil. Família. Casamento celebrado sob a
égide do CC/16.
Alteração do regime de bens. Possibilidade.
- A interpretação conjugada dos arts. 1.639, § 2º,
2.035 e 2.039, do CC/02, admite a alteração do
regime de bens adotado por ocasião do
matrimônio, desde que ressalvados os direitos de
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terceiros e apuradas as razões invocadas pelos
cônjuges para tal pedido.
- Assim, se o Tribunal Estadual analisou os
requisitos autorizadores da alteração do regime
de bens e concluiu pela sua viabilidade, tendo os
cônjuges invocado como razões da mudança a
cessação da incapacidade civil interligada à causa
suspensiva da celebração do casamento a exigir a
adoção do regime de separação obrigatória, além
da necessária ressalva quanto a direitos de
terceiros, a alteração para o regime de comunhão
parcial é permitida.
- Por elementar questão de razoabilidade e
justiça, o desaparecimento da causa suspensiva
durante o casamento e a ausência de qualquer
prejuízo ao cônjuge ou a terceiro, permite a
alteração do regime de bens, antes obrigatório,
para o eleito pelo casal, notadamente porque
cessada a causa que exigia regime específico.
- Os fatos anteriores e os efeitos pretéritos do
regime anterior permanecem sob a regência da
lei antiga. Os fatos posteriores, todavia, serão
regulados pelo CC/02, isto é, a partir da alteração
do regime de bens, passa o CC/02 a reger a nova
relação do casal.
- Por isso, não há se falar em retroatividade da
lei, vedada pelo art. 5º, inc. XXXVI, da CF/88, e
sim em aplicação de norma geral com efeitos
imediatos.
Recurso especial não conhecido.
(REsp 821.807/PR, Rel. Ministra NANCY
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7
ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
19.10.2006, DJ 13.11.2006 p. 261)
2. Separação Judicial1
Anteriormente denominada de desquite, a separação judicial, quando
decretada, determina o desfazimento da sociedade conjugal, e não do vínculo
matrimonial.
Critica-se o novo CC, que manteve a culpa como fundamento da separação
judicial. Poder-se-ia limitar o pleito na ruptura da convivência afetiva, no
simples desamor.
Ainda segundo a doutrina, a separação judicial pode ser classificada da
seguinte maneira:
a) separação judicial consensual (art. 1574) – trata-se da denominada
separação amigável, que se dá por acordo de vontades dos cônjuges, e
se forem casados há mais de um ano (no CPC, arts. 1120 e ss.). Vale
lembrar que a Lei n° 11.112, de 13.05.05, determinou que, na petição
conjunta, deverá constar o acordo relativo à guarda dos filhos menores
e ao regime de visitas;
b) separação litigiosa (art. 1572) – por causa subjetiva: caput do art.
1572, caso em que um cônjuge imputa ao outro ato que importa em
grave violação de qualquer dos deveres do casamento, tornando
insuportável a vida em comum;
- por causa objetiva: parágrafos
primeiro e segundo do art. 1572 (ruptura da vida em comum – “separação
falência” ou acometimento de doença mental grave “separação remédio”).
1
IMPORTANTE: Separação Judicial, Divórcio (inclusive administrativos), Alimentos e
alguns outros temas de família integram a outra grade do Curso.
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Mas seria possível a separação judicial, sem causa específica, pelo simples
“desamor”? Respondeu positivamente o STJ neste julgado:
RESP 467184 / SP ; RECURSO ESPECIAL
2002/0106811-7
Relator(a)
Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR (1102)
Órgão Julgador
T4 – QUARTA TURMA
Data do Julgamento
05/12/2002
Ementa
SEPARAÇÃO. Ação e reconvenção. Improcedência de ambos os pedidos.
Possibilidade da decretação da separação.
Evidenciada a insuportabilidade da vida em comum, e manifestado por
ambos os cônjuges, pela ação e reconvenção, o propósito de se
separarem, o mais conveniente é reconhecer esse fato e decretar a
separação, sem imputação da causa a qualquer das partes.
Recurso conhecido e provido em parte.
Vale lembrar que o novo Código Civil não repetiu a “cláusula de dureza”
prevista na legislação anterior (art. 6° da Lei 6515/77), segundo a qual o juiz
deveria negar o pedido de separação, nas hipóteses de separação falência
ou remédio, se o acolhimento do pleito fosse prejudicar a prole ou agravar as
condições do cônjuge debilitado.
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Quanto ao uso do nome, dispõe o art. 1578:
Art. 1.578. O cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o
direito de usar o sobrenome do outro, desde que expressamente requerido
pelo cônjuge inocente e se a alteração não acarretar:
I - evidente prejuízo para a sua identificação;
II - manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da
união dissolvida;
III - dano grave reconhecido na decisão judicial.
§ 1o
O cônjuge inocente na ação de separação judicial poderá renunciar, a
qualquer momento, ao direito de usar o sobrenome do outro.
§ 2o
Nos demais casos caberá a opção pela conservação do nome de casado.
Finalmente, vale lembrar que na separação judicial litigiosa por culpa, deve o
juiz, antes de abrir prazo de defesa, designar audiência de tentativa de
reconciliação (ou conversão em separação amigável), a teor da Lei n. 968 de
1949.
Fique atento:
Tramita no Congresso Nacional (já aprovada em dois turnos na Câmara
e no primeiro turno no Senado) a PEC do Divórcio, que pretende
acabar com a separação judicial e, bem assim, suprimir a necessidade
de prazo de separação de fato para o divórcio direto.
E, ainda sobre o tema, lemos esta notícia no excelente site do IBDFAM:
30/06/2009 | Fonte: Publicacões IBDFAM
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O divórcio direto é uma conquista da sociedade brasileira, mediada pela
atuação política de especialistas em Direito de Família no Brasil.
Por indicação do Instituto Brasileiro de Direito de Família, IBDFAM, duas
propostas de Emenda à Constituição, de igual teor, foram apresentadas ao
Congresso Nacional nos anos de 2005 e 2007 - respectivamente pelos
deputados federais Antônio Carlos Biscaia (PT/RJ) e Sérgio Barradas Carneiro
(PT/BA).
A PEC do Divórcio, como ficou conhecida, dá nova redação ao parágrafo sexto
do artigo 226 da Constituição Federal, que dispõe sobre a dissolubilidade do
casamento civil pelo divórcio, suprimindo o requisito da prévia separação
judicial por mais de um ano ou de comprovada separação de fato por dois
anos.
As PECs 413/2005 e 33/2007 estavam apensadas a uma outra proposta, a PEC
22/99, de autoria de Enio Bacci (PDT-RS), que, embora tratasse da mesma
materia, propunha a fixaç ão do prazo de um ano para requerer o divórcio em
qualquer caso. No dia 6 de novembro de 2008, o relator, Joseph Bandeira (PT-
BA), apresentou parecer pela rejeição da PEC 22/99 e pela aprovação das PECs
413/2005 e 33/2007, sugeridas pelo IBDFAM, na forma de substitutivo.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) foi então aprovada pela Câmara
dos Deputados, em primeiro turno, no dia 20 de maio de 2009, com 375 votos
favoráveis. Na votação de segundo turno, em 2 de junho, a proposta recebeu
315 votos a favor, 88 contrários e 5 abstenções.
Senado
A proposição seguiu para o Senado, sob o número PEC 28/2009. Em seu
parecer favorável ao divórcio direto no Brasil, aprovado em 24 de junho de
2009 pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, o relator, senador
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Demóstenes Torres (DEM-GO) justificou: "a sociedade brasileira é madura
para decidir a própria vida".
Fonte: http://www.ibdfam.org.br/?noticias¬icia=2992 acessado em 05 de
julho de 2009.
3. Divórcio
Para que fosse possível o divórcio (dissolução do vínculo matrimonial) no Brasil
fez-se necessária a edição da Emenda Constitucional n. 09 à CF de 1967,
pondo por terra o princípio constitucional da indissolubilidade do
casamento (sobre o tema, cf. “Divórcio e Separação”, Yussef Said Cahali, RT).
Posteriormente, a matéria veio a ser regulamentada pela famosa Lei n. 6515
de 1977 (Lei do Divórcio).
Atualmente o novo CC regula o divórcio nos seguintes artigos:
Art. 1.580. Decorrido um ano do trânsito em julgado da sentença que houver
decretado a separação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar
de separação de corpos, qualquer das partes poderá requerer sua conversão
em divórcio.
§ 1o
A conversão em divórcio da separação judicial dos cônjuges será
decretada por sentença, da qual não constará referência à causa que a
determinou.
§ 2o
O divórcio poderá ser requerido, por um ou por ambos os cônjuges, no
caso de comprovada separação de fato por mais de dois anos.
Art. 1.581. O divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de
bens. (na esteira da S. 197 do STJ).
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Art. 1.582. O pedido de divórcio somente competirá aos cônjuges.
Parágrafo único. Se o cônjuge for incapaz para propor a ação ou defender-se,
poderá fazê-lo o curador, o ascendente ou o irmão.
Note-se que o divórcio põe fim ao vínculo matrimonial, admitindo, por
conseqüência, novo casamento.
Além do divórcio indireto ou por conversão, temos ainda o divórcio direto,
ambos com base constitucional (art. 226, § 6°, CF), sendo que, nesta última
modalidade, basta a comprovação da separação de fato há mais de dois anos,
para o deferimento do pleito.
4. Notas sobre a nova Lei 11.441/07
Teceremos, aqui, algumas importantes considerações acerca da nova Lei
11.441/07, que instituiu o inventário, a separação e o divórcio administrativos.
Por óbvio, por estarmos cuidando do Direito de Família, cuidaremos de estudar
especificamente a separação e o divórcio administrativos.
Este diploma alterou o CPC nos seguintes termos2
:
Art. 3o
A Lei no
5.869, de 1973 – Código de Processo Civil, passa a vigorar
acrescida do seguinte art. 1.124-A:
“Art. 1.124-A. A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo
filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto
aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as
disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão
2
Integram também a grade do programa de outro módulo do LFG os aspectos
procedimentais da nova lei, inclusive no que tange ao inventário e à partilha.
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alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome
de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento.
§ 1o
A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil
para o registro civil e o registro de imóveis.
§ 2o
O tabelião somente lavrará a escritura se os contratantes estiverem
assistidos por advogado comum ou advogados de cada um deles, cuja
qualificação e assinatura constarão do ato notarial.
§ 3o
A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se
declararem pobres sob as penas da lei.”
Recentemente, em 03 de julho de 2009, houve a seguinte alteração:
LEI Nº 11.965, DE 3 DE JULHO DE 2009.
Dá nova redação aos arts. 982 e 1.124-A
da Lei no
5.869, de 11 de janeiro de
1973, que institui o Código de Processo
Civil.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional
decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a participação do defensor público na
lavratura da escritura pública de inventário e de partilha, de separação
consensual e de divórcio consensual.
Art. 2º Os arts. 982 e 1.124-A da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de
1973, passam a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 982. ........................................................
§ 1º O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes
interessadas estiverem assistidas por advogado comum ou advogados de
cada uma delas ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura
constarão do ato notarial.
§ 2º A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se
declararem pobres sob as penas da lei.” (NR)
“Art. 1.124-A. ..................................................
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.........................................................................................
§ 2º O tabelião somente lavrará a escritura se os contratantes
estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de cada um deles
ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato
notarial.
.............................................................................” (NR)
Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
A primeira grande vantagem do divórcio/separação administrativos é no
sentido de permitir que qualquer desses atos possa ser feito em qualquer
cartório de notas do Brasil, averbando-se, por conseguinte, a posteriori, a
respectiva escritura, nos cartórios de Registro Civil, de Imóveis, e, embora
nada diga a lei, na Junta Comercial, caso um dos separandos/divorciandos seja
empresário individual.3
O ato notarial, como visto, também dispensa a homologação judicial.
Não há tentativa de reconciliação, de maneira que, agora, é perfeitamente
possível sustentar-se que o divórcio e a separação consensual possam ser
feitos por procuração (procuração pública com poderes especiais).
Em nosso pensar, a exigência de testemunha deveria ser dispensável, sendo
bastante a declaração conjunta dos interessados, sob as penas da lei civil e
criminal. Mas advertimos: o art. 53 da Resolução 35 de 24 de abril de 2007,
do CNJ, registra que o tabelião “pode” colher a declaração de testemunha. Não
concordamos, no entanto, quando o mesmo dispositivo não considera bastante
3
No CC, cf. o art. 980: Art. 980. A sentença que decretar ou homologar a separação
judicial do empresário e o ato de reconciliação não podem ser opostos a terceiros,
antes de arquivados e averbados no Registro Público de Empresas Mercantis.
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a declaração dos divorciandos. Por que não? A afetividade faliu! Aliás, nos
termos da própria Resolução, a testemunha é facultativa...ademais, muito
mais relevante do que a simples análise de documentos é a palavra dos
integrantes da relação afetiva que se exauriu...
De qualquer maneira, merece destaque a Resolução, por provir do próprio CNJ.
Um outro ponto deve ser destacado.
A referida lei tornou a partilha de bens novamente obrigatória (como era na
antiga Lei do Divórcio – art. 43)?
Entendemos que não.
A partilha dos bens, referida pela nova lei, em nosso sentir, não deveria ser
considerada obrigatória, pois, falida a afetividade, não haveria sentido em
se impedir a dissolução da sociedade conjugal ou do próprio matrimônio, por
força do patrimônio.
Ademais, deixa claro o art. 1581 do CC, ainda em vigor, que o divórcio poderá
ser decretado sem que haja prévia partilha dos bens (na linha da antiga
Súmula 197 do STJ).
Nada impede, portanto, que as partes ingressem, depois, com pedido judicial
de partilha amigável, ou até mesmo, em caso de resistência de uma das
partes, com ação de divisão.
Antes de efetuar a partilha, outrossim, deve o notário redobrar a cautela
quanto ao recolhimento do imposto devido (especialmente o ITCMD), além da
respectiva taxa judiciária.
Um outro importante aspecto gira em torno dos filhos menores.
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Destacou o legislador, no caput do art. 1124-A, que a separação ou o divórcio,
pela via administrativa, apenas será possível não havendo filhos menores ou
incapazes do casal.
Em princípio, entendemos a regra.
Considerando que o ato é lavrado sem a presença do órgão do MP e do Juiz,
quer-se, com tal medida, evitar possível lesão ao interesse dos menores.
No entanto, com certa freqüência ocorrem situações em que, na
separação e no divórcio, os direitos dos filhos permanecem
inalterados, por já haverem sido reconhecidos e certificados em
procedimento anterior (a exemplo da ação de alimentos ou de guarda,
já definitivamente decidida ou julgada).
Ora, apresentando, o casal, ao tabelião, uma certidão comprobatória de tal
circunstância, não haveria sentido em se impedir a lavratura do ato, na via
administrativa. Até porque a guarda e os alimentos já podem ter sido decididos
ou acordados!
Na mesma linha, como bem destacou Antônio Carlos Parreira (em texto
publicado no http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9391), prejuízo
inexistirá na simples conversão da separação judicial em divórcio:
“Mas e se os direitos indisponíveis dos filhos incapazes já estiverem
judicialmente tutelados e as escrituras de separação e divórcio ratificarem as
decisões judiciais, sem quaisquer alterações pelo casal? Qual o prejuízo para
os filhos incapazes?
Nenhum.
Assim, se for caso de mera conversão consensual de separação judicial em
divórcio, no qual ficarão mantidas as cláusulas da separação relativas à
guarda, direito de visita e pensão alimentícia dos filhos menores e maiores
incapazes, obviamente que nenhum prejuízo poderá ocorrer para os filhos.
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Nessa hipótese se foram prejudicados, tal se deu no processo judicial da
separação e sob as barbas do Juiz de Direito e do Promotor de Justiça”.
Uma pergunta, em conclusão, merece ser feita: e como fica a união estável?
Ora, posto a lei nada tenha dito a respeito, pensamos que nada impede a
lavratura de dissolução de união estável, analogicamente, nos termos da nova
lei.
Mas reiteramos: a lei foi omissa.
Aliás, em defesa da nossa linha de pensamento, diríamos até que o Tabelião
está mais acostumado a atender companheiros do que pessoas casadas, eis
que já se habituou a lavrar contratos de convivência e os (polêmicos)
contratos de namoro.
E, finalmente, como fica a aplicação desta lei em face de processos novos e de
processos que já estejam em curso?
Está se firmando o entendimento no sentido de que, para os novos processos,
é facultativo, para os interessados, ingressarem na via administrativa. Aliás, no
caso do divórcio ou da separação, pode até ser mais conveniente a instauração
do processo, por conta do “segredo de justiça”, inexistente nos atos notariais.
Por outro lado, os processos em curso, considerando os atos procedimentais já
realizados e o impulso oficial que os animou, devem ser julgados,
facultando-se, todavia, às partes, recorrerem à via administrativa. Não pode,
todavia, esta solução ser impositiva, em respeito ao próprio jurisdicionado, que
aguardou a prolação da sentença e já recolheu as custas judiciais (se não for
beneficiário da gratuidade, na forma da lei especial).
Não nos afigura justo, em nosso pensar.
Veja, ao final do material de apoio, a importante Resolução 35 do CNJ,
referente ao tema.
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5. Guarda de Filhos
A guarda4
, decorrência do poder parental, traduz um plexo de obrigações e
direitos em face do menor, especialmente de assistência material e moral.
Historicamente, no direito brasileiro, a guarda sempre fora deferida
unilateralmente, prevalecendo o direito da mãe, em caso de culpa de ambos os
cônjuges.
O critério da culpa, no entanto, não é o melhor em uma perspectiva
constitucional.
Recentemente, entrou em vigor a lei que regula a guarda compartilhada ou
conjunta (Lei n. 11698 de 2008), modalidade especial em que pais e mães
dividem a responsabilidade de condução da vida do filho, conjuntamente, sem
prevalência de qualquer dos genitores.
Claro está que se trata de uma salutar modalidade de guarda a ser adotada
quando os pais mantêm bom relacionamento, e segundo sempre o interesse
existencial da criança ou do adolescente.
Não havendo acordo, o juiz deverá ter redobrada cautela, pois a eventual
imposição desta medida poderá resultar em grave prejuízo à prole, por conta
do mau relacionamento dos pais.
Penso, aliás, que a medida será muito mais recomendável nas separações e
divórcios consensuais, aplicando-se apenas em situações excepcionais e
justificáveis quando não houver acordo, desde que fique evidenciado não haver
risco à criança ou ao adolescente.
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A guarda também é tratada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, como meio de
colocação em família substituta, objeto de outra disciplina, no curso LFG.
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A base constitucional deste arranjo familiar é o art. 226 § 5° da CF, que
estabelece a igualdade entre os pais.
Confira o novo diploma, que alterou as regras de guarda no Código Civil,
consagrando a nova modalidade acima referida:
LEI Nº 11.698, DE 13 JUNHO DE 2008.
Altera os arts. 1.583 e 1.584 da Lei no
10.406, de 10 de janeiro de 2002 –
Código Civil, para instituir e disciplinar
a guarda compartilhada.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional
decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o
Os arts. 1.583 e 1.584 da Lei no
10.406, de 10 de janeiro de
2002 – Código Civil, passam a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.
§ 1o
Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos
genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5o
) e, por guarda
compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e
deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao
poder familiar dos filhos comuns.
§ 2o
A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores
condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos
filhos os seguintes fatores:
I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar;
II – saúde e segurança;
III – educação.
§ 3o
A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a
supervisionar os interesses dos filhos.
§ 4o
(VETADO).” (NR)
“Art. 1.584. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:
20. 20
20
I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles,
em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união
estável ou em medida cautelar;
II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho,
ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o
pai e com a mãe.
§ 1o
Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o
significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de
deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo
descumprimento de suas cláusulas.
§ 2o
Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do
filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada.
§ 3o
Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de
convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento
do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional
ou de equipe interdisciplinar.
§ 4o
A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de
cláusula de guarda, unilateral ou compartilhada, poderá implicar a redução
de prerrogativas atribuídas ao seu detentor, inclusive quanto ao número de
horas de convivência com o filho.
§ 5o
Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do
pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a
natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e
as relações de afinidade e afetividade.” (NR)
Art. 2o
Esta Lei entra em vigor após decorridos 60 (sessenta) dias de sua
publicação.
Brasília, 13 de junho de 2008; 187o
da Independência e 120o
da
República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto
José Antonio Dias Toffoli
Este texto não substitui o publicado no DOU de 16.6.2008
Questão Especial: O que é “alienação parental”?
21. 21
21
Nos termos do art. 1º do PL 4053 de 2008, “considera-se alienação
parental a interferência promovida por um dos genitores na formação
psicológica da criança para que repudie o outro, bem como atos que
causem prejuízos ao estabelecimento ou à manutenção de vínculo com
este”.
Trata-se de uma forma de agressão emocional ou afetiva, verificada
especialmente após a dissolução do casamento ou da união estável.
Segue, abaixo, teor do referido Projeto de Lei5
que pretende coibir esta prática,
acompanhado de sua justificação:
PL 4053/2008
Autor: Regis de Oliveira - PSC /SP
PROJETO DE LEI No
, DE 2008
(Do Sr. Regis de Oliveira)
Dispõe sobre a alienação parental.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º Considera-se alienação parental a interferência promovida por um dos
genitores na formação psicológica da criança para que repudie o outro, bem
como atos que causem prejuízos ao estabelecimento ou à manutenção de
vínculo com este.
Parágrafo único. Consideram-se formas de alienação parental, além dos atos
assim declarados pelo juiz ou constatados por equipe multidisciplinar, os
praticados diretamente ou com auxílio de terceiros, tais como:
I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da
paternidade ou maternidade;
II - dificultar o exercício do poder familiar;
III - dificultar contato da criança com o outro genitor;
IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de visita;
5
Acompanhe e atualize o seu andamento no site www.camara.gov.br
22. 22
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V - omitir deliberadamente ao outro genitor informações pessoais relevantes
sobre a criança, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
VI - apresentar falsa denúncia contra o outro genitor para obstar ou dificultar
seu convívio com a criança;
VII - mudar de domicilio para locais distantes, sem justificativa, visando
dificultar a convivência do outro genitor
Art. 2º A prática de ato de alienação parental fere o direito fundamental da
criança ao convívio familiar saudável, constitui abuso moral contra a criança e
descumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar ou decorrentes de
tutela ou guarda.
Art. 3º Havendo indício da prática de ato de alienação parental, o juiz, se
necessário, em ação autônoma ou incidental, determinará a realização de
perícia psicológica ou biopsicossocial.
§ 1º O laudo pericial terá base em ampla avaliação psicológica ou
biopsicossocial, conforme o caso, compreendendo, inclusive, entrevista pessoal
com as partes e exame de documentos.
§ 2º A perícia será realizada por profissional ou equipe multidisciplinar
habilitada, exigida, em qualquer caso, aptidão comprovada por histórico
profissional ou acadêmico para diagnosticar atos de alienação parental.
§ 3º O perito ou equipe multidisciplinar designada para verificar a ocorrência
de alienação parental apresentará, no prazo de trinta dias, sem prejuízo da
elaboração do laudo final, avaliação preliminar com indicação das eventuais
medidas provisórias necessárias para preservação da integridade psicológica
da criança.
Art. 4º O processo terá tramitação prioritária e o juiz determinará, com
urgência, ouvido o Ministério Público, as medidas provisórias necessárias para
preservação da integridade psicológica da criança.
Art. 5º Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta
que dificulte o convívio de criança com genitor, o juiz poderá, de pronto, sem
prejuízo da posterior responsabilização civil e criminal:
I - declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;
II - estipular multa ao alienador;
23. 23
23
III - ampliar o regime de visitas em favor do genitor alienado;
IV - determinar intervenção psicológica monitorada;
V - alterar as disposições relativas à guarda;
VI - declarar a suspensão ou perda do poder familiar.
Art. 6º A atribuição ou alteração da guarda dará preferência ao genitor que
viabilize o efetivo convívio da criança com o outro genitor, quando inviável a
guarda compartilhada.
Art. 7º As partes, por iniciativa própria ou sugestão do juiz, do Ministério
Público ou do Conselho Tutelar, poderão utilizar-se do procedimento da
mediação para a solução do litígio, antes ou no curso do processo judicial.
§ 1º O acordo que estabelecer a mediação indicará o prazo de eventual
suspensão do processo e o correspondente regime provisório para regular as
questões controvertidas, o qual não vinculará eventual decisão judicial
superveniente.
§ 2º O mediador será livremente escolhido pelas partes, mas o juízo
competente, o Ministério Público e o Conselho Tutelar formarão cadastros de
mediadores habilitados a examinar questões relacionadas a alienação parental.
§ 3º O termo que ajustar o procedimento de mediação ou que dele resultar
deverá ser submetido ao exame do Ministério Público e à homologação judicial.
Art. 8º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Justificação
A presente proposição tem por objetivo inibir a alienação parental e os atos
que dificultem o efetivo convívio entre a criança e ambos os genitores.
A alienação parental é prática que pode se instalar no arranjo familiar, após a
separação conjugal ou o divórcio, quando há filho do casal que esteja sendo
manipulado por genitor para que, no extremo, sinta raiva ou ódio contra o
outro genitor. É forma de abuso emocional, que pode causar à criança
distúrbios psicológicos (por exemplo, depressão crônica, transtornos de
identidade e de imagem, desespero, sentimento incontrolável de culpa,
sentimento de isolamento, comportamento hostil, falta de organização, dupla
personalidade) para o resto de sua vida.
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O problema ganhou maior dimensão na década de 80, com a escalada de
conflitos decorrentes de separações conjugais, e ainda não recebeu adequada
resposta legislativa.
A proporção de homens e mulheres que induzem distúrbios psicológicos
relacionados à alienação parental nos filhos tende atualmente ao equilíbrio.
Deve-se coibir todo ato atentatório à perfeita formação e higidez psicológica e
emocional de filhos de pais separados ou divorciados. A família moderna não
pode ser vista como mera unidade de produção e procriação; devendo, ao
revés, ser palco de plena realização de seus integrantes, pela exteriorização
dos seus sentimentos de afeto, amor e solidariedade.
A alienação parental merece reprimenda estatal porquanto é forma de abuso
no exercício do poder familiar, e de desrespeito aos direitos de personalidade
da criança em formação. Envolve claramente questão de interesse público,
ante a necessidade de exigir uma paternidade e maternidade responsáveis,
compromissadas com as imposições constitucionais, bem como com o dever de
salvaguardar a higidez mental de nossas crianças.
O art. 227 da Constituição Federal e o art. 3º do Estatuto da Criança e do
Adolescente asseguram o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e
social das crianças e adolescentes, em condições de liberdade e de dignidade.
Assim, exige-se postura firme do legislador no sentido de aperfeiçoar o
ordenamento jurídico, a fim de que haja expressa reprimenda à alienação
parental ou a qualquer conduta que obste o efetivo convívio entre criança e
genitor.
A presente proposição, além de pretender introduzir uma definição legal da
alienação parental no ordenamento jurídico, estabelece rol exemplificativo de
condutas que dificultam o efetivo convívio entre criança e genitor, de forma a
não apenas viabilizar o reconhecimento jurídico da conduta da alienação
parental, mas sinalizar claramente à sociedade que a mesma merece
reprimenda estatal.
A proposição não afasta qualquer norma ou instrumento de proteção à criança
já existente no ordenamento, mas propõe ferramenta específica, que permita,
25. 25
25
de forma clara e ágil, a intervenção judicial para lidar com a alienação
parental.
Cuida-se de normatização elaborada para, uma vez integrada ao ordenamento
jurídico, facilitar a aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente, nos
casos de alienação parental, sem prejuízo da ampla gama de intrumentos e
garantias de efetividade previstos no Código de Processo Civil e no próprio
Estatuto.
À luz do direito comparado, a proposição ainda estabelece critério diferencial
para a atribuição ou alteração da guarda, nas hipóteses em que inviável a
guarda compartilhada, sem prejuízo das disposições do Código Civil e do
Estatuto da Criança e do Adolescente, tendo em vista o exame da conduta do
genitor sob o aspecto do empenho para que haja efetivo convívio da criança
com o outro genitor. Neste particular, a aprovação da proposição será mais um
fator inibidor da alienação parental, em clara contribuição ao processo de
reconhecimento social das distintas esferas de relacionamento humano
correspondentes à conjugalidade, à parentalidade e à filiação.
Cabe sublinhar que a presente justificação é elaborada com base em artigo de
Rosana Barbosa Ciprião Simão, publicado no livro "Síndrome da Alienação
Parental e a Tirania do Guardião - Aspectos Psicológicos, Sociais e Jurídicos"
(Editora Equilíbrio, 2007), em informações do site da associação "SOS - Papai
e Mamãe" e no artigo "Síndrome de Alienação Parental", de François Podevyn,
traduzido pela "Associação de Pais e Mães Separados' - APASE, com a
colaboração da associação "Pais para Sempre". Também colaboraram com
sugestões individuais membros das associações "Pais para Sempre", "Pai
Legal", "Pais por Justiça" e da sociedade civil.
A idéia fundamental que levou à apresentação do projeto sobre a alienação
parental consiste no fato de haver notória resistência entre os operadores do
Direito no que tange ao reconhecimento da gravidade do problema em exame,
bem assim a ausência de especificação de instrumentos para inibir ou atenuar
sua ocorrência. São raros os julgados que examinam em profundidade a
matéria, a maioria deles do Rio Grande do Sul, cujos tribunais assumiram
notória postura de vanguarda na proteção do exercício pleno da paternidade. É
26. 26
26
certo, no entanto, que a alienação parental pode decorrer de conduta hostil
não apenas do pai, mas também da mãe, razão pela qual o projeto adota a
referência genérica a "genitor". Também não há, atualmente, definição ou
previsão legal do que seja alienação parental ou síndrome da alienação
parental.
Nesse sentido, é de fundamental importância que a expressão "alienação
parental" passe a integrar o ordenamento jurídico, inclusive para induzir os
operadores do Direito a debater e aprofundar o estudo do tema, bem como
apontar instrumentos que permitam efetiva intervenção por parte do Poder
Judiciário.
A opção por lei autônoma decorre do fato de que, em muitos casos de dissenso
em questões de guarda e visitação de crianças, os instrumentos já existentes
no ordenamento jurídico têm permitido satisfatória solução dos conflitos.
Houve cuidado, portanto, em não reduzir a malha de proteções à criança ou
dificultar a aplicação de qualquer instrumento já existente.
Para concluir, permito-me reproduzir, por sua importância e riqueza, artigo
publicado no ano de 2006 pela Desembargadora Maria Berenice Dias, do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, intitulado "Síndrome da alienação
parental, o que é Isso?":
"Certamente todos que se dedicam ao estudo dos conflitos familiares e da
violência no âmbito das relações interpessoais já se depararam com um
fenômeno que não é novo, mas que vem sendo identificado por mais de um
nome. Uns chamam de "síndrome de alienação parental"; outros, de
"implantação de falsas memórias".
Este tema começa a despertar a atenção, pois é prática que vem sendo
denunciada de forma recorrente. Sua origem está ligada à intensificação das
estruturas de convivência familiar, o que fez surgir, em conseqüência, maior
aproximação dos pais com os filhos. Assim, quando da separação dos
genitores, passou a haver entre eles uma disputa pela guarda dos filhos, algo
impensável até algum tempo atrás. Antes, a naturalização da função materna
levava a que os filhos ficassem sob a guarda da mãe. Ao pai restava somente
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27
o direito de visitas em dias predeterminados, normalmente em fins-de-semana
alternados.
Como encontros impostos de modo tarifado não alimentam o estreitamento
dos vínculos afetivos, a tendência é o arrefecimento da cumplicidade que só a
convivência traz. Afrouxando-se os elos de afetividade, ocorre o
distanciamento, tornando as visitas rarefeitas. Com isso, os encontros acabam
protocolares: uma obrigação para o pai e, muitas vezes, um suplício para os
filhos.
Agora, porém, se está vivendo uma outra era. Mudou o conceito de família. O
primado da afetividade na identificação das estruturas familiares levou à
valoração do que se chama filiação afetiva. Graças ao tratamento
interdisciplinar que vem recebendo o Direito de Família, passou-se a emprestar
maior atenção às questões de ordem psíquica, permitindo o reconhecimento da
presença de dano afetivo pela ausência de convívio paterno-filial.
A evolução dos costumes, que levou a mulher para fora do lar, convocou o
homem a participar das tarefas domésticas e a assumir o cuidado com a prole.
Assim, quando da separação, o pai passou a reivindicar a guarda da prole, o
estabelecimento da guarda conjunta, a flexibilização de horários e a
intensificação das visitas.
No entanto, muitas vezes a ruptura da vida conjugal gera na mãe sentimento
de abandono, de rejeição, de traição, surgindo uma tendência vingativa muito
grande. Quando não consegue elaborar adequadamente o luto da separação,
desencadeia um processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do
ex-cônjuge. Ao ver o interesse do pai em preservar a convivência com o filho,
quer vingar-se, afastando este do genitor.
Para isso cria uma série de situações visando a dificultar ao máximo ou a
impedir a visitação. Leva o filho a rejeitar o pai, a odiá-lo. A este processo o
psiquiatra americano Richard Gardner nominou de "síndrome de alienação
parental": programar uma criança para que odeie o genitor sem qualquer
justificativa. Trata-se de verdadeira campanha para desmoralizar o genitor. O
filho é utilizado como instrumento da agressividade direcionada ao parceiro. A
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28
mãe monitora o tempo do filho com o outro genitor e também os seus
sentimentos para com ele.
A criança, que ama o seu genitor, é levada a afastar-se dele, que também a
ama. Isso gera contradição de sentimentos e destruição do vínculo entre
ambos. Restando órfão do genitor alienado, acaba identificando-se com o
genitor patológico, passando a aceitar como verdadeiro tudo que lhe é
informado.
O detentor da guarda, ao destruir a relação do filho com o outro, assume o
controle total. Tornam-se unos, inseparáveis. O pai passa a ser considerado
um invasor, um intruso a ser afastado a qualquer preço. Este conjunto de
manobras confere prazer ao alienador em sua trajetória de promover a
destruição do antigo parceiro.
Neste jogo de manipulações, todas as armas são utilizadas, inclusive a
assertiva de ter sido o filho vítima de abuso sexual. A narrativa de um episódio
durante o período de visitas que possa configurar indícios de tentativa de
aproximação incestuosa é o que basta. Extrai-se deste fato, verdadeiro ou não,
denúncia de incesto. O filho é convencido da existência de um fato e levado a
repetir o que lhe é afirmado como tendo realmente acontecido. Nem sempre a
criança consegue discernir que está sendo manipulada e acaba acreditando
naquilo que lhes foi dito de forma insistente e repetida. Com o tempo, nem a
mãe consegue distinguir a diferença entre verdade e mentira. A sua verdade
passa a ser verdade para o filho, que vive com falsas personagens de uma
falsa existência, implantando-se, assim, falsas memórias.
Esta notícia, comunicada a um pediatra ou a um advogado, desencadeia a pior
situação com que pode um profissional defrontar-se. Aflitiva a situação de
quem é informado sobre tal fato. De um lado, há o dever de tomar
imediatamente uma atitude e, de outro, o receio de que, se a denúncia não for
verdadeira, traumática será a situação em que a criança estará envolvida, pois
ficará privada do convívio com o genitor que eventualmente não lhe causou
qualquer mal e com quem mantém excelente convívio.
A tendência, de um modo geral, é imediatamente levar o fato ao Poder
Judiciário, buscando a suspensão das visitas. Diante da gravidade da situação,
29. 29
29
acaba o juiz não encontrando outra saída senão a de suspender a visitação e
determinar a realização de estudos sociais e psicológicos para aferir a
veracidade do que lhe foi noticiado. Como esses procedimentos são demorados
- aliás, fruto da responsabilidade dos profissionais envolvidos -, durante todo
este período cessa a convivência do pai com o filho. Nem é preciso declinar as
seqüelas que a abrupta cessação das visitas pode trazer, bem como os
constrangimentos que as inúmeras entrevistas e testes a que é submetida a
vítima na busca da identificação da verdade.
No máximo, são estabelecidas visitas de forma monitorada, na companhia de
terceiros, ou no recinto do fórum, lugar que não pode ser mais inadequado. E
tudo em nome da preservação da criança. Como a intenção da mãe é fazer
cessar a convivência, os encontros são boicotados, sendo utilizado todo o tipo
de artifícios para que não se concretizem as visitas.
O mais doloroso - e ocorre quase sempre - é que o resultado da série de
avaliações, testes e entrevistas que se sucedem durante anos acaba não sendo
conclusivo. Mais uma vez depara-se o juiz diante de um dilema: manter ou não
as visitas, autorizar somente visitas acompanhadas ou extinguir o poder
familiar; enfim, manter o vínculo de filiação ou condenar o filho à condição de
órfão de pai vivo cujo único crime eventualmente pode ter sido amar demais o
filho e querer tê-lo em sua companhia. Talvez, se ele não tivesse manifestado
o interesse em estreitar os vínculos de convívio, não estivesse sujeito à falsa
imputação da prática de crime que não cometeu.
Diante da dificuldade de identificação da existência ou não dos episódios
denunciados, mister que o juiz tome cautelas redobradas.
Não há outra saída senão buscar identificar a presença de outros sintomas que
permitam reconhecer que se está frente à síndrome da alienação parental e
que a denúncia do abuso foi levada a efeito por espírito de vingança, como
instrumento para acabar com o relacionamento do filho com o genitor. Para
isso, é indispensável não só a participação de psicólogos, psiquiatras e
assistentes sociais, com seus laudos, estudos e testes, mas também que o juiz
se capacite para poder distinguir o sentimento de ódio exacerbado que leva ao
30. 30
30
desejo de vingança a ponto de programar o filho para reproduzir falsas
denúncias com o só intuito de afastá-lo do genitor.
Em face da imediata suspensão das visitas ou determinação do monitoramento
dos encontros, o sentimento do guardião é de que saiu vitorioso, conseguiu o
seu intento: rompeu o vínculo de convívio. Nem atenta ao mal que ocasionou
ao filho, aos danos psíquicos que lhe infringiu.
É preciso ter presente que esta também é uma forma de abuso que põe em
risco a saúde emocional de uma criança. Ela acaba passando por uma crise de
lealdade, pois a lealdade para com um dos pais implica deslealdade para com o
outro, o que gera um sentimento de culpa quando, na fase adulta, constatar
que foi cúmplice de uma grande injustiça.
A estas questões devem todos estar mais atentos. Não mais cabe ficar silente
diante destas maquiavélicas estratégias que vêm ganhando popularidade e que
estão crescendo de forma alarmante.
A falsa denúncia de abuso sexual não pode merecer o beneplácito da Justiça,
que, em nome da proteção integral, de forma muitas vezes precipitada ou sem
atentar ao que realmente possa ter acontecido, vem rompendo vínculo de
convivência tão indispensável ao desenvolvimento saudável e integral de
crianças em desenvolvimento.
Flagrada a presença da síndrome da alienação parental, é indispensável a
responsabilização do genitor que age desta forma por ser sabedor da
dificuldade de aferir a veracidade dos fatos e usa o filho com finalidade
vingativa. Mister que sinta que há o risco, por exemplo, de perda da guarda,
caso reste evidenciada a falsidade da denúncia levada a efeito. Sem haver
punição a posturas que comprometem o sadio desenvolvimento do filho e
colocam em risco seu equilíbrio emocional, certamente continuará aumentando
esta onda de denúncias levadas a efeito de forma irresponsável.."
Por todo o exposto, contamos com o endosso dos ilustres Pares para a
aprovação deste importante projeto de lei.
Sala das Sessões, em 07 de outubro de 2008.
Deputado REGIS DE OLIVEIRA
31. 31
31
Fonte:
http://www.ibdfam.org.br/?observatorio&familias&tema=Aliena%E7%E3o+Par
ental , acessado em 22 de dezembro de 2008.
6. Alimentos6
6.1. Conceito
Com base no princípio da solidariedade familiar, os alimentos consistem
nas prestações que um parente, cônjuge ou convivente fornece ao outro,
visando à sua mantença.
Não trataremos neste tópico da pensão indenizatória paga à vítima (ou
sucessores) de ato ilícito, por integrar o âmbito do Direito das Obrigações.
6.2. Características
Irrenunciabilidade, intransmissibilidade, impenhorabilidade,
incompensabilidade (lembrar que a cobrança da prestação em atraso
submete-se a prazo prescricional de dois anos, a teor do art. 206,
parágrafo segundo do CC – 02).
Obs.:
Sobre a impossibilidade de compensação dos alimentos, há entendimento
do STJ mitigando-a:
6
Este tema também não integra a grade de aulas expositivas do Intensivo 1.
32. 32
32
EXECUÇÃO. PENSÃO ALIMENTÍCIA. COMPENSAÇÃO.
Discute-se se as dívidas alimentícias podem ser objeto de compensação. No
caso, as instâncias ordinárias reconheceram ser possível a compensação do
montante da dívida de verba alimentar com o valor correspondente às cotas
condominiais e IPTU pagos pelo alimentante, relativos ao imóvel em que
residem os ora recorrentes, seus filhos e a mãe deles. Pois, embora o
alimentante seja titular da nu-propriedade do referido imóvel e o usufruto
pertença à avó paterna dos recorrentes, os filhos e a mãe moram no imóvel
gratuitamente com a obrigação de arcar com o condomínio e o IPTU. Para o
Min. Relator, apesar de vigorar, na legislação civil nacional, o princípio da não-
compensação dos valores referentes à pensão alimentícia, em situações
excepcionalíssimas, essa regra pode ser flexibilizada. Destaca que a doutrina
admite a compensação de alimentos em casos peculiares e, na espécie, há
superioridade do valor da dívida de alimentos em relação aos encargos fiscais
e condominiais pagos pelo recorrido, que arcou com a despesa que os
alimentandos deveriam suportar, para assegurar-lhes a própria habitação.
Assim, concluiu que, de acordo com as peculiaridades fáticas do caso, não
haver a compensação importaria manifesto enriquecimento sem causa dos
alimentandos. Isso posto, a Turma não conheceu o recurso. Precedente citado:
Ag 961.271-SP, DJ 17/12/2007. REsp 982.857-RJ, Rel. Min. Massami
Uyeda, julgado em 18/9/2008.
6.3. Classificação:
a) civis ou côngruos – trata-se da verba alimentar que visa a manter o
alimentando em toda a sua dimensão existencial, abrangendo não
apenas os alimentos em si, mas educação, lazer, saúde etc.;
b) naturais ou necessários – trata-se dos alimentos básicos, circunscritos à
subsistência do alimentando;
33. 33
33
c) provisórios – são fixados liminarmente, no bojo do procedimento
especial da Lei de Alimentos;
d) provisionais (arts. 852 a 854, CPC) – trata-se de medida cautelar, com o
escopo de fixar a pensão alimentícia;
e) definitivos – são fixados na sentença da ação de alimentos (e, dada a
natureza da prestação, podem ser revistos, caso haja mudança no
binômio capacidade-necessidade).
6.4. Alimentos entre Parentes
Não houve, nesse particular, grandes mudanças no tratamento da disciplina:
Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e
extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em
grau, uns em falta de outros.
Art. 1.697. Na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes,
guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos
como unilaterais.
Em nosso sentir, os tios estariam fora desse rol.
Art. 1.698. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver
em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer
os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos,
todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada
ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.
Esta previsão de litisconsórcio passivo servirá especialmente para atingir os
avós. No interior tem sido muito comum a demanda intentada contra eles, por
serem titulares de uma obrigação complementar. Além do mais, têm proventos
certos (INSS etc.) Mas lembre-se de que a obrigação dos avós é, apenas,
complementar à obrigação dos pais.
34. 34
34
6.5. Alimentos entre Cônjuges
Segundo CAHALI (em excelente texto publicado na obra O Direito de Família e
o Novo Código Civil, Ed. Del Rey), o STF firmou a tese da irrenunciabilidade (S.
379), embora o STJ, nos últimos anos, haja abrandado este entendimento.
O NCC, todavia, mantém o posicionamento do STF, em seu art. 1707:
Art. 1.707. Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito
a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação
ou penhora.
Na mesma linha, firmando forte jurisprudência, é bom que se lembre que novo
casamento ou união estável do credor, exonera o alimentante (TJRS – AC
598497600 e 70000881508), na forma do próprio CC, inclusive no caso do
concubinato (impuro):
Art. 1.708. Com o casamento, a união estável ou o concubinato do credor,
cessa o dever de prestar alimentos.
Para o STJ, no entanto, no julgado que segue abaixo, o namoro não
extingue o direito aos alimentos:
DIREITO DE FAMÍLIA. CIVIL. ALIMENTOS. EX-CÔNJUGE. EXONERAÇÃO.
NAMORO APÓS A SEPARAÇÃO CONSENSUAL. DEVER DE FIDELIDADE.
PRECEDENTE.
RECURSO PROVIDO.
I - Não autoriza exoneração da obrigação de prestar alimentos à ex-mulher o
só fato desta namorar terceiro após a separação.
II - A separação judicial põe termo ao dever de fidelidade recíproca. As
relações sexuais eventualmente mantidas com terceiros após a dissolução da
sociedade conjugal, desde que não se comprove desregramento de conduta,
não têm o condão de ensejar a exoneração da obrigação alimentar, dado que
não estão os ex-cônjuges impedidos de estabelecer novas relações e buscar,
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35
em novos parceiros, afinidades e sentimentos capazes de possibilitar-lhes um
futuro convívio afetivo e feliz.
III - Em linha de princípio, a exoneração de prestação alimentar, estipulada
quando da separação consensual, somente se mostra possível em uma das
seguintes situações: a) convolação de novas núpcias ou estabelecimento de
relação concubinária pelo ex-cônjuge pensionado, não se caracterizando como
tal o simples envolvimento afetivo, mesmo abrangendo relações sexuais; b)
adoção de comportamento indigno; c) alteração das condições econômicas dos
ex-cônjuges em relação às existentes ao tempo da dissolução da sociedade
conjugal.
(RESP 111.476/MG, Rel. MIN. SALVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA
TURMA, julgado em 25.03.1999, DJ 10.05.1999 p. 177)
Questão das mais tormentosas, por sua vez, é a discussão da culpa, no juízo
de família, eis que o NCC manteve a regra de que o reconhecimento deste
elemento anímico acarreta, como regra geral, a perda do direito aos alimentos:
Art. 1.702. Na separação judicial litigiosa, sendo um dos cônjuges inocente e
desprovido de recursos, prestar-lhe-á o outro a pensão alimentícia que o juiz
fixar, obedecidos os critérios estabelecidos no art. 1.694.
A grande dificuldade está, pois, em se fixar o conceito de culpa.
Afastando-se, pois, da moderna tendência de objetivação das relações
jurídicas, o que justificaria a substituição do elemento culpa pelo elemento
necessidade, o NCC culminou por consagrar um dispositivo de certa forma
complexo, e de grande impacto social:
Art. 1.704. Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de
alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada
pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial.
36. 36
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Parágrafo único. Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de
alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para
o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor
indispensável à sobrevivência.
Trata-se de uma norma nitidamente assistencial, que melhor seria
compreendida, se a exigência da análise da culpa fosse evitada.
6.6. Alimentos na União Estável
Não houve, no Código Civil, preocupação em disciplinar o direito dos
conviventes em dispositivo explicito, de maneira que lhes são aplicáveis os
dispositivos retro mencionados, referentes ao casamento, mutatis mutandis.
Vale, no entanto, referir a jurisprudência do STJ:
Agravo regimental. Recurso especial não admitido. Alimentos. União estável.
1. Esclareceu o Tribunal que a relação estável entre as partes, durante mais de
20 (vinte) anos e da qual resultaram três filhos, restou fartamente
comprovada, tendo o vínculo afetivo terminado em 1995. Para casos como o
presente, o entendimento da Corte consolidou-se quanto ao cabimento da
pensão alimentícia, mesmo que fosse rompida a convivência antes da Lei nº
8.971/94.
2. A circunstância de ser o recorrente casado não altera esse entendimento,
pois, além de estar separado de fato, as provas dos autos evidenciam, de
forma irrefutável, a existência de união estável, a dependência econômica da
agravada e a conseqüente obrigação de prestar alimentos.
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no Ag 598.588/RJ, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO,
TERCEIRA TURMA, julgado em 21.06.2005, DJ 03.10.2005 p. 242)
6.7. O Problema da Prisão Civil nos Alimentos
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37
Vamos ver o que dispõe a Súmula 309 do STJ:
S. 309 - O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que
compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as
que vencerem no curso do processo.
E veja esta outra importante decisão, também do STJ, impeditiva de aplicação
da Lei de Execução Penal no âmbito da prisão civil:
HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. OBRIGAÇÃO ALIMENTÍCIA. CUMPRIMENTO
DA PENA. ESTABELECIMENTO PRISIONAL. REGIME SEMI-ABERTO. LEI DE
EXECUÇÕES PENAIS. INAPLICABILIDADE. PRISÃO DOMICILIAR. IDADE
AVANÇADA E SAÚDE PRECÁRIA.
- Em regra, não se aplicam as normas da Lei de Execuções Penais à prisão
civil, vez que possuem fundamentos e natureza jurídica diversos.
- Em homenagem às circunstâncias do caso concreto, é possível a concessão
de prisão domiciliar ao devedor de pensão alimentícia.
(HC 35.171/RS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA
TURMA, julgado em 03.08.2004, DJ 23.08.2004 p. 227)
Acrescente-se, ainda, que o Supremo Tribunal Federal, não faz muito, firmou a
tese de que a única modalidade de prisão civil possível é a decorrente da
obrigação alimentar inadimplida:
Prisão por dívida
Supremo decide que prisão de depositário infiel é ilegal
por Alessandro Cristo
A prisão civil por dívida foi declarada ilegal pelo Supremo Tribunal Federal.
Em sessão plenária desta quarta-feira (3/12), os ministros concederam um
Habeas Corpus a um depositário infiel, baseados em entendimento unânime
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de que os tratados internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil
— entre eles o Pacto de São José da Costa Rica, que proíbe a prisão por
dívidas — são hierarquicamente superiores às normas infraconstitucionais. A
elevação desses tratados à condição de norma com força constitucional,
porém, não teve a maioria dos votos da Corte, que preferiu reconhecer
somente que os acordos ratificados têm efeito supra-legal.
Embora tenha dado um passo importante em direção ao reconhecimento de
normas internacionais de Direitos Humanos, o Supremo foi cauteloso quanto
à elevação automática desses tratados à categoria de emenda
constitucional, como queriam os ministros Celso de Mello e Ellen Gracie. A
orientação foi do presidente do tribunal, ministro Gilmar Mendes. “Eu
mesmo estimulei a abertura dessa discussão, mas as conseqüências práticas
da equiparação vão nos levar para uma situação de revogação de normas
constitucionais pela assinatura de tratados”, disse.
O caso que levou o assunto à discussão dos ministros foi o de um
empresário preso em Tocantins por não cumprir um acordo firmado em
contrato, de que manteria sob sua guarda 2,7 milhões de sacas de arroz,
tidas como garantia do pagamento de uma dívida. Detido como depositário
infiel, Alberto de Ribamar Ramos Costa pediu Habeas Corpus, alegando que
tratados internacionais assinados pelo Brasil, como o Pacto de San José da
Costa Rica — também conhecido como Convenção Americana de Direitos
Humanos — e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos proíbem a
prisão civil, exceto nos casos de inadimplência voluntária de pensão
alimentícia. O acusado afirmou que a Emenda Constitucional 45, de 2004,
elevou tratados internacionais de Direitos Humanos à hierarquia de norma
constitucional, superior ao Código de Processo Civil, que regulamenta a
prisão de depositário infiel.
A votação havia sido suspensa no início do ano, quando o ministro Menezes
Direito pediu vista do processo. Em seu voto levado hoje ao Pleno, o
ministro reconheceu o tratamento especial a ser dado aos tratados sobre
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Direitos Humanos, mas posicionou-se contrário à equiparação a normas
constitucionais.
Os demais ministros seguiram em parte o entendimento. Por unanimidade,
eles entenderam que, embora a própria Constituição Federal preveja a
prisão do depositário, os tratados sobre Direitos Humanos ratificados pelo
Brasil são superiores a leis ordinárias, o que esvazia as regras previstas no
Código de Processo Civil, do Código Civil e do Decreto-Lei 911/69 quanto à
pena de prisão. Sem regulamentação, as previsões da Constituição quanto à
prisão perdem a efetividade, já que não são de aplicação direta.
Mas, por maioria, a corte seguiu o entendimento do ministro Menezes
Direito, de que a Constituição previu, para a ratificação dos tratados,
procedimento de aprovação no Congresso Nacional igual ao de emenda
constitucional, ou seja, de maioria de dois terços na Câmara dos Deputados
e no Senado Federal, em dois turnos em cada casa.
Assim, por unanimidade, os ministros concederam o Habeas Corpus. Por
maioria, deram à Emenda Constitucional 45/04 a interpretação de que os
tratados internacionais de Direitos Humanos têm força supra-legal, mas
infraconstitucional.
Conseqüentemente, a Súmula 619 do STF foi revogada pela corte, por
sugestão do ministro Menezes Direito. A norma dizia que "a prisão do
depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que se
constitui o encargo, independentemente da propositura de ação de
depósito". Para o ministro Celso de Mello, havia diferença entre o
depositário legal — o que assina um contrato se comprometendo a guardar
o bem — e o depositário judicial — o que aceita a ordem judicial para fazê-
lo. Por isso, o depositário judicial não estaria imune à prisão. Já para o
ministro Cezar Peluso, a ofensa aos direitos humanos com a prisão é a
mesma para qualquer depositário e, por isso, ambos deveriam ter a mesma
prerrogativa. Os demais ministros seguiram o entendimento e revogaram a
súmula.
40. 40
40
HC 87.585
Revista Consultor Jurídico, 3 de dezembro de 2008
Fonte: http://www.conjur.com.br/static/text/72309,1#null , acessado em 22
de dezembro de 2008.
6.8. Alimentos Gravídicos
Recentemente, fora aprovada a Lei nº 11.804/2008 que concebeu os alimentos
em favor do nascituro (alimentos gravídicos).
Sobre o tema, escreveu a querida professora MARIA BERENICE DIAS
(“Alimentos para a Vida):
Enfim está garantido o direito à vida mesmo antes do nascimento.
Outro não é o significado da Lei 11.804 de 5/11/2008 que acaba de ser
sancionada, pois assegura à mulher grávida o direito a alimentos a lhe serem
alcançados por quem afirma ser o pai do seu filho.
Trata-se de um avanço que a jurisprudência já vinha assegurando. A obrigação
alimentar desde a concepção estava mais do que implícita no ordenamento
jurídico, mas nada como a lei para vencer a injustificável resistência de alguns
juízes em deferir direitos não claramente expressos.
Afinal, a Constituição garante o direito à vida (CF 5º). Também impõe à
família, com absoluta prioridade, o dever de assegurar aos filhos o direito à
vida, à saúde, à alimentação (CF 227), encargo a ser exercido igualmente pelo
homem e pela mulher (CF 226, § 5º). Além disso, o Código Civil põe a salvo,
desde a concepção, os direitos do nascituro (CC 2º). Ainda assim a tendência
sempre foi reconhecer a obrigação paterna exclusivamente depois do
nascimento do filho e a partir do momento em que ele vem a juízo pleitear
alimentos.
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41
Agora, com o nome de gravídicos, os alimentos são garantidos desde a
concepção. A explicitação do termo inicial da obrigação acolhe a doutrina que
de há muito reclamava a necessidade de se impor a responsabilidade alimentar
com efeito retroativo a partir do momento em que são assegurados direitos ao
nascituro.
A lei enumera as despesas da gestante que precisam ser atendidas da
concepção ao parto (2º): alimentação especial, assistência médica e
psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamento s e
demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis a critério do
médico. Outras podem ser consideradas pertinentes pelo juiz.
Bastam indícios da paternidade para a concessão dos alimentos que irão
perdurar mesmo após o nascimento, oportunidade em que a verba fixada se
transforma em alimentos a favor do filho. Como o encargo deve atender ao
critério da proporcionalidade, segundo os recursos de ambos os genitores,
nada impede que sejam estabelecidos valores diferenciados vigorando um
montante para o período da gravidez e valores outros a título de alimentos ao
filho a partir do seu nascimento.
De forma salutar foram afastados dispositivos do projeto que traziam todo um
novo e moroso procedimento, o que não se justificava em face da existência
da Lei de Alimentos. Permaneceu somente uma regra processual: a definição
do prazo da contestação em cinco dias (7º). Com isso fica afastado o poder
discricionário do juiz de fixar o prazo para a defesa (L 5.478/68, 5º, § 1º).
A transformação dos alimentos em favor do filho ocorre independentemente do
reconhecimento da paternidade. Caso o genitor não conteste a ação e não
proceda ao registro do filho, a procedência da ação deve ensejar a expedição
do mandado de registro, sendo dispensável a instauração do procedimento de
averiguação da paternidade para o estabelecimento do vínculo parental.
42. 42
42
A lei tem outro mérito. Dá efetividade a um princípio que, em face do novo
formato das famílias, tem gerado mudanças comportamentais e reclama maior
participação de ambos os pais na vida dos filhos. A chamada paternidade
responsável ensejou, por exemplo, a adoção da guarda compartilhada como a
forma preferente de exercício do poder familiar. De outro lado, a maior
conscientiza ção da importância dos papéis parentais para o sadio
desenvolvimento da prole permite visualizar a ocorrência de dano afetivo
quando um dos genitores deixa de cumprir o dever de convívio.
Claro que leis não despertam a consciência do dever, mas geram
responsabilidades, o que é um bom começo para quem nasce. Mesmo sendo
fruto de uma relação desfeita, ainda assim o filho terá a certeza de que foi
amparado por seus pais desde que foi concebido, o que já é uma garantia de
respeito à sua dignidade.
Fonte: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=466 acessado em 05 de
julho de 2009
7. TEXTOS COMPLEMENTARES
7.1. O Impacto do Novo Código Civil no Regime de Bens do Casamento
Pablo Stolze Gagliano
Um importante aspecto do Novo Código Civil, ainda pouco discutido nos meios
acadêmicos, merece a nossa redobrada atenção, por seus reflexos diretos na
vida das pessoas casadas, ou que pretendam contrair matrimônio.
Como se sabe, segundo o sistema do Código de 1916, os nubentes têm, à sua
disposição, quatro regimes de bens, podendo livremente escolhê-los, por meio
do pacto antenupcial, e desde que não haja causa para a imposição do regime
43. 43
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legal de separação obrigatória (art. 258, parágrafo único, CC-16). Esses
regimes, de todos conhecidos, são os de: comunhão universal, comunhão
parcial, dotal, e separação absoluta.
Afastada a aplicabilidade social do regime dotal, que não mais corresponde aos
atuais anseios da sociedade brasileira, temos a subsistência dos outros três,
sendo que, em geral, as partes não cuidam de escolher previamente um
regime, oportunizando a incidência da regra legal supletiva do art. 258 do
Código Beviláqua (com redação determinada pela Lei n. 6515/77), referente ao
regime da comunhão parcial.
A partir do casamento, pois, firma-se a imutabilidade do regime escolhido, nos
termos do art. 230 do CC.
O que se disse até aqui não é novidade.
O Código Civil de 2002, por sua vez, ao disciplinar o direito patrimonial no
casamento, alterou profundamente determinadas regras, historicamente
assentadas em nosso cenário jurídico nacional.
Revogou, por exemplo, as normas do regime dotal (o que já não era sem
tempo!), adotando uma nova modalidade de regime, que passaria a coexistir
com os demais, o denominado regime de participação final nos aqüestos
(arts. 1672 a 1686).
Comentando este novo instituto, SILVIO DE SALVO VENOSA, com absoluta
propriedade, pondera que: “é muito provável que esse regime não se adapte
ao gosto de nossa sociedade. Por si só verifica-se que se trata de estrutura
complexa, disciplinada por nada menos do que 15 artigos, com inúmeras
particularidades. Não se destina, evidentemente, à grande maioria da
população brasileira, de baixa renda e de pouca cultura. Não bastasse isso,
44. 44
44
embora não seja dado ao jurista raciocinar sobre fraudes, esse regime fica
sujeito a vicissitudes e abrirá campo vasto ao cônjuge de má fé.”
(Direito Civil – Direito de Família, 3. ed.. São Paulo: Atlas, 2003, pág. 191).
Neste novo regime, cada cônjuge possui patrimônio próprio (como no regime
da separação), cabendo, todavia, à época da dissolução da sociedade conjugal,
direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na
constância do casamento (art. 1672). Embora se assemelhe com o regime
da comunhão parcial, não há identidade, uma vez que, neste último, entram
também na comunhão os bens adquiridos por apenas um dos cônjuges, e, da
mesma forma, determinados valores, havidos por fato eventual (a exemplo do
dinheiro proveniente de loteria).
No regime de participação final, por sua vez, apenas os bens adquiridos a
título oneroso, por ambos os cônjuges, serão partilhados, quando da
dissolução da sociedade, permanecendo, no patrimônio pessoal de cada um,
todos os outros bens que cada cônjuge, separadamente, possuía ao casar,
ou aqueles por ele adquiridos, a qualquer título, no curso do casamento.
Uma outra modificação legislativa chama ainda a nossa atenção.
Subvertendo o tradicional princípio da imutabilidade do regime de bens, o
Código de 2002, em seu art. 1639, § 2°, admite a alteração do regime, no
curso do casamento, mediante autorização judicial, em pedido
motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões
invocadas, e ressalvados os direitos de terceiros.
Não cabendo aqui a análise pormenorizada deste dispositivo, ressaltamos
apenas que tal pleito deverá ser formulado no bojo de procedimento de
jurisdição graciosa, com a necessária intervenção do Ministério Público, a fim
de que o juiz da Vara de Família avalie a conveniência e a razoabilidade da
45. 45
45
mudança, que se efetivará mediante a concessão de alvará de autorização,
seguindo-se a necessária expedição de mandado de averbação.
Entretanto, feitas tais ponderações, uma indagação se impõe: terão direito à
alteração de regime as pessoas casadas antes do Código de 2002?
Essa indagação reveste-se ainda de maior importância, quando consideramos o
princípio da irretroatividade das leis1, e, sobretudo, o fato de o próprio Código
Novo estabelecer, em seu art. 2.039, que: “o regime de bens nos casamentos
celebrados na vigência do Código Civil anterior, Lei n. 3.071, de 1° Janeiro de
1916, é por ele estabelecido”. (grifos nossos) (Sobre o conflito
intertemporal de normas, cf. o nosso Novo Curso de Direito Civil – Parte Geral,
vol. I, Ed. Saraiva, sexta edição, 2005, cap. III, item 3).
Uma primeira interpretação conduz-nos à conclusão de que os matrimônios
contraídos na vigência do Código de 1916 não admitiriam a incidência da lei
nova, razão por que esses consortes não poderiam pleitear a modificação do
regime.
Não concordamos, todavia, com este entendimento.
Em nossa opinião, o regime de bens consiste em uma instituição patrimonial
de eficácia continuada, gerando efeitos durante todo o tempo de subsistência
da sociedade conjugal, até a sua dissolução. Dessa forma, mesmo casados
antes de 11 de janeiro de 2002 – data da entrada em vigor do Novo Código -,
os cônjuges poderiam pleitear a modificação do regime, eis que os seus efeitos
jurídico-patrimoniais adentrariam a incidência do novo diploma, submetendo-
se às suas normas.
Raciocínio contrário coroaria a injustiça de admitir a modificação do regime de
bens de pessoas que se uniram matrimonialmente um dia após a vigência da
46. 46
46
lei, negando-se o mesmo direito aos casais que hajam se unido um dia
antes.
7.2. Entidadas Familiares Constitucionalizadas: Para Além do Numerus
Clausus
Paulo Lôbo
www.jus.com.br
Entidades familiares constitucionalizadas:
para além do numerus clausus
Texto extraído do Jus Navigandi
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2552
Paulo Luiz Netto Lôbo
doutor em Direito pela USP, advogado, professor dos programas de
Mestrado e Doutorado em Direito da UFPE, UFAL e UnB, membro do
Conselho Nacional de Justiça
SUMÁRIO: 1. Das entidades familiares; 2. Da demarcação jurídico-
constitucional do tema; 3. Das normas constitucionais de inclusão; 4. Do
melhor interesse das pessoas humanas que integram as entidades familiares;
5. Do fundamento comum no princípio jurídico da afetividade; 6. Dos critérios
de interpretação constitucional aplicáveis; 7. Da inadequação da Súmula nº
380-STF; 8. Da violação do princípio da dignidade humana, como conseqüência
da exclusão; 9. Da inclusão de entidades familiares implícitas ou equiparadas,
no STJ; 10. Da união homossexual como entidade familiar; Conclusão
Hominum causa omne ius constitutum sit - Cícero
47. 47
47
1. Das entidades familiares
O pluralismo das entidades familiares, uma das mais importantes
inovações da Constituição brasileira, relativamente ao direito de família,
encontra-se ainda cercada de perplexidades quanto a dois pontos centrais: a)
há hierarquização axiológica entre elas?; b) constituem elas numerus clausus?.
Proponho-me a enfrentar preferencialmente a segunda questão,
gizando-a ao plano da Constituição brasileira, ou seja, extraindo sentido das
normas nela positivadas, utilizando critérios reconhecidos de interpretação
constitucional. Várias áreas do conhecimento, que têm a família ou as relações
familiares como objeto de estudo e investigação, identificam uma linha
tendencial de expansão do que se considera entidade ou unidade familiar. Na
perspectiva da sociologia, da psicologia, da psicanálise, da antropologia, dentre
outros saberes, a família não se resumia à constituída pelo casamento, ainda
antes da Constituição, porque não estavam delimitados pelo modelo legal,
entendido como um entre outros.
No campo da demografia e da estatística, por exemplo, as unidades de
vivência dos brasileiros são objeto de pesquisa anual e regular do IBGE,
intitulada Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD). Os dados
do PNAD têm revelado um perfil das relações familiares distanciado dos
modelos legais, como procurei demonstrar em trabalho pioneiro, logo após o
advento da Constituição de 1988(1)
. São unidades de vivência encontradas na
experiência brasileira atual, entre outras(2)
:
a) par andrógino, sob regime de casamento, com filhos biológicos;
b) par andrógino, sob regime de casamento, com filhos biológicos e
filhos adotivos, ou somente com filhos adotivos, em que sobrelevam os laços
de afetividade;
48. 48
48
c) par andrógino, sem casamento, com filhos biológicos (união
estável);
d) par andrógino, sem casamento, com filhos biológicos e adotivos ou
apenas adotivos (união estável);
e) pai ou mãe e filhos biológicos (comunidade monoparental);
f) pai ou mãe e filhos biológicos e adotivos ou apenas adotivos
(comunidade monoparental);
g) união de parentes e pessoas que convivem em interdependência
afetiva, sem pai ou mãe que a chefie, como no caso de grupo de irmãos, após
falecimento ou abandono dos pais;
h) pessoas sem laços de parentesco que passam a conviver em
caráter permanente, com laços de afetividade e de ajuda mútua, sem
finalidade sexual ou econômica;
i) uniões homossexuais, de caráter afetivo e sexual;
j) uniões concubinárias, quando houver impedimento para casar de
um ou de ambos companheiros, com ou sem filhos;
l) comunidade afetiva formada com "filhos de criação", segundo
generosa e solidária tradição brasileira, sem laços de filiação natural ou adotiva
regular.
Interessa saber se as hipóteses enunciadas nas alíneas "g", "h", "i", "j"
e "l" estão ou não tuteladas pela Constituição brasileira. É o que se pretende
investigar, a seguir, sendo certo que as hipóteses "a" até "f" estão nela
previstas, nos três tipos de entidades familiares que explicitou, a saber, o
casamento, a união estável e a comunidade monoparental.
Em todos os tipos há características comuns, sem as quais não
49. 49
49
configuram entidades familiares, a saber:
a) afetividade, como fundamento e finalidade da entidade, com
desconsideração do móvel econômico;
b) estabilidade, excluindo-se os relacionamentos casuais, episódicos
ou descomprometidos, sem comunhão de vida;
c) ostensibilidade, o que pressupõe uma unidade familiar que se
apresente assim publicamente.
O direito também atribui a certos grupos sociais a qualidade de
entidades familiares para determinados fins legais, a exemplo da Lei n.º 8.009,
de 29.03.90, sobre a impenhorabilidade do bem de família; da Lei n.º 8.425,
de 18.10.91, sobre locação de imóveis urbanos, relativamente à proteção da
família, que inclui todos os residentes que vivam na dependência econômica do
locatário; dos artigos 183 e 191 da Constituição, sobre a usucapião especial,
em benefício do grupo familiar que possua o imóvel urbano e rural como
moradia.
A questão proposta encontra-se estreitamente correlacionada com
aqueloutra enunciada acima, quanto à possível hierarquização axiológica das
entidades familiares, tendo primazia a família constituída pelo casamento.
Parcela ponderável da doutrina assim entendeu, não apenas por razões de
tradição jurídica, mas em virtude das expressões contidas no § 3º do artigo
226 da Constituição quando tratou do reconhecimento da união estável.
2. Da demarcação jurídico-constitucional do tema
A interpretação dominante do art. 226 da Constituição, entre os
civilistas, é no sentido de tutelar apenas os três tipos de entidades familiares,
explicitamente previstos, configurando numerus clausus. Esse entendimento é
50. 50
50
encontrado tanto entre os "antigos" civilistas quanto entre os "novos" civilistas,
ainda que estes deplorem a norma de clausura que teria deixado de fora os
demais tipos reais(3)
, o que tem gerado soluções jurídicas inadequadas ou de
total desconsideração deles.
Os que entendem que a Constituição não admite outros tipos além dos
previstos controvertem acerca da hierarquização entre eles, resultando duas
teses antagônicas:
I – Há primazia do casamento, concebido como o modelo de família, o
que afasta a igualdade entre os tipos, devendo os demais (união estável e
entidade monoparental) receberem tutela jurídica limitada;
II – Há igualdade entre os três tipos, não havendo primazia do
casamento, pois a Constituição assegura liberdade de escolha das relações
existenciais e afetivas que previu, com idêntica dignidade.
O principal argumento da tese I, da desigualdade, reside no enunciado
final do § 3o
do art. 226, relativo à união estável: "devendo a lei facilitar sua
conversão em casamento". A interpretação literal e estrita enxerga regra de
primazia do casamento, pois seria inútil, se de igualdade se cuidasse. Todavia,
o isolamento de expressões contidas em determinada norma constitucional,
para extrair o significado, não é a operação hermenêutica mais indicada.
Impõe-se a harmonização da regra com o conjunto de princípios e regras em
que ela se insere.
Com efeito, a norma do § 3º do artigo 226 da Constituição não contém
determinação de qualquer espécie. Não impõe requisito para que se considere
existente união estável ou que subordine sua validade ou eficácia à conversão
em casamento. Configura muito mais comando ao legislador infraconstitucional
para que remova os obstáculos e dificuldades para os companheiros que
desejem casar-se, se quiserem, a exemplo da dispensa da solenidade de
celebração. Em face dos companheiros, apresenta-se como norma de indução.
51. 51
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Contudo, para os que desejarem permanecer em união estável, a tutela
constitucional é completa, segundo o princípio de igualdade que se conferiu a
todas as entidades familiares. Não pode o legislador infraconstitucional
estabelecer dificuldades ou requisitos onerosos para ser concebida a união
estável, pois facilitar uma situação não significa dificultar outra.
A tese II, da igualdade dos tipos de entidades, consulta melhor o
conjunto das disposições constitucionais. Além do princípio da igualdade das
entidades, como decorrência natural do pluralismo reconhecido pela
Constituição, há de se ter presente o princípio da liberdade de escolha, como
concretização do macroprincípio da dignidade da pessoa humana. Consulta a
dignidade da pessoa humana a liberdade de escolher e constituir a entidade
familiar que melhor corresponda à sua realização existencial. Não pode o
legislador definir qual a melhor e mais adequada.
C. Massimo Bianca, tendo em conta o sistema jurídico italiano, ressalta
o princípio da liberdade, pois a "necessidade da família como interesse
essencial da pessoa se especifica na liberdade e na solidariedade do núcleo
familiar". A liberdade do núcleo familiar deve ser entendia como "liberdade do
sujeito de constituir a família segundo a própria escolha e como liberdade de
nela desenvolver a própria personalidade"(4)
.
A tese II, inobstante seu avanço em relação à tese I, ainda é
insuficiente. A questão que se impõe diz respeito à inclusão ou exclusão dos
demais tipos de entidades familiares. Já perfilhei a tese II. As meditações e as
investigações ulteriores da dimensão e do alcance das normas e princípios
contidas no art. 226 da Constituição, em face dos critérios de interpretação
constitucional – notadamente do princípio da concretização constitucional,
levaram-me ao convencimento da superação do numerus clausus, como
demonstrarei.
A exclusão não está na Constituição, mas na interpretação.
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3. Das normas constitucionais de inclusão
Estabelece a Constituição três preceitos, de cuja interpretação chega-
se à inclusão das entidades familiares não referidas explicitamente. São eles,
chamando-se atenção para os termos em destaque:
a) "Art. 226 A família, base da sociedade, tem especial proteção do
Estado". (caput)
b) "§4o
Entende-se, também, como entidade familiar a
comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes".
c) "§ 8o
O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de
cada um que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no
âmbito de suas relações".
No caput do art. 226 operou-se a mais radical transformação, no
tocante ao âmbito de vigência da tutela constitucional à família. Não há
qualquer referência a determinado tipo de família, como ocorreu com as
constituições brasileiras anteriores. Ao suprimir a locução "constituída pelo
casamento" (art. 175 da Constituição de 1967-69), sem substituí-la por
qualquer outra, pôs sob a tutela constitucional "a família", ou seja, qualquer
família. A cláusula de exclusão desapareceu. O fato de, em seus parágrafos,
referir a tipos determinados, para atribuir-lhes certas conseqüências jurídicas,
não significa que reinstituiu a cláusula de exclusão, como se ali estivesse a
locução "a família, constituída pelo casamento, pela união estável ou pela
comunidade formada por qualquer dos pais e seus filhos". A interpretação de
uma norma ampla não pode suprimir de seus efeitos situações e tipos comuns,
restringindo direitos subjetivos.
O objeto da norma não é a família, como valor autônomo, em
detrimento das pessoas humanas que a integram. Antes foi assim, pois a
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finalidade era reprimir ou inibir as famílias "ilícitas", desse modo consideradas
todas aquelas que não estivessem compreendidas no modelo único
(casamento), em torno do qual o direito de família se organizou. "A
regulamentação legal da família voltava-se, anteriormente, para a máxima
proteção da paz doméstica, considerando-se a família fundada no casamento
como um bem em si mesmo, enaltecida como instituição essencial"(5)
. O caput
do art. 226 é, consequentemente, cláusula geral de inclusão, não sendo
admissível excluir qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade,
estabilidade e ostensibilidade.
A regra do § 4o
do art. 226 integra-se à cláusula geral de inclusão,
sendo esse o sentido do termo "também" nela contido. "Também" tem o
significado de igualmente, da mesma forma, outrossim, de inclusão de fato
sem exclusão de outros. Se dois forem os sentidos possíveis (inclusão ou
exclusão), deve ser prestigiado o que melhor responda à realização da
dignidade da pessoa humana, sem desconsideração das entidades familiares
reais não explicitadas no texto.
Os tipos de entidades familiares explicitados nos parágrafos do art.
226 da Constituição são meramente exemplificativos, sem embargo de serem
os mais comuns, por isso mesmo merecendo referência expressa. As demais
entidades familiares são tipos implícitos incluídos no âmbito de abrangência do
conceito amplo e indeterminado de família indicado no caput. Como todo
conceito indeterminado, depende de concretização dos tipos, na experiência da
vida, conduzindo à tipicidade aberta, dotada de ductilidade e adaptabilidade.
4. Do melhor interesse das pessoas humanas que integram as
entidades familiares
Os diversos preceitos do art. 227 referem-se à família, em geral, sem
tipificá-la, ressaltando o interesse das pessoas que a integram, no mesmo
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sentido empregado pelo § 8o
do art. 226. Para concretizar os interesses de
cada pessoa humana, especialmente dos mais débeis (criança e idoso) é
imputada à família o dever de assegurá-los (arts. 227, caput, e 230). Ao
contrário da longa tradição ocidental e das constituições brasileiras anteriores,
de proteção preferencial à família, como base do próprio Estado e da
organização política, social, religiosa e econômica, a Constituição de 1988
mudou o foco para as pessoas humanas que a integram, razão porque
comparece como sujeito de deveres mais que de direitos.
A proteção da família é proteção mediata, ou seja, no interesse da
realização existencial e afetiva das pessoas. Não é a família per se que é
constitucionalmente protegida, mas o locus indispensável de realização e
desenvolvimento da pessoa humana. Sob o ponto de vista do melhor interesse
da pessoa, não podem ser protegidas algumas entidades familiares e
desprotegidas outras, pois a exclusão refletiria nas pessoas que as integram
por opção ou por circunstâncias da vida, comprometendo a realização do
princípio da dignidade humana.
5. Do fundamento comum no princípio jurídico da afetividade
O princípio da efetividade tem fundamento constitucional; não é
petição de princípio, nem fato exclusivamente sociológico ou psicológico. No
que respeita aos filhos, a evolução dos valores da civilização ocidental levou à
progressiva superação dos fatores de discriminação, entre eles. Projetou-se, no
campo jurídico-constitucional, a afirmação da natureza da família como grupo
social fundado essencialmente nos laços de afetividade, tendo em vista que
consagra a família como unidade de relações de afeto, após o desaparecimento
da família patriarcal, que desempenhava funções procracionais, econômicas,
religiosas e políticas. A Constituição abriga princípios implícitos que decorrem
naturalmente de seu sistema, incluindo-se no controle da constitucionalidade
das leis. Encontram-se na Constituição Federal brasileira algumas referências,
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cuja interpretação sistemática conduz ao princípio da afetividade, constitutivo
dessa aguda evolução social da família, especialmente:
a) todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem (art.
227, § 6º);
b) a adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da
igualdade de direitos (art. 227, §§ 5º e 6º);
c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes,
incluindo-se os adotivos, e a união estável têm a mesma dignidade de família
constitucionalmente protegida (art. 226, §§ 3º e 4º);
d) o casal é livre para extinguir o casamento ou a união estável,
sempre que a afetividade desapareça (art. 226, §§ 3º e 6º).
Se todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem, é
porque a Constituição afastou qualquer interesse ou valor que não seja o da
comunhão de amor ou do interesse afetivo como fundamento da relação entre
pai e filho. A fortiori, se não há qualquer espécie de distinção entre filhos
biológicos e filhos adotivos, é porque a Constituição os concebe como filhos do
amor, do afeto construído no dia a dia, seja os que a natureza deu seja os que
foram livremente escolhidos. Se a Constituição abandonou o casamento como
único tipo de família juridicamente tutelada, é porque abdicou dos valores que
justificavam a norma de exclusão, passando a privilegiar o fundamento comum
a todas a entidades, ou seja, a afetividade, necessário para realização pessoal
de seus integrantes. O advento do divórcio direto (ou a livre dissolução na
união estável) demonstrou que apenas a afetividade, e não a lei, mantém
unidas essas entidades familiares.
A afetividade é construção cultural, que se dá na convivência, sem
interesses materiais, que apenas secundariamente emergem quando ela se
extingue. Revela-se em ambiente de solidariedade e responsabilidade. Como
todo princípio, ostenta fraca densidade semântica, que se determina pela
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mediação concretizadora do intérprete, ante cada situação real. Pode ser assim
traduzido: onde houver uma relação ou comunidade unidas por laços de
afetividade, sendo estes suas causas originária e final, haverá família.
A afetividade é necessariamente presumida nas relações entre pais e
filhos, ainda que na realidade da vida seja malferida, porque esse tipo de
parentesco jamais se extingue.
6. Dos critérios de interpretação constitucional aplicáveis
Além dos argumentos já referidos, que apontam para a configuração
de cláusula de inclusão das entidades familiares implícitas, mediante
interpretação sistemática e teleológica dos preceitos constitucionais, outros
critérios podem reforçar essa linha de entendimento, de acordo com a doutrina
especializada. Antes, cumpre lembrar a advertência de Friedrich Müller(6)
, forte
em H. G. Gadamer, sobre o peso da pré-compreensão – que precede e
condiciona a interpretação – constituída pelos conteúdos, modos de
comportamento, preconceitos, possibilidades de expressão e barreiras
lingüísticas e a inserção do intérprete num contexto de tradição, o que,
certamente, tem contribuído para o predomínio do entendimento da
continuidade da cláusula de exclusão das demais entidades familiares.
Carlos Maximiliano(7)
aponta-nos três critérios hermenêuticos
compatíveis à hipótese em exame, da interpretação ampla:
a)Cada disposição estende-se a todos os casos que, por paridade de
motivos, se devem considerar enquadrados no conceito;
b)Quando a norma estatui sobre um assunto como princípio ou
origem, suas disposições aplicam-se a tudo o que do mesmo assunto deriva
lógica e necessariamente;
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c)Interpretam-se amplamente as normas feitas para "abolir ou
remediar males, dificuldades, injustiças, ônus, gravames".
Aplicando esses critérios às normas constitucionais mencionadas sobre
as entidades familiares, tem-se: a) as entidades explícitas e implícitas
enquadram-se no conceito amplo de família, do caput do art. 226, por
paridade de motivos; b) a referência à família tem sentido de princípio ou
origem, devendo aplicar-se a todos os tipos que dela derivam lógica e
necessariamente; c) o conceito de família, sem restrições, do art. 226, aboliu
as discriminações e injustiças que as normas de exclusão continham nas
anteriores Constituições brasileiras.
Gomes Canotilho(8)
refere o "princípio da máxima efetividade" ou
"princípio da interpretação efetiva", que pode ser formulado da seguinte
maneira: a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior
eficácia lhe dê. Ou seja, na dúvida deve preferir-se a interpretação que
reconheça maior eficácia à norma constitucional. Aplicando ao tema: se dois
forem os sentidos que possam ser extraídos dos preceitos do art. 226 da
Constituição brasileira, deve ser preferido o que lhes atribui o alcance de
inclusão de todas as entidades familiares, pois confere maior eficácia aos
princípio de "especial proteção do Estado" (caput) e de realização da dignidade
pessoal "de cada um dos que a integram" (§ 8º).
Konrad Hesse(9)
diz que a interpretação constitucional é concretização.
Precisamente "o que não aparece de forma clara como conteúdo da
Constituição é o que deve ser determinado mediante a incorporação da
‘realidade’ de cuja ordenação se trata". Consequentemente, o intérprete
encontra-se obrigado à inclusão em seu âmbito normativo dos elementos de
concretização que permitam a solução do problema.
A discriminação é apenas admitida quando expressamente prevista na
Constituição. Se ela não discrimina, o intérprete ou o legislador