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OBRAS COMPLETAS
DE
RUI BARBOSA
VOL. XXXIV 1907
TOMO III
TRABALHOS JURÍDICOS
SECRETARIA DA CULTURA
FUNDAÇÃO CASA DE RUI BARBOSA
RIO DE .1ANEIRO
OBRAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA
VOLUME XXXIV TOMO III
FUNDAÇÃO CASA DE RUI BARBOSA
Rua São Clemente, 134 — Rio de Janeiro — Brasil
Presidente
AMÉRICO JACOBINA LACOMBE
Diretor Executivo
AGNELLO UCHÔA BITTENCOURT
Diretor do Centro de Pesquisas
FRANCISCO DE A S S I S BARBOSA
Chefe do Setor Rui a no
NORAH LEVY Equipe de pesquisa:
Plano Geral:
Américo Jacobina Lacombe
Prefácio e nota introdutória:
José Gomes Bezerra Câmara
Preparação dos originais, notas de rodapé, biblio-
grafia e índice onomástico:
Beatrix Ruy Barbosa Guerra Martins
César Magno Moreira dos Santos
Eni Valentim Torres
Flávia Maira Taube Malouk
índice de assuntos:
Beatrix Ruy Barbosa Guerra Martins
Jerusa Gonçalves de Araújo
Silvana Maria da Silva Telles
Revisão tipográfica:
Beatrix Ruy Barbosa Guerra Martins
Eni Valentim Torres
Flávia Maira Taube Malouk
Martha Alkimin Curvello de Araújo
Solange Campello Taraciuk
ISBN 85-7004-007-5 Obra completa
ISBN 85-7004-137-3 v. 34, t. 3.
Barbosa, Rui
Trabalhos jurídicos. Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa, 1991.
XIV, 102p. (Obras Completas de Rui Barbosa, v. 34, t. 3, 1907).
1. Barbosa, Rui — Concessão de serviços públicos — Pareceres. 2. Barbosa,
Rui — Entrevista sobre as relações exteriores da América do Norte com a Amé-
rica do Sul — The Birmingham Ledger. 3. Barbosa, Rui — Discurso sobre a
Conferência Internacional da Paz, 2., Haia, 1907 — Senado. 4. Barbosa, Rui —
Conferência Internacional da Paz, 2., Haia, 1907 — Homenagens. 5. Azeredo,
Antônio — Correspondência — Barbosa, Rui. I. Fundação Casa de Rui Barbo-
sa. II. Título. III. Série.
CDU 35.078.6(079.5)
327(7:8)(079.5)
341.182(492.61)(042)
341.182(492.61)
92 Barbosa (044)
Ficha catalográfica preparada pela Biblioteca da FCRB.
Copia xerox do original no arquivo da FCKH 11er p í>6 desrr iomo.1
OBRAS COMPLETAS
DE
RUI BARBOSA
VOL. XXXIV 1907
TOMO III
TRABALHOS JURÍDICOS
SECRETARIA DA CULTURA
FUNDAÇÃO CASA DE RUI BARBOSA
RIO DE JANEIRO !«>91
Foram tirados mil e quinhentos exemplares em
papel verge, do presente volume das Obras Comple-
tas de Rui Barbosa, mandadas publicar, sob os
auspícios do Governo Federal, pelo Ministro Gusta-
vo Capanema dentro do plano aprovado pelo
Decreto-Lei n.° 3.668, de 30 de setembro de 1941, bai-
xado pelo Presidente Getúlio Vargas, e de acordo
com o Decreto n? 21.182, de 27 de maio de 1946, pro-
mulgado pelo Presidente Eurico Gaspar Dutra e re-
ferendado pelo Ministro Ernesto de Sousa Campos.
SUMÁRIO
Prefácio [José Gomes B. CâmaraJ XI
Pareceres
Luz e Energia Elétricas. Privilégio da Compagnie d'Eclai-
rage de Bahia 3
Prorrogação do Tempo para Execução da Linha de Trans-
missão do Distrito Federal 53
Interpretação das Leis n?s
1.033 do 19 de Abril de 1907 e
717 de 6 de Novembro de 1905 65
Anexos
Entrevista ao The Birmingham Ledger 69
Discurso no Senado Federal (Sessão em 31-12-1907) 71
Apêndices
Discurso do Senador Barata Ribeiro (Sessão em 31-12-1907) 79
Carta de Antônio Azeredo a Rui 83
Bibliografia 85
índice Onomástico 91
índice de Assuntos 95
PREFÁCIO
DE
JOSÉ GOMES B. CÂMARA
DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL
DE JUSTIÇA DO ESTADO
DO RIO DE JANEIRO
Na esfera eminentemente jurídica, o ano de 1907 constitui na
existência de Rui Barbosa o período menos fecundo em tal setor de
sua gigantesca atividade, quando se considere nesse ramo a fase
compreendida entre 1895, quando reiniciada sua atividade forense, e
seu falecimento.
Foi aquele ano [1907), por assim dizer, absorvido pela Segunda
Conferência da Paz. na capital da Holanda, abrangendo-se as ativi-
dades inerentes a tal reunião, em que teve ele ensejo de elevar-se às
culminâncias notórias em todo o mundo civilizado, no desempenho
de missào de máximo relevo no concerto internacional. De sua atua-
ção naquele congresso melhor o diz o vol. 34, t. 2, das OCRB, jà pu-
blicado.
Difícil, e quase impossível, fora reunir matéria indispensável à
formação de um volume, com formato próprio, qual seja o que ora se
publica, formando o t. 3, do vol. 34, pois apenas três pareceres encer-
ram o seu todo, no âmbito estritamente jurídico, aos quais se adicio-
nam temas de outro gênero. Dois deles, datados de 28 de janeiro e de
23 de abril de 1907. eram até agora manuscritos pertencentes à outro-
ra The Rio de Janeiro Tramway Light & Power Co. Ltd.. mais tarde
Companhia Carris, Luz e Força, sem falar-se noutras denominações,
obtidos graças ao empenho do eminente causídico Dr. Dirceu Alves
Pinto, que gentilmente forneceu cópias em xerox. Ao que se sabe.
não foram anteriormente divulgados em letra de forma.
O primeiro dentre os trabalhos ora reunidos em volume teve
duas edições na época, isto é. em 1907: uma delas, na Bahia, sob o
titulo Lu/, e Energia Electricas. Parecer sobre o privilegio da
"Compagnie d'Eclairage de Bahia". Bahia, Typographia da "Gazeta
do Povo", 1907: a outra edição tem como título Parecer sobre o privi-
legio da Compagnie d'Eclairage de Bahia para a distribuição de
energia electrica na cidade do mesmo nome. Rio de Janeiro. Typ. do
"Jornal do Commorcio" de Rodrigues & C, 1907. Esta última é rara.
XII OBHAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA
mas a primeira é rarissima, de ambas possuindo exemplar o signatá-
rio desta nótula.
Existe certa dúvida quanto ao volume em que teria de incluir-se,
se o de 1906 ou o de 1907. Em verdade, há um recibo de Rui Barbosa,
datado de 12 de setembro de 1906, concernente a seus honorários, e
de 25 de novembro é o editorial da Gazeta do Povo anunciando a
próxima publicação do parecer, transcrito na edição do Jornal do
Commercio do Rio de Janeiro. Todavia, omitindo-se, no final do tex-
to, a data, tomou-se como base o ano em que saíram ambas as edi-
ções, isto é, 1907. como determina o Decreto-Lei n? 3.668, de 30 de se-
tembro de 1941.
Tudo se tem feito no sentido de evitar o quanto possível a dis-
persão de matéria disseminada e fragmentária como é o conjunto dos
escritos do autor, mas nem sempre há como contornar esse proble-
ma, em publicação de obras completas, e, a fortiori, as de Rui Bar-
bosa. Ë tanto mais sensível tal aspecto, quando se sabe que, editado
um volume, nele encerrando-se tudo quanto até então foi encontrado,
surgem, após a sua divulgação, trabalhos fragmentários de origens
diversas, de índole variada, quer em avulsos impressos, memoriais,
periódicos, quer em manuscritos em poder de particulares ou autos
forenses. Casos típicos são aqueles que teriam de incluir-se nos volu-
mes 23, 25, 26, 27, 35, 38. 39, 43, correspondentes aos anos de 1896,
1898, 1899, 1900, 1908, 1911. 1912. 1916. Seu aparecimento em São
Paulo e no Rio de Janeiro é mais freqüente do que em qualquer ou-
tra área geográfica do Brasil.
De mais a mais, não raro acontece que Rui Barbosa incorria em
equívoco ao datar os trabalhos de sua lavra, mormente nos meses de
dezembro e janeiro (e até mesmo novembro), inserindo o ano que se
aproximava ou aquele que findava. Foi o que aconteceu, v. g., com o
artigo que escrevia na madrugada de 15 de novembro de 1889. no mo-
mento em que teve ciência telefônica do levante que implicou na ex-
tinção da Monarquia e advento do novo regimen; em parecer a res-
peito dos quiosques, em tantos mais que seria ocioso enumerar.
Cumpre lembrar um parecer de 1908, que tem como data de sua con-
clusão 17 de dezembro de 1903, engano evidente, pois a sentença pro-
ferida é de 30 de janeiro de 1909, sendo de 28 de junho de 1907 a pro-
positus da lide.
Não é tarefa simples, como a tantos parece, como tantos su-
põem, obter textos impressos ou manuscritos do incomensurável
acervo de Rui Barbosa, salvo para quem não conhece o assunto. Nin-
guém, em verdade, poderia ufanar-se de assegurar que o possui em
TRABALHOS JURÍDICOS XIII
sua totalidade. As duas mais avultadas coleções que se sabe existi-
rem é a da própria Fundação que tem o seu nome, e outra de um par-
ticular que, em quase meio século, tem tentado reunir o quanto lhe
permitem ocasiões raras, sem falar-se no acaso que também ajuda. A
coleção Homero Pires era sem dúvida respeitável, mas, em temas
jurídicos não era muito forte. Talvez a muitos possa parecer essa
forma de predileção egoísmo, quando outro qualificativo mais des-
prezível não se venha a empregar. Mas é de lembrar-se que a preser-
vação de documentos e produções intelectuais condenadas, muitas
vezes, ao desaparecimento, devem merecer carinho e proteção. Con-
servadas e bem cuidadas, traduzem-se num patrimônio inestimável,
refratário até mesmo ao vil papel ou vil metal.
È o caso, por exemplo, da coleção dos códigos de processo — ci-
vil e penal — do período em que vigorou, no Brasil, o regimen da
dualidade na legislação adjetiva, em boa hora abolida em 1934, quase
totalmente desaparecida, sendo a mais completa e talvez única de
que se tem notícia, também propriedade de um particular.
Não falta quem confunda a dedicação em torno desse comporta-
mento como excêntricos passatempos, mas o devotamento à memória
de alguém e à das próprias nações ou instituições, ou episódios mar-
cantes, ainda que mal compreendido, é coisa bem distinta.
Não se encontrou parecer a respeito de telégrafo sem fio, que te-
rm sido emitido em virtude de solicitação de José de Chapeaurouge,
de setembro de 1907, representante de Marconi Wireless', como pre-
posto de Alexandre Cook, segundo se infere de carta de Antônio
Azeredo, de 4 de setembro de 19072
. Há também uma consulta, em
manuscrito, com longa exposição, de 14 de janeiro de 1907, mas sem
a costumeira anotação, comum, o que induz à conclusão de que pare-
cer a seu respeito não houve. A referência a um trabalho sobre le-
vantamento de balanço e exame de livros, em que se faz menção ao
volume 3, da Revista Forense, não tem sentido, pois o volume 3 é de
1905, e, examinados os que se seguiram a 1907, negativo foi o resulta-
do. Um parecer que se referia à legitimidade do mandato de Alfredo
Backer está evidentemente deslocado, em tudo que concerne à esfera
jurídica de 1907.
Outros trabalhos, se existem, o que é bem discutível, pois bem
restrito foi o período disponível que teve Rui Barbosa em 1907 para
cuidar de tais questões, só o acaso permitirá localizar. Acaso, diga-
1 Marconi's Wireless Teleeraph Company. Limited
2 V. carta em Apêndice.
XIV OBRAS COMPLETAS DE RUI BARDOS*
se de passagem, que nào é o suficiente em casos tais. pois, para tan-
to, imprescindíveis se fazem a sensibilidade e a pertinácia, dedicação
e espírito público, de quem os descobre e recolhe, coisas para muitos
mania, teimosia, de qualquer maneira cada dia mais problemática,
muito embora tendência que não deixa de ser útil e de algum modo
proveitosa à vida cultural, ainda que cultura e pesquisa, nos dias
correntes, tenham sido bastante desvirtuadas, quer em seu sentido
adequado, quer em suas mais elevadas finalidades.
São estas as informações cabíveis, no entender do signatário, in-
cumbido de preparar e compilar essa parcela ora divulgada em con-
junto, adstrito, como sempre, ao mandamento a que deve obediência,
por força de instruções, escritas, recebidas do eminente Diretor da
então Casa de Rui Barbosa, Prof. Américo Jacobina Lacombe, há
quarenta anos. se bem recebidas, bem assimiladas e acolhidas, por
dever de disciplina e fidelidade.
Poderia ser mais analítico, mais dilatadas as considerações do
signatário, alongando-se mais este em que diz respeito à matéria. To-
davia, casos como este, como tantos outros, prévia explicação,
acham-se adstritos a certas limitações, pois há normas próprias pre-
viamente fixadas às quais não é possível ficar indiferente aquele que
tem o senso de disciplina e concisão. Não se confunda essa tendência
com outras formas de deficiências, nem se acoime de limitado aquele
que não se afasta de normas a observar. O destinatário de um prefá-
cio é o leitor, o fim que o caracteriza é eminentemente informativo,
orientando-se quem terá. porventura, de examinar o conteúdo.
Em resumo, e por derradeiro, se destinatário é o leitor, como se
disse, o fim a que se visa, reitere-se, é informar e orientar.
E o quantum satis.
Rio de Janeiro, junho, 1986.
José Gomes B. Câmara
PARECERES
Luz e Energia Elétricas. Privilégio da
Compagnie d'Éclairage de Bahia
N O T A D O P R E F A C I A D O R
A matéria seguinte teve como origem um dos mais ruidosos ca-
sos forenses na primeira década deste século, entre os anos de 1906 e
1912. Há dúvida quanto ao momento em que foi produzida, como se
teve ensejo de dizer noutro lugar, ante os motivos já salientados,
mas seja como for, seu lugar é o volume 34, de 1907.
A consulente, Compagnie d'Eclairage de Bahia, domiciliada em
Bruxelas, Bélgica, foi autorizada a funcionar no Brasil pelo Dec. n?
4.188, de setembro de 1901, promulgado pelo Presidente da Repúbli-
ca, Manuel Ferraz de Campos Sales, mediante cláusulas que o acom-
panham.
Tornou-se a Cie. d'Éclairage cessionária do contrato em que fi-
guravam como partes, de um lado o Estado da Bahia e Município da
capital, e, de outro. Chagas Dória, Brisson & Cia., de 29 de abril de
1901, pelo qual se concedera às outorgadas ou empresas que viessem
a organizar o privilégio exclusivo durante anos para assentar nas
ruas e praças da cidade os encanamentos necessários à distribuição
"de gás e energia elétrica, quer por iluminação, quer por outros
meios. Havia ressalvas, em que concerne à liberdade industrial, para
o fim de nào se impedir a concessão em seu uso próprio e por meio
de aparelhos portáteis, o gás e a eletricidade, ou qualquer outro pro-
cesso de iluminação, desde que não se fizesse necessária a colocação
nas ruas e praças de tubos ou quaisquer outros meios de transmis-
são.
Havia naquela época, mais precisamente, nos primórdios da Re-
pública — não há como negar — generalizada tendência no sentido
de restringirem-se os privilégios exclusivos, não obstante a sua acei-
4 OBRAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA
tação nos Estados Unidos, mal conhecida e menos ainda assimilada
a sua noção em assunto de tanta relevância e de tantas conseqüên-
cias, até mesmo, em face do progresso e mormente do interesse pú-
blico.
O art. 72, da Constituição de 24 de fevereiro de 1891. em seus vá-
rios itens ou parágrafos, náo poderia admitir, como admitiam mui-
tos, a literalidade pretendida, mormente sabendo-se que o sentido li-
teral é mortal inimigo do intérprete, mas, de qualquer maneira, como
acontece inicialmente em cada regimen, havia certo exagero sempre
que se cuidava de privilégio.
O caso que ensejou a manifestação de Rui Barbosa a seguir re-
produzida, tem um aspecto sui generis: abstiveram-se os patronos da
consulente de formular quesitos, limitando-se a remeter ao Cons. Rui
Barbosa todos os documentos referentes ao assunto, ou seja, à pre-
tensão da Cia. Linha Circular e Guinle & Cia. O tema para ele não
envolvia dificuldades, pois desde muito era com ele familiarizado.
Quando se diz cuidar-se de matéria já sobejamente conhecida, é
oportuno lembrar o parecer elaborado quando ajuizada a causa que
se converteu em 1904, no Supremo Tribunal Federal, na Apelação
Cível n? 1.049. em que contendiam Sociedade Anônima do Gás e
Companhia Ferro Carris Jardim Botânico, não se falando noutros
casos também examinados.
O editorial publicado na Gazeta do Povo, muito sugestivo, pode-
ria ser transcrito na sua íntegra, mas nele há muita matéria reprodu-
zida textualmente, do parecer, sendo em grande parte repetição do
que nele se contém.
A espécie, hipótese e não apenas tese — e espécie é de chamar-
se, porque, então, já havia controvérsia ajuizada — pode-se resumir
como a seguir exposto.
Segundo alega a consulente em sua inicial, o que não destoa da
realidade, nem se discutem as versões oferecidas, cessando, como
cessou o contrato entre o Município e o Estado da Bahia, quanto ao
fornecimento de gás, foi aberta concorrência pública, náo só na Re-
pública, como também em Paris e Londres, além de outros centros,
de que veio a resultar o contrato entre Chagas Dória, Brisson &
Cia., de 29 de abril de 1901, figurando como outorgantes o Município
e o Estado. O prazo do privilégio era de 50 anos, a terminar em 1951.
Posteriormente, assumiu a Eclairage a responsabilidade como
outorgada, depois de organizar-se em Bruxelas sob o nome de Com-
pagnie d'Eclairage de Bahia, aprovada a transferência ou cessão das
TRABALHOS JURÍDICOS 5
outorgadas originárias, mediante Lei Municipal n? 565, de 14 de feve-
reiro de 1902. Segundo a versão oferecida a 23 de agosto de 1906, pelo
patrono da Eclairage, Odilon Otaviano dos Santos, Município e Esta-
do, através de uma série de atos. vinham permitindo que terceiros
concorressem com a outorgada em que concerne ao objeto de seu pri-
vilégio exclusivo, o que, em seu entender, constituía flagrante infra-
ção contratual.
Tolerava o Município a extensão dos fios condutores de eletrici-
dade pelas ruas, para iluminação e outros fins, estranhos ao serviço
de tramways, única ressalva estabelecida no contrato de concessão e
de cessão. O Estado também permitia em lei e contratos que terceiros
assentassem condutores de eletricidade na capital para os mesmos
fins previstos no contrato de 1901. Isso — argumentava-se — impli-
cava em turbação, manifesta infração contratual. Invocava-se o art.
72, § 24, da Constituição da República.
Considerava-se a outorgada lesada em seu direito, e, assim, pe-
rante o juízo seccional, ajuizou Éclairage um interdito de manuten-
ção de posse, para que cessasse a turbação, sob pena de responde-
rem as suplicadas por perdas e danos, a que dessem causa,
estimando-se a indenização acima de £ 100.000, como se vê de sua
inicial.
De um e outro lado contendia cada uma das companhias, usan-
do-se o remédio possessório como próprio e adequado.
A Companhia Linha Circular de Carris da Bahia fez distribuir,
na justiça estadual, um interdito proibitório contra a Éclairage, vi-
sando a que não fosse obstada em sua atividade quanto ao direito de
distribuir energia para seu serviço de tramways a algumas casas e
estabelecimentos particulares. O mandado foi deferido, na fase ini-
cial, julgada, a final, procedente a lide contra a Eclairage, tendo-se
como competente a justiça local, quer em primeira, quer em segunda
instância. Interpôs a Éclairage recurso para o Tribunal de Apelação
do Estado.
Ao lado de tudo isso. o Supremo Tribunal Federal teve oportuni-
dade de decidir alguns conflitos, concluindo pela competência da
justiça federal, em conflitos de jurisdição suscitados. Houve tam-
bém agravos, mas sua interposição e resultado não assume relevo
quanto à substância do que ora se expõe.
Teve êxito a Éclairage no interdito em que era autora, sendo fa-
vorável a sentença do Juiz Seccional Martins Fontes, mas esse as-
pecto, ou melhor, a decisão deixou de ter qualquer implicação em tu-
do quanto se contendia na justiça local.
6 OBRAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA
Seja como for, mediante acórdão do Tribunal de Apelação do Es-
tado, figurando como recorrente Éclairage, de 12 de novembro de
1909, em sessão plena, com apenas um voto contrário, do Desembar-
gador João Torres, que julgava improcedente a possessória da Linha
Circular e válido o contrato, entendeu a maioria, não obstante algu-
mas discrepâncias a respeito de aspectos secundários, conhecer dos
embargos da Éclairage (remédio processual então adequado), mas
desprezá-los, para confirmar a decisão recorrida, entendendo não po-
der subsistir o contrato, nulo e de nenhum efeito, quer ante a Consti-
tuição estadual, quer em face da Constituição da República. Teve-se,
conseqüentemente, como inválido, o contrato em que figurava como
outorgada a Cie. Éclairage, na parte em que se referia à iluminação
particular e à eletricidade para ela e outros misteres.
Mais uma vez não se conformando com o desfecho na justiça lo-
cal, consistente na decisão de 12 de novembro de 1909, manifestou re-
curso extraordinário a Cie. Éclairage. Muito se discutiu o seu cabi-
mento, por isso que — sustentava-se, ou melhor sustentaram deze-
nas de juristas — esgotada não se achava ainda a esfera recursal, lo-
cal, pois cabia, ainda, recurso de revista, que não chegou a ser inter-
posto. Arrimava-se o entendimento, sobretudo, na legislação proces-
sual então vigente, local e subsídiariamente federal, reguladora da
matéria ventilada.
O apelo extremo foi processado, convertendo-se no Recurso Ex-
traordinário n? 657.
O Supremo Tribunal Federal não somente desprezou a prelimi-
nar de ausência de cabimento, por força da alegada ausência do re-
curso de revista, sustentando-se não se achar esgotada a instância de
origem, mas também lhe deu provimento.
Entendeu a egrégia suprema instância ad quam ter a justiça lo-
cal julgado inaplicáveis à espécie as alíneas a, d e h, isto é
versar a matéria debatida fundamento contido na
Constituição federal;
litígio entre um estado e cidadão de outro, ou entre ci-
dadãos de estados diversos, diversificando as leis destes;
questões de Direito Civil Internacional.
Por outro lado, entendeu o Tribunal já haver a suprema instân-
cia, anteriormente, em nada menos de três casos, reconhecido a com-
petência da justiça federal, para decidir as questões concernentes ao
privilégio da recorrente, isto é, da Éclairage.
TRABALHOS JURÍDICOS 7
Houve embargos da parte vencida, mas êxito náo teria a embar-
gante, Cia. Circular, suplicada num dos interditos e suplicante em
outro, naquele em que venceu o pleito na justiça local.
Foi justamente na fase inicial, em que se debatia a matéria ver-
sada na proteção interditai e na esfera administrativa, que emitiu
Rui Barbosa o parecer ora divulgado em segunda impressão, decorri-
dos oitenta anos de sua produção.
Para que se tenha uma idéia do que fora a repercussão de tais
contendas, bastaria acentuar que bem mais de 800 páginas impressas
atestam a discussão, mas, de qualquer maneira, prevaleceu a tese de
Rui Barbosa, não somente em que concerne ao caso vertente, como
em tantos outros análogos.
Parecer'
Estudados com atenção os documentos legislativos e administra-
tivos, que se me presentam, quanto ao privilégio que desfruta, na ca-
pital da Bahia, a empresa de iluminação pública, ali estabelecida, os
factos de relevo jurídico na apreciação do caso vêm a ser estes.
A Compagnie d'Éclairage possui e explora, naquela cidade, a
concessão feita, em 1901, a Chagas Dória, Brisson & Cia. pela Inten-
dência municipal.
Dispunha a Lei municipal n? 402, de 19 de fevereiro de 1900, no
art. I?, ficar autorizada a Intendência a contratar com aquela firma
o serviço da iluminação da capital, nos termos do edital de concorrência,
estipuladas todas as cláusulas nele publicadas, conforme a proposta
preferida.
Ao que acrescentava o art. 2?:
No contractu serão também estipuladas as condições que a Intendên-
cia julgar convenientes para o estabelecimento da iluminação elétrica e
para o aproveitamento de qualquer outro meio que a ciência ainda possa
descobrir.
Segundo o primeiro destes textos, pois, o contracto com a firma
designada havia de abranger "todas as cláusulas publicadas no edi-
tal da concorrência".
1 Texto-base: BARBOSA, Ruy. Luz 0 Energia Electricas. Parecer sobre o privilegio da "Compugnie
d'Eclairage de Hahia" Bahia. Typographia da "Gaseta do Povo". 1907. Confronto de textos rea-
lizado com (BAKHOSA. Rui | Parecer sohre o Privilegio da Compagnie d'Eclairage de Bahia pa-
ra a Distribuição de Energia Electrics na Cidade do mesmo Nome. Rio de Janeiro. Typ. do
"Jornal do Comme-rcio" de Rodrigues & C . 1907. tendo sido anotadas em pé de pagina as diver-
gências mais importantes. (As notas entre parênteses sao do autor e as sem parênteses sâo dos
preparadores do texto.)
10 OBRAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA
Segundo o imediato, havia de aditar a essas cláusulas as demais,
que o governo municipal houvesse por úteis, não só para estabelecer
a iluminação elétrica, mas ainda para aproveitar em benefício da mu-
nicipalidade, qualquer outro descobrimento científico ulterior.
Que é, porém, o que nas suas cláusulas estipulara o edital?
O edital decorrera da Lei n? 360, na qual, a 6 de junho de 1899, o
conselho municipal decretara:
Art. If Fica a Intendència autorizada a abrir logo após a publicação
da presente lei, concorrência pública pars o serviço da iluminação da ci-
dade.
Art. 2? As propostas para execução deste serviço deverão declarar:
lf O preço e condições de compra do material da Bahia Gaz Com-
pany Limited suas concessões e privilégios.
A base da oferta, portanto, dirigida pela municipalidade ao pú-
blico, mediante a concorrência que se mandara abrir, era a aquisição
de um privilégio: o privilégio da antiga companhia inglesa, que a ad-
ministração local se propunha a renovar em outras mãos.
Em observância da lei transcrita a Intendência municipal fez pú-
blico o edital de 5 de outubro de 1899, cuja cláusula lf rezava:
Ë concedido ao contratante privilégio exclusivo, para assentar nas
ruas e praças da cidade, as canalizações subterrâneas necessárias à ilumi-
nação, ou pelo emprego do gás e da eletricidade, em outros misteres.
Nestas últimas palavras há, manifestamente, um desconcerto
gramatical, de origem tipográfica, ao que parece, e de retificação tão
fácil quão inevitável; porquanto, omitida ela, ininteligível se torna o
complemento final da segunda oraçôo. Se insistirmos em 1er "as ca-
nalizações subterrâneas necessárias à iluminação, ou pelo emprego
do gás e da eletricidade, em outros misteres", teremos, já pela orto-
grafia, já pela redação da frase2
, um aleijâo de vocábulos sem nexo,
nem sentido. Para o restabelecermos, tal qual se acha ali palpavel-
mente indicado, cumpre eliminar a desazada' vírgula posposta a "e-
letricidade" e substituir a contração prepositiva "pelo" por aquela
que a contração "à", de que a segunda é caso continuado, lhe está
determinando inequivocamente. Destarte, adquirirá o fraseado ofi-
cial a articulação, que lhe míngua, e, com ela, o senso, de que carece,
lendo-se:
2 Na edição da Tip. do Jornal do Comércio nâo consta "ja pela ortografia
3 Na edicAo da Tip. do Jornal do Comércio está: "desusada".
TRABALHOS JURÍDICOS 11
Ë concedido ao contratante privilégio exclusivo, para assentar nas
ruas e praças da cidade as canalizações subterrâneas necessárias à ilumi-
nação ou ao (em vez de pelo) ou ao emprego do gás e da eletricidade em
outros misteres.
O teor do edital prossegue:
O privilégio concedido na presente cláusula não impede que os esta-
belecimentos públicos ou particulares, ou outras empresas, empreguem
para o uso próprio, e por meio de aparelhos portáteis o gás. a eletricida-
de, ou qualquer processo de iluminação, para o quai não se faça necessá-
ria a colocação nas ruas e praças públicas, de tubos, ou quaisquer outros
meios de transmissão.
Obedecendo, pois, à Lei n? 360, de 6 de junho de 1899, ao Edital
de 5 de outubro do mesmo ano e à Lei n? 402, de 19 de fevereiro de
1900, o contracto celebrado pela Intendência da Bahia com Chagas
Dória, Brisson & Cia., em 11 de fevereiro de 1901, estipulou, na sua
cláusula primeira:
A Intendência municipal da capital do Estado da Bahia devidamente
autorizada pela Lei n? 402, de 19 de fevereiro de 1900, concede aos Srs.
Chagas Dória, Brisson & Cia. ou á empresa que aos mesmos substituir, o
privilégio exclusivo de cinqüenta anos, nos termos da Lei nf 491 de 11 de
abril de 1901'", para assentar nas ruas e praças da cidade os encanamen-
tos e condutores necessários para a distribuição do gás e da eletricidade,
quer para a iluminação, quer para outros misteres.
O privilégio concedido na presente cláusula não impede que, os esta-
belecimentos públicos ou particulares, ou outras empresas empreguem,
para o seu próprio uso, e por meio de aparelhos portáteis o gás e a eletri-
cidade, ou outro qualquer processo de iluminação para o qual não se faça
necessária a colocação nas ruas e praças públicas de tubos, ou quaisquer
outros meios de transmissão.
Fica exceptuado do privilégio concedido por esta cláusula o emprego
da força motriz, por meio de eletricidade, para o serviço de tramways.
Esta exceção esclarece e precisa os termos da regra.
(K A I,ei Municipal n" 491 dessa daia apenas dispôs, no tocante a duração do privilégio, que au-
torizou a se ampliar:
"Pica o Intendente autorizado, no contracto que tiver de lavrar com Chagas Dória, Brisson &
Cia , a fazer o serviço da iluminação pública e particular desta cidade, de acordo com a Lei nf
489, a elevar a cinqüenta anos o prazo de duração para gozo do privilégio do contracto."
12 OBRAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA
Mostra a exceção, com efeito, por um lado, que, onde a cláusula
estipula
os encanamentos e condutores necessários para a distribuição do gás e da
eletricidade, quer para a iluminação, quer para outros misteres,
sob as expressões "para outros misteres" se teve positivamente em
mira abranger no privilégio a transmissão, mediante "encanamentos
e condutores", da eletricidade como "força motriz". Porque, se no pri-
vilégio se não incluísse "a força motriz por meio de eletricidade",
não haveria que exceptuar do privilégio, como ali se exceptua, "a
força motriz por meio de eletricidade", quando utilizada "para o ser-
viço de tramways".
Mas, se se estabelece a exceção circunscrita unicamente ao caso
"da força motriz por meio da eletricidade" quando aproveitada no
serviço de tramways, claro está que no privilégio se compreende a
distribuição da eletricidade, como força motriz, para qualquer outro
serviço, que não o da tração nos veículos* daquela espécie de ferro-
vias.
Sobre esse contracto, lavrado, como já se viu, em 11 de fevereiro
de 1901, ainda tiveram negociações as partes contratantes, não rece-
bendo ele a sua forma definitiva senão em 4 de maio daquele ano,
com os aditamentos que então o notificaram* e completaram.
Nesse meio tempo a ele aderia o governo do Estado, por ofícios
de 20 e 29 de abril do dito ano, ambos incorporados ao contracto, nos
quais declara o governador que o aprovara, e nomeara o Secretário
do Tesouro estadual, Dr. José de Oliveira Leite, para assistir e assi-
nar o contracto por parte do governo.
Do termo do contracto consta, pela assinatura deste funcionário,
que ele o subscreveu, no exercício do mandato recebido, como repre-
sentante do governo do Estado.
Ao mesmo tempo duas vezes se pronunciava sobre o ato da In-
tendência a legislatura municipal, que o autorizara: uma, antes que
se ele concluísse, aceitando-lhe as condições, quais efetivamente se
vieram a estipular; outra, aprovando-o depois de concluído.
Da primeira vez, mediante a Lei n? 489, de 1? de abril de 1901,
cujo art. 1? dispunha:
4 Na ..'du,:âo da Tip. do Jornal do Comércio esta. ""que nâo è o da tração dos veículos".
5 Na edição da Tip. do Jornal do Comércio está: •'modificaram*'.
TRABALHOS JURÍDICOS 13
Fica o Intendente autorizado a lavrar o contracto de acordo com as
bases apresentadas e enviadas ao conselho em Ofício n? 117 de 19 de mar-
ço do corrente ano. com os Srs. Chagas Dória. Brisson & Cia. relativa-
mente ao serviço da iluminação pública e particular desta cidade e tam-
bém acordar com os contratantes no sentido de ser supressa a parte final
da cláusula 18. sobre juros de mora.
Como se está vendo, esta lei municipal, que tem a data no 1? de
abril de 1901, se decretou entre a do primeiro termo do contracto, as-
sinado aos 11 de fevereiro, e a do segundo termo, firmado em 4 de
maio, que o ultimou. A lei do 1? de abril aprovava o acordo exarado
no termo de fevereiro, mandando-lhe alterar, na cláusula 18 uma dis-
posição concernente a juros de mora, o que o termo contratual de 4
de maio fielmente cumpriu.
Como, porém, no segundo termo do contracto, posterior à lei mu-
nicipal do 1? de abril, se adicionassem às cinqüenta e seis cláusulas
do primeiro termo duas cláusulas novas, de novo se submeteu o ato
da Intendência ao conhecimento do conselho municipal; e este entáo,
deliberando, pela segunda vez, sobre o contracto concluído, votou a
Lei n? 499, sancionada e publicada em 15 de maio de 1901, a qual diz:
Fica aprovado o contracto celebrado entre o Dr. Intendente deste
município, o governo do Estado e Chagas Dória, Brisson & Cia., para o
serviço de iluminação pública e particular desta cidade, de acordo com as
bases consignadas no exemplar que. por cópia. foi. pela Intendência, en-
viado a este conselho.
Poderia fazer ponto aqui na rememoraçáo das circunstâncias que
entendem com o objeto da consulta, se as dúvidas em relaçáo a ele
suscitadas náo fossem buscar assento, em boa parte, noutros atos,
posteriores, de ordem, igualmente, administrativa e legislativa.
O primeiro deles é a Lei estadual da Bahia n? 478, de 30 de se-
tembro de 1902, art. 35, § 16, n? 7, que prescreve:
Compete ao conselho municipal estabelecer normas sobre concessão
de zonas privilegiadas, dentro do município, para construção e explora-
ção de estradas de ferro, linhas de tramways, ascensores e quaisquer ou-
tros meios de viaçâo e transporte, favores a invenções e introdução de
melhoramentos de acordo com as leis em vigor, e sem prejuízo dos
concedidos pela União ou pelo Estado.'
O segundo é a Lei estadual de 29 de dezembro de 1905, art. 7?, §
1?, que determina:
6 Leis e Resoluções do Estado da Bahia do Anno de 1902.
14 OBRAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA
Fica o governo autorizado a regular e fomentar o aproveitamento e
utilização das forças hidráulicas do domínio particular, existentes no Es-
tado, para a exploração industrial da energia elétrica, concedendo.
mantido o regimen da liberdade aos particulares ou empresas que se
mostrarem, devidamente, habilitados, para tal fim. os seguintes favores [...]
somente serão concedidos àqueles pretendentes que se submeterem ao re-
gulamento que sobre a matéria for expedido pelo governo.'
O terceiro é o Regulamento nf 389, de 27 de março de 1906, decre-
tado em execução dessa lei, o qual, no art. 28, estatui:
As câmaras municipais não poderão, sob qualquer pretexto:
l? Impedir a passagem das linhas telegráficas e telefônicas ou de
transmissão aérea ou subterrânea nas suas circunscrições. desde que, a
juízo do governo do Estado, não prejudiquem os serviços municipais e se-
jam respeitadas as condições de segurança.
2? Conceder privilégio para exploração e venda de energia elétrica
no seu território.
Valendo-se desses três textos, um de 1902, outro de 1905, o ter-
ceiro de 1906, e invocando a Constituição da República, art. 72, §§ 24
e 25, reproduzidos na Constituição da Bahia, art. 136, §§ 19 e 21, in-
teresses opostos ao da concessão feita em 1901, à Compagnie d'Éclai-
rage, pretendem:
1?) que essa concessão privilegiada é inconstitucional perante a
lei fundamental da República e a do Estado;
2?) que, ainda quando não seja inconstitucional, será nula, por
contrária ao princípio da liberdade, instituída na Lei de 1905 e no
Regulamento de 1906;
3?) que a divergência entre a lei de autorização, por uma parte,
e, por outra, que os termos do edital, quer os do contracto, inquina,
igualmente, de nulidade a concessão nele outorgada;
4?) que, quando, porém, válida seja, não prevalece contra outra
companhia, que antes daquela tinha legalmente o direito ao uso da
eletricidade para a tração dos seus veículos sobre carris urbanos;
5?) que os particulares e empresas, aos quais houverem sido
concedidos os favores da Lei de 1905 e do Regulamento de 1906 para '
a exploração industrial da energia elétrica, hidraulicamente obtida,
podem exercer essa exploração no município da capital, não obstante
o privilégio conferido pela concessão de 1901 à Compagnie d'Éclaira-
ge.
Sobre estas questões versa a consulta.
Passarei a considerá-las. i
7 l*is e Resoluções do Estado da Bahia no Anno de 1905
TRABALHOS JURÍDICOS 15
I
Constitucional idade do Privilégio
Quais sáo os textos constitucionais alegados contra o privilégio
da concessão que hoje desfruta a Compagnie d'Éclairage?
Na Constituição da República, o art. 72, §§ 24 e 25, que estabele-
cem:
E garantido o livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual
e industrial.
Os inventos industriais pertencerão aos seus autores, aos quais ficará
garantido por lei um privilégio temporário, ou será concedido pelo Con-
gresso um prêmio razoável, quando haja conveniência de vulgarizar o
invento."
Na Constituição da Bahia, o art. 136, §§ 19 e 21.
O § 21 do art. 136, na Constituição baiana, traslada literalmente
o § 25 do artigo 72 da Constituição brasileira.
Quanto ao § 19 do art. 136 na primeira, se o cotejamos com o § 24
do art. 72 na segunda, encontraremos variação na linguaguem, mas
identidade no pensamento. É o que se verificará, comparando com a
fórmula da Constituição nacional, acima transcrita, a da Constitui-
ção estadual, que assim se exprime.
A ninguém pode ser proibido o exercício de qualquer profissão, traba-
lho, cultura, indústria ou comércio, que nâo seja prejudicial aos bons cos-
tumes, à segurança e à saúde dos cidadãos."
Não há, portanto, relação absolutamente nenhuma entre o em
que se cogita, de uma parte, no art. 72, § 24, da Constituição da Re-
pública, assim como no art. 136, § 19, da Constituição do Estado, e,
de outra, o sobre que se dispõem no art. 72, § 25, da Constituição fe-
deral, bem como no art. 136, § 21 da Constituição baiana.
No art. 72, § 25 da Constituição brasileira, que o art. 136, § 21,
da Constituição baiana reproduz, se assegura aos inventores a pro-
priedade dos inventos industriais.
No art. 72, § 24, da Constituição nacional, que o art. 136, § 19, da
Constituição estadual adota e desenvolve, se afiança a liberdade ao10
8 Constituição da Republica doa Estados Unidos do Brazil, acompanhada das leia orgânicas pu-
blicadas desde 15 de novembro de 1889.
9 Constituição do Kstado da Bahia, promulgada em 2 de julho de 1891.
10 Na edição da Tip. do Jornal do Comercio está: "do".
16 OBKAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA
exercício de todas as indústrias e profissões compatíveis com a mo-
ral, a saúde pública e a segurança comum.
Como é, pois, que na repulsa de um privilégio, ou monopólio, se
poderiam aliar, sensatamente, essas duas provisões constitucio-
nais, tão substancialmente alheias uma a outra, tão essencialmente
separadas uma da outra pelos seus objetos?
Não há só diversidade, senão até antagonismo, e essencial, entre
as duas, uma das quais é a declaração de uma liberdade", a outra a
garantia de uma propriedade exclusiva. O art. 72, § 24, da Constitui-
ção do Brasil, com o artigo 136, § 19, da Constituição da Bahia
franqueiam a exploração de todas as indústrias ao trabalho de todos.
O art. 72, § 25, do pacto federal, como o art. 136, § 21, da lei orgânica
estadual reservam a exploração dos inventos aos seus inventores. O
que estas duas últimas disposições consagram, pois, é justamente
um privilégio. Desta mesma qualificação formalmente se servem, di-
zendo que aos inventores "ficará garantido por lei um privilégio
temporário 'Va
Destarte, longe de se associarem às duas primeiras", longe de as
desenvolverem, elas as restringem, constituindo uma exceção à regra
naquelas estabelecidas. As primeiras facultam a todas as atividades
o campo de todas as indústrias lícitas. As segundas subtraem a essa
franquia geral o uso dos inventos, privilegiando-os em benefício dos
seus autores.
Logo, se alguma cabida tem no debate o art. 72, § 25, da Consti-
tuição brasileira e o art. 136, § 21 da Constituição baiana, é para de-
monstrar que no próprio texto constitucional, em uma e outra, a li-
berdade industrial, proclamada no art. 72, § 24, da primeira e no art.
136, § 19, da segunda, bem fora de ser ilimitada, sofre limitações
expressas.
Prescrevendo que aos inventores a lei dará "um privilégio tem-
porário" sobre os seus inventos, o art. 72, § 25, da Constituição da
República e o art. 136, § 21, da Constituição da Bahia convertem os
inventos temporariamente em monopólio dos inventores; pois outra
coisa não é o monopólio que o privilégio exclusivo, reconhecido a al-
guém, sobre um ramo ou um objeto da nossa atividade. Como é,
pois, que, na consagração constitucional de um monopólio se vai
buscar a condenação constitucional do monopólio?
11 Na edição da Tip. do Jornal do Comércio esta. "da liberdade". )
12 Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brazil, cil.
13 Na edição da Tip. do Jornal do Comercio esta "longe de se apreciarem as duas primeira*"
TRABALHOS JURÍDICOS 17
Mas, ainda quando esta não fosse, como é, de evidência, e palpa-
velmente, a verdade, não seria14
menor o disparate da aplicação, que
se tenta, argumentando contra o caracter exclusivo do privilégio con-
cedido à Compagnie d'Éclairage, sucessora de Chagas Dória, Bris-
son & Cia., com o disposto no art. 72, § 25, da Constituição do país e
o art. 136, § 21, da Constituição daquele Estado.
Esses dois textos falam, explícita e unicamente, nos "inventos
industriais", determinando que eles "pertencerão aos seus autores".
Ora, que tem a situação daquela companhia, ou a dos seus adversá-
rios, quanto ao privilégio por eles combatido e defendido por ela,
com a garantia dos inventos industriais aos seus autores? Se os con-
tendores daquela empresa inventaram o gás, a luz elétrica, ou a for-
ça motriz da eletricidade, se esses melhoramentos industriais são
inventos seus, muito bem: estão no seu direito, apelando, contra a
Compagnie d'Eclairage, para o estatuído na Constituição da Bahia,
art. 136, § 21, e na Constituição da República, artigo 72, § 25.
A conseqüência, nesse caso, porém, seria, não, como se intenta,
estender aos que invocam esses textos o direito, sustentado por essa
companhia como privilégio seu, de explorar a distribuição da energia
elétrica na capital da Bahia, não converter essa exploração em direi-
to comum, mas deslocá-la de quem a exerce sem o título de inventor,
para a transferir a quem devia exercê-la como autor do invento.
Agora, se acaso o a que miram'5
, cobrindo-se com esses dois tex-
tos constitucionais, os interesses contrários ao monopólio daquela
empresa, é o insinuar que eles estabelecem a única exceção constitu-
cionalmente admissível à liberdade industrial, garantida nos dois
textos anteriores, a proposição, reduzida a estes termos, não será
menos insustentável.
Primeiramente, ali mesmo no próprio art. 72, §§ 26 e 27 da Cons-
tituição nacional, no próprio art. 136 da Constituição estadual, §§ 22
e 23, temos expressamente contempladas outras exceções ao princí-
pio da liberdade industrial, que ambas as constituições limitam, já
garantindo as marcas de fábrica em propriedade dos fabricantes, já
reservando aos escritores e artistas "o direito exclusivo" à reprodu-
ção das suas obras. Por essas disposições os manufatores exercem
sobre as suas marcas, os artistas e escritores sobre suas obras, tanto
quanto os inventores sobre os seus inventos, direitos exclusivos,
mantidos pela Constituição, isto é, monopólios constitucionais.
14 Na edição da Tip. do Jornal do Comércio está: "nâo será".
15 Na edição da Tip. do Jornal do Comércio está: "o que visam".
18 OBKAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA
A liberdade constitucional de indústria, profissão e trabalho
passa, destarte, por três exceções constitucionalmente assinaladas.
Não ficam, porém, aí as exceções constitucionalmente declaradas
a essa liberdade constitucional. A Constituição da Bahia, no próprio
art. 136, § 19, estatuindo que "a ninguém pode ser proibido o
exercício de qualquer profissão, trabalho, cultura, indústria ou
comércio"16
, põe para logo a ressalva: "que não seja prejudicial aos
bons costumes, à segurança e à saúde dos cidadãos".'7
Nos casos da
ofensa aos bons costumes a proibição é, de sua natureza, evidente-
mente absoluta. As indústrias imorais podem e devem ser totalmente
vedadas, sem apelo possível à liberdade industrial. Nas hipóteses,
porém, de risco à saúde pública, ou à segurança geral, o perigo se
atalha, ora mediante a fiscalização exercida pelas autoridades, ora
mediante os monopólios, por elas assumidos, ou confiados por elas a
empresas particulares.
Das exigências da saúde pública e da segurança comum resulta,
portanto, um grupo de monopólios, que a Constituição baiana mani-
festamente previu, declarando não haver, perante elas, direito à li-
berdade industrial. Esses monopólios derivam da necessidade ou da
natureza mesma de tais indústrias. A natureza dessas indústrias e a
necessidade falam aqui em nome da higiene pública e da ordem so-
cial. Temos assim, pois, duas categorias de monopólios, cuja inevita-
bilidade a Constituição baiana abertamente reconheceu.
Ora precisamente na classe das indústrias, ao livre exercício das
quais se opõe "a segurança dos cidadãos", indicada na Constituição
baiana como limite forçoso à liberdade'8
industrial, as autoridades
em matéria de Direito Administrativo e Constitucional inscrevem no-
meadamente a eletricidade.
Baste citar a lição de F. Cammeo, um dos publicistas mais abali-
zados no estudo jurídico e administrativo dos monopólios, a respeito
de cuja especialidade as suas obras bem raros competidores têm na
abundância de ensino e no peso da autoridade.
Ragioni amministraüva e ragioni economiche rendono necessário che
ai gas ed alia luce elettrica si provveda mediante grandi imprest-. Infatti
per sicurezza publica non si può permettere il moltiplicarsi dei gasome-
tri e delle sutsioni elettriche. che costituiscono industrie pericolose.'*
16 Constituição do Estado da Bahia. cit.
17 Id.
18 Na ediçflo da Tip do Jornal do Comércio está "limite à liberdade".
19 CAMMEO. Federico "Uluminazione Pubblica". In: MANCINI. Pasquale Stanislao. dir En-
ciclopédia Giundica Italiana Milano. Societa Editrice Libraria. 1902. vol. 8. pt 1. p 49
TRABALHOS JURÍDICOS 19
A eletricidade, pois, é uma indústria perigosa. Logo. segundo a
cláusula formal da Constituição da Bahia, é uma indústria legitima­
mente monopolizável. uma vez que essa Constituição abertamente re­
cusa ao domínio da liberdade industrial as indústrias perigosas.
Mas, ainda quando tal cláusula se nào contivesse formalmente
na Constituição baiana, subentendido estaria excluir ela das fran­
quias reconhecidas à liberdade do trabalho e da produção os ramos
da aplicação industrial, que, pela força da coisas10
, pelo império das
exigências policiais ou das leis econômicas, constituem monopólios
naturais, monopólios necessários, monopólios inevitáveis.
Monopólios de facto lhes chamam também os economistas,
indústrias de monopólio, ou indústrias indivisíveis. *' Referindo­se a
elas, diz Camillo Supino:
Indústrias há, nas quais nunca se aplicou a concorrência livre, por­
que nelas seria sempre economicamente perniciosa. Esistono delle indus­
trie, nelle quali Ia libera concorrenza non è stata mai applicata. perché in
esse sarebbe sempre economicamente dannosa."
Cammeo, noutra monografia sua, onde aprofunda largamente a
questão dos monopólios municipais, assim se enuncia:
I monopoli di fatio, sorgenti cioè per la difficulté, impossibilita o in­
convenienza delia concorrenza. indipendentemente da una legge che li
consacri, sono di due specie. Gli uni sorgono direitamente da condizione
fisiche e naturali che rendono. si puõ dire in via assoluta. impossibile Ia
concorrenza. come quelli derivanti dalla propriété di minière, che unica­
mente producano una determinate materia; ma ess/ sono rari in pratica, e
d'allro campo escono dal nostro tema. Gli altri monopoli di fatto, come i
canali, la posta, il telégrafo, le ferrovie. i gasometri. gli acquedotti. le
tramvie, gli omnibus, i mercati. i macelli. si fondano invece su leggi eco­
nomiche e amministrative.,J
A mesma espécie de monopólios, inerentes ao caracter natural de
certas indústrias reconhecem os economistas americanos, dentre os
quais nomearei um dos mais eminentes na especialidade. Aludo a Ri­
chard T. Ely. lente de Economia Política na Universidade do Wis­
consin, o qual, convindo nos monopólios dessa natureza, entre eles
enumera os que dizem respeito, assim ao gás. como á eletricidade:
20 Na edição da Tip­ do.Jornal il» Comércio está: •"causas".
21 MMÍSIIMI Some Aspects of Competition. 907 apud SUPINO. Camillo. "La Concorrenza e
sue piu Recent! Manifestozioni". Archivio Gîuridico. SI: 337. 1893.
22 Sui­iso. Camillo. ob. cit.. p. 337­8.
23 l '•,•.!■:!,.. F ederico. "I Monopoli Comunali" Archivio Giuridico. 54: 304. 1895.
20 OBRAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA
Next we lake up those monopolies arising from properties inherent in
the business, and this gives us the chief class of natural monopolies We
have here the highways of all sorts, but specially railways with their ter-
minal facilities, including the grain elevators and stock-yards, canals: the
post-office; the telegraph lines, the telephones, irrigation-works, harbors;
docks; light-housefi; ferries; bridges; local rapid-transit agencies; gas-
works, urban, water-works, electric-light plants, etc.. some of them natio-
nal, some of them local or municipal monopolies."
Já se vê que na grande República norte-americana, cuja Consti-
tuição, inexcedivelmente liberal, nos subministrou à nossa o modelo,
nào sáo menos elementares essas noções da limitação posta pela na-
tureza à liberdade industrial, tâo comezinhas no outro continente,
onde nào há muito que um catedrático de Direito Administrativo se
pronunciara deste modo:
La conducción de Ias águas, ei alumbrado por gas o electricidad. ei
establecimiento de redes de tranvias son empresas que no permiten con
facilidad Ia concurrencia. unas veces por Ia imposibilidad material de Ia
coexistência de empresas dedicadas ai mismo servicio. dada a la precision
de ocupar ei suelo o subsuelo. otras porque ei capital que requieren busca
garantias para ei êxito de su intento industrial y solo ias ve en la conce-
sión exclusiva o en el monopolio de hecho. en el caso de imposibilidad
material de establecimiento de otra empresa concurrente ...
Los servidos que constituen monopólio de hecho pueden ser satisfe-
chos o [por| concesión a empresas, o por municipalizandolos. o por siste-
ma intermédio, municipalizando el establecimiento dei servicio. su im-
plantación. y encargando a un concesionario de su funcionamiento.'*
Quero, porém, cingir-me particularmente à doutrina aceita nos
Estados Unidos; porque a analogia cabal entre o direito político da-
quela democracia e o da nossa impõe ao nosso respeito os arestos
americanos.
Destes, bem como da teoria jurídica neles firmada, quanto à ad-
missibilidade constitucional dos monopólios, já me ocupei de espaço
no meu parecer26
, hoje divulgado pela estampa, sobre o privilégio da
Companhia do Gás nesta capital, cuja constitucionalidade igualmen-
te se negava, pretendendo uma empresa de bondes por tração elétri-
24 Ef.Y, Richard T Monopolies and Trusts. 1902. p. 59
26 GASCON > MAHIN. José Municipalizaciòn de Servido* Públicos. 1904. p. 69-70.
26 Parecer de ir de novembro de 1904. quando ajuizado o pleito que afinal se converteu na Apela
çáo Cível n" 1.049 do Supremo Tribunal Federal, enire partes Sociedade Anônima do Gas e
Companhia F C. Jardim Botânico, Hendo acolhido o entendimento de Rui Barbosa, do Vis-
conde de Ouro Preto e de Lafayette Rodrigues Pereira. (V SUPREMO TRIBUNAL FUIKRAI..
Appelaçáo n" I 049. embora na folha de rosto esteja n° 1.904. p. 45-7 e Obras Completas de
Rui Barbosa, vol. M, t. 2. 1904. p. 237 e segs.)
TRABALHOS JURÍDICOS 21
ca servir-se dos fios, colocados nas ruas para transmissão de força, a
fim de iluminar à luz elétrica estabelecimentos seus, distantes da es-
tação central, onde ela tem os seus aparelhos geradores. A questão é,
na essência, juridicamente a mesma que agora. Nâo reproduzirei,
pois, as citações de autoridades americanas, que naquele papel adu-
zi. A elas me reporto, indicando aqui tão-somente as obras onde se
acham:
— Poore. The Federal and State Constitutions, 1878,
pt. 1, p. 820, e pt. 2, p. 1.825.
— Cooley. A Treatise on the Constitutional Limita-
tions. 5. éd., p. 344-5; 7. éd., p. 401-2.
— Cooley. The General Principles of Constitutional
Law in the United States of America, 3. éd., p. 262.
— Clark Hare. American Constitutional Law, 1889,
vol. 2, p. 781-2.
— John Dillon. Commentaries on the Law of Munici-
pal Corporations, 4. éd., vol. 2, §§ 694-5, p. 825-6.
— Lawson. Rights, Remedies, and Practice, at Law, in
Equity, and under the Codes, 1890, vol. 7. § 3.918, p. 6.176.
— Campbell Black. Handbook of American Constitu-
tional Law, 1895, n? 147, p. 413.
— Cases Argued and Decided in the Supreme Court of
the United States. New Orleans Gas Light Company,
Appt., v. Louisiana Light and Heat Producing and Manu-
facturing Company et al. 115 United States, 650. Lawyers'
Edition, 29:516.
Thayer. Cases on Constitutional Law, 1895, pt. 4, p.
1.773-8.
As considerações com que esses autores aí explanam o assunto,
se poderiam condensar na regra geral de que a liberdade, pelo que
toca à indústria e ao trabalho, obedece ao limite da necessidade, e o
monopólio tem nesta a sua legitimação. Por outra: os princípios
constitucionais que asseguram a liberdade em matéria de indústria e
trabalho, não envolvem condenação do monopólio, quando o impuse-
rem as condições naturais da especialidade, ou as altas exigências do
interesse social. É o que dizia a Suprema Corte dos Estados Unidos,
em 1887, no pleito Chicago v. Taylor, observando que a extinção ra-
dical dos monopólios importaria na destruição de muitas das insti-
tuições mais úteis:
22 OBRAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA
It seems scarcely necessary to say that monopolies are not prohibited
by the Constitution; and that to abolish them would destroy many of our
most useful institutions."
Mais de uma vez, nos tribunais dos Estados Unidos, em presen-
ça de textos constitucionais onde peremptoriamente se assegura aos
indivíduos a igualdade nos direitos, e, destarte, implicitamente se
condenam, em regra, os privilégios exclusivos, a jurisprudência ame-
ricana, do modo mais categórico, tem sustentado certos monopólios
como indubitavelmente conciliáveis com essa fórmula geral de igual-
dade e liberdade.
A Constituição de Indiana, por exemplo, determina que
the General Assembly shall not grant to any citizen or class of citizens
privileges or immunities which upon the same terms shall not equally be-
long to all citizens."
Isto é: o corpo legislativo do Estado não pode conceder a ninguém
"isenções ou privilégios, que se nào estendam nos mesmos termos a
todos os cidadãos".
Pois bem: a Suprema Corte do Estado'2
', comentando justamente
essa disposição constitucional, numa sentença de 19 de junho de
1890, declarou:
Não se infira, entretanto, que todos os monopólios são ilegítimos.
Muitas coisas de caracter legal constituem, pela sua natureza e por força
da necessidade, verdadeiros monopólios. But it must not be understood
that all monopolies are unlawful. Many things which are lawful are, from
their nature and of necessity, monopolies, [...].
Assim, se o conselho municipal outorgasse a uma companhia de ear-
n s urbanos o direito de assentar os seus trilhos em certas ruas, cuja es-
treiteza não admitisse o assentamento de outros, essa companhia teria o
monopólio daquelas ruas. Claro está. portanto, que, se bem os monopó-
lios sejam, por via de regra, ilegais, muitas exceções padece esta regra. A
regra se aplica exclusivamente ás coisas de direito comum, e nunca às
que, de sua natureza, constituem monopólios, /t is plain, therefore, that
while monopolies, as a general rule, are unlawful, there are many excep-
tions to the rule. The rule applies only to such things as are of common
right, and is never to be applied to such things as are in their nature a
monopoly. "
27 TMAVEH. James Bradley, ob. cit . 1894. pi. 3. p 1.094.
28 Lawyers" Reports. Annotated, vol 8. p. 547.
(21 Os Lawyer's Reports. Annotauxl. abrangem todos os feitos de nota. julgados nos tribunais es-
taduais dos Estados Unidos Já se estende a setenta volumes essa coleção monumental, que
inclui sentenças e debates. No estilo de cita-la se usam unicamente as iniciais, precedidas do
número do volume e seguidas do da página, assim 8 L. R. A. 547. E como doravante a citarei
(Nesta ediçáo indicado como a nota nf 28.|
29 Indianapolis Cable Street R. Co.. Appi.. v Citizen's Street R. Co. Lawyers' Reports.
Annotated, vol. 8. p. 547.
TRABALHOS JURÍDICOS 23
Aí se tratava de vias férreas urbanas; mas a decisão, ultrapas-
sando os limites concretos da espécie, firma o conceito geral da legi-
timidade dos monopólios, em os ditando a necessidade.
No litígio de que me vou ocupar agora, o objeto do monopólio
era precisamente a eletricidade. Uma lei do Massachusetts, decreta-
da em 1887 (cap. 382) garantia contra a invasão de outras empresas
ou indústrias particulares o privilégio das companhias organizadas
com o fim de produzir e distribuir eletricidade aplicada à ilumina-
ção. Cinco anos depois, averbada essa determinação legislativa de
inconstitucional, no pleito Attorney General, ex rei. Board of Gas &
Electric Light Commissioners v. Walworth Light & Power Co.
(Mass.) mostrou-se, na defesa, a constitucionalidade da lei com um
numeroso concurso de arestos:
It cannot be objected that the Statute of 1887 is unconstitutional upon
the ground that, in effect, it tends to create a monopoly or monopolies in
the use of the streets for electric-lighting purposes.
That the creation of such a monopoly is within the constitutional po-
wers of the Legislature is well established.
New Orleans Gas Light Co. v. Louisiana L. & H. P. & Mfg. Co. 115
U.S. 650, 29 L. ed. 516.
Such a statute is a valid exercise of the police powers of the state.
Western U. Teleg. Co. v. New York. 38 Fed. Rep. 552; Cushing v.
Boston. 12» Mass. 330. 35 Am. Rep. 383; Budd v. New York. 143 U.S. 517,
36 L. ed. 247. 4 Inters. Com. Rep. 45, and cases cited; People v. Squire. 10
Cent. Rep. 437. 107 N. Y. 593; Sawyer v. Davis, 136 Mass. 239. 49 Am.
Rep. 27.'"
Julgando-se a questão o tribunal sustentou a constitucionalidade
da lei, e reconheceu a legitimidade dos monopólios instituídos em be-
neficio das empresas de eletricidade, cuja indústria se exercer me-
diante a canalização pelas ruas:
The legislature may think that a business like that of transmitting
electricity through the streets of a city has got to be transacted by a regu-
lated monopoly, and that a free competition between as many companies
and persons as may be minded to put up wires in the streets, and to try
their luck, is impracticable. "
Advirta-se nesta derradeira consideração da sentença:
A livre competição entre tantas companhias e pessoas, quantas qui-
sessem estender fios para a condução de eletricidade pelas ruas seria
impraticável."
30 Lawyers' Reporta, Annotated, vol 16. p. 399.
31 Id.. p. 400.
32 hoc. cit.
24 OBRAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA
Esta só reflexão basta, para aniquilar a pretensão dos que
vêem na exploração dessa indústria uma das manifestações da liber-
dade assegurada no art. 72. § 24, da Constituição federal.
Ele garante "o livre exercício de qualquer profissão moral, inte-
lectual e industrial"." Se o fabrico da eletricidade, como luz, ou co-
mo força, é uma das "profissões industriais", cujo livre exercício
aquele texto constitucional garante, a conseqüência vem a ser que a
mesma liberdade, o mesmo direito assiste, igualmente, ilimitadamen-
te, irrecusavelmente, a todos quantos nessa indústria quiserem co-
merciar. Nenhuma autoridade então, nenhuma lei pode restringir es-
sa franqueza, uma vez que ela exprime um direito fundamental, e na
lei fundamental se estriba. Teremos, pois, a concorrência, inteira-
mente livre de peias, entre as empresas e os indivíduos, cujo interes-
se eleger esse gênero de exploração. Cada uma delas, cada um deles,
no gozo dessa faculdade14
superior à ação da legislatura, disporá do
solo das ruas, para o rasgar, enterrando as suas canalizações, dispo-
rá do espaço aéreo entre as edificações, para o sulcar de fios, cruzá-
los, superpô-los, multiplicá-los.
A conseqüência transcende os limites do insensato. Mas a conse-
qüência nasce diretamente da teoria, que abriga sob a declaração da
liberdade industrial o direito a exercer à custa da viação pública o
comércio da eletricidade. Ou este comércio corresponde, realmente, a
um direito individual e nâo se poderá negar a ninguém. Ou há de ser
reduzido às estreitas proporções que as do espaço nas ruas das cida-
des lhe baliza; e então é, necessariamente, um negócio privilegiado,
um monopólio regulado na lei e distribuído, ou concentrado, segundo
as conveniências da policia e da administração, pelos poderes locais.
Os escritores, que desta matéria têm discorrido, todos eles insis-
tem com encarecimento na importância decisiva desta consideração,
mostrando a barreira que a escassez de espaço no solo, no subsolo e
no vão aéreo das ruas opõe à concorrência entre empresas, cuja in-
dústria se pratique mediante encanamentos, fios ou trilhos, assenta-
dos, suspensos, ou soterrados através das cidades. (Cammeo.
Enciclopédia Giuridica Italiana, vol. 8, pt. 1, n" 7, p. 50. — Morelli.
La Municipalizzazione dei Servizi Pubblici, 1901, p. 26-7. — Hirsch.
Législation et Jurisprudence Administratives concernant l'Electrici-
té dans ses Différents Usages, 1898, p. 230. — Rui Barbosa, parecer
citado, p. 45-7")
33 Constituição da Republica dos Kntados Unidos do Braril. cit.
34 Na edição da Tip do Jornal do Comércio »>sta: "Cada uma delas, no ROZO dessa faculdade' .
36 V. nota 26.
TRABALHOS JURÍDICOS 25
A liberdade, a concorrência, desaparecem,'6
aqui, por efeito de
uma impossibilidade material; e desapareceriam17
ante essa impossi-
bilidade, invencivelmente, ainda quando não houvesse outros servi-
ços a reclamar e dividir entre si o espaço aéreo, o solo e o subsolo
das ruas. Mas quantas não são as indústrias necessárias, cujas cana-
lizações, por tubos, galerias, fios e carris, revolvem o solo nas cida-
des, cortam-lhe a superfície das ruas, e se lhe perlongam uns aos ou-
tros, ou se entrecortam no ar, criando a cada passo embaraços, de-
formidades, ou perigos?
Temos as águas fluviais, os esgotos, as transvias, o gás, a luz
elétrica, o telégrafo, o telefone, cujos arames, cujos canos, cujos tri-
lhos, cujas galerias se emaranham numa rede subterrânea e numa
teia aérea, onde já dificilmente se orientam e mantêm independentes
as várias linhas, paralelas ou entrecruzadas. Sobrevém ainda a ele-
tricidade como força motriz. E vão lá declarar, nesse campo, através
dessa meada, a liberdade industrial. Vão permitir, em nome desta
garantia constitucional a concorrência, a rivalidade, a luta entre
quantas empresas se propuserem a distribuir nos centros populosos
eletricidade em luz, ou eletricidade em energia, aumentando ainda, e
indefinidamente, o novelo, quase inextricável, de conduções aéreas e
subterrâneas, onde já tão a custo se evitam os conflitos, os riscos, os
danos à conservação das ruas, à liberdade do trânsito, à saúde da
população, à segurança e à vida dos transeuntes.
Dadas a natureza e as circunstâncias do suprimento de tais co-
modidades nos distritos urbanos, as organizações, que o exploram,
já não são, propriamente falando, indústrias particulares, mas
serviços públicos, em relação aos quais a administração opta entre o
arbítrio de os confiar a capitais privados e o de os entregar às muni-
cipalidades, tendência esta que entre os países mais livres vai ga-
nhando imenso terreno. Sob qualquer das duas formas, porém, ou
exercido por companhias, ou avocado a si pelos governos locais, é o
monopólio o que reina, neste particular, sem que nele se exercesse,
afirma à liberdade das indústrias38
, proclamada nas constituições.
Este caracter de "serviço público" foi altamente declarado, com
respeito às companhias de gás, pela Suprema Corte dos Estados
Unidos na causa New Orleans Gas Co. v. Louisiana Light Co.:
36 Na edição da Tip. do Jornal do Comércio está. "a liberdade da concorrência desaparece.".
37 Na edição da Tip. do Jornal do Comercio esta: "desapareceria".
38 Erro evidente. Na edição da Tip. do Jornal do Comércio está: "nesse particular, sem que ne-
le se enxergue ofensa a liberdade das indústrias", que é o correto.
26 OBKAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA
We have seen that the manufacture of gas. and its distribution for pu-
blic and private use by means of pipes laid, under legislative authority,
in the streets and ways of a city, is not an ordinary business in which
every one may engage, but is a franchise belonging to the government, to
be granted, for the accomplishment of public objects, to whomsoever, and
upon what terms, it pleases. It is a business of a public n a t u r e . "
Ora a doutrina admitida a respeito do gás tem a mesma aplica-
ção à eletricidade:
There is no difference in principle between the two cases.
Electric-light wires are. like gas pipes, a means of furnishing light
from a central source of supply, and wether they are carried in tubes un-
der the street, or strung on poles overhead, it would seem that their legal
relations to the streets and highways must be analogues to those of gas
pipes, and that it is safe to refer to the law governing gas pipes for the
principles applicable to the electric-light wires.44
'
lorsque l'éclairage électrique sera appliqué a un éclairage général,
comme les fils conducteurs devront emprunter le dessous ou le dessus de
la voirie, l'exploitation sera soumise aux mêmes règles que celles de l'é-
clairage par le gaz. mutatis mutandis.4 1
E, como a ratio decidendi consiste nessa necessidade, em que as
empresas de iluminação elétrica, tanto como as de iluminação a gás,
estão, de ocupar, aérea ou subterraneamente. as ruas com os condu-
tores do fluido, que se não pode canalizar de outro modo, óbvio é
que, estando, sem diferença nenhuma, nas mesmas condições a dis-
tribuição da eletricidade como força motriz, a mesma justificação
que se estabelece para o monopólio nos dois primeiros casos o legiti-
ma e impõe no terceiro. Se, como nos ensina Dillon, autoridade clás-
sica no assunto, "a essência da concessão não consiste no direito ex-
clusivo de fabricar gás, ou luz, mas na faculdade exclusiva de os ca-
nalizar pelas ruas",'*' manifesto é que a mesma inexeqüibilidade ma-
terial, oposta à concorrência no tocante à distribuição da luz a gás
39 THAYER, James Bradley. Cases on Constitutional Law. 1895. pt 4, p 1 777.
40 KËASBKY. Edward Quinton The Law of Electric Wires in Streets and Highways. 2. éd.. § 28.
p. 33 e § 107. p. 132.
41 PICA*». Edmond PI alii I'andectes Beiges. 1890. t. 34. n° 55. col. 623.
{31 Since the essence of the franchise is not the exclusive right to manufacture and supply gas
or light, but only the right to lay down pipes in the streets (which in the nature of the case all
persons cannot have) the Supreme Court of the United State* have sustained the validity of
such an exclusne legislative grant when not in conflict with some special provision of the
Constitution of the State" (l)ii.iov. John F Commentaries on the Law of Municipal
Corporations. 4. éd.. vol 2. § 695. p. 826.)
TRABALHOS JURÍDICOS 27
ou elétrica, exclui a concorrência, no que respeita ao fornecimento da
eletricidade como calor ou energia.
Irracional seria considerar adscritas à norma da concorrência,
isto é, da liberdade industrial, matérias, que, pela natureza das coi-
sas, a repelem. A Constituição nào podia querer implantar o regimen
da indústria livre num domínio, onde a livre indústria é material-
mente irrealizável. Ai o monopólio é legitimo, porque é necessário.
Temos, a este respeito, eloqüente lição na causa State of Iowa,
Appt.. v. C F . Santee (111 Iowa. 1), julgada, em abril de 1900. na Su-
prema Corte desse Estado. A sentença principia, acentuando o odio-
so dos monopólios e a sua incompatibilidade, em regra geral, com a
Constituição americana'-
". Mas reconhece que "indubitavelmente
lícito será conceder privilégios exclusivos, quando forem de todo em
todo necessários":
Exclusive privileges and franchises may. no doubt, be granted when
absolutely necessary. "
E o anotador do julgado nos Lawyers' Reports Annotated ponde-
ra que nessa fórmula se nos depara o verdadeiro critério, para discri-
minar a validade ou invalidade, no exame das leis que instituírem
monopólios.
The position here taken seems to suggest the true criterion for deter-
mining the validity or invalidity of statutes creating monopolies in com-
mon rights."
Amplamente explanada se acha a mesma doutrina em uma sen-
tença da Corte de Apelação de New York no caso People of the State
of New York, ex rel. George Tyroler, Appt., v. Warden of the New
York City Prison, Respt. Aí se estabelece que as necessidades da
higiene, da moral, da segurança comum e do bem público restringem,
legitimamente, os direitos reconhecidos aos indivíduos pela Consti-
tuição do Estado, permitindo ao legislador estabelecer privilégios e
isenções, que os contrariem.'*' E esta lição oferece ao comentador en-
HI Special privilèges and monopolies aro Hlways obnoxious, and discriminations against per-
sona or cla$ses still more so. The Constitution of the United Slates forbids legislation by the
aisles, that *hall abridge lhe privileges or immunities of the citizens of the United Staten. or
deny to any person within their jurisdiction the equal protection of the law»." {The lawyers
Reports Annotated, vol 53. p. 766 7 No mesmo seniulo. Dii.ixis. John P., ob. cit . p. 825.)
42 The Lawyers Reports Annotated. vol S3, p. 767.
43 Id .ih.. p 764
151 "It ia the duly of the court» to examine legislation complained of a* in violation of the rights
Secured to the citizens by the Constitution, for the purpose of ascertaining whether the health,
morals, safety, or welfare of lhe public justifies its enactment " {The Lawyers Reports
Annotated, vol. 43, p. 270 )
28 OBRAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA
sejo de reafirmar, numa síntese da jurisprudência corrente, que os
monopólios se justificam, em os prescrevendo a necessidade, ou ca-
bendo na esfera das medidas em cujo círculo gira esse "poder de
polícia", ao império do qual se confia a ordem pública, a segurança
da população e a higiene geral.
If the necessity and reasonable adaptation of the monopoly lo the ac-
complishment of a legitimate police purpose furnish the true criterion, it
would seem that before applying these general constitutional provisions
to a statute creating a monopoly, it is necessary to determine, indepen-
dently of them, whether or not the monopoly is necessary and reasonably
adapted to the accomplishment of a legitimate police purpose.M
Temos, assim, monopólios justificados, primeiramente, pela ra-
zão da impossibilidade material na concorrência. Temos, depois, os
monopólios estribados nas razoes administrativas de polícia: morali-
dade, salubridade, ordem. Temos, em terceiro lugar, os monopólios
de base econômica, ou porque se trate de serviços obrigados a enor-
mes capitais, que a concorrência afugentaria, ou porque seja a hipóte-
se de cometimentos, em relação aos quais maior vantagem derive o
público da sua concentração privilegiada numa só empresa que da
sua dispersão entre muitas.
A este último propósito escreve um professor de Direito america-
no:
The right to a monopoly is the right to exclude all other persons from
participating in some common privilege which the monopolist enjoys. The
power of the sovereign to exercise or to grant this right is limited, by the
principles of modern law. to cases in which the public will derive a grea-
ter benefit from the concentration of the privilege in one person than from
its diffusion among many. l...| Monopolies are bestowed on private corpo-
rations to induce them to embark in public enterprises, which would not
be undertaken where the business of the corporation to be open to compe-
tition, such as water or lighting companies, street or steam railways, fer-
ries or bridges. "
Muitas são, por conseguinte, as categorias de monopólios
reconhecidamente constitucionais sob os regimens cujas constituições
consagram a liberdade ampla de indústria e trabalho.
Justas são estas exceções à regra normal, primeiramente quando
obedecem a uma necessidade econômica, administrativa ou material.
E a esta, pelo menos, se não às duas outras, cede o princípio consti-
+4 Id.ib., p. 765.
46 ROHINSON. William C. Elements of American Jurisprudence, 1900. § 103, p. 108-9.
TRABALHOS JURÍDICOS 29
tucional, quanto aos monopólios urbanos de luz e eletricidade, uma
vez que a viação pública é uma quantidade limitada, e ainda se não
descobriu meio de lhe imprimir a elasticidade, que a coexistência li-
vre das empresas particulares demandaria.
Justas são, ainda, quando não ofendem a direitos individuais; e
não se poderia seriamente dizer que fira direitos individuais o privi-
légio, concedido a uns e negado a outros, pelo Estado ou pelo Mu-
nicípio, de utilizar para fins industriais de interesse geral as ruas de
uma cidade.
There a mere privilege was granted by a city in the use of its streets.
No question of natural right was involved. In the grant of special privile-
ges, no doubt, a monopoly may be created, without violating the constitu-
tional inhibition."
Ainda são justas, quando os direitos, objeto da outorga privile-
giada, não existiriam na ausência dela, e só por efeito dela se estabe-
lecem. Ora, ninguém pretenderá que, antes da concessão da autorida-
de competente, assista a empresa alguma, ou a alguma pessoa, o jus
de abrir o leito das ruas, ocupar-lhes a superfície, guarnecê-las de
postes, trafegá-las de linhas férreas, enleiá-las em cabos, sulcá-las de
correntes elétricas. Tais faculdades, pois, não são de natureza cons-
titucional, mas de criação administrativa. Ninguém a elas tem direi-
to. Antes são, de sua natureza, monopólios que se impõem, e contra
os quais não se pode reclamar.
Where the grant is of a franchise which would not otherwise exist, no
question can be made of the right of the State to make it exclusive, unless
the Constitution of the State forbids it; because, in contemplation of law,
no one is wronged when he is only excluded from that to which he never
had any right."
São justas enfim, quando se trata de "faculdades privativas do
governo" e "serviços de caracter público", averbação em que a Su-
prema Corte dos Estados Unidos capitulou o fabrico e a distribuição
urbana do gás""; sendo, portanto, inegável que sob a mesma defini-
ção jurídica se inscrevem as empresas organizadas para fabricar e
distribuir a eletricidade.
46 State of Iowa. Appl.. v. C. F. Santee. The Lawyers Reports Annotated, vol. 53. p. 767.
47 CootEY, Thomas M A Treatise on the Constitutional Limitations. 7 éd.. p. 401.
(6l New Orleans Gas Co v. Louisiana Light Co. apud TIIAYKK. James Bradley. Cases on Consti-
tutional Law. 1S95. pt 4. p. 1.777.
30 OBRAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA
Náo obstante, há quem se lembre de classificar entre "as
profissões", de que o art. 72, § 24, da Constituição federal deixa à in-
dústria particular a liberdade sem reservas, a exploração do comér-
cio da eletricidade mediante canalização pelas ruas do povoado.
Ainda bem que. entre nós, como nos Estados Unidos, se acha as-
sente a jurisprudência federal sobre os monopólios desta natureza.
Já por acórdão proferido em 18%, na Apelação n? 193, decidira o
Supremo Tribunal Federal que
sendo expressamente limitado pelos privilégios instituídos nos parágrafos
imediatamente seguintes, a bem do interesse privado, a disposição exara-
da no art. 72, § 24 da Constituição, declarator!a e mantenedora da liberda-
de profissional e industrial, contém as restrições postas (.. | pelo Direito
Civil e Comercial e pelas leis de policia, sem as quais não há ordem nem
liberdade; e sofre a exceção de privilégios constituidos a bem da utilidade
publica, como sejam os concernentes aos serviços de iluminação e viação
e as linhas telegráficas e telefônicas, que o Estado estabelece e dirige di-
retamente por meio dos seus funcionários ou indiretamente por meio de
empresas, a que os concede ou transfere sob condição de uma tarifa.4
"
Na enumeração, que aí se vê, dos serviços susceptíveis de mono-
pólio, procedia o Supremo Tribunal Federal, não taxativa, mas
exemplificatîvamente; de modo que o julgado concluiu sancionando
um privilégio de fornecimento de carnes verdes, cuja anulação por
inconstitucionalidade se demandara.
Depois, no pleito recente entre duas empresas aqui estabeleci-
das, a Sociedade Anônima do Gás e a Companhia F. C. Jardim
Botânico49
, a última das quais averbava de inconstitucional o privilé-
gio da outra quanto à eletricidade, pretendendo utilizar a gerada pa-
ra tração dos seus veículos, a fim de ministrar luz pelos seus cabos,
através das ruas, a outras estações, aliás do seu próprio serviço, o
Supremo Tribunal Federal reconheceu em toda a sua plenitude, como
constitucional e inexpugnável, o monopólio da iluminação elétrica na
capital do país.
Foi a este respeito que dei o parecer acima aludido. Adotando a
doutrina ali defendida50
, o Supremo Tribunal Federal:
Considerando que a concessão feita a apelante pelo Dec. n? 3.329. de
? de julho de 1899, para a iluminação desta cidade do Rio de Janeiro, não
18 Apud C|avolcânti|. João Barbalho U Constituição Federal Hrazileira. Cornmentanos. 1902.
p 331.
49 Apelação CíV»l n" 1 049. cilada
50 Na edição da Tip do Jornal do Comerem esta "difundida".
TRABALHOS JURÍDICOS 31
acordou
é um privilégio contrário ao art. 72. § 24 da Constituição federal, onde o
que a Constituição garante, é o livre exercício de qualquer profissão, que
possa ser exercida por todos, em proveito para cada um: nào a exploração
de serviços que somente por uma pessoa ou uma associação podem ser
executados, como o fornecimento de água. os esgotos, canais, telégrafos;
serviços que nào constituem, propriamente, privilégios, e sobre os quais
tem de prover a administração pública, que os executa por si, ou os con-
trata, acauteladas as garantias convenientes, condições de boa execução,
tarifas, reversão, etc.
Considerando que o objeto da concessão nao é um invento industrial,
qual o garantido pela Constituição. § 25 do art. citado, e protegido pela
Lei n? 3.129, de 14 de outubro de 1882:
dar provimento à apelação, para, reformando a sentença apelada, julgar
válida a concessão. *'
Isto posto, que o privilégio da Eclairage com relação à eletricida-
de, enquanto luz e enquanto força, na capital da Bahia, é constitu-
cional, perante a lei fundamental da União e a do Estado, nào sofre,
a meu ver, dúvida nenhuma.
Por uma incongruência curiosa, os que o tacham de inconstitu-
cional quanto à eletricidade como força, o respeitam quanto à eletri-
cidade, como luz. Por quê? Num e noutro caso o objeto do comércio é
a mesma eletricidade; num e noutro o processo de fabrico, os condu-
tores do produto, o sistema da sua distribuição pública e particular
são os mesmos; num e noutro, mesmamente, o uso das ruas públicas
é a base da exploração industrial do serviço; num e noutro, identica-
mente, ele se ressente de iguais dificuldades, envolve os mesmos ris-
cos, e cria, entre as empresas e o público, entre as autoridades e as
empresas, o mesmo gênero de relações, exigindo as mesmas garan-
tias, e impondo os mesmos deveres. A analogia, pois, entre as duas
situações é, jurídica e materialmente, rigorosa. Como se explicaria,
logo, que, num caso, fosse constitucional o monopólio, e. no outro,
inconstitucional, que a Constituição tolerasse o monopólio da eletri-
cidade como fluido iluminante, e vedasse o monopólio da eletricidade
como fluido motor?
II
As Leis de 1902 e 1905
As Leis estaduais nf 478, de 1902, e n? 634. de 1905. regulamenta-
da pelo Decreto n? 389. de 1906, dirimiram a concessão privilegiada,
feita a Chagas Dória, Brisson & Cia. em 1901?
51 Acórdão de 16 de junho de 1906. Apelação cível n° 1.049.
32 OBRAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA
Antes de mais nada, vejamos se à municipalidade assistia com-
petência, para fazer tal concessão.
É a primeira verificação, que se impõe à solução jurídica do que-
sito.
Ora, não se pode hesitar na resposta. A competência municipal a
respeito desse ato era indubitável.
Deriva ela, com a maior clareza, do estatuído na Constituição da
Bahia, art. 109. § 10, onde se declara:
Os conselhos terão autonomia em tudo quanto for do peculiar interes-
se do município, competindo-lhes:
Legislar por meio de posturas sobre estradas, ruas, [...] iluminação
[...]; assim como sobre viaçào urbana e os demais serviços e obras de in-
teresse local. "
Segundo esse mesmo artigo, nas suas palavras iniciais, regulada
seria essa competência por uma lei especial:
"Uma lei orgânica especial marcará as atribuições dos conselhos
municipais, de acordo com as seguintes disposições"."
Seguem-se ali, com efeito, as disposições articuladas na Consti-
tuição como bases à prometida lei orgânica, uma das quais, acaba-
mos de vê-lo, depois de enumerar certas especialidades, a cujo res-
peito se atribui aos conselhos municipais a faculdade irrecusável de
legislar, a estende a todos os "serviços e obras de interesse local". E
já no intróito do art. 109 se reconhecera aos conselhos "autonomia
em tudo quanto for do peculiar interesse do município".
Consagrada com esta solenidade constitucional, essa "auto-
nomia", extensiva a "todos os interesses peculiares do município" e
todos os "serviços e obras de interesse local", a lei orgânica munici-
pal não a poderia cercear, ou sujeitar à hierarquia de outros poderes.
Ora não se poderia negar a sério que entre os interesses peculi-
armente municipais, entre os serviços de particular interesse local,
se inclua e avulte em alta saliência a distribuição pública e domésti-
ca da eletricidade sob as suas transformações industriais de luz, ca-
lor e força.
Árbitros, portanto, do regimen conveniente a tais serviços, árbi-
tros por força da autonomia que a tal respeito a Constituição esta-
52 Constituição do Estado da Bahia, cit.
53 Id.
TRABALHOS JURÍDICOS 33
dual lhes conferia, os conselhos municipais, em considerando essen­
cial ao serviço urbano da eletricidade a forma das concessões privile­
giadas, estavam na órbita constitucional do seu poder, imprimindo­
lhes esse molde.
Nem a Lei estadual n? 478, de 1902, lho tolhe. Bem ao contrário,
este ato legislativo expressamente legitima o regimen do privilégio,
aplicado aos melhoramentos municipais. A consagração deste
princípio está manifesta no art. 35, § 16, n? 7, onde se diz que "com­
pete ao conselho municipal estabelecer normas" sobre
concessão de zonas privilegiadas, dentro do município, para construção e
exploração de estradas de ferro, linhas de tramways, ascensores e quais­
quer outros meios de viaçâo e transporte, favores a invenções e intro­
duçâo de melhoramentos de acordo com as leis em vigor, e sem prejuízo
dos concedidos pela União ou pelo Estado.**♦
Ao que se acrescenta, no § 17:
Estabelecer bases para contractes de serviços ou fornecimento
municipais, que devam ser feitos pelo intendente com indivíduos ou
empresas."
E, ainda, no § 18, n? 21:
Prover sobre:
Tudo quanto possa interessar à saúde, bem­estar e segurança dos
municipes. *•
Aferida, pois, segundo o contraste jurídico da Lei de 1902, a con­
cessão municipal de 1901 não só o contraria", senão que o respeita
estrictamente:
1? porque é sem dúvida alguma que a criação do serviço de for­
necimento de luz e força elétrica à cidade e aos seus habitantes im­
porta na introdução de um melhoramento;
2? porque esse melhoramento constitui um serviço estabelecido
no município, tem como perímetro de ação o do território da munici­
palidade, só aproveita a ela e aos seus munícipes, e é, por conseguin­
te, um serviço municipal;
64 Leia e Resoluções do Estado da Bahia do Anno de 1902.
66 Id.
56 Ibidem.
67 Na edição da Tip do Jnrnnl do Comercio esta: "nâo so náo contraria­
*.
34 OBRAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA
3? porque ele forma, e devia formar, objeto de um contractu ce-
lebrado entre o intendente e uma empresa;
4? porque interessa essencial e exclusivamente ao bem-estar e à
segurança dos municipes;
5? porque facultando ao conselho municipal o arbítrio de tra-
çar, para tais serviços, "zonas privilegiadas" nos limites do mu-
nicípio, nào lhe vedou a lei optar por uma zona só, em vez de mui-
tas, extensiva a todo o território da municipalidade, quando a natu-
reza da especialidade, ou as vantagens de uma organização mais
profícua o aconselhassem;
6" porque, nos termos em que se fez, nào envolve prejuízo a
concessões da Uniào, ou do Estado. Realmente, as únicas, anteriores
a esse contracto, onde se cogitava do uso da eletricidade em serviços
de caracter público, eram as que permitiam às linhas de carris urba-
nos o emprego desse meio de tração. Ora, a faculdade concedida,
neste particular, a essas empresas ficou explicitamente ressalvada
no contracto municipal de 1901 com Chagas Dória. Brisson & Cia.,
cuja cláusula 1." termina declarando:
Fica exceptuado do privilégio concedido por esta cláusula o emprego
da força motriz, por meio de eletricidade, para o serviço de tramways.
Aliás não recorro à Lei de 1902 senão como a um subsídio autori-
zado na interpretação do texto constitucional. Não existisse ela, e es-
te bastaria, entendido à luz das tradições do nosso Direito Adminis-
trativo e da praxe corrente entre as nações livres, para evidenciar
que aquele contracto não ultrapassava as raias da competência mu-
nicipal; visto como nunca se duvidou que seja da esfera de ação pe-
culiar aos administradores locais organizar os serviços congêneres
ao de que se trata, como o d'agua. o da viação férrea urbana, o da
iluminação pública e particular, concentrando-os nas mãos de empre-
sas privilegiadas.
Não se pode negar, portanto, que a concessão de 1901, hoje per-
tencente à Compagnie d'Eclairage, fê-la quem legitimamente a podia
fazer, e nos limites do que legalmente podia.
Já se apurou que no Ato Legislativo n? 478, de 1902, ela não en-
contra contradição, mas, ao contrário, apoio visível e amplo.
Mas a Lei de 1905? Está ela em antagonismo com a concessão de
1901? E. caso esteja, tem ação jurídica, para a rescindir, ou modifi-
car?
A Lei n? 634, de 29 de dezembro de 1905, promulgada na Bahia,
autorizou o governo desse Estado
I
TRABALHOS JURÍDICOS 35
a regular e fomentar o aproveitamento e utilização das forças hidráulicas
do domínio particular, existentes no Estado, para a exploração industrial
da energia elétrica, concedendo, mantido o regimen da liberdade aos par-
ticulares ou empresas que se mostrarem, devidamente, habilitados, para
tal fim/"
vários favores, ali particularizados.
Nào vale a pena de questionar se esta lei, geral como é a todo o
Estado, teve em mira nulificar a especialidade da situação legal
especialmente assegurada aos concessionários do contracto de 1901
quanto ao município da capital da Bahia, contra a regra imperiosa
em matéria de interpretação legislativa, que lex generalis non dero-
gat speciali.'"'
Parece evidente, aliás, que sendo o futuro o horizonte da lei, lex
prospicit, non retrospicitb0
, esta, ao declarar que, nas concessões
destinadas à exploração industrial da energia elétrica, hidraulica-
mente gerada, se manteria o regimen da liberdade, olhava unicamen-
te às concessões vindoiras, guardado o respeito que sempre se deveu
à santidade dos contractus.
Admitamos, porém, que outro fosse o intuito do legislador baia-
no, ao adotar a Lei de 1905; figuremos que ele quisesse fazer tábua
rasa das concessões, dos contractos preexistentes, quando contrários
ao princípio da liberdade absoluta em matéria de exploração indus-
trial da eletricidade aplicada à obtenção da força.
Teria essa vontade legislativa algum valor?
Não: juridicamente, constitucionalmente, não tem valor nenhum.
Confrontem-se as datas.
O contracto é de 1901.
Ë de 1905 a lei.
Pode uma lei posterior dissolver as obrigações contraídas numa
convenção anterior?
Não.
As concessões são contractos. Contractos de Direito Público, se
quiserem'", mas contractos.
58 Leis e Resoluções do Estado do Bahia no Anno de 1905.
09 "limn lei jjeral nau tlvrroga a lei especial."
60 "A lei prove para o futuro, nao retroage."
(71 üiiii-UiUARD. Jean Notion Juridique des Autorisations, des Concessions Administratives
des Actes d'Exécution. 1903. p. 282-312.
36 OBRAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA
A de que se trata, em especial, revestiu, declaradamente, essa
forma jurídica, dizendo-se, no intróito e no fecho da escritura, que as
partes "assinam o presente contracte)", "obrigando-se mutuamente a
cumpri-lo. e fazê-lo cumprir".
Ora, a lei que revoga contractos anteriores, é uma lei retroativa.
Toda a doutrina da retroatividade das leis quanto as obrigações as-
senla no principio de que da validade, do conteúdo e dos efeitos das obri
gaçóes e dos contractos se deve decidir segundo a lei vigente no dia em
que os concluímos.*'
Este princípio fundamental "é reconhecido universalmente"."'
Mas entre nós, de mais a mais, tem ele uma altura suprema, con-
sagrado, como foi, pela Constituição do país, cujo art. 11, n? 3, de-
clara "vedado aos Estados, como à União: [...] prescrever leis
retroativas".1
"
No Direito americano, sob cujo regimen nos pôs a Constituição
de 24 de fevereiro, condensando e generalizando nessa fórmula am-
pla e absoluta o disposto fraccionária e, talvez, menos completamen-
te na Constituição dos Estados Unidos"", nunca se contestou que as
concessões, locais ou estaduais, de privilégios ou monopólios sobre
serviços de interesse público, organizados em empresas particulares,
sejam inaccessíveis, na estabilidade jurídica das suas obrigações, ao
império das leis posteriores.
Digam por mim as autoridades.
Dillon:
A concessão de um privilégio por ato legislativo''" pode constituir um
contracto irrevogável, cujos vínculos de obrigação as leis posteriores náo
logrem destruir, ou alterar.'""
61 G IÍP. C. F. Teoria delia Itetroatlivita délie U'ggi. ;J
ed , vol. 4. p. 7.
62 Loc. cit.
63 Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brazil, cit.
(8) Na Constituição dos Estados Unidos o proibição das leis retroativas se exprime num enuncia-
do analítico e fragmentário, onde so algumas dessas espécies de leis se designam "A/o State
shall l-.-l pass any I .I ex post facto law. or law impairing the obligation of contracts."
IBAKEH, A. J. Annotated Constitution of the United Sûtes. 1891. art 1°. secç 10, p l.XXV.)
(9) Na espécie vertente a concessão se fez por obra de uma lei municipal. Pouco importa a ori-
gem, federal, estadual, ou municipal, do ato legislativo Em sendo compétente, valido é 0 con-
tracto: e. sendo valido, nao o poderia abalar a lei subseqüente, sem incorrer em retroativida-
de.
(10) "The grant of a franchise by the legislature may constitute an irrevocable contract, the obliga-
tion of which cannot !*• destroyed or impaired by subsequent legislation " (I)n u>. John F.
Commentaries on the Law of Municipal Corporations, cit., p. 827, n. 3.)
TRABALHOS JURÍDICOS 37
Cooley:
Segundo os arestos da Suprema Corte federal, a concessão de privilé-
gios exclusivos pelo Estado, quando legalmente feita, é um contractu, não
sujeito a revogação.'1
"
Campbell Black:
[...| semelhantes concessões constituem contractos, os quais nenhuma le-
gislatura mais pode resistir, ou modificar.""
Cabe na competência da legislatura investir uma companhia no privi-
légio exclusivo de suprir a uma cidade e aos seus habitantes gás de ilumi-
nação, mediante canalização pelas ruas. e que uma concessão tal não se
pode rescindir, ou baldar, por ato posterior d a legislatura.""
Brannon:
Contra essas outorgas e contractos exclusivos, concedidos, com longo
prazo, pelas municipalidades, investindo a pessoas ou companhias em
privilégios absolutos de fornecer gás. luz, água e outras coisas de seme-
lhante gênero, bem como contra as isenções de impostos, se têm levanta-
do grandes protestos, e várias decisões estaduais {state decisions) lhes
têm negado validade. Mas a persistência da Suprema Corte federal em
sustentar esses atos e soberana e decisiva, estabelecendo que tais conces-
sões» envolvem direitos patrimoniais, escudados pela 14? emenda à Consti-
tuição federal e pela clausula desta que veda aos Estados adoptar leis.
que nulifiquem obrigações resultantes de contractos."4
'
(HI "Under the rulings of the federal Supreme Court, (he grant of any exclusive privilege by a Sta-
le, if lawfully made, is a contract, and not subject to be recalled." (COOI.KY. Thomas M. A Trea-
tise on the Constitutional Limitations. 7. éd.. p. 401.)
(121 '*|...| it may now be regarded as settled law (como direito assente) thai it is within the power of
the legislature, when not forbidden by the organic law of the State, to grant to a corporation
exclusive rights and privileges in the pursuit of its business, and that such grant constitutes a
contract which no subsequent legislature can revoke or impair. " (BLACK. Henry Campbell. An
Essay on the Constitutional Prohibitions. 1887. § 60. p 61.)
(13) "So also it is competent for the legislature to invest a corporation with the exclusive privilege
of supplying a city and its inhabitants with illuminating gas, by means of pipes and conduits
laid in the streets or other public ways of the city-, and such a grant cannot be repealed or ren-
dered nugatory by a subsequent legislature." tfd.. /b.. p. 63-4.1
Hào de notar que nestes excertos americanos se fala sempre em Estado e legislatura. E que.
no Direito americano, as ruas das cidades pertencem ao Estado, e deste, mediante as cartas
de incorporação e os atos legislativos municipais, emana a autoridade do município sobre a
viaç&o urbana eodos os outros interesses da localidade. (Cf. DII.U>N. John K . ob cit.. <j 6K.'i.
p. 811 KKASBKY. Edward Quinton. The Law of Electric Wires in Streets and Highways, cit.. §
30. p 34 e § 34. p 38.) Isto. porém, bem se vé. em nada altera a teoria jurídica sobre a nature-
za contratual das concessões e a sua irrevogabüidade por ação retroativa das leis-
114) "| | but the holding of the United States Supreme Court sustaining them is paramount and
controlling, as these grants involve rights of property under the Fourteenth Amendment and
rights under the clause of the federal Constitution restraining states from impairing the obli-
gation of contracts " (BRANNON. Henry. A Treatise on the Rights and Privileges Guaranteed by
the Fourteenth Amendment to the Constitution of the United States. 1901. p. 370.1
i
38 OBRAS COMPLETAS OE RUI BARBOSA
W. C. Robinson:
Os monopólios (...) quando conferidos nos atos de incorporação das
companhias, formam parte do seu contractu com o Estado, contracte que
se nào pode alterar por leis posteriores, salvo se nele declaradamente se
reservou tal faculdade."*'
Lawyers' Reports, Annotated:
O ato concedendo a Citizens' Company faculdade, para ocupar as
ruas de Indianapolis, uma vez aceito e utilizado, é um contracto, que a le-
gislação ulterior nfio poderá ofender.'""
Não menos de onze julgados apoiam, ali, esta proposição. Escu-
sado será indicá-los num escrito já tão dilatado. Baste recordar a lin-
guagem da Suprema Corte federal no caso Delaware Road Tax (18
Wall. 206), reiterada no julgamento do pleito New Orleans Gas Co. v.
Louisiana Light Co. (115 U. S. 650), onde se qualificaram as conces-
sões privilegiadas para a iluminação a gás como contractus com o
Estado, sujeitos à disposição constitucional que veda retroatividade
aos atos legislativos:
a contract between the State and its corporators, and within the provision
of the Constitution prohibiting legislation impairing the obligation of
contracts.M
A inviolabilidade atribuída a esses contractos, como aos demais
atos jurídicos de natureza contratual, tão longe vai, que, uma vez
feitos, nem as próprias constituições dos Estados os podem invalidar,
ou prejudicar. Introduzida na Constituição de Louisiana, em 1879,
uma cláusula que extinguia os monopólios, com ela se argumentou,
no litígio a que, há pouco, aludi, contra o monopólio da Louisiana
Light Co., pretendendo-se que ele expirara ante aquela disposição
constitucional. Mas a Suprema Corte dos Estados Unidos rejeitou o
argumento e a pretensão, num trecho memorável, onde se estabelece
(15) "Monopolies art' bestowed on private corporations to induce them to embark in public enter-
prises which would not tie undertaken where the business of Lhe corporation to be open to com
petition, such as water or lighting companies, street or steam railways, i&rries or bridges, and
when conferred in their charter are a part of iheir contract with the State, which cannot be im
paired by subsequent legislation unless the power to do so was definitely reserved " (ROIIIKSON.
William C. Elements of American Jurisprudence, cit.. {> 103. p 109 )
(16) "The ordinance granting the Citizens Company a license to occupy the streets of Indianapolis,
when accepted and acted upon, is a contract, which cannot be impaired by subsequent legisla-
tion." (Indianapolis Cable Street R Co . .4pp£ . v. Citizens Street K Co Lawyers' Reports.
Annotated, vol. 8. p 541 I
64 V THAYER, James Uradley. Case* on Constitutional Law. 1895. pi 4. p 1.774.
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Obra Completa de Rui Barbosa Traz Pareceres e Discursos de 1907

  • 1. OBRAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA VOL. XXXIV 1907 TOMO III TRABALHOS JURÍDICOS SECRETARIA DA CULTURA FUNDAÇÃO CASA DE RUI BARBOSA RIO DE .1ANEIRO
  • 2. OBRAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA VOLUME XXXIV TOMO III
  • 3. FUNDAÇÃO CASA DE RUI BARBOSA Rua São Clemente, 134 — Rio de Janeiro — Brasil Presidente AMÉRICO JACOBINA LACOMBE Diretor Executivo AGNELLO UCHÔA BITTENCOURT Diretor do Centro de Pesquisas FRANCISCO DE A S S I S BARBOSA Chefe do Setor Rui a no NORAH LEVY Equipe de pesquisa: Plano Geral: Américo Jacobina Lacombe Prefácio e nota introdutória: José Gomes Bezerra Câmara Preparação dos originais, notas de rodapé, biblio- grafia e índice onomástico: Beatrix Ruy Barbosa Guerra Martins César Magno Moreira dos Santos Eni Valentim Torres Flávia Maira Taube Malouk índice de assuntos: Beatrix Ruy Barbosa Guerra Martins Jerusa Gonçalves de Araújo Silvana Maria da Silva Telles Revisão tipográfica: Beatrix Ruy Barbosa Guerra Martins Eni Valentim Torres Flávia Maira Taube Malouk Martha Alkimin Curvello de Araújo Solange Campello Taraciuk ISBN 85-7004-007-5 Obra completa ISBN 85-7004-137-3 v. 34, t. 3. Barbosa, Rui Trabalhos jurídicos. Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa, 1991. XIV, 102p. (Obras Completas de Rui Barbosa, v. 34, t. 3, 1907). 1. Barbosa, Rui — Concessão de serviços públicos — Pareceres. 2. Barbosa, Rui — Entrevista sobre as relações exteriores da América do Norte com a Amé- rica do Sul — The Birmingham Ledger. 3. Barbosa, Rui — Discurso sobre a Conferência Internacional da Paz, 2., Haia, 1907 — Senado. 4. Barbosa, Rui — Conferência Internacional da Paz, 2., Haia, 1907 — Homenagens. 5. Azeredo, Antônio — Correspondência — Barbosa, Rui. I. Fundação Casa de Rui Barbo- sa. II. Título. III. Série. CDU 35.078.6(079.5) 327(7:8)(079.5) 341.182(492.61)(042) 341.182(492.61) 92 Barbosa (044) Ficha catalográfica preparada pela Biblioteca da FCRB.
  • 4. Copia xerox do original no arquivo da FCKH 11er p í>6 desrr iomo.1
  • 5. OBRAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA VOL. XXXIV 1907 TOMO III TRABALHOS JURÍDICOS SECRETARIA DA CULTURA FUNDAÇÃO CASA DE RUI BARBOSA RIO DE JANEIRO !«>91
  • 6. Foram tirados mil e quinhentos exemplares em papel verge, do presente volume das Obras Comple- tas de Rui Barbosa, mandadas publicar, sob os auspícios do Governo Federal, pelo Ministro Gusta- vo Capanema dentro do plano aprovado pelo Decreto-Lei n.° 3.668, de 30 de setembro de 1941, bai- xado pelo Presidente Getúlio Vargas, e de acordo com o Decreto n? 21.182, de 27 de maio de 1946, pro- mulgado pelo Presidente Eurico Gaspar Dutra e re- ferendado pelo Ministro Ernesto de Sousa Campos.
  • 7. SUMÁRIO Prefácio [José Gomes B. CâmaraJ XI Pareceres Luz e Energia Elétricas. Privilégio da Compagnie d'Eclai- rage de Bahia 3 Prorrogação do Tempo para Execução da Linha de Trans- missão do Distrito Federal 53 Interpretação das Leis n?s 1.033 do 19 de Abril de 1907 e 717 de 6 de Novembro de 1905 65 Anexos Entrevista ao The Birmingham Ledger 69 Discurso no Senado Federal (Sessão em 31-12-1907) 71 Apêndices Discurso do Senador Barata Ribeiro (Sessão em 31-12-1907) 79 Carta de Antônio Azeredo a Rui 83 Bibliografia 85 índice Onomástico 91 índice de Assuntos 95
  • 8. PREFÁCIO DE JOSÉ GOMES B. CÂMARA DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
  • 9. Na esfera eminentemente jurídica, o ano de 1907 constitui na existência de Rui Barbosa o período menos fecundo em tal setor de sua gigantesca atividade, quando se considere nesse ramo a fase compreendida entre 1895, quando reiniciada sua atividade forense, e seu falecimento. Foi aquele ano [1907), por assim dizer, absorvido pela Segunda Conferência da Paz. na capital da Holanda, abrangendo-se as ativi- dades inerentes a tal reunião, em que teve ele ensejo de elevar-se às culminâncias notórias em todo o mundo civilizado, no desempenho de missào de máximo relevo no concerto internacional. De sua atua- ção naquele congresso melhor o diz o vol. 34, t. 2, das OCRB, jà pu- blicado. Difícil, e quase impossível, fora reunir matéria indispensável à formação de um volume, com formato próprio, qual seja o que ora se publica, formando o t. 3, do vol. 34, pois apenas três pareceres encer- ram o seu todo, no âmbito estritamente jurídico, aos quais se adicio- nam temas de outro gênero. Dois deles, datados de 28 de janeiro e de 23 de abril de 1907. eram até agora manuscritos pertencentes à outro- ra The Rio de Janeiro Tramway Light & Power Co. Ltd.. mais tarde Companhia Carris, Luz e Força, sem falar-se noutras denominações, obtidos graças ao empenho do eminente causídico Dr. Dirceu Alves Pinto, que gentilmente forneceu cópias em xerox. Ao que se sabe. não foram anteriormente divulgados em letra de forma. O primeiro dentre os trabalhos ora reunidos em volume teve duas edições na época, isto é. em 1907: uma delas, na Bahia, sob o titulo Lu/, e Energia Electricas. Parecer sobre o privilegio da "Compagnie d'Eclairage de Bahia". Bahia, Typographia da "Gazeta do Povo", 1907: a outra edição tem como título Parecer sobre o privi- legio da Compagnie d'Eclairage de Bahia para a distribuição de energia electrica na cidade do mesmo nome. Rio de Janeiro. Typ. do "Jornal do Commorcio" de Rodrigues & C, 1907. Esta última é rara.
  • 10. XII OBHAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA mas a primeira é rarissima, de ambas possuindo exemplar o signatá- rio desta nótula. Existe certa dúvida quanto ao volume em que teria de incluir-se, se o de 1906 ou o de 1907. Em verdade, há um recibo de Rui Barbosa, datado de 12 de setembro de 1906, concernente a seus honorários, e de 25 de novembro é o editorial da Gazeta do Povo anunciando a próxima publicação do parecer, transcrito na edição do Jornal do Commercio do Rio de Janeiro. Todavia, omitindo-se, no final do tex- to, a data, tomou-se como base o ano em que saíram ambas as edi- ções, isto é, 1907. como determina o Decreto-Lei n? 3.668, de 30 de se- tembro de 1941. Tudo se tem feito no sentido de evitar o quanto possível a dis- persão de matéria disseminada e fragmentária como é o conjunto dos escritos do autor, mas nem sempre há como contornar esse proble- ma, em publicação de obras completas, e, a fortiori, as de Rui Bar- bosa. Ë tanto mais sensível tal aspecto, quando se sabe que, editado um volume, nele encerrando-se tudo quanto até então foi encontrado, surgem, após a sua divulgação, trabalhos fragmentários de origens diversas, de índole variada, quer em avulsos impressos, memoriais, periódicos, quer em manuscritos em poder de particulares ou autos forenses. Casos típicos são aqueles que teriam de incluir-se nos volu- mes 23, 25, 26, 27, 35, 38. 39, 43, correspondentes aos anos de 1896, 1898, 1899, 1900, 1908, 1911. 1912. 1916. Seu aparecimento em São Paulo e no Rio de Janeiro é mais freqüente do que em qualquer ou- tra área geográfica do Brasil. De mais a mais, não raro acontece que Rui Barbosa incorria em equívoco ao datar os trabalhos de sua lavra, mormente nos meses de dezembro e janeiro (e até mesmo novembro), inserindo o ano que se aproximava ou aquele que findava. Foi o que aconteceu, v. g., com o artigo que escrevia na madrugada de 15 de novembro de 1889. no mo- mento em que teve ciência telefônica do levante que implicou na ex- tinção da Monarquia e advento do novo regimen; em parecer a res- peito dos quiosques, em tantos mais que seria ocioso enumerar. Cumpre lembrar um parecer de 1908, que tem como data de sua con- clusão 17 de dezembro de 1903, engano evidente, pois a sentença pro- ferida é de 30 de janeiro de 1909, sendo de 28 de junho de 1907 a pro- positus da lide. Não é tarefa simples, como a tantos parece, como tantos su- põem, obter textos impressos ou manuscritos do incomensurável acervo de Rui Barbosa, salvo para quem não conhece o assunto. Nin- guém, em verdade, poderia ufanar-se de assegurar que o possui em
  • 11. TRABALHOS JURÍDICOS XIII sua totalidade. As duas mais avultadas coleções que se sabe existi- rem é a da própria Fundação que tem o seu nome, e outra de um par- ticular que, em quase meio século, tem tentado reunir o quanto lhe permitem ocasiões raras, sem falar-se no acaso que também ajuda. A coleção Homero Pires era sem dúvida respeitável, mas, em temas jurídicos não era muito forte. Talvez a muitos possa parecer essa forma de predileção egoísmo, quando outro qualificativo mais des- prezível não se venha a empregar. Mas é de lembrar-se que a preser- vação de documentos e produções intelectuais condenadas, muitas vezes, ao desaparecimento, devem merecer carinho e proteção. Con- servadas e bem cuidadas, traduzem-se num patrimônio inestimável, refratário até mesmo ao vil papel ou vil metal. È o caso, por exemplo, da coleção dos códigos de processo — ci- vil e penal — do período em que vigorou, no Brasil, o regimen da dualidade na legislação adjetiva, em boa hora abolida em 1934, quase totalmente desaparecida, sendo a mais completa e talvez única de que se tem notícia, também propriedade de um particular. Não falta quem confunda a dedicação em torno desse comporta- mento como excêntricos passatempos, mas o devotamento à memória de alguém e à das próprias nações ou instituições, ou episódios mar- cantes, ainda que mal compreendido, é coisa bem distinta. Não se encontrou parecer a respeito de telégrafo sem fio, que te- rm sido emitido em virtude de solicitação de José de Chapeaurouge, de setembro de 1907, representante de Marconi Wireless', como pre- posto de Alexandre Cook, segundo se infere de carta de Antônio Azeredo, de 4 de setembro de 19072 . Há também uma consulta, em manuscrito, com longa exposição, de 14 de janeiro de 1907, mas sem a costumeira anotação, comum, o que induz à conclusão de que pare- cer a seu respeito não houve. A referência a um trabalho sobre le- vantamento de balanço e exame de livros, em que se faz menção ao volume 3, da Revista Forense, não tem sentido, pois o volume 3 é de 1905, e, examinados os que se seguiram a 1907, negativo foi o resulta- do. Um parecer que se referia à legitimidade do mandato de Alfredo Backer está evidentemente deslocado, em tudo que concerne à esfera jurídica de 1907. Outros trabalhos, se existem, o que é bem discutível, pois bem restrito foi o período disponível que teve Rui Barbosa em 1907 para cuidar de tais questões, só o acaso permitirá localizar. Acaso, diga- 1 Marconi's Wireless Teleeraph Company. Limited 2 V. carta em Apêndice.
  • 12. XIV OBRAS COMPLETAS DE RUI BARDOS* se de passagem, que nào é o suficiente em casos tais. pois, para tan- to, imprescindíveis se fazem a sensibilidade e a pertinácia, dedicação e espírito público, de quem os descobre e recolhe, coisas para muitos mania, teimosia, de qualquer maneira cada dia mais problemática, muito embora tendência que não deixa de ser útil e de algum modo proveitosa à vida cultural, ainda que cultura e pesquisa, nos dias correntes, tenham sido bastante desvirtuadas, quer em seu sentido adequado, quer em suas mais elevadas finalidades. São estas as informações cabíveis, no entender do signatário, in- cumbido de preparar e compilar essa parcela ora divulgada em con- junto, adstrito, como sempre, ao mandamento a que deve obediência, por força de instruções, escritas, recebidas do eminente Diretor da então Casa de Rui Barbosa, Prof. Américo Jacobina Lacombe, há quarenta anos. se bem recebidas, bem assimiladas e acolhidas, por dever de disciplina e fidelidade. Poderia ser mais analítico, mais dilatadas as considerações do signatário, alongando-se mais este em que diz respeito à matéria. To- davia, casos como este, como tantos outros, prévia explicação, acham-se adstritos a certas limitações, pois há normas próprias pre- viamente fixadas às quais não é possível ficar indiferente aquele que tem o senso de disciplina e concisão. Não se confunda essa tendência com outras formas de deficiências, nem se acoime de limitado aquele que não se afasta de normas a observar. O destinatário de um prefá- cio é o leitor, o fim que o caracteriza é eminentemente informativo, orientando-se quem terá. porventura, de examinar o conteúdo. Em resumo, e por derradeiro, se destinatário é o leitor, como se disse, o fim a que se visa, reitere-se, é informar e orientar. E o quantum satis. Rio de Janeiro, junho, 1986. José Gomes B. Câmara
  • 14. Luz e Energia Elétricas. Privilégio da Compagnie d'Éclairage de Bahia N O T A D O P R E F A C I A D O R A matéria seguinte teve como origem um dos mais ruidosos ca- sos forenses na primeira década deste século, entre os anos de 1906 e 1912. Há dúvida quanto ao momento em que foi produzida, como se teve ensejo de dizer noutro lugar, ante os motivos já salientados, mas seja como for, seu lugar é o volume 34, de 1907. A consulente, Compagnie d'Eclairage de Bahia, domiciliada em Bruxelas, Bélgica, foi autorizada a funcionar no Brasil pelo Dec. n? 4.188, de setembro de 1901, promulgado pelo Presidente da Repúbli- ca, Manuel Ferraz de Campos Sales, mediante cláusulas que o acom- panham. Tornou-se a Cie. d'Éclairage cessionária do contrato em que fi- guravam como partes, de um lado o Estado da Bahia e Município da capital, e, de outro. Chagas Dória, Brisson & Cia., de 29 de abril de 1901, pelo qual se concedera às outorgadas ou empresas que viessem a organizar o privilégio exclusivo durante anos para assentar nas ruas e praças da cidade os encanamentos necessários à distribuição "de gás e energia elétrica, quer por iluminação, quer por outros meios. Havia ressalvas, em que concerne à liberdade industrial, para o fim de nào se impedir a concessão em seu uso próprio e por meio de aparelhos portáteis, o gás e a eletricidade, ou qualquer outro pro- cesso de iluminação, desde que não se fizesse necessária a colocação nas ruas e praças de tubos ou quaisquer outros meios de transmis- são. Havia naquela época, mais precisamente, nos primórdios da Re- pública — não há como negar — generalizada tendência no sentido de restringirem-se os privilégios exclusivos, não obstante a sua acei-
  • 15. 4 OBRAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA tação nos Estados Unidos, mal conhecida e menos ainda assimilada a sua noção em assunto de tanta relevância e de tantas conseqüên- cias, até mesmo, em face do progresso e mormente do interesse pú- blico. O art. 72, da Constituição de 24 de fevereiro de 1891. em seus vá- rios itens ou parágrafos, náo poderia admitir, como admitiam mui- tos, a literalidade pretendida, mormente sabendo-se que o sentido li- teral é mortal inimigo do intérprete, mas, de qualquer maneira, como acontece inicialmente em cada regimen, havia certo exagero sempre que se cuidava de privilégio. O caso que ensejou a manifestação de Rui Barbosa a seguir re- produzida, tem um aspecto sui generis: abstiveram-se os patronos da consulente de formular quesitos, limitando-se a remeter ao Cons. Rui Barbosa todos os documentos referentes ao assunto, ou seja, à pre- tensão da Cia. Linha Circular e Guinle & Cia. O tema para ele não envolvia dificuldades, pois desde muito era com ele familiarizado. Quando se diz cuidar-se de matéria já sobejamente conhecida, é oportuno lembrar o parecer elaborado quando ajuizada a causa que se converteu em 1904, no Supremo Tribunal Federal, na Apelação Cível n? 1.049. em que contendiam Sociedade Anônima do Gás e Companhia Ferro Carris Jardim Botânico, não se falando noutros casos também examinados. O editorial publicado na Gazeta do Povo, muito sugestivo, pode- ria ser transcrito na sua íntegra, mas nele há muita matéria reprodu- zida textualmente, do parecer, sendo em grande parte repetição do que nele se contém. A espécie, hipótese e não apenas tese — e espécie é de chamar- se, porque, então, já havia controvérsia ajuizada — pode-se resumir como a seguir exposto. Segundo alega a consulente em sua inicial, o que não destoa da realidade, nem se discutem as versões oferecidas, cessando, como cessou o contrato entre o Município e o Estado da Bahia, quanto ao fornecimento de gás, foi aberta concorrência pública, náo só na Re- pública, como também em Paris e Londres, além de outros centros, de que veio a resultar o contrato entre Chagas Dória, Brisson & Cia., de 29 de abril de 1901, figurando como outorgantes o Município e o Estado. O prazo do privilégio era de 50 anos, a terminar em 1951. Posteriormente, assumiu a Eclairage a responsabilidade como outorgada, depois de organizar-se em Bruxelas sob o nome de Com- pagnie d'Eclairage de Bahia, aprovada a transferência ou cessão das
  • 16. TRABALHOS JURÍDICOS 5 outorgadas originárias, mediante Lei Municipal n? 565, de 14 de feve- reiro de 1902. Segundo a versão oferecida a 23 de agosto de 1906, pelo patrono da Eclairage, Odilon Otaviano dos Santos, Município e Esta- do, através de uma série de atos. vinham permitindo que terceiros concorressem com a outorgada em que concerne ao objeto de seu pri- vilégio exclusivo, o que, em seu entender, constituía flagrante infra- ção contratual. Tolerava o Município a extensão dos fios condutores de eletrici- dade pelas ruas, para iluminação e outros fins, estranhos ao serviço de tramways, única ressalva estabelecida no contrato de concessão e de cessão. O Estado também permitia em lei e contratos que terceiros assentassem condutores de eletricidade na capital para os mesmos fins previstos no contrato de 1901. Isso — argumentava-se — impli- cava em turbação, manifesta infração contratual. Invocava-se o art. 72, § 24, da Constituição da República. Considerava-se a outorgada lesada em seu direito, e, assim, pe- rante o juízo seccional, ajuizou Éclairage um interdito de manuten- ção de posse, para que cessasse a turbação, sob pena de responde- rem as suplicadas por perdas e danos, a que dessem causa, estimando-se a indenização acima de £ 100.000, como se vê de sua inicial. De um e outro lado contendia cada uma das companhias, usan- do-se o remédio possessório como próprio e adequado. A Companhia Linha Circular de Carris da Bahia fez distribuir, na justiça estadual, um interdito proibitório contra a Éclairage, vi- sando a que não fosse obstada em sua atividade quanto ao direito de distribuir energia para seu serviço de tramways a algumas casas e estabelecimentos particulares. O mandado foi deferido, na fase ini- cial, julgada, a final, procedente a lide contra a Eclairage, tendo-se como competente a justiça local, quer em primeira, quer em segunda instância. Interpôs a Éclairage recurso para o Tribunal de Apelação do Estado. Ao lado de tudo isso. o Supremo Tribunal Federal teve oportuni- dade de decidir alguns conflitos, concluindo pela competência da justiça federal, em conflitos de jurisdição suscitados. Houve tam- bém agravos, mas sua interposição e resultado não assume relevo quanto à substância do que ora se expõe. Teve êxito a Éclairage no interdito em que era autora, sendo fa- vorável a sentença do Juiz Seccional Martins Fontes, mas esse as- pecto, ou melhor, a decisão deixou de ter qualquer implicação em tu- do quanto se contendia na justiça local.
  • 17. 6 OBRAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA Seja como for, mediante acórdão do Tribunal de Apelação do Es- tado, figurando como recorrente Éclairage, de 12 de novembro de 1909, em sessão plena, com apenas um voto contrário, do Desembar- gador João Torres, que julgava improcedente a possessória da Linha Circular e válido o contrato, entendeu a maioria, não obstante algu- mas discrepâncias a respeito de aspectos secundários, conhecer dos embargos da Éclairage (remédio processual então adequado), mas desprezá-los, para confirmar a decisão recorrida, entendendo não po- der subsistir o contrato, nulo e de nenhum efeito, quer ante a Consti- tuição estadual, quer em face da Constituição da República. Teve-se, conseqüentemente, como inválido, o contrato em que figurava como outorgada a Cie. Éclairage, na parte em que se referia à iluminação particular e à eletricidade para ela e outros misteres. Mais uma vez não se conformando com o desfecho na justiça lo- cal, consistente na decisão de 12 de novembro de 1909, manifestou re- curso extraordinário a Cie. Éclairage. Muito se discutiu o seu cabi- mento, por isso que — sustentava-se, ou melhor sustentaram deze- nas de juristas — esgotada não se achava ainda a esfera recursal, lo- cal, pois cabia, ainda, recurso de revista, que não chegou a ser inter- posto. Arrimava-se o entendimento, sobretudo, na legislação proces- sual então vigente, local e subsídiariamente federal, reguladora da matéria ventilada. O apelo extremo foi processado, convertendo-se no Recurso Ex- traordinário n? 657. O Supremo Tribunal Federal não somente desprezou a prelimi- nar de ausência de cabimento, por força da alegada ausência do re- curso de revista, sustentando-se não se achar esgotada a instância de origem, mas também lhe deu provimento. Entendeu a egrégia suprema instância ad quam ter a justiça lo- cal julgado inaplicáveis à espécie as alíneas a, d e h, isto é versar a matéria debatida fundamento contido na Constituição federal; litígio entre um estado e cidadão de outro, ou entre ci- dadãos de estados diversos, diversificando as leis destes; questões de Direito Civil Internacional. Por outro lado, entendeu o Tribunal já haver a suprema instân- cia, anteriormente, em nada menos de três casos, reconhecido a com- petência da justiça federal, para decidir as questões concernentes ao privilégio da recorrente, isto é, da Éclairage.
  • 18. TRABALHOS JURÍDICOS 7 Houve embargos da parte vencida, mas êxito náo teria a embar- gante, Cia. Circular, suplicada num dos interditos e suplicante em outro, naquele em que venceu o pleito na justiça local. Foi justamente na fase inicial, em que se debatia a matéria ver- sada na proteção interditai e na esfera administrativa, que emitiu Rui Barbosa o parecer ora divulgado em segunda impressão, decorri- dos oitenta anos de sua produção. Para que se tenha uma idéia do que fora a repercussão de tais contendas, bastaria acentuar que bem mais de 800 páginas impressas atestam a discussão, mas, de qualquer maneira, prevaleceu a tese de Rui Barbosa, não somente em que concerne ao caso vertente, como em tantos outros análogos.
  • 19. Parecer' Estudados com atenção os documentos legislativos e administra- tivos, que se me presentam, quanto ao privilégio que desfruta, na ca- pital da Bahia, a empresa de iluminação pública, ali estabelecida, os factos de relevo jurídico na apreciação do caso vêm a ser estes. A Compagnie d'Éclairage possui e explora, naquela cidade, a concessão feita, em 1901, a Chagas Dória, Brisson & Cia. pela Inten- dência municipal. Dispunha a Lei municipal n? 402, de 19 de fevereiro de 1900, no art. I?, ficar autorizada a Intendência a contratar com aquela firma o serviço da iluminação da capital, nos termos do edital de concorrência, estipuladas todas as cláusulas nele publicadas, conforme a proposta preferida. Ao que acrescentava o art. 2?: No contractu serão também estipuladas as condições que a Intendên- cia julgar convenientes para o estabelecimento da iluminação elétrica e para o aproveitamento de qualquer outro meio que a ciência ainda possa descobrir. Segundo o primeiro destes textos, pois, o contracto com a firma designada havia de abranger "todas as cláusulas publicadas no edi- tal da concorrência". 1 Texto-base: BARBOSA, Ruy. Luz 0 Energia Electricas. Parecer sobre o privilegio da "Compugnie d'Eclairage de Hahia" Bahia. Typographia da "Gaseta do Povo". 1907. Confronto de textos rea- lizado com (BAKHOSA. Rui | Parecer sohre o Privilegio da Compagnie d'Eclairage de Bahia pa- ra a Distribuição de Energia Electrics na Cidade do mesmo Nome. Rio de Janeiro. Typ. do "Jornal do Comme-rcio" de Rodrigues & C . 1907. tendo sido anotadas em pé de pagina as diver- gências mais importantes. (As notas entre parênteses sao do autor e as sem parênteses sâo dos preparadores do texto.)
  • 20. 10 OBRAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA Segundo o imediato, havia de aditar a essas cláusulas as demais, que o governo municipal houvesse por úteis, não só para estabelecer a iluminação elétrica, mas ainda para aproveitar em benefício da mu- nicipalidade, qualquer outro descobrimento científico ulterior. Que é, porém, o que nas suas cláusulas estipulara o edital? O edital decorrera da Lei n? 360, na qual, a 6 de junho de 1899, o conselho municipal decretara: Art. If Fica a Intendència autorizada a abrir logo após a publicação da presente lei, concorrência pública pars o serviço da iluminação da ci- dade. Art. 2? As propostas para execução deste serviço deverão declarar: lf O preço e condições de compra do material da Bahia Gaz Com- pany Limited suas concessões e privilégios. A base da oferta, portanto, dirigida pela municipalidade ao pú- blico, mediante a concorrência que se mandara abrir, era a aquisição de um privilégio: o privilégio da antiga companhia inglesa, que a ad- ministração local se propunha a renovar em outras mãos. Em observância da lei transcrita a Intendência municipal fez pú- blico o edital de 5 de outubro de 1899, cuja cláusula lf rezava: Ë concedido ao contratante privilégio exclusivo, para assentar nas ruas e praças da cidade, as canalizações subterrâneas necessárias à ilumi- nação, ou pelo emprego do gás e da eletricidade, em outros misteres. Nestas últimas palavras há, manifestamente, um desconcerto gramatical, de origem tipográfica, ao que parece, e de retificação tão fácil quão inevitável; porquanto, omitida ela, ininteligível se torna o complemento final da segunda oraçôo. Se insistirmos em 1er "as ca- nalizações subterrâneas necessárias à iluminação, ou pelo emprego do gás e da eletricidade, em outros misteres", teremos, já pela orto- grafia, já pela redação da frase2 , um aleijâo de vocábulos sem nexo, nem sentido. Para o restabelecermos, tal qual se acha ali palpavel- mente indicado, cumpre eliminar a desazada' vírgula posposta a "e- letricidade" e substituir a contração prepositiva "pelo" por aquela que a contração "à", de que a segunda é caso continuado, lhe está determinando inequivocamente. Destarte, adquirirá o fraseado ofi- cial a articulação, que lhe míngua, e, com ela, o senso, de que carece, lendo-se: 2 Na edição da Tip. do Jornal do Comércio nâo consta "ja pela ortografia 3 Na edicAo da Tip. do Jornal do Comércio está: "desusada".
  • 21. TRABALHOS JURÍDICOS 11 Ë concedido ao contratante privilégio exclusivo, para assentar nas ruas e praças da cidade as canalizações subterrâneas necessárias à ilumi- nação ou ao (em vez de pelo) ou ao emprego do gás e da eletricidade em outros misteres. O teor do edital prossegue: O privilégio concedido na presente cláusula não impede que os esta- belecimentos públicos ou particulares, ou outras empresas, empreguem para o uso próprio, e por meio de aparelhos portáteis o gás. a eletricida- de, ou qualquer processo de iluminação, para o quai não se faça necessá- ria a colocação nas ruas e praças públicas, de tubos, ou quaisquer outros meios de transmissão. Obedecendo, pois, à Lei n? 360, de 6 de junho de 1899, ao Edital de 5 de outubro do mesmo ano e à Lei n? 402, de 19 de fevereiro de 1900, o contracto celebrado pela Intendência da Bahia com Chagas Dória, Brisson & Cia., em 11 de fevereiro de 1901, estipulou, na sua cláusula primeira: A Intendência municipal da capital do Estado da Bahia devidamente autorizada pela Lei n? 402, de 19 de fevereiro de 1900, concede aos Srs. Chagas Dória, Brisson & Cia. ou á empresa que aos mesmos substituir, o privilégio exclusivo de cinqüenta anos, nos termos da Lei nf 491 de 11 de abril de 1901'", para assentar nas ruas e praças da cidade os encanamen- tos e condutores necessários para a distribuição do gás e da eletricidade, quer para a iluminação, quer para outros misteres. O privilégio concedido na presente cláusula não impede que, os esta- belecimentos públicos ou particulares, ou outras empresas empreguem, para o seu próprio uso, e por meio de aparelhos portáteis o gás e a eletri- cidade, ou outro qualquer processo de iluminação para o qual não se faça necessária a colocação nas ruas e praças públicas de tubos, ou quaisquer outros meios de transmissão. Fica exceptuado do privilégio concedido por esta cláusula o emprego da força motriz, por meio de eletricidade, para o serviço de tramways. Esta exceção esclarece e precisa os termos da regra. (K A I,ei Municipal n" 491 dessa daia apenas dispôs, no tocante a duração do privilégio, que au- torizou a se ampliar: "Pica o Intendente autorizado, no contracto que tiver de lavrar com Chagas Dória, Brisson & Cia , a fazer o serviço da iluminação pública e particular desta cidade, de acordo com a Lei nf 489, a elevar a cinqüenta anos o prazo de duração para gozo do privilégio do contracto."
  • 22. 12 OBRAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA Mostra a exceção, com efeito, por um lado, que, onde a cláusula estipula os encanamentos e condutores necessários para a distribuição do gás e da eletricidade, quer para a iluminação, quer para outros misteres, sob as expressões "para outros misteres" se teve positivamente em mira abranger no privilégio a transmissão, mediante "encanamentos e condutores", da eletricidade como "força motriz". Porque, se no pri- vilégio se não incluísse "a força motriz por meio de eletricidade", não haveria que exceptuar do privilégio, como ali se exceptua, "a força motriz por meio de eletricidade", quando utilizada "para o ser- viço de tramways". Mas, se se estabelece a exceção circunscrita unicamente ao caso "da força motriz por meio da eletricidade" quando aproveitada no serviço de tramways, claro está que no privilégio se compreende a distribuição da eletricidade, como força motriz, para qualquer outro serviço, que não o da tração nos veículos* daquela espécie de ferro- vias. Sobre esse contracto, lavrado, como já se viu, em 11 de fevereiro de 1901, ainda tiveram negociações as partes contratantes, não rece- bendo ele a sua forma definitiva senão em 4 de maio daquele ano, com os aditamentos que então o notificaram* e completaram. Nesse meio tempo a ele aderia o governo do Estado, por ofícios de 20 e 29 de abril do dito ano, ambos incorporados ao contracto, nos quais declara o governador que o aprovara, e nomeara o Secretário do Tesouro estadual, Dr. José de Oliveira Leite, para assistir e assi- nar o contracto por parte do governo. Do termo do contracto consta, pela assinatura deste funcionário, que ele o subscreveu, no exercício do mandato recebido, como repre- sentante do governo do Estado. Ao mesmo tempo duas vezes se pronunciava sobre o ato da In- tendência a legislatura municipal, que o autorizara: uma, antes que se ele concluísse, aceitando-lhe as condições, quais efetivamente se vieram a estipular; outra, aprovando-o depois de concluído. Da primeira vez, mediante a Lei n? 489, de 1? de abril de 1901, cujo art. 1? dispunha: 4 Na ..'du,:âo da Tip. do Jornal do Comércio esta. ""que nâo è o da tração dos veículos". 5 Na edição da Tip. do Jornal do Comércio está: •'modificaram*'.
  • 23. TRABALHOS JURÍDICOS 13 Fica o Intendente autorizado a lavrar o contracto de acordo com as bases apresentadas e enviadas ao conselho em Ofício n? 117 de 19 de mar- ço do corrente ano. com os Srs. Chagas Dória. Brisson & Cia. relativa- mente ao serviço da iluminação pública e particular desta cidade e tam- bém acordar com os contratantes no sentido de ser supressa a parte final da cláusula 18. sobre juros de mora. Como se está vendo, esta lei municipal, que tem a data no 1? de abril de 1901, se decretou entre a do primeiro termo do contracto, as- sinado aos 11 de fevereiro, e a do segundo termo, firmado em 4 de maio, que o ultimou. A lei do 1? de abril aprovava o acordo exarado no termo de fevereiro, mandando-lhe alterar, na cláusula 18 uma dis- posição concernente a juros de mora, o que o termo contratual de 4 de maio fielmente cumpriu. Como, porém, no segundo termo do contracto, posterior à lei mu- nicipal do 1? de abril, se adicionassem às cinqüenta e seis cláusulas do primeiro termo duas cláusulas novas, de novo se submeteu o ato da Intendência ao conhecimento do conselho municipal; e este entáo, deliberando, pela segunda vez, sobre o contracto concluído, votou a Lei n? 499, sancionada e publicada em 15 de maio de 1901, a qual diz: Fica aprovado o contracto celebrado entre o Dr. Intendente deste município, o governo do Estado e Chagas Dória, Brisson & Cia., para o serviço de iluminação pública e particular desta cidade, de acordo com as bases consignadas no exemplar que. por cópia. foi. pela Intendência, en- viado a este conselho. Poderia fazer ponto aqui na rememoraçáo das circunstâncias que entendem com o objeto da consulta, se as dúvidas em relaçáo a ele suscitadas náo fossem buscar assento, em boa parte, noutros atos, posteriores, de ordem, igualmente, administrativa e legislativa. O primeiro deles é a Lei estadual da Bahia n? 478, de 30 de se- tembro de 1902, art. 35, § 16, n? 7, que prescreve: Compete ao conselho municipal estabelecer normas sobre concessão de zonas privilegiadas, dentro do município, para construção e explora- ção de estradas de ferro, linhas de tramways, ascensores e quaisquer ou- tros meios de viaçâo e transporte, favores a invenções e introdução de melhoramentos de acordo com as leis em vigor, e sem prejuízo dos concedidos pela União ou pelo Estado.' O segundo é a Lei estadual de 29 de dezembro de 1905, art. 7?, § 1?, que determina: 6 Leis e Resoluções do Estado da Bahia do Anno de 1902.
  • 24. 14 OBRAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA Fica o governo autorizado a regular e fomentar o aproveitamento e utilização das forças hidráulicas do domínio particular, existentes no Es- tado, para a exploração industrial da energia elétrica, concedendo. mantido o regimen da liberdade aos particulares ou empresas que se mostrarem, devidamente, habilitados, para tal fim. os seguintes favores [...] somente serão concedidos àqueles pretendentes que se submeterem ao re- gulamento que sobre a matéria for expedido pelo governo.' O terceiro é o Regulamento nf 389, de 27 de março de 1906, decre- tado em execução dessa lei, o qual, no art. 28, estatui: As câmaras municipais não poderão, sob qualquer pretexto: l? Impedir a passagem das linhas telegráficas e telefônicas ou de transmissão aérea ou subterrânea nas suas circunscrições. desde que, a juízo do governo do Estado, não prejudiquem os serviços municipais e se- jam respeitadas as condições de segurança. 2? Conceder privilégio para exploração e venda de energia elétrica no seu território. Valendo-se desses três textos, um de 1902, outro de 1905, o ter- ceiro de 1906, e invocando a Constituição da República, art. 72, §§ 24 e 25, reproduzidos na Constituição da Bahia, art. 136, §§ 19 e 21, in- teresses opostos ao da concessão feita em 1901, à Compagnie d'Éclai- rage, pretendem: 1?) que essa concessão privilegiada é inconstitucional perante a lei fundamental da República e a do Estado; 2?) que, ainda quando não seja inconstitucional, será nula, por contrária ao princípio da liberdade, instituída na Lei de 1905 e no Regulamento de 1906; 3?) que a divergência entre a lei de autorização, por uma parte, e, por outra, que os termos do edital, quer os do contracto, inquina, igualmente, de nulidade a concessão nele outorgada; 4?) que, quando, porém, válida seja, não prevalece contra outra companhia, que antes daquela tinha legalmente o direito ao uso da eletricidade para a tração dos seus veículos sobre carris urbanos; 5?) que os particulares e empresas, aos quais houverem sido concedidos os favores da Lei de 1905 e do Regulamento de 1906 para ' a exploração industrial da energia elétrica, hidraulicamente obtida, podem exercer essa exploração no município da capital, não obstante o privilégio conferido pela concessão de 1901 à Compagnie d'Éclaira- ge. Sobre estas questões versa a consulta. Passarei a considerá-las. i 7 l*is e Resoluções do Estado da Bahia no Anno de 1905
  • 25. TRABALHOS JURÍDICOS 15 I Constitucional idade do Privilégio Quais sáo os textos constitucionais alegados contra o privilégio da concessão que hoje desfruta a Compagnie d'Éclairage? Na Constituição da República, o art. 72, §§ 24 e 25, que estabele- cem: E garantido o livre exercício de qualquer profissão moral, intelectual e industrial. Os inventos industriais pertencerão aos seus autores, aos quais ficará garantido por lei um privilégio temporário, ou será concedido pelo Con- gresso um prêmio razoável, quando haja conveniência de vulgarizar o invento." Na Constituição da Bahia, o art. 136, §§ 19 e 21. O § 21 do art. 136, na Constituição baiana, traslada literalmente o § 25 do artigo 72 da Constituição brasileira. Quanto ao § 19 do art. 136 na primeira, se o cotejamos com o § 24 do art. 72 na segunda, encontraremos variação na linguaguem, mas identidade no pensamento. É o que se verificará, comparando com a fórmula da Constituição nacional, acima transcrita, a da Constitui- ção estadual, que assim se exprime. A ninguém pode ser proibido o exercício de qualquer profissão, traba- lho, cultura, indústria ou comércio, que nâo seja prejudicial aos bons cos- tumes, à segurança e à saúde dos cidadãos." Não há, portanto, relação absolutamente nenhuma entre o em que se cogita, de uma parte, no art. 72, § 24, da Constituição da Re- pública, assim como no art. 136, § 19, da Constituição do Estado, e, de outra, o sobre que se dispõem no art. 72, § 25, da Constituição fe- deral, bem como no art. 136, § 21 da Constituição baiana. No art. 72, § 25 da Constituição brasileira, que o art. 136, § 21, da Constituição baiana reproduz, se assegura aos inventores a pro- priedade dos inventos industriais. No art. 72, § 24, da Constituição nacional, que o art. 136, § 19, da Constituição estadual adota e desenvolve, se afiança a liberdade ao10 8 Constituição da Republica doa Estados Unidos do Brazil, acompanhada das leia orgânicas pu- blicadas desde 15 de novembro de 1889. 9 Constituição do Kstado da Bahia, promulgada em 2 de julho de 1891. 10 Na edição da Tip. do Jornal do Comercio está: "do".
  • 26. 16 OBKAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA exercício de todas as indústrias e profissões compatíveis com a mo- ral, a saúde pública e a segurança comum. Como é, pois, que na repulsa de um privilégio, ou monopólio, se poderiam aliar, sensatamente, essas duas provisões constitucio- nais, tão substancialmente alheias uma a outra, tão essencialmente separadas uma da outra pelos seus objetos? Não há só diversidade, senão até antagonismo, e essencial, entre as duas, uma das quais é a declaração de uma liberdade", a outra a garantia de uma propriedade exclusiva. O art. 72, § 24, da Constitui- ção do Brasil, com o artigo 136, § 19, da Constituição da Bahia franqueiam a exploração de todas as indústrias ao trabalho de todos. O art. 72, § 25, do pacto federal, como o art. 136, § 21, da lei orgânica estadual reservam a exploração dos inventos aos seus inventores. O que estas duas últimas disposições consagram, pois, é justamente um privilégio. Desta mesma qualificação formalmente se servem, di- zendo que aos inventores "ficará garantido por lei um privilégio temporário 'Va Destarte, longe de se associarem às duas primeiras", longe de as desenvolverem, elas as restringem, constituindo uma exceção à regra naquelas estabelecidas. As primeiras facultam a todas as atividades o campo de todas as indústrias lícitas. As segundas subtraem a essa franquia geral o uso dos inventos, privilegiando-os em benefício dos seus autores. Logo, se alguma cabida tem no debate o art. 72, § 25, da Consti- tuição brasileira e o art. 136, § 21 da Constituição baiana, é para de- monstrar que no próprio texto constitucional, em uma e outra, a li- berdade industrial, proclamada no art. 72, § 24, da primeira e no art. 136, § 19, da segunda, bem fora de ser ilimitada, sofre limitações expressas. Prescrevendo que aos inventores a lei dará "um privilégio tem- porário" sobre os seus inventos, o art. 72, § 25, da Constituição da República e o art. 136, § 21, da Constituição da Bahia convertem os inventos temporariamente em monopólio dos inventores; pois outra coisa não é o monopólio que o privilégio exclusivo, reconhecido a al- guém, sobre um ramo ou um objeto da nossa atividade. Como é, pois, que, na consagração constitucional de um monopólio se vai buscar a condenação constitucional do monopólio? 11 Na edição da Tip. do Jornal do Comércio esta. "da liberdade". ) 12 Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brazil, cil. 13 Na edição da Tip. do Jornal do Comercio esta "longe de se apreciarem as duas primeira*"
  • 27. TRABALHOS JURÍDICOS 17 Mas, ainda quando esta não fosse, como é, de evidência, e palpa- velmente, a verdade, não seria14 menor o disparate da aplicação, que se tenta, argumentando contra o caracter exclusivo do privilégio con- cedido à Compagnie d'Éclairage, sucessora de Chagas Dória, Bris- son & Cia., com o disposto no art. 72, § 25, da Constituição do país e o art. 136, § 21, da Constituição daquele Estado. Esses dois textos falam, explícita e unicamente, nos "inventos industriais", determinando que eles "pertencerão aos seus autores". Ora, que tem a situação daquela companhia, ou a dos seus adversá- rios, quanto ao privilégio por eles combatido e defendido por ela, com a garantia dos inventos industriais aos seus autores? Se os con- tendores daquela empresa inventaram o gás, a luz elétrica, ou a for- ça motriz da eletricidade, se esses melhoramentos industriais são inventos seus, muito bem: estão no seu direito, apelando, contra a Compagnie d'Eclairage, para o estatuído na Constituição da Bahia, art. 136, § 21, e na Constituição da República, artigo 72, § 25. A conseqüência, nesse caso, porém, seria, não, como se intenta, estender aos que invocam esses textos o direito, sustentado por essa companhia como privilégio seu, de explorar a distribuição da energia elétrica na capital da Bahia, não converter essa exploração em direi- to comum, mas deslocá-la de quem a exerce sem o título de inventor, para a transferir a quem devia exercê-la como autor do invento. Agora, se acaso o a que miram'5 , cobrindo-se com esses dois tex- tos constitucionais, os interesses contrários ao monopólio daquela empresa, é o insinuar que eles estabelecem a única exceção constitu- cionalmente admissível à liberdade industrial, garantida nos dois textos anteriores, a proposição, reduzida a estes termos, não será menos insustentável. Primeiramente, ali mesmo no próprio art. 72, §§ 26 e 27 da Cons- tituição nacional, no próprio art. 136 da Constituição estadual, §§ 22 e 23, temos expressamente contempladas outras exceções ao princí- pio da liberdade industrial, que ambas as constituições limitam, já garantindo as marcas de fábrica em propriedade dos fabricantes, já reservando aos escritores e artistas "o direito exclusivo" à reprodu- ção das suas obras. Por essas disposições os manufatores exercem sobre as suas marcas, os artistas e escritores sobre suas obras, tanto quanto os inventores sobre os seus inventos, direitos exclusivos, mantidos pela Constituição, isto é, monopólios constitucionais. 14 Na edição da Tip. do Jornal do Comércio está: "nâo será". 15 Na edição da Tip. do Jornal do Comércio está: "o que visam".
  • 28. 18 OBKAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA A liberdade constitucional de indústria, profissão e trabalho passa, destarte, por três exceções constitucionalmente assinaladas. Não ficam, porém, aí as exceções constitucionalmente declaradas a essa liberdade constitucional. A Constituição da Bahia, no próprio art. 136, § 19, estatuindo que "a ninguém pode ser proibido o exercício de qualquer profissão, trabalho, cultura, indústria ou comércio"16 , põe para logo a ressalva: "que não seja prejudicial aos bons costumes, à segurança e à saúde dos cidadãos".'7 Nos casos da ofensa aos bons costumes a proibição é, de sua natureza, evidente- mente absoluta. As indústrias imorais podem e devem ser totalmente vedadas, sem apelo possível à liberdade industrial. Nas hipóteses, porém, de risco à saúde pública, ou à segurança geral, o perigo se atalha, ora mediante a fiscalização exercida pelas autoridades, ora mediante os monopólios, por elas assumidos, ou confiados por elas a empresas particulares. Das exigências da saúde pública e da segurança comum resulta, portanto, um grupo de monopólios, que a Constituição baiana mani- festamente previu, declarando não haver, perante elas, direito à li- berdade industrial. Esses monopólios derivam da necessidade ou da natureza mesma de tais indústrias. A natureza dessas indústrias e a necessidade falam aqui em nome da higiene pública e da ordem so- cial. Temos assim, pois, duas categorias de monopólios, cuja inevita- bilidade a Constituição baiana abertamente reconheceu. Ora precisamente na classe das indústrias, ao livre exercício das quais se opõe "a segurança dos cidadãos", indicada na Constituição baiana como limite forçoso à liberdade'8 industrial, as autoridades em matéria de Direito Administrativo e Constitucional inscrevem no- meadamente a eletricidade. Baste citar a lição de F. Cammeo, um dos publicistas mais abali- zados no estudo jurídico e administrativo dos monopólios, a respeito de cuja especialidade as suas obras bem raros competidores têm na abundância de ensino e no peso da autoridade. Ragioni amministraüva e ragioni economiche rendono necessário che ai gas ed alia luce elettrica si provveda mediante grandi imprest-. Infatti per sicurezza publica non si può permettere il moltiplicarsi dei gasome- tri e delle sutsioni elettriche. che costituiscono industrie pericolose.'* 16 Constituição do Estado da Bahia. cit. 17 Id. 18 Na ediçflo da Tip do Jornal do Comércio está "limite à liberdade". 19 CAMMEO. Federico "Uluminazione Pubblica". In: MANCINI. Pasquale Stanislao. dir En- ciclopédia Giundica Italiana Milano. Societa Editrice Libraria. 1902. vol. 8. pt 1. p 49
  • 29. TRABALHOS JURÍDICOS 19 A eletricidade, pois, é uma indústria perigosa. Logo. segundo a cláusula formal da Constituição da Bahia, é uma indústria legitima­ mente monopolizável. uma vez que essa Constituição abertamente re­ cusa ao domínio da liberdade industrial as indústrias perigosas. Mas, ainda quando tal cláusula se nào contivesse formalmente na Constituição baiana, subentendido estaria excluir ela das fran­ quias reconhecidas à liberdade do trabalho e da produção os ramos da aplicação industrial, que, pela força da coisas10 , pelo império das exigências policiais ou das leis econômicas, constituem monopólios naturais, monopólios necessários, monopólios inevitáveis. Monopólios de facto lhes chamam também os economistas, indústrias de monopólio, ou indústrias indivisíveis. *' Referindo­se a elas, diz Camillo Supino: Indústrias há, nas quais nunca se aplicou a concorrência livre, por­ que nelas seria sempre economicamente perniciosa. Esistono delle indus­ trie, nelle quali Ia libera concorrenza non è stata mai applicata. perché in esse sarebbe sempre economicamente dannosa." Cammeo, noutra monografia sua, onde aprofunda largamente a questão dos monopólios municipais, assim se enuncia: I monopoli di fatio, sorgenti cioè per la difficulté, impossibilita o in­ convenienza delia concorrenza. indipendentemente da una legge che li consacri, sono di due specie. Gli uni sorgono direitamente da condizione fisiche e naturali che rendono. si puõ dire in via assoluta. impossibile Ia concorrenza. come quelli derivanti dalla propriété di minière, che unica­ mente producano una determinate materia; ma ess/ sono rari in pratica, e d'allro campo escono dal nostro tema. Gli altri monopoli di fatto, come i canali, la posta, il telégrafo, le ferrovie. i gasometri. gli acquedotti. le tramvie, gli omnibus, i mercati. i macelli. si fondano invece su leggi eco­ nomiche e amministrative.,J A mesma espécie de monopólios, inerentes ao caracter natural de certas indústrias reconhecem os economistas americanos, dentre os quais nomearei um dos mais eminentes na especialidade. Aludo a Ri­ chard T. Ely. lente de Economia Política na Universidade do Wis­ consin, o qual, convindo nos monopólios dessa natureza, entre eles enumera os que dizem respeito, assim ao gás. como á eletricidade: 20 Na edição da Tip­ do.Jornal il» Comércio está: •"causas". 21 MMÍSIIMI Some Aspects of Competition. 907 apud SUPINO. Camillo. "La Concorrenza e sue piu Recent! Manifestozioni". Archivio Gîuridico. SI: 337. 1893. 22 Sui­iso. Camillo. ob. cit.. p. 337­8. 23 l '•,•.!■:!,.. F ederico. "I Monopoli Comunali" Archivio Giuridico. 54: 304. 1895.
  • 30. 20 OBRAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA Next we lake up those monopolies arising from properties inherent in the business, and this gives us the chief class of natural monopolies We have here the highways of all sorts, but specially railways with their ter- minal facilities, including the grain elevators and stock-yards, canals: the post-office; the telegraph lines, the telephones, irrigation-works, harbors; docks; light-housefi; ferries; bridges; local rapid-transit agencies; gas- works, urban, water-works, electric-light plants, etc.. some of them natio- nal, some of them local or municipal monopolies." Já se vê que na grande República norte-americana, cuja Consti- tuição, inexcedivelmente liberal, nos subministrou à nossa o modelo, nào sáo menos elementares essas noções da limitação posta pela na- tureza à liberdade industrial, tâo comezinhas no outro continente, onde nào há muito que um catedrático de Direito Administrativo se pronunciara deste modo: La conducción de Ias águas, ei alumbrado por gas o electricidad. ei establecimiento de redes de tranvias son empresas que no permiten con facilidad Ia concurrencia. unas veces por Ia imposibilidad material de Ia coexistência de empresas dedicadas ai mismo servicio. dada a la precision de ocupar ei suelo o subsuelo. otras porque ei capital que requieren busca garantias para ei êxito de su intento industrial y solo ias ve en la conce- sión exclusiva o en el monopolio de hecho. en el caso de imposibilidad material de establecimiento de otra empresa concurrente ... Los servidos que constituen monopólio de hecho pueden ser satisfe- chos o [por| concesión a empresas, o por municipalizandolos. o por siste- ma intermédio, municipalizando el establecimiento dei servicio. su im- plantación. y encargando a un concesionario de su funcionamiento.'* Quero, porém, cingir-me particularmente à doutrina aceita nos Estados Unidos; porque a analogia cabal entre o direito político da- quela democracia e o da nossa impõe ao nosso respeito os arestos americanos. Destes, bem como da teoria jurídica neles firmada, quanto à ad- missibilidade constitucional dos monopólios, já me ocupei de espaço no meu parecer26 , hoje divulgado pela estampa, sobre o privilégio da Companhia do Gás nesta capital, cuja constitucionalidade igualmen- te se negava, pretendendo uma empresa de bondes por tração elétri- 24 Ef.Y, Richard T Monopolies and Trusts. 1902. p. 59 26 GASCON > MAHIN. José Municipalizaciòn de Servido* Públicos. 1904. p. 69-70. 26 Parecer de ir de novembro de 1904. quando ajuizado o pleito que afinal se converteu na Apela çáo Cível n" 1.049 do Supremo Tribunal Federal, enire partes Sociedade Anônima do Gas e Companhia F C. Jardim Botânico, Hendo acolhido o entendimento de Rui Barbosa, do Vis- conde de Ouro Preto e de Lafayette Rodrigues Pereira. (V SUPREMO TRIBUNAL FUIKRAI.. Appelaçáo n" I 049. embora na folha de rosto esteja n° 1.904. p. 45-7 e Obras Completas de Rui Barbosa, vol. M, t. 2. 1904. p. 237 e segs.)
  • 31. TRABALHOS JURÍDICOS 21 ca servir-se dos fios, colocados nas ruas para transmissão de força, a fim de iluminar à luz elétrica estabelecimentos seus, distantes da es- tação central, onde ela tem os seus aparelhos geradores. A questão é, na essência, juridicamente a mesma que agora. Nâo reproduzirei, pois, as citações de autoridades americanas, que naquele papel adu- zi. A elas me reporto, indicando aqui tão-somente as obras onde se acham: — Poore. The Federal and State Constitutions, 1878, pt. 1, p. 820, e pt. 2, p. 1.825. — Cooley. A Treatise on the Constitutional Limita- tions. 5. éd., p. 344-5; 7. éd., p. 401-2. — Cooley. The General Principles of Constitutional Law in the United States of America, 3. éd., p. 262. — Clark Hare. American Constitutional Law, 1889, vol. 2, p. 781-2. — John Dillon. Commentaries on the Law of Munici- pal Corporations, 4. éd., vol. 2, §§ 694-5, p. 825-6. — Lawson. Rights, Remedies, and Practice, at Law, in Equity, and under the Codes, 1890, vol. 7. § 3.918, p. 6.176. — Campbell Black. Handbook of American Constitu- tional Law, 1895, n? 147, p. 413. — Cases Argued and Decided in the Supreme Court of the United States. New Orleans Gas Light Company, Appt., v. Louisiana Light and Heat Producing and Manu- facturing Company et al. 115 United States, 650. Lawyers' Edition, 29:516. Thayer. Cases on Constitutional Law, 1895, pt. 4, p. 1.773-8. As considerações com que esses autores aí explanam o assunto, se poderiam condensar na regra geral de que a liberdade, pelo que toca à indústria e ao trabalho, obedece ao limite da necessidade, e o monopólio tem nesta a sua legitimação. Por outra: os princípios constitucionais que asseguram a liberdade em matéria de indústria e trabalho, não envolvem condenação do monopólio, quando o impuse- rem as condições naturais da especialidade, ou as altas exigências do interesse social. É o que dizia a Suprema Corte dos Estados Unidos, em 1887, no pleito Chicago v. Taylor, observando que a extinção ra- dical dos monopólios importaria na destruição de muitas das insti- tuições mais úteis:
  • 32. 22 OBRAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA It seems scarcely necessary to say that monopolies are not prohibited by the Constitution; and that to abolish them would destroy many of our most useful institutions." Mais de uma vez, nos tribunais dos Estados Unidos, em presen- ça de textos constitucionais onde peremptoriamente se assegura aos indivíduos a igualdade nos direitos, e, destarte, implicitamente se condenam, em regra, os privilégios exclusivos, a jurisprudência ame- ricana, do modo mais categórico, tem sustentado certos monopólios como indubitavelmente conciliáveis com essa fórmula geral de igual- dade e liberdade. A Constituição de Indiana, por exemplo, determina que the General Assembly shall not grant to any citizen or class of citizens privileges or immunities which upon the same terms shall not equally be- long to all citizens." Isto é: o corpo legislativo do Estado não pode conceder a ninguém "isenções ou privilégios, que se nào estendam nos mesmos termos a todos os cidadãos". Pois bem: a Suprema Corte do Estado'2 ', comentando justamente essa disposição constitucional, numa sentença de 19 de junho de 1890, declarou: Não se infira, entretanto, que todos os monopólios são ilegítimos. Muitas coisas de caracter legal constituem, pela sua natureza e por força da necessidade, verdadeiros monopólios. But it must not be understood that all monopolies are unlawful. Many things which are lawful are, from their nature and of necessity, monopolies, [...]. Assim, se o conselho municipal outorgasse a uma companhia de ear- n s urbanos o direito de assentar os seus trilhos em certas ruas, cuja es- treiteza não admitisse o assentamento de outros, essa companhia teria o monopólio daquelas ruas. Claro está. portanto, que, se bem os monopó- lios sejam, por via de regra, ilegais, muitas exceções padece esta regra. A regra se aplica exclusivamente ás coisas de direito comum, e nunca às que, de sua natureza, constituem monopólios, /t is plain, therefore, that while monopolies, as a general rule, are unlawful, there are many excep- tions to the rule. The rule applies only to such things as are of common right, and is never to be applied to such things as are in their nature a monopoly. " 27 TMAVEH. James Bradley, ob. cit . 1894. pi. 3. p 1.094. 28 Lawyers" Reports. Annotated, vol 8. p. 547. (21 Os Lawyer's Reports. Annotauxl. abrangem todos os feitos de nota. julgados nos tribunais es- taduais dos Estados Unidos Já se estende a setenta volumes essa coleção monumental, que inclui sentenças e debates. No estilo de cita-la se usam unicamente as iniciais, precedidas do número do volume e seguidas do da página, assim 8 L. R. A. 547. E como doravante a citarei (Nesta ediçáo indicado como a nota nf 28.| 29 Indianapolis Cable Street R. Co.. Appi.. v Citizen's Street R. Co. Lawyers' Reports. Annotated, vol. 8. p. 547.
  • 33. TRABALHOS JURÍDICOS 23 Aí se tratava de vias férreas urbanas; mas a decisão, ultrapas- sando os limites concretos da espécie, firma o conceito geral da legi- timidade dos monopólios, em os ditando a necessidade. No litígio de que me vou ocupar agora, o objeto do monopólio era precisamente a eletricidade. Uma lei do Massachusetts, decreta- da em 1887 (cap. 382) garantia contra a invasão de outras empresas ou indústrias particulares o privilégio das companhias organizadas com o fim de produzir e distribuir eletricidade aplicada à ilumina- ção. Cinco anos depois, averbada essa determinação legislativa de inconstitucional, no pleito Attorney General, ex rei. Board of Gas & Electric Light Commissioners v. Walworth Light & Power Co. (Mass.) mostrou-se, na defesa, a constitucionalidade da lei com um numeroso concurso de arestos: It cannot be objected that the Statute of 1887 is unconstitutional upon the ground that, in effect, it tends to create a monopoly or monopolies in the use of the streets for electric-lighting purposes. That the creation of such a monopoly is within the constitutional po- wers of the Legislature is well established. New Orleans Gas Light Co. v. Louisiana L. & H. P. & Mfg. Co. 115 U.S. 650, 29 L. ed. 516. Such a statute is a valid exercise of the police powers of the state. Western U. Teleg. Co. v. New York. 38 Fed. Rep. 552; Cushing v. Boston. 12» Mass. 330. 35 Am. Rep. 383; Budd v. New York. 143 U.S. 517, 36 L. ed. 247. 4 Inters. Com. Rep. 45, and cases cited; People v. Squire. 10 Cent. Rep. 437. 107 N. Y. 593; Sawyer v. Davis, 136 Mass. 239. 49 Am. Rep. 27.'" Julgando-se a questão o tribunal sustentou a constitucionalidade da lei, e reconheceu a legitimidade dos monopólios instituídos em be- neficio das empresas de eletricidade, cuja indústria se exercer me- diante a canalização pelas ruas: The legislature may think that a business like that of transmitting electricity through the streets of a city has got to be transacted by a regu- lated monopoly, and that a free competition between as many companies and persons as may be minded to put up wires in the streets, and to try their luck, is impracticable. " Advirta-se nesta derradeira consideração da sentença: A livre competição entre tantas companhias e pessoas, quantas qui- sessem estender fios para a condução de eletricidade pelas ruas seria impraticável." 30 Lawyers' Reporta, Annotated, vol 16. p. 399. 31 Id.. p. 400. 32 hoc. cit.
  • 34. 24 OBRAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA Esta só reflexão basta, para aniquilar a pretensão dos que vêem na exploração dessa indústria uma das manifestações da liber- dade assegurada no art. 72. § 24, da Constituição federal. Ele garante "o livre exercício de qualquer profissão moral, inte- lectual e industrial"." Se o fabrico da eletricidade, como luz, ou co- mo força, é uma das "profissões industriais", cujo livre exercício aquele texto constitucional garante, a conseqüência vem a ser que a mesma liberdade, o mesmo direito assiste, igualmente, ilimitadamen- te, irrecusavelmente, a todos quantos nessa indústria quiserem co- merciar. Nenhuma autoridade então, nenhuma lei pode restringir es- sa franqueza, uma vez que ela exprime um direito fundamental, e na lei fundamental se estriba. Teremos, pois, a concorrência, inteira- mente livre de peias, entre as empresas e os indivíduos, cujo interes- se eleger esse gênero de exploração. Cada uma delas, cada um deles, no gozo dessa faculdade14 superior à ação da legislatura, disporá do solo das ruas, para o rasgar, enterrando as suas canalizações, dispo- rá do espaço aéreo entre as edificações, para o sulcar de fios, cruzá- los, superpô-los, multiplicá-los. A conseqüência transcende os limites do insensato. Mas a conse- qüência nasce diretamente da teoria, que abriga sob a declaração da liberdade industrial o direito a exercer à custa da viação pública o comércio da eletricidade. Ou este comércio corresponde, realmente, a um direito individual e nâo se poderá negar a ninguém. Ou há de ser reduzido às estreitas proporções que as do espaço nas ruas das cida- des lhe baliza; e então é, necessariamente, um negócio privilegiado, um monopólio regulado na lei e distribuído, ou concentrado, segundo as conveniências da policia e da administração, pelos poderes locais. Os escritores, que desta matéria têm discorrido, todos eles insis- tem com encarecimento na importância decisiva desta consideração, mostrando a barreira que a escassez de espaço no solo, no subsolo e no vão aéreo das ruas opõe à concorrência entre empresas, cuja in- dústria se pratique mediante encanamentos, fios ou trilhos, assenta- dos, suspensos, ou soterrados através das cidades. (Cammeo. Enciclopédia Giuridica Italiana, vol. 8, pt. 1, n" 7, p. 50. — Morelli. La Municipalizzazione dei Servizi Pubblici, 1901, p. 26-7. — Hirsch. Législation et Jurisprudence Administratives concernant l'Electrici- té dans ses Différents Usages, 1898, p. 230. — Rui Barbosa, parecer citado, p. 45-7") 33 Constituição da Republica dos Kntados Unidos do Braril. cit. 34 Na edição da Tip do Jornal do Comércio »>sta: "Cada uma delas, no ROZO dessa faculdade' . 36 V. nota 26.
  • 35. TRABALHOS JURÍDICOS 25 A liberdade, a concorrência, desaparecem,'6 aqui, por efeito de uma impossibilidade material; e desapareceriam17 ante essa impossi- bilidade, invencivelmente, ainda quando não houvesse outros servi- ços a reclamar e dividir entre si o espaço aéreo, o solo e o subsolo das ruas. Mas quantas não são as indústrias necessárias, cujas cana- lizações, por tubos, galerias, fios e carris, revolvem o solo nas cida- des, cortam-lhe a superfície das ruas, e se lhe perlongam uns aos ou- tros, ou se entrecortam no ar, criando a cada passo embaraços, de- formidades, ou perigos? Temos as águas fluviais, os esgotos, as transvias, o gás, a luz elétrica, o telégrafo, o telefone, cujos arames, cujos canos, cujos tri- lhos, cujas galerias se emaranham numa rede subterrânea e numa teia aérea, onde já dificilmente se orientam e mantêm independentes as várias linhas, paralelas ou entrecruzadas. Sobrevém ainda a ele- tricidade como força motriz. E vão lá declarar, nesse campo, através dessa meada, a liberdade industrial. Vão permitir, em nome desta garantia constitucional a concorrência, a rivalidade, a luta entre quantas empresas se propuserem a distribuir nos centros populosos eletricidade em luz, ou eletricidade em energia, aumentando ainda, e indefinidamente, o novelo, quase inextricável, de conduções aéreas e subterrâneas, onde já tão a custo se evitam os conflitos, os riscos, os danos à conservação das ruas, à liberdade do trânsito, à saúde da população, à segurança e à vida dos transeuntes. Dadas a natureza e as circunstâncias do suprimento de tais co- modidades nos distritos urbanos, as organizações, que o exploram, já não são, propriamente falando, indústrias particulares, mas serviços públicos, em relação aos quais a administração opta entre o arbítrio de os confiar a capitais privados e o de os entregar às muni- cipalidades, tendência esta que entre os países mais livres vai ga- nhando imenso terreno. Sob qualquer das duas formas, porém, ou exercido por companhias, ou avocado a si pelos governos locais, é o monopólio o que reina, neste particular, sem que nele se exercesse, afirma à liberdade das indústrias38 , proclamada nas constituições. Este caracter de "serviço público" foi altamente declarado, com respeito às companhias de gás, pela Suprema Corte dos Estados Unidos na causa New Orleans Gas Co. v. Louisiana Light Co.: 36 Na edição da Tip. do Jornal do Comércio está. "a liberdade da concorrência desaparece.". 37 Na edição da Tip. do Jornal do Comercio esta: "desapareceria". 38 Erro evidente. Na edição da Tip. do Jornal do Comércio está: "nesse particular, sem que ne- le se enxergue ofensa a liberdade das indústrias", que é o correto.
  • 36. 26 OBKAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA We have seen that the manufacture of gas. and its distribution for pu- blic and private use by means of pipes laid, under legislative authority, in the streets and ways of a city, is not an ordinary business in which every one may engage, but is a franchise belonging to the government, to be granted, for the accomplishment of public objects, to whomsoever, and upon what terms, it pleases. It is a business of a public n a t u r e . " Ora a doutrina admitida a respeito do gás tem a mesma aplica- ção à eletricidade: There is no difference in principle between the two cases. Electric-light wires are. like gas pipes, a means of furnishing light from a central source of supply, and wether they are carried in tubes un- der the street, or strung on poles overhead, it would seem that their legal relations to the streets and highways must be analogues to those of gas pipes, and that it is safe to refer to the law governing gas pipes for the principles applicable to the electric-light wires.44 ' lorsque l'éclairage électrique sera appliqué a un éclairage général, comme les fils conducteurs devront emprunter le dessous ou le dessus de la voirie, l'exploitation sera soumise aux mêmes règles que celles de l'é- clairage par le gaz. mutatis mutandis.4 1 E, como a ratio decidendi consiste nessa necessidade, em que as empresas de iluminação elétrica, tanto como as de iluminação a gás, estão, de ocupar, aérea ou subterraneamente. as ruas com os condu- tores do fluido, que se não pode canalizar de outro modo, óbvio é que, estando, sem diferença nenhuma, nas mesmas condições a dis- tribuição da eletricidade como força motriz, a mesma justificação que se estabelece para o monopólio nos dois primeiros casos o legiti- ma e impõe no terceiro. Se, como nos ensina Dillon, autoridade clás- sica no assunto, "a essência da concessão não consiste no direito ex- clusivo de fabricar gás, ou luz, mas na faculdade exclusiva de os ca- nalizar pelas ruas",'*' manifesto é que a mesma inexeqüibilidade ma- terial, oposta à concorrência no tocante à distribuição da luz a gás 39 THAYER, James Bradley. Cases on Constitutional Law. 1895. pt 4, p 1 777. 40 KËASBKY. Edward Quinton The Law of Electric Wires in Streets and Highways. 2. éd.. § 28. p. 33 e § 107. p. 132. 41 PICA*». Edmond PI alii I'andectes Beiges. 1890. t. 34. n° 55. col. 623. {31 Since the essence of the franchise is not the exclusive right to manufacture and supply gas or light, but only the right to lay down pipes in the streets (which in the nature of the case all persons cannot have) the Supreme Court of the United State* have sustained the validity of such an exclusne legislative grant when not in conflict with some special provision of the Constitution of the State" (l)ii.iov. John F Commentaries on the Law of Municipal Corporations. 4. éd.. vol 2. § 695. p. 826.)
  • 37. TRABALHOS JURÍDICOS 27 ou elétrica, exclui a concorrência, no que respeita ao fornecimento da eletricidade como calor ou energia. Irracional seria considerar adscritas à norma da concorrência, isto é, da liberdade industrial, matérias, que, pela natureza das coi- sas, a repelem. A Constituição nào podia querer implantar o regimen da indústria livre num domínio, onde a livre indústria é material- mente irrealizável. Ai o monopólio é legitimo, porque é necessário. Temos, a este respeito, eloqüente lição na causa State of Iowa, Appt.. v. C F . Santee (111 Iowa. 1), julgada, em abril de 1900. na Su- prema Corte desse Estado. A sentença principia, acentuando o odio- so dos monopólios e a sua incompatibilidade, em regra geral, com a Constituição americana'- ". Mas reconhece que "indubitavelmente lícito será conceder privilégios exclusivos, quando forem de todo em todo necessários": Exclusive privileges and franchises may. no doubt, be granted when absolutely necessary. " E o anotador do julgado nos Lawyers' Reports Annotated ponde- ra que nessa fórmula se nos depara o verdadeiro critério, para discri- minar a validade ou invalidade, no exame das leis que instituírem monopólios. The position here taken seems to suggest the true criterion for deter- mining the validity or invalidity of statutes creating monopolies in com- mon rights." Amplamente explanada se acha a mesma doutrina em uma sen- tença da Corte de Apelação de New York no caso People of the State of New York, ex rel. George Tyroler, Appt., v. Warden of the New York City Prison, Respt. Aí se estabelece que as necessidades da higiene, da moral, da segurança comum e do bem público restringem, legitimamente, os direitos reconhecidos aos indivíduos pela Consti- tuição do Estado, permitindo ao legislador estabelecer privilégios e isenções, que os contrariem.'*' E esta lição oferece ao comentador en- HI Special privilèges and monopolies aro Hlways obnoxious, and discriminations against per- sona or cla$ses still more so. The Constitution of the United Slates forbids legislation by the aisles, that *hall abridge lhe privileges or immunities of the citizens of the United Staten. or deny to any person within their jurisdiction the equal protection of the law»." {The lawyers Reports Annotated, vol 53. p. 766 7 No mesmo seniulo. Dii.ixis. John P., ob. cit . p. 825.) 42 The Lawyers Reports Annotated. vol S3, p. 767. 43 Id .ih.. p 764 151 "It ia the duly of the court» to examine legislation complained of a* in violation of the rights Secured to the citizens by the Constitution, for the purpose of ascertaining whether the health, morals, safety, or welfare of lhe public justifies its enactment " {The Lawyers Reports Annotated, vol. 43, p. 270 )
  • 38. 28 OBRAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA sejo de reafirmar, numa síntese da jurisprudência corrente, que os monopólios se justificam, em os prescrevendo a necessidade, ou ca- bendo na esfera das medidas em cujo círculo gira esse "poder de polícia", ao império do qual se confia a ordem pública, a segurança da população e a higiene geral. If the necessity and reasonable adaptation of the monopoly lo the ac- complishment of a legitimate police purpose furnish the true criterion, it would seem that before applying these general constitutional provisions to a statute creating a monopoly, it is necessary to determine, indepen- dently of them, whether or not the monopoly is necessary and reasonably adapted to the accomplishment of a legitimate police purpose.M Temos, assim, monopólios justificados, primeiramente, pela ra- zão da impossibilidade material na concorrência. Temos, depois, os monopólios estribados nas razoes administrativas de polícia: morali- dade, salubridade, ordem. Temos, em terceiro lugar, os monopólios de base econômica, ou porque se trate de serviços obrigados a enor- mes capitais, que a concorrência afugentaria, ou porque seja a hipóte- se de cometimentos, em relação aos quais maior vantagem derive o público da sua concentração privilegiada numa só empresa que da sua dispersão entre muitas. A este último propósito escreve um professor de Direito america- no: The right to a monopoly is the right to exclude all other persons from participating in some common privilege which the monopolist enjoys. The power of the sovereign to exercise or to grant this right is limited, by the principles of modern law. to cases in which the public will derive a grea- ter benefit from the concentration of the privilege in one person than from its diffusion among many. l...| Monopolies are bestowed on private corpo- rations to induce them to embark in public enterprises, which would not be undertaken where the business of the corporation to be open to compe- tition, such as water or lighting companies, street or steam railways, fer- ries or bridges. " Muitas são, por conseguinte, as categorias de monopólios reconhecidamente constitucionais sob os regimens cujas constituições consagram a liberdade ampla de indústria e trabalho. Justas são estas exceções à regra normal, primeiramente quando obedecem a uma necessidade econômica, administrativa ou material. E a esta, pelo menos, se não às duas outras, cede o princípio consti- +4 Id.ib., p. 765. 46 ROHINSON. William C. Elements of American Jurisprudence, 1900. § 103, p. 108-9.
  • 39. TRABALHOS JURÍDICOS 29 tucional, quanto aos monopólios urbanos de luz e eletricidade, uma vez que a viação pública é uma quantidade limitada, e ainda se não descobriu meio de lhe imprimir a elasticidade, que a coexistência li- vre das empresas particulares demandaria. Justas são, ainda, quando não ofendem a direitos individuais; e não se poderia seriamente dizer que fira direitos individuais o privi- légio, concedido a uns e negado a outros, pelo Estado ou pelo Mu- nicípio, de utilizar para fins industriais de interesse geral as ruas de uma cidade. There a mere privilege was granted by a city in the use of its streets. No question of natural right was involved. In the grant of special privile- ges, no doubt, a monopoly may be created, without violating the constitu- tional inhibition." Ainda são justas, quando os direitos, objeto da outorga privile- giada, não existiriam na ausência dela, e só por efeito dela se estabe- lecem. Ora, ninguém pretenderá que, antes da concessão da autorida- de competente, assista a empresa alguma, ou a alguma pessoa, o jus de abrir o leito das ruas, ocupar-lhes a superfície, guarnecê-las de postes, trafegá-las de linhas férreas, enleiá-las em cabos, sulcá-las de correntes elétricas. Tais faculdades, pois, não são de natureza cons- titucional, mas de criação administrativa. Ninguém a elas tem direi- to. Antes são, de sua natureza, monopólios que se impõem, e contra os quais não se pode reclamar. Where the grant is of a franchise which would not otherwise exist, no question can be made of the right of the State to make it exclusive, unless the Constitution of the State forbids it; because, in contemplation of law, no one is wronged when he is only excluded from that to which he never had any right." São justas enfim, quando se trata de "faculdades privativas do governo" e "serviços de caracter público", averbação em que a Su- prema Corte dos Estados Unidos capitulou o fabrico e a distribuição urbana do gás""; sendo, portanto, inegável que sob a mesma defini- ção jurídica se inscrevem as empresas organizadas para fabricar e distribuir a eletricidade. 46 State of Iowa. Appl.. v. C. F. Santee. The Lawyers Reports Annotated, vol. 53. p. 767. 47 CootEY, Thomas M A Treatise on the Constitutional Limitations. 7 éd.. p. 401. (6l New Orleans Gas Co v. Louisiana Light Co. apud TIIAYKK. James Bradley. Cases on Consti- tutional Law. 1S95. pt 4. p. 1.777.
  • 40. 30 OBRAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA Náo obstante, há quem se lembre de classificar entre "as profissões", de que o art. 72, § 24, da Constituição federal deixa à in- dústria particular a liberdade sem reservas, a exploração do comér- cio da eletricidade mediante canalização pelas ruas do povoado. Ainda bem que. entre nós, como nos Estados Unidos, se acha as- sente a jurisprudência federal sobre os monopólios desta natureza. Já por acórdão proferido em 18%, na Apelação n? 193, decidira o Supremo Tribunal Federal que sendo expressamente limitado pelos privilégios instituídos nos parágrafos imediatamente seguintes, a bem do interesse privado, a disposição exara- da no art. 72, § 24 da Constituição, declarator!a e mantenedora da liberda- de profissional e industrial, contém as restrições postas (.. | pelo Direito Civil e Comercial e pelas leis de policia, sem as quais não há ordem nem liberdade; e sofre a exceção de privilégios constituidos a bem da utilidade publica, como sejam os concernentes aos serviços de iluminação e viação e as linhas telegráficas e telefônicas, que o Estado estabelece e dirige di- retamente por meio dos seus funcionários ou indiretamente por meio de empresas, a que os concede ou transfere sob condição de uma tarifa.4 " Na enumeração, que aí se vê, dos serviços susceptíveis de mono- pólio, procedia o Supremo Tribunal Federal, não taxativa, mas exemplificatîvamente; de modo que o julgado concluiu sancionando um privilégio de fornecimento de carnes verdes, cuja anulação por inconstitucionalidade se demandara. Depois, no pleito recente entre duas empresas aqui estabeleci- das, a Sociedade Anônima do Gás e a Companhia F. C. Jardim Botânico49 , a última das quais averbava de inconstitucional o privilé- gio da outra quanto à eletricidade, pretendendo utilizar a gerada pa- ra tração dos seus veículos, a fim de ministrar luz pelos seus cabos, através das ruas, a outras estações, aliás do seu próprio serviço, o Supremo Tribunal Federal reconheceu em toda a sua plenitude, como constitucional e inexpugnável, o monopólio da iluminação elétrica na capital do país. Foi a este respeito que dei o parecer acima aludido. Adotando a doutrina ali defendida50 , o Supremo Tribunal Federal: Considerando que a concessão feita a apelante pelo Dec. n? 3.329. de ? de julho de 1899, para a iluminação desta cidade do Rio de Janeiro, não 18 Apud C|avolcânti|. João Barbalho U Constituição Federal Hrazileira. Cornmentanos. 1902. p 331. 49 Apelação CíV»l n" 1 049. cilada 50 Na edição da Tip do Jornal do Comerem esta "difundida".
  • 41. TRABALHOS JURÍDICOS 31 acordou é um privilégio contrário ao art. 72. § 24 da Constituição federal, onde o que a Constituição garante, é o livre exercício de qualquer profissão, que possa ser exercida por todos, em proveito para cada um: nào a exploração de serviços que somente por uma pessoa ou uma associação podem ser executados, como o fornecimento de água. os esgotos, canais, telégrafos; serviços que nào constituem, propriamente, privilégios, e sobre os quais tem de prover a administração pública, que os executa por si, ou os con- trata, acauteladas as garantias convenientes, condições de boa execução, tarifas, reversão, etc. Considerando que o objeto da concessão nao é um invento industrial, qual o garantido pela Constituição. § 25 do art. citado, e protegido pela Lei n? 3.129, de 14 de outubro de 1882: dar provimento à apelação, para, reformando a sentença apelada, julgar válida a concessão. *' Isto posto, que o privilégio da Eclairage com relação à eletricida- de, enquanto luz e enquanto força, na capital da Bahia, é constitu- cional, perante a lei fundamental da União e a do Estado, nào sofre, a meu ver, dúvida nenhuma. Por uma incongruência curiosa, os que o tacham de inconstitu- cional quanto à eletricidade como força, o respeitam quanto à eletri- cidade, como luz. Por quê? Num e noutro caso o objeto do comércio é a mesma eletricidade; num e noutro o processo de fabrico, os condu- tores do produto, o sistema da sua distribuição pública e particular são os mesmos; num e noutro, mesmamente, o uso das ruas públicas é a base da exploração industrial do serviço; num e noutro, identica- mente, ele se ressente de iguais dificuldades, envolve os mesmos ris- cos, e cria, entre as empresas e o público, entre as autoridades e as empresas, o mesmo gênero de relações, exigindo as mesmas garan- tias, e impondo os mesmos deveres. A analogia, pois, entre as duas situações é, jurídica e materialmente, rigorosa. Como se explicaria, logo, que, num caso, fosse constitucional o monopólio, e. no outro, inconstitucional, que a Constituição tolerasse o monopólio da eletri- cidade como fluido iluminante, e vedasse o monopólio da eletricidade como fluido motor? II As Leis de 1902 e 1905 As Leis estaduais nf 478, de 1902, e n? 634. de 1905. regulamenta- da pelo Decreto n? 389. de 1906, dirimiram a concessão privilegiada, feita a Chagas Dória, Brisson & Cia. em 1901? 51 Acórdão de 16 de junho de 1906. Apelação cível n° 1.049.
  • 42. 32 OBRAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA Antes de mais nada, vejamos se à municipalidade assistia com- petência, para fazer tal concessão. É a primeira verificação, que se impõe à solução jurídica do que- sito. Ora, não se pode hesitar na resposta. A competência municipal a respeito desse ato era indubitável. Deriva ela, com a maior clareza, do estatuído na Constituição da Bahia, art. 109. § 10, onde se declara: Os conselhos terão autonomia em tudo quanto for do peculiar interes- se do município, competindo-lhes: Legislar por meio de posturas sobre estradas, ruas, [...] iluminação [...]; assim como sobre viaçào urbana e os demais serviços e obras de in- teresse local. " Segundo esse mesmo artigo, nas suas palavras iniciais, regulada seria essa competência por uma lei especial: "Uma lei orgânica especial marcará as atribuições dos conselhos municipais, de acordo com as seguintes disposições"." Seguem-se ali, com efeito, as disposições articuladas na Consti- tuição como bases à prometida lei orgânica, uma das quais, acaba- mos de vê-lo, depois de enumerar certas especialidades, a cujo res- peito se atribui aos conselhos municipais a faculdade irrecusável de legislar, a estende a todos os "serviços e obras de interesse local". E já no intróito do art. 109 se reconhecera aos conselhos "autonomia em tudo quanto for do peculiar interesse do município". Consagrada com esta solenidade constitucional, essa "auto- nomia", extensiva a "todos os interesses peculiares do município" e todos os "serviços e obras de interesse local", a lei orgânica munici- pal não a poderia cercear, ou sujeitar à hierarquia de outros poderes. Ora não se poderia negar a sério que entre os interesses peculi- armente municipais, entre os serviços de particular interesse local, se inclua e avulte em alta saliência a distribuição pública e domésti- ca da eletricidade sob as suas transformações industriais de luz, ca- lor e força. Árbitros, portanto, do regimen conveniente a tais serviços, árbi- tros por força da autonomia que a tal respeito a Constituição esta- 52 Constituição do Estado da Bahia, cit. 53 Id.
  • 43. TRABALHOS JURÍDICOS 33 dual lhes conferia, os conselhos municipais, em considerando essen­ cial ao serviço urbano da eletricidade a forma das concessões privile­ giadas, estavam na órbita constitucional do seu poder, imprimindo­ lhes esse molde. Nem a Lei estadual n? 478, de 1902, lho tolhe. Bem ao contrário, este ato legislativo expressamente legitima o regimen do privilégio, aplicado aos melhoramentos municipais. A consagração deste princípio está manifesta no art. 35, § 16, n? 7, onde se diz que "com­ pete ao conselho municipal estabelecer normas" sobre concessão de zonas privilegiadas, dentro do município, para construção e exploração de estradas de ferro, linhas de tramways, ascensores e quais­ quer outros meios de viaçâo e transporte, favores a invenções e intro­ duçâo de melhoramentos de acordo com as leis em vigor, e sem prejuízo dos concedidos pela União ou pelo Estado.**♦ Ao que se acrescenta, no § 17: Estabelecer bases para contractes de serviços ou fornecimento municipais, que devam ser feitos pelo intendente com indivíduos ou empresas." E, ainda, no § 18, n? 21: Prover sobre: Tudo quanto possa interessar à saúde, bem­estar e segurança dos municipes. *• Aferida, pois, segundo o contraste jurídico da Lei de 1902, a con­ cessão municipal de 1901 não só o contraria", senão que o respeita estrictamente: 1? porque é sem dúvida alguma que a criação do serviço de for­ necimento de luz e força elétrica à cidade e aos seus habitantes im­ porta na introdução de um melhoramento; 2? porque esse melhoramento constitui um serviço estabelecido no município, tem como perímetro de ação o do território da munici­ palidade, só aproveita a ela e aos seus munícipes, e é, por conseguin­ te, um serviço municipal; 64 Leia e Resoluções do Estado da Bahia do Anno de 1902. 66 Id. 56 Ibidem. 67 Na edição da Tip do Jnrnnl do Comercio esta: "nâo so náo contraria­ *.
  • 44. 34 OBRAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA 3? porque ele forma, e devia formar, objeto de um contractu ce- lebrado entre o intendente e uma empresa; 4? porque interessa essencial e exclusivamente ao bem-estar e à segurança dos municipes; 5? porque facultando ao conselho municipal o arbítrio de tra- çar, para tais serviços, "zonas privilegiadas" nos limites do mu- nicípio, nào lhe vedou a lei optar por uma zona só, em vez de mui- tas, extensiva a todo o território da municipalidade, quando a natu- reza da especialidade, ou as vantagens de uma organização mais profícua o aconselhassem; 6" porque, nos termos em que se fez, nào envolve prejuízo a concessões da Uniào, ou do Estado. Realmente, as únicas, anteriores a esse contracto, onde se cogitava do uso da eletricidade em serviços de caracter público, eram as que permitiam às linhas de carris urba- nos o emprego desse meio de tração. Ora, a faculdade concedida, neste particular, a essas empresas ficou explicitamente ressalvada no contracto municipal de 1901 com Chagas Dória. Brisson & Cia., cuja cláusula 1." termina declarando: Fica exceptuado do privilégio concedido por esta cláusula o emprego da força motriz, por meio de eletricidade, para o serviço de tramways. Aliás não recorro à Lei de 1902 senão como a um subsídio autori- zado na interpretação do texto constitucional. Não existisse ela, e es- te bastaria, entendido à luz das tradições do nosso Direito Adminis- trativo e da praxe corrente entre as nações livres, para evidenciar que aquele contracto não ultrapassava as raias da competência mu- nicipal; visto como nunca se duvidou que seja da esfera de ação pe- culiar aos administradores locais organizar os serviços congêneres ao de que se trata, como o d'agua. o da viação férrea urbana, o da iluminação pública e particular, concentrando-os nas mãos de empre- sas privilegiadas. Não se pode negar, portanto, que a concessão de 1901, hoje per- tencente à Compagnie d'Eclairage, fê-la quem legitimamente a podia fazer, e nos limites do que legalmente podia. Já se apurou que no Ato Legislativo n? 478, de 1902, ela não en- contra contradição, mas, ao contrário, apoio visível e amplo. Mas a Lei de 1905? Está ela em antagonismo com a concessão de 1901? E. caso esteja, tem ação jurídica, para a rescindir, ou modifi- car? A Lei n? 634, de 29 de dezembro de 1905, promulgada na Bahia, autorizou o governo desse Estado
  • 45. I TRABALHOS JURÍDICOS 35 a regular e fomentar o aproveitamento e utilização das forças hidráulicas do domínio particular, existentes no Estado, para a exploração industrial da energia elétrica, concedendo, mantido o regimen da liberdade aos par- ticulares ou empresas que se mostrarem, devidamente, habilitados, para tal fim/" vários favores, ali particularizados. Nào vale a pena de questionar se esta lei, geral como é a todo o Estado, teve em mira nulificar a especialidade da situação legal especialmente assegurada aos concessionários do contracto de 1901 quanto ao município da capital da Bahia, contra a regra imperiosa em matéria de interpretação legislativa, que lex generalis non dero- gat speciali.'"' Parece evidente, aliás, que sendo o futuro o horizonte da lei, lex prospicit, non retrospicitb0 , esta, ao declarar que, nas concessões destinadas à exploração industrial da energia elétrica, hidraulica- mente gerada, se manteria o regimen da liberdade, olhava unicamen- te às concessões vindoiras, guardado o respeito que sempre se deveu à santidade dos contractus. Admitamos, porém, que outro fosse o intuito do legislador baia- no, ao adotar a Lei de 1905; figuremos que ele quisesse fazer tábua rasa das concessões, dos contractos preexistentes, quando contrários ao princípio da liberdade absoluta em matéria de exploração indus- trial da eletricidade aplicada à obtenção da força. Teria essa vontade legislativa algum valor? Não: juridicamente, constitucionalmente, não tem valor nenhum. Confrontem-se as datas. O contracto é de 1901. Ë de 1905 a lei. Pode uma lei posterior dissolver as obrigações contraídas numa convenção anterior? Não. As concessões são contractos. Contractos de Direito Público, se quiserem'", mas contractos. 58 Leis e Resoluções do Estado do Bahia no Anno de 1905. 09 "limn lei jjeral nau tlvrroga a lei especial." 60 "A lei prove para o futuro, nao retroage." (71 üiiii-UiUARD. Jean Notion Juridique des Autorisations, des Concessions Administratives des Actes d'Exécution. 1903. p. 282-312.
  • 46. 36 OBRAS COMPLETAS DE RUI BARBOSA A de que se trata, em especial, revestiu, declaradamente, essa forma jurídica, dizendo-se, no intróito e no fecho da escritura, que as partes "assinam o presente contracte)", "obrigando-se mutuamente a cumpri-lo. e fazê-lo cumprir". Ora, a lei que revoga contractos anteriores, é uma lei retroativa. Toda a doutrina da retroatividade das leis quanto as obrigações as- senla no principio de que da validade, do conteúdo e dos efeitos das obri gaçóes e dos contractos se deve decidir segundo a lei vigente no dia em que os concluímos.*' Este princípio fundamental "é reconhecido universalmente"."' Mas entre nós, de mais a mais, tem ele uma altura suprema, con- sagrado, como foi, pela Constituição do país, cujo art. 11, n? 3, de- clara "vedado aos Estados, como à União: [...] prescrever leis retroativas".1 " No Direito americano, sob cujo regimen nos pôs a Constituição de 24 de fevereiro, condensando e generalizando nessa fórmula am- pla e absoluta o disposto fraccionária e, talvez, menos completamen- te na Constituição dos Estados Unidos"", nunca se contestou que as concessões, locais ou estaduais, de privilégios ou monopólios sobre serviços de interesse público, organizados em empresas particulares, sejam inaccessíveis, na estabilidade jurídica das suas obrigações, ao império das leis posteriores. Digam por mim as autoridades. Dillon: A concessão de um privilégio por ato legislativo''" pode constituir um contracto irrevogável, cujos vínculos de obrigação as leis posteriores náo logrem destruir, ou alterar.'"" 61 G IÍP. C. F. Teoria delia Itetroatlivita délie U'ggi. ;J ed , vol. 4. p. 7. 62 Loc. cit. 63 Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brazil, cit. (8) Na Constituição dos Estados Unidos o proibição das leis retroativas se exprime num enuncia- do analítico e fragmentário, onde so algumas dessas espécies de leis se designam "A/o State shall l-.-l pass any I .I ex post facto law. or law impairing the obligation of contracts." IBAKEH, A. J. Annotated Constitution of the United Sûtes. 1891. art 1°. secç 10, p l.XXV.) (9) Na espécie vertente a concessão se fez por obra de uma lei municipal. Pouco importa a ori- gem, federal, estadual, ou municipal, do ato legislativo Em sendo compétente, valido é 0 con- tracto: e. sendo valido, nao o poderia abalar a lei subseqüente, sem incorrer em retroativida- de. (10) "The grant of a franchise by the legislature may constitute an irrevocable contract, the obliga- tion of which cannot !*• destroyed or impaired by subsequent legislation " (I)n u>. John F. Commentaries on the Law of Municipal Corporations, cit., p. 827, n. 3.)
  • 47. TRABALHOS JURÍDICOS 37 Cooley: Segundo os arestos da Suprema Corte federal, a concessão de privilé- gios exclusivos pelo Estado, quando legalmente feita, é um contractu, não sujeito a revogação.'1 " Campbell Black: [...| semelhantes concessões constituem contractos, os quais nenhuma le- gislatura mais pode resistir, ou modificar."" Cabe na competência da legislatura investir uma companhia no privi- légio exclusivo de suprir a uma cidade e aos seus habitantes gás de ilumi- nação, mediante canalização pelas ruas. e que uma concessão tal não se pode rescindir, ou baldar, por ato posterior d a legislatura."" Brannon: Contra essas outorgas e contractos exclusivos, concedidos, com longo prazo, pelas municipalidades, investindo a pessoas ou companhias em privilégios absolutos de fornecer gás. luz, água e outras coisas de seme- lhante gênero, bem como contra as isenções de impostos, se têm levanta- do grandes protestos, e várias decisões estaduais {state decisions) lhes têm negado validade. Mas a persistência da Suprema Corte federal em sustentar esses atos e soberana e decisiva, estabelecendo que tais conces- sões» envolvem direitos patrimoniais, escudados pela 14? emenda à Consti- tuição federal e pela clausula desta que veda aos Estados adoptar leis. que nulifiquem obrigações resultantes de contractos."4 ' (HI "Under the rulings of the federal Supreme Court, (he grant of any exclusive privilege by a Sta- le, if lawfully made, is a contract, and not subject to be recalled." (COOI.KY. Thomas M. A Trea- tise on the Constitutional Limitations. 7. éd.. p. 401.) (121 '*|...| it may now be regarded as settled law (como direito assente) thai it is within the power of the legislature, when not forbidden by the organic law of the State, to grant to a corporation exclusive rights and privileges in the pursuit of its business, and that such grant constitutes a contract which no subsequent legislature can revoke or impair. " (BLACK. Henry Campbell. An Essay on the Constitutional Prohibitions. 1887. § 60. p 61.) (13) "So also it is competent for the legislature to invest a corporation with the exclusive privilege of supplying a city and its inhabitants with illuminating gas, by means of pipes and conduits laid in the streets or other public ways of the city-, and such a grant cannot be repealed or ren- dered nugatory by a subsequent legislature." tfd.. /b.. p. 63-4.1 Hào de notar que nestes excertos americanos se fala sempre em Estado e legislatura. E que. no Direito americano, as ruas das cidades pertencem ao Estado, e deste, mediante as cartas de incorporação e os atos legislativos municipais, emana a autoridade do município sobre a viaç&o urbana eodos os outros interesses da localidade. (Cf. DII.U>N. John K . ob cit.. <j 6K.'i. p. 811 KKASBKY. Edward Quinton. The Law of Electric Wires in Streets and Highways, cit.. § 30. p 34 e § 34. p 38.) Isto. porém, bem se vé. em nada altera a teoria jurídica sobre a nature- za contratual das concessões e a sua irrevogabüidade por ação retroativa das leis- 114) "| | but the holding of the United States Supreme Court sustaining them is paramount and controlling, as these grants involve rights of property under the Fourteenth Amendment and rights under the clause of the federal Constitution restraining states from impairing the obli- gation of contracts " (BRANNON. Henry. A Treatise on the Rights and Privileges Guaranteed by the Fourteenth Amendment to the Constitution of the United States. 1901. p. 370.1 i
  • 48. 38 OBRAS COMPLETAS OE RUI BARBOSA W. C. Robinson: Os monopólios (...) quando conferidos nos atos de incorporação das companhias, formam parte do seu contractu com o Estado, contracte que se nào pode alterar por leis posteriores, salvo se nele declaradamente se reservou tal faculdade."*' Lawyers' Reports, Annotated: O ato concedendo a Citizens' Company faculdade, para ocupar as ruas de Indianapolis, uma vez aceito e utilizado, é um contracto, que a le- gislação ulterior nfio poderá ofender.'"" Não menos de onze julgados apoiam, ali, esta proposição. Escu- sado será indicá-los num escrito já tão dilatado. Baste recordar a lin- guagem da Suprema Corte federal no caso Delaware Road Tax (18 Wall. 206), reiterada no julgamento do pleito New Orleans Gas Co. v. Louisiana Light Co. (115 U. S. 650), onde se qualificaram as conces- sões privilegiadas para a iluminação a gás como contractus com o Estado, sujeitos à disposição constitucional que veda retroatividade aos atos legislativos: a contract between the State and its corporators, and within the provision of the Constitution prohibiting legislation impairing the obligation of contracts.M A inviolabilidade atribuída a esses contractos, como aos demais atos jurídicos de natureza contratual, tão longe vai, que, uma vez feitos, nem as próprias constituições dos Estados os podem invalidar, ou prejudicar. Introduzida na Constituição de Louisiana, em 1879, uma cláusula que extinguia os monopólios, com ela se argumentou, no litígio a que, há pouco, aludi, contra o monopólio da Louisiana Light Co., pretendendo-se que ele expirara ante aquela disposição constitucional. Mas a Suprema Corte dos Estados Unidos rejeitou o argumento e a pretensão, num trecho memorável, onde se estabelece (15) "Monopolies art' bestowed on private corporations to induce them to embark in public enter- prises which would not tie undertaken where the business of Lhe corporation to be open to com petition, such as water or lighting companies, street or steam railways, i&rries or bridges, and when conferred in their charter are a part of iheir contract with the State, which cannot be im paired by subsequent legislation unless the power to do so was definitely reserved " (ROIIIKSON. William C. Elements of American Jurisprudence, cit.. {> 103. p 109 ) (16) "The ordinance granting the Citizens Company a license to occupy the streets of Indianapolis, when accepted and acted upon, is a contract, which cannot be impaired by subsequent legisla- tion." (Indianapolis Cable Street R Co . .4pp£ . v. Citizens Street K Co Lawyers' Reports. Annotated, vol. 8. p 541 I 64 V THAYER, James Uradley. Case* on Constitutional Law. 1895. pi 4. p 1.774.