GESTÃO FISCAL PREFEITURA DE SÃO PAULO DE RICARDO NUNES
Machete e a suspensão de direitos fundamentais
1. Machete e a suspensão de direitos fundamentais
Durante muitos anos mal ouvíamos falar do Chancerelle de Machete,
confortavelmente acampado na FLAD – Fundação Luso-Americana para o
Desenvolvimento. Elevaram-no a ministro e o homem aproveita-se do poleiro
para dizer “coisas” para uma imprensa servil que lhe coloca o microfone à
frente. O já pouco brilhante Machete, próximo dos Mobutus angolanos deu
ontem um contributo sinistro à sua imagem. Desenvolveu esta ideia, claramente
fascizante:
"Os direitos fundamentais sociais têm de assentar num
desenvolvimento económico compatível com o nível de satisfação
desses direitos e isso é uma tarefa prioritária que pode justificar aquilo
que os juristas classificam como certas restrições aos direitos
fundamentais, prontas a serem levantadas logo que o desenvolvimento
o permita".1
Baseando-se em colegas dele, juristas, certamente imaculados defensores da
democracia, subordina esta última aos indicadores económicos; aliás, outra
grada figura do seu partido, Ferreira Leite, anos atrás já havia referido que se
deveria suspender a democracia. Por seu turno, também Passos já havia lançado
o mote quando aconselhou a emigração a centenas de milhares de pessoas,
retirando-lhes o direito de viverem na sua terra, junto de familiares e amigos.
Nesse campo, Passos teve a frontalidade que Salazar não apresentou ao obrigar
a atravessamentos da fronteira a salto mas, sorrindo com a entrada de remessas
em divisas. A ideia da suspensão dos direitos deverá, pois, ser transversal
dentro do gang PSD.
O arguto Chancerelle entende que há um limite mínimo para a vigência dos
direitos fundamentais – expressão, associação, greve, manifestação – abaixo do
qual aqueles direitos deverão ser suspensos, por decisão da AR. Na realidade, o
atual regime já vem limitando o exercício dos direitos sociais - saúde, educação,
habitação, circulação, de aposentação e de pensão. Certamente, continuarão a
manter as romarias eleitorais porque a colocação de votos em urnas dá à plebe
a ideia de que tem o direito de escolher alguma coisa na área da governação.
1 http://www.noticiasaominuto.com/politica/304827/crise-pode-justificar-restricoes-aos-direitos-fundamentais
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2. A Constituição admite a suspensão do exercício de direitos (artº 19º) “nos casos
de agressão efectiva ou iminente por forças estrangeiras, de grave ameaça ou
perturbação da ordem constitucional democrática ou de calamidade pública”,
termos que dão margem a várias interpretações, como é típico em textos
constitucionais. Aqui, o regime até pode utilizar facilmente a calamidade
pública como argumento e criando uma excepcionalidade avulsa ou sucessiva
para que o estado de sítio possa ultrapassar os 15 dias constitucionais (nº 5
daquele artigo). A autorização do estado de sítio ou de emergência cabe à
complacente AR (artº 138º) e a sua declaração formal compete ao Presidente da
República (artº 134, d)), cujo perfil dá todas as garantias para comportamentos
fascizantes.
Diz-se que um Estado tem por missão promover o bem-estar da população. Os
constantes cortes em rendimentos e direitos associados aos aumentos da carga
fiscal usados para alimentar uma dívida que não é utilizada para o bem-estar da
população, nem diminui, coloca em total ilegitimidade a governação PSD/CDS.
A suspensão dos direitos fundamentais proposta pelo Chancerelle constituiria
um selo aferidor dessa ilegitimidade e só poderia ser encarado pela população
como sinónimo de golpe de estado, de instauração de uma ditadura, a justificar
a revolta e o devido final do atual regime cleptocrático.
Quais os indicadores económicos subjacentes à sugestão do Chancerelle e qual
o seu nível? Durante as décadas que durará a suserania da UE enquanto a
dívida pública não chegar aos 60% do PIB? A queda do PIB em 10%? O
aumento da dívida pública para 150% do PIB? Depois de os níveis de pobreza
atingirem metade da população? O período de tempo necessário para o salário
médio se tornar equiparado ao de um vietnamita?
O Chancerelle anula de uma penada o caráter absoluto, irrevogável e
inalienável dos direitos fundamentais; provavelmente estará a pensar na sua
privatização a um consórcio internacional, eventualmente liderado pela sua
tutora Isabel dos Santos, com o argumento do pagamento da dívida.
Nas antigas colónias portuguesas, os direitos vigentes na chamada Metrópole
(muito limitados) só abrangiam brancos e assimilados; os “indígenas” só tinham
o direito de ser chibatados, de pagar o imposto de palhota e cumprir o trabalho
forçado. O Chancerelle sabe disso e pensa aplicar o modelo em Portugal,
substituindo os brancos e assimilados por empresários e banqueiros de
referência, a classe política e seus mainatos, equiparando os portugueses
comuns nos autóctones de terra conquistada. Chancerelle é um neocolonialista.
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3. Salazar também dizia que os portugueses não estavam preparados para a
democracia alegando o analfabetismo, a ruralidade, a tradição de obediência,
no campo, na fábrica, sob o campanário e, sobretudo sob a égide dos
predestinados para difícil condução dos destinos pátrios, isto é, do próprio
Salazar. Este era um fervoroso adepto da estabilidade política como aliás
acontece com todos os governos, sempre apreciadores da ausência de
obstáculos à mentira e ao roubo que os caraterizam; e para o evitar, os partidos
políticos eram proibidos. Ainda não estava madura a prática da democracia de
mercado, com um partido-estado e duas alas que se revezam mutuamente no
poder, sem que se altere nada de substantivo.
E por isso a ditadura de Salazar parecia aplicada a contragosto, paternalmente,
como um mal necessário para defender os bons e pacíficos portugueses das
más influências de gente subversiva, maldosa, a soldo de potências estrangeiras
para destruir a paz nacional, açambarcar as “nossas” colónias e gerar o caos.
A democracia não era para Salazar um direito absoluto de convivência humana;
a generalização de direitos individuais de expressão, divulgação, associação e
decisão sobre os interesses coletivos eram modernices pouco adequadas à
natureza dos portugueses e mais precisamente pouco desejadas por grupos
económicos débeis dependentes do apoio do Estado, dos salários baixos e de
limitações para as importações. Chancerelle estará, certamente, de acordo.
O que se prefigurará no círculo íntimo do gang governamental?
Não há instabilidade política em Portugal. Tudo é concertado numa monotonia
que rivaliza com a rotatividade dos programas televisivos – telenovela,
publicidade, futebol…. Na AR cada um cumpre o seu papel de apoio ao governo
ou com o chapéu de oposição, sabendo-se que os primeiros ganham sempre os
chamados debates parlamentares. A contestação social não existe e a nível
sindical tudo é previsível e ordeiro.
Assim sendo, para que pensam, Chancerelle e outros, na suspensão de direitos?
As greves não são muitas nem prolongadas pelo que a suspensão do direito de
greve pouco acrescenta. A contratação coletiva já pouco se usa, em detrimento
de contratos individuais e maioritariamente precários. A contestação popular ou
extra-parlamentar é muito escassa, desorganizada e politicamente infantil. Nada
neste cenário justifica que o SIS se movimente como uma nova pide.
No entanto…
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4. A dívida pública cresce apesar das reduções do nível do deficit; as exportações
não arrancam e as importações não caem a contento e há indicações de que
poderá ocorrer um segundo resgate. Esse resgate, a acontecer, não será
acompanhado por mais nenhum dos velhos PIIGS cuja situação não está tão
degradada como a portuguesa; nem sequer pela Grécia que tem melhorado os
seus indicadores económicos. Ou poderá ser substituído por uma saída do euro
e da UE se isso puder funcionar como alívio e alento a uma recuperação da
credibilidade da moeda; o que tornaria Portugal num pequeno pedaço
abandonado da Jangada de Pedra de Saramago.
É evidente que essas hipóteses configuram um desastre maior que o actual –
empobrecimento acelerado, redução do aparelho de estado às funções de
“soberania” - tropa, polícia tribunais e punção fiscal - com a maioria da
população lançada à sua sorte, minimizada pela caridade em vez de uma ação
social respeitadora da dignidade de cada um.
No caso de saída do Euro e da UE o cenário é dantesco: dificuldades de
exportação, importações muito caras porque obtidas tendo de permeio uma
moeda nacional em constante desvalorização. aumento astronómico da dívida
externa pública e privada medida em moeda nacional, inflação, perdas enormes
de poder de compra para aguentar um capitalismo atrasado e subalterno, com
a brutal repressão ajustada à desastrosa situação.
Estes cenários justificariam, para o gang governamental actual, uma suspensão
ad eternum dos direitos fundamentais. A hipótese colocada pelo Chancerelle
anda nos corredores do poder e o homem descaiu ou é ele que mandou os
bitaites à toa, levianamente?
Este e outros textos em:
http://grazia-tanta.blogspot.com/
http://pt.scribd.com/profiles/documents/index/2821310
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
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