SlideShare ist ein Scribd-Unternehmen logo
1 von 314
Downloaden Sie, um offline zu lesen
i
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Museu Nacional
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social
Um Rio Atlântico
Culturas urbanas e estilos de vida na invenção de
Copacabana
Julia Galli O’Donnell
Rio de Janeiro
2011
ii
Um Rio Atlântico
Culturas urbanas e estilos de vida na invenção de Copacabana
Julia Galli O’Donnell
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Antropologia Social do Museu
Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
orientada pelo Prof. Dr. Gilberto Cardoso Alves
Velho.
Rio de Janeiro
Janeiro de 2011
iii
Um Rio Atlântico:
Culturas urbanas e estilos de vida na invenção de Copacabana
Julia Galli O’Donnell
Tese submetida ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de
Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de doutora em Antropologia
Social.
Aprovada por:
_________________________________
Prof. Dr. Gilberto Cardoso Alves Velho – PPGAS/MN/UFRJ (Presidente da Banca
Examinadora)
_________________________________
Profª. Dra. Adriana de Resende Barreto Vianna - PPGAS/MN/UFRJ
__________________________________
Prof. Dr. Luiz Fernando Dias Duarte - PPGAS/MN/UFRJ
__________________________________
Profª. Dra. Maria Alice Rezende de Carvalho - PUC-RJ
__________________________________
Profª. Dra. Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti - IFCS/UFRJ
__________________________________
Prof. Dr. Federico Neiburg – PPGAS/MN/UFRJ (Suplente)
___________________________________
Profª. Dra. Myriam Moraes Lins de Barros – ESS/UFRJ (Suplente)
iv
O’Donnell, Julia Galli.
Um Rio Atlântico: culturas urbanas e estilos de vida na invenção de
Copacabana/Julia Galli O’Donnell. Rio de Janeiro: UFRJ/Museu Nacional, 2011.
xv, 298f. il; 31cm.
Orientador: Gilberto Cardoso Alves Velho.
Tese (doutorado) – UFRJ/ Museu Nacional/ Programa de Pós
Graduação em Antropologia Social, 2011.
Referências Bibliográficas: f. 290-301.
1. Antropologia urbana. 2. Rio de Janeiro. 3. Copacabana. 4. Estilos de vida. 5.
Cultura urbana. I. Velho, Gilberto Cardoso Alves. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Museu Nacional, Programa de Pós Graduação em Antropologia Social. III. Título.
v
Resumo
Copacabana é hoje uma das praias mais famosas de todo o mundo. Apresentada, em
diversos contextos, como símbolo da cidade do Rio de Janeiro ou até mesmo da
nacionalidade, ela concentra em torno de si imagens positivamente referenciadas a um estilo
de vida praiano e, na mesma medida, representações negativas acerca da grande
heterogeneidade social que marca a composição do bairro que a circunda. Esta tese busca, a
partir de tais constatações, compreender o processo de construção material e simbólica de
Copacabana, atentando para os mecanismos através dos quais determinados segmentos sociais
fizeram dela – e dos bairros da assim chamada “zona sul oceânica” – territórios ligados a
signos de prestígio e distinção social. Para tal, a pesquisa se concentrou nas três primeiras
décadas do século XX, período no qual Copacabana passou de um distante areal a um bairro
hegemonicamente associado a um estilo de vida moderno e sofisticado. Feita do
entrelaçamento epistemológico entre Antropologia e História, esta tese visa, desta forma,
apresentar uma etnografia do processo de construção identitária dos assim auto-denominados
“aristocratas” dos bairros atlânticos – de modo a entender tanto os mecanismos de gestão do
ethos praiano em torno do qual elaboravam sua diferenciação frente ao restante da cidade
quanto a dissolução e ressiginificação dessas marcas diferencias frente à complexificação
social que tomou corpo no bairro principalmente a partir da década de 1930.
Palavras-chave: Copacabana; Rio de Janeiro; Praia; Estilos de vida; Cultura urbana
vi
Abstract
Copacabana is nowadays one of the most famous beaches in the world. Presented
repeatedly as a symbol of Rio de Janeiro or even of the Brazilian nationality, it has been
positively associated to a beach lifestyle and, to the same extent, negatively linked to the
effects of the great social heterogeneity of the neighborhood. From these findings, this thesis
aims to understand the process of the material and symbolic construction of Copacabana. It
pays attention to the mechanisms by which certain segments of society made of the “Atlantic”
boroughs a territory linked to signs of prestige and social distinction. In that sense, the
research focuses on the three first decade of the 20th
Century, when Copacabana became
associated to a modern and sophisticated lifestyle. Thus, this thesis, trough an epistemological
entanglement between History and Anthropology, present an ethnography of the aristocratic
identity forged by some inhabitants of the neighborhood – in order to understand both the
logic of the ethos that supports the distinction between this self-defined “aristocracy” and the
other inhabitants of the City as the dissolution of this identity resulting of the growing of the
region from the 1930´s on.
Keywords: Copacabana; Rio de Janeiro; Beach; Lyfe Style; Urban Culture.
vii
Agradecimentos
Há precisos quatro anos, encerrado o ciclo da escrita de minha dissertação de
mestrado, escrevi os agradecimentos àquele trabalho, feliz por ter podido contar com a
companhia e com a generosidade de pessoas que fizeram da Antropologia e do Rio de Janeiro
mundos familiares a uma então recém-chegada como eu. Hoje, ao fim de um novo ciclo, é
com a mesma alegria que renovo muito daqueles “obrigadas”, agora acrescidos de outros
tantos.
Meu orientador, Gilberto Velho, me acompanhou ao longo dos seis anos da pós-
graduação e só há uma forma de descrever o sentimento com que chego ao final dessa
jornada: privilégio. A ele agradeço pela generosidade intelectual, pela inabalável
disponibilidade e pela amizade de sempre. Sou ainda grata pela forma afetuosa e responsável
com que conduziu a orientação desta tese e também por me ajudar a ver os tantos caminhos
que levam a Copacabana.
Ao CNPQ sou grata pelos quatro anos de bolsa de doutorado, sem a qual este trabalho
não passaria de um projeto remoto.
Aos professores Adriana Vianna, Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti, Maria
Alice Rezende e Luiz Fernando Dias Duarte, agradeço por terem aceitado participar da banca
de avaliação deste trabalho. Às professoras Adriana Vianna e Maria Laura Viveiros de Castro
Cavalcanti ainda grata pela valiosa interlocução nos dois exames de qualificação, nos quais
pude contar com o cuidado de sua leitura e seus preciosos comentários.
No Museu Nacional encontrei um ambiente de excelência para o desenvolvimento de
minha formação acadêmica. Aos seus professores e professoras sou imensamente grata pela
forma generosa com que me apresentaram suas muitas antropologias. Aos funcionários da
secretaria e da biblioteca agradeço pelo atendimento atencioso e pela eficiência de sempre.
Ainda no Museu Nacional pude compartilhar leituras, comentários, angústias e risadas
com colegas que fizeram com que o processo de elaboração desta tese acontecesse em maio a
uma verdadeira ação coletiva. Dentre eles, sou especialmente grata a Patricia Bouzon, Silvia
Monnerat, Ísis Ribeiro e Caio Gonçalves.
viii
Tatiana Siciliano e Liane Braga foram, além de colegas, amigas queridas e verdadeiras
cúmplices. Com elas construí uma parceria e um carinho que, assim espero, vai muito além do
tempo e das páginas deste trabalho.
Com Letícia Carvalho e Fernanda Figurelli, minhas queridas Let e Ferni, aprendi que
uma longa amizade não depende do tempo. Verdadeiras irmãs “cariocas”, elas são parte
fundamental não apenas desta tese como também (e principalmente) dos muitos enredos que a
ela se somaram ao longo dos últimos anos.
Celso Castro esteve sempre por perto, me ajudando de diversas maneiras. A ele sou
grata pelo carinho, pela confiança, e pela amizade de uma década. Com Arbel Griner e
Ângela Moreira, amigas e companheiras de ofício, dividi muitas das alegrias e reticências do
fazer da tese. Pude também contar ainda, em diferentes situações, com a interlocução, o apoio
e a solidariedade de Karina Kuschnir.
Daniela Montans, Marcia Franceschini, Marina Vianna e Esther Blumenfeld me
tornaram tudo mais leve e divertido, me fazendo lembrar, tantas vezes, do que realmente
importa. Ynaê Lopes do Santos, minha primeira marida, dividiu comigo momentos de alegria
e de angústia, me mostrando que Antropologia e História não dão só uma tese, mas também
uma bela amizade. Gabriela Toledo, com suas visitas e telefonemas, foi também fundamental
na nem sempre fácil tarefa de lembrar do mundo lá fora. Pedro Mendes acompanhou os
primeiros rumos desta tese, me ajudando com seu apoio e otimismo.
Ao meu pai, Guillermo, agradeço, mais uma vez, por não me deixar esquecer os
encantos deste ofício. Leitor voraz e narrador apaixonado, a ele devo meu encontro com as
primeiras histórias (e capítulos).
Minha mãe, Cecília, soube entender minhas tantas ausências e pressas com paciência e
generosidade. Sem seu suporte, sua torcida e sua força, nada disso teria sido possível. Mas a
ela agradeço, acima de tudo, pelas incansáveis e comoventes lições daquele que agora percebo
ser o maior dos aprendizados: ser mãe.
Leonardo, meu companheiro, chegou pela literatura e mudou todo o enredo dessa
história. Suas leituras, seus comentários, seu entusiasmo e sua (infinita) paciência estão em
cada página desta tese. A ele agradeço por todo o dito, por todo o feito e, principalmente, pela
certeza, diariamente renovada, de que ainda há tanto por fazermos juntos.
ix
“um rio é sempre sem antiguidade”
“Digo: o real não está na saída nem na
chegada: ele se dispõe para a gente é no
meio da travessia”
(Guimarães Rosa, “Grande sertão: veredas”)
x
Índice de imagens
Fig. 1 – J. Gutierrez, “Panorama do centro da cidade em 1893/1894” 21
Fig. 2 - Mapa do Rio de Janeiro em 1875 24
Fig. 3 - J. Gutierrez, “Largo do Machado e adjacências em 1892/1893” 27
Fig. 4 - Marc Ferrez, Enseada de Botafogo 28
Fig. 5 - Juan Gutierrez, Abertura do Túnel de Copacabana, 1892 29
Fig. 6 - Estação de bondes de Copacabana, 1892 1892 30
Fig. 7 – L. J. F. Villeneuve, “Praya Rodriguez: prés de Rio de Janeiro”, 1835 31
Fig. 8 – “Os caminhos que levam até Copacabana” 33
Fig. 9 - Cartão-postal da Praia de Copacabana, 1903 34
Fig. 10 – J. Gutierrez, Praia de Copacabana, 1890 36
Fig. 11 – Casa de repouso e hotel do Dr. Figueiredo Magalhães, 1882 39
Fig. 12 - “Cidade Balneária Cidade da Gávea”, 1891 48
Fig 13 - “Ruas projetadas em Copacabana em 1894” 51
Fig. 14 - Leme visto da Babilônia, 1894 53
Fig. 15 – Augusto Malta, Vista de Ipanema, 1902 53
Fig. 16 – “Rio de Janeiro – Copacabana”, 1903 54
Fig. 17 – Marc Ferrez, “Rio – Copacabana”, 1907 55
Fig. 18 – “Praia de Copacabana” 56
Fig. 19 – “Avenida Beira-mar, Enseada de Botafogo” 60
Fig. 20 – Avenida Atlântica, 1908. 62
Fig. 21 - Obras de abertura do Túnel do Leme, em 1904 64
Fig. 22 – “Grupo dos Falidos”, 1906 67
Fig. 23 – “Pic-Nic de despedida”, 1910 68
Fig. 24 – “Barco em Copacabana”, 1906 72
Fig. 25 – Pescadores em Copacabana, 1906-1910 72
xi
Fig. 26 – “Atitude Solene”, 1907 77
Fig. 27 – “A caminho da roça 77
Fig. 28 – “Ancien Restaurant Ipanema” 84
Fig. 29 - Praça Malvino, 1909 89
Fig. 30 - Praça Malvino Reis, 1910 90
Fig. 31 – “Terrenos em Ipanema e Copacabana”, 1908 91
Fig. 32 – Copacabana, 1906 91
Fig. 33 – “Copacabana. O Novo Rio”, 1908 (fac-simile) 94
Fig. 34 –Av. Atlântica, 1922 95
Fig. 35 – Av. Atlântica - Leme, 1922 96
Fig. 36 – “Beira Mar”, 1923 (fac-simile) 105
Fig. 37 – Augusto Malta, “Casa de banhos na rua Santa Luzia” 119
Fig. 38 – “Na praia de Copacabana”, 1910 121
Fig. 39 – Banhistas na Praia de Ipanema, 1904 121
Fig. 40 - Sociedade de Socorros Balneários 123
Fig. 41 – Augusto Malta, Posto de Salvamento na Avenida Atlântica, 1918 128
Fig. 42 – “Parc Royal”, 1920 129
Fig. 43 - O Malho, 22 de março de 1919 129
Fig. 44 – “Casa Colombo”, 1920 129
Fig. 45 – Banhistas em Copacabana, 1920 129
Fig. 46 – “Uma tarde em Copacabana, 1924 129
Fig. 47 – “Copacabana Palace Hotel”, 1923 131
Fig. 48 - Vista a partir do Copacabana Palace Hotel, 1923 132
Fig. 49 – Copacabana, 1919 142
Fig. 50 – Augusto Malta, Av. Vieira Souto, 1919 142
Fig. 51 – Augusto Malta, Leblon, 1919 142
xii
Fig. 52 – Copacabana, 1924 144
Fig. 53 – Orla de Copacabana à noite, 1924 144
Fig. 54 - Augusto Malta, “Copacabana”, 1910 158
Fig. 55 – “Matriz do Bomfim, em Copacabana”, 1922 160
Fig. 56 - “O enlace matrimonial da srta. Catharina Faustino Ramos...”, 1923 166
Fig. 57 – “Saindo da missa na Matriz de Copacabana”, 1923 170
Fig. 58 - “Saindo da missa das 11 horas na Matriz de Copacabana”, 1924 170
Fig. 59 - “Saindo da missa na Igreja Nossa Senhora da Paz em Ipanema”, 1923 171
Fig. 60 – “As tardes em Copacabana”, 1925 172
Fig. 61 – Banhistas em Copacabana, 1928 174
Fig. 62 - Banhista em Copacabana, 1928 174
Fig. 63 – “Os pescadores, banhando-se de volta da pesca em alto mar”, 1927 180
Fig. 64 – A Festa de S. Pedro na Colonia”, 1925 181
Fig. 65 – “Quatro aspectos de Vila Rica...”, 1925 186
Fig. 66 – “A evolução da roupa de banho”, 1923 200
Fig. 67 – “Camisaria Esporte”, 1927 201
Fig. 68 – “Assim, não!”, 1927 201
Fig. 69 – “Mocidade Forte!”, 1927 205
Fig. 70 – “Dez minutos de ginástica diária, ao sol...”, 1929 206
Fig. 71 – “Banhos de mar”, 1927 209
Fig. 72 – Rua Leopoldo Miguez, 1928 214
Fig. 73 – O Malho, 14 de junho de 1919 219
Fig. 74 – Cinema Atlântico, 1923 221
Fig. 75 –“O baile do Atlântico Club...”, 1923 238
Fig. 76 – “Concurso Intenracional de Beleza”, 1920 238
Fig. 77 – “Para maior explendor de Copacabana”, 1923 242
Fig. 78 – “Alô amigos”, 1943 245
xiii
Fig. 79 – “Eis um grupo de altos edifícios para apartamentos...”, 1929 248
Fig. 80 – “O Rio futuro”, 1928 255
Fig. 81 – “No Quinquagésimo nono andar...”, 1929 255
Fig. 82 – Copacabana, 1939 260
Fig. 83 – Copacabana, 1933 260
Fig. 84 – “O pandemônio dos arranha-céus de Copacabana...”, 1938 262
Fig. 85 – “Manhã de domingo”, 1930 264
Fig. 86 –“A beleza exuberante das praias da CIL”, 1930 264
Fig. 87 – Chegada de banhistas a Copacabana, 1937 268
Fig. 88 –“Casebres de zinco e tábuas formando pequenas favelas...”, 1938 273
Fig. 89 – “Gavelandia”, 1932 275
Fig. 90 – “E assim vai nascendo o urbanístico esplendor da Gavelandia”, 1932 275
xiv
Sumário
Introdução 1
Capítulo 1 – A caminho do mar 19
Rumo a Copacabana 21
Luz no fim do túnel 30
Sobre os trilhos do futuro 45
Capítulo 2 – Os ocupantes do vazio e os habitantes do progresso 65
“Uma verdadeira romaria para aqueles lados” 66
Os ocupantes do vazio... 72
... e os habitantes do progresso 81
Capítulo 3 – Uma civilização à Beira- Mar 97
O Beira Mar 101
A descoberta do prazer praiano 115
“Onde o luxo, o conforto e a arte se reúnem” 131
Capítulo 4 – Os aristocratas do Atlântico Ocidental 147
“Porque nem todos são como nós” 149
Redes de solidariedade 156
Igreja, praia e clube 167
“À estética da terra deve corresponder o brilho dos seus hábitos” 177
xv
Capítulo 5 - Um estilo Copacabana 192
Que venham os maillots 194
“Tudo é feito por sport” 200
O triunfo das morenas 207
A vida em bungalows 211
Os cilenses se divertem 215
Da praia à literatura 222
Capítulo 6 – Os castelos de areia 229
Uma Copacabana para o mundo 231
Os castelos modernos 244
Nós vamos invadir sua praia! 262
A marcha para o oeste 271
Considerações Finais 278
Fontes 287
Referências Bibliográficas 290
1
Introdução
Alguns anos atrás, numa tarde de sábado, ouvi, numa das pequenas ruas do Bairro
Peixoto (em Copacabana), uma discussão entre duas vizinhas que disputavam uma mesma
vaga para estacionar seus carros. Depois de muitas e exaltadas farpas trocadas, audíveis por
qualquer um que passasse a metros de distância dali, a discussão encerrou-se subitamente
após a frase a seguir, proferida em altos brados por uma das partes envolvidas: “– Não tem
cacife para morar na Zona Sul? Volta para o subúrbio então, que lá é o seu lugar!”
Esta tese é, em muitos sentidos, uma reflexão sobre a construção daquele “cacife”, ou,
melhor dito, sobre o processo de gestação das representações que atribuem à Zona Sul do Rio
de Janeiro – e especialmente aos bairros praianos – e a seus moradores um status bastante
peculiar na cartografia simbólica da cidade. O que é, afinal de contas, esse “cacife”? Quais os
critérios que habilitam alguém a atribuí-lo (ou não) a si ou a outrem? E, sobretudo, o que faz
dele o argumento final numa discussão entre dois moradores de uma mesma rua, numa
disputa pública pela ocupação de um território igualmente público?
Tais questões me vêm instigando desde o referido sábado, quando, moradora de
Copacabana recém-chegada de São Paulo, percebi que entre a minha relativa incompreensão
da situação e a clara eficácia simbólica daquela frase havia um hiato. Parafraseando Lévi-
Strauss, podemos dizer, com relação àquela cena, que o fato de o “cacife” evocado por uma
das partes não corresponder a uma realidade objetiva não tem importância: a interlocutora
acreditou nele, e ele é parte de uma sociedade que acredita1
1
A frase original, do texto “Eficácia Simbólica” (2003), é a seguinte: “que a mitologia do xamã não corresponda
a uma realidade objetiva, não tem importância: a doente acredita nela, e ela é membro de uma sociedade que
acredita”. (p.228).
. Eu, que naquele instante me
descobri mais estrangeira do que pudera supor até então, me dei conta de que, caso quisesse
compreender o léxico de símbolos e significados do meu novo bairro (e da minha nova
cidade), teria, dali em diante, de produzir um estranhamento da paisagem que me parecia já
confortavelmente familiar (Velho, 1987).
2
Acompanhando Victor Turner (2005), que enfatiza a importância do contexto de
situação como fator determinante para a compreensão do uso dos símbolos, é possível atentar
à ação social na qual a “zona sul” foi ali evocada. Tratava-se, claramente, de uma categoria
acusatória na qual a falta do “cacife” fazia referência explícita a uma suposta ausência de
status e, sobretudo, de padrões de civilidade. Ainda na trilha de Turner, para quem a matéria
do simbolismo seriam não as estruturas imutáveis, mas sim os interesses, os propósitos e as
motivações dos indivíduos na manipulação cotidiana dos significados à sua disposição,
podemos afirmar que ganhou a vaga de estacionamento quem soube, com destreza simbólica,
perseguir seu propósito: mostrar que o adversário estava fora de lugar. Não importava,
portanto, que ambos gritassem igualmente numa situação que, ao meu olhar estrangeiro,
terminava num indiscutível empate técnico no quesito incivilidade...
Não podemos esquecer, contudo, que os símbolos são portadores de significados
múltiplos e que, por isso, são interpretados de diferentes maneiras por diferentes pessoas. É
impossível, assim, saber se a evocação de um “cacife zona sul” teve exatamente o mesmo
sentido para quem o emitiu e para quem o recebeu. Podemos apenas, fiados no princípio de
que “os símbolos não representam equivalências fixas, mas analogias contextualmente
compreensíveis” (Herzfeld,1981), perseguir os caminhos da construção desse idioma comum
que opõe binariamente categorias como “subúrbio” e “zona sul” com aparente
compartilhamento público dos significados envolvidos.
Nesse sentido, é válida a lembrança de Robert Darnton de que os símbolos “funcionam
não só por causa de seu poder metafórico, mas também devido à sua posição dentro de um
quadro cultural” (1990:294). Cabe, assim, perseguir as pistas da constituição do quadro
cultural com o qual me deparei naquele sábado, buscando compreender a cadeia de
associações que ressoava em todos os participantes da cena diante da frase que encerrou a
discussão. Se porteiros, passantes, moradores, senhoras em suas janelas e jovens em seus
skates não demonstraram qualquer espanto ou incompreensão diante da frase que me causou
imediato desconforto, é hora, ainda seguindo a sugestão de Darnton, de “avançar dos detalhes
para o quadro cultural que lhes conferia sentido” (Idem:303).
3
***
Nos idos de 1824, em seu livro Diário de uma viagem ao Brasil, a escritora inglesa
Maria Graham deixou o seguinte registro:
“(...) juntei-me a um alegre grupo num passeio a cavalo a uma pequena fortaleza que defende uma das
baías atrás da Praia Vermelha e de onde se pode ver algumas das mais belas vistas daqui. As matas
das vizinhanças são belíssimas e produzem grande quantidade de excelente fruta chamada cambucá, e
nos morros o gambá e o tatu encontram-se freqüentemente”.2
Dez anos mais tarde, em 1834, Jean Baptiste Debret relatou, no seu Viagem Pitoresca
e Histórica ao Brasil, o seguinte cenário:
“Vê-se no meio da areia a pequena igreja, isolada num pequeno platô, mais a direita um segundo
plano, formado por um grupo de montanhas, entrando pelo mar e esconde a sinuosidade do banco de
areia, cuja extremidade reaparece com sua parte cultivada, tão reputada pelos seus deliciosos
abacaxis”.3
Para além do fato das descrições serem fruto de viajantes europeus ao então Império
do Brasil, com clara atenção aos atributos naturais e pitorescos da paisagem, os trechos
guardam ainda uma importante semelhança: ambos se referem ao que hoje corresponde ao
bairro de Copacabana. Não é preciso conhecer a região para compartilhar do estranhamento
que tais descrições certamente despertam. Conhecida em todo o mundo, Copacabana
seguramente faz jus ao texto que a apresenta, hoje, numa popular enciclopédia virtual:
“Copacabana é um dos bairros mais famosos da cidade do Rio de Janeiro. Localizado na zona sul da
cidade, Copacabana tem em torno de 150.000 habitantes de todas as classes sociais e com uma praia
em formato de meia-lua e é apelidado de Princesinha do Mar. Bairro de boêmia, glamour e riqueza,
Copacabana deu origem a muitas músicas, livros, pinturas e fotografias, virando referência turística
do Brasil. Copacabana é um dos bairros mais belos, cosmopolitas, democráticos e pujantes da
cidade, atraindo grande contingente dos turistas para seus mais de 80 hotéis, que ficam
especialmente cheios durante a época do Reveillón e do Carnaval. No fim de ano, a tradicional
queima de fogos que pode ser contemplada por todos na areia é um festival que atrai uma multidão
de pessoas, turistas ou não. A orla ainda é lugar de variados eventos, como shows nacionais e
internacionais, durante o resto do ano”.4
Percebemos, numa rápida vista d’olhos, que o texto acima não descreve somente o
desenvolvimento espacial e demográfico da bucólica região que encantara os estrangeiros
2
Maria Graham, Diário de uma viagem ao Brasil, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1956, pg. 301
3
Jean Baptiste Debret, Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, tomo 2, vol.3, São Paulo, Livraria Martins, 1940,
pg. 286.
4
http://pt.wikipedia.org/wiki/Copacabana, acessado em 10/7/2010.
4
com seus cambucás, tatus e abacaxis. Não é difícil inferirmos que a apresentação atual do
bairro não se limita a uma (impressionante) narrativa numérico-espacial, que oferece, já de
início, um contingente populacional que faz com que a região tenha uma das maiores
densidades demográficas de todo o mundo (Velho, 1982). Vemos, por exemplo, uma clara
referência à presença de diferentes “classes sociais” no bairro, dado que, em seguida, é
reforçado com o uso do adjetivo “democrático”. Boemia, glamour, riqueza, multidão,
cosmopolitismo e turismo são algumas das palavras empregadas nessa descrição que
corresponde, em grande medida, ao senso comum produzido acerca do bairro e
recorrentemente acionado por quem nele vive, trafega ou até mesmo por aqueles cujo contato
com a famosa praia se limita às transmissões anuais daquele que se pretende “o maior
réveillon do mundo”.
Copacabana pode também ser retratada a partir de seu perfil propriamente urbanístico:
são 100 quarteirões divididos em setenta e oito ruas, cinco avenidas, seis travessas e três
ladeiras, numa área de 7,84 Km2. A via de maior extensão é a Avenida Atlântica, com 4.150
metros e uma média de fluxo diário de cerca de 30 mil veículos. Podemos complexificar ainda
mais o quadro com dados que mostram, por exemplo, que no ano 2.000 a população do bairro
era de 141 mil habitantes (número que sobe para 161 mil se considerarmos também o bairro
do Leme). Eram 297 em 1906. Entre 1920 (com 17 mil habitantes e 1,5% da população total
da cidade) e 1970 (com 250 mil habitantes e 6% da população total da cidade), o crescimento
demográfico do bairro foi de espantosos 1.500%, enquanto a cidade, no mesmo período,
crescia 240% (Velho, 1987:22). Nas últimas três décadas, portanto, a população de
Copacabana diminuiu em cerca de 40%, num movimento que veio acompanhado pelo grande
crescimento da população acima de 60 anos. Em 1969, 98,8% das moradias do bairro eram
apartamentos (Ibidem:24) – número intimamente ligado ao boom físico e demográfico ali
observado desde o final da Segunda Grande Guerra -, enquanto que em 1933 apenas 6 das 214
construções tinham cinco ou mais pavimentos5
Das primeiras à última narrativa, passando pelos breves dados acima, vemos surgir
não apenas um bairro, mas também uma região na cidade (a “zona sul”) bem como,
nitidamente, um estilo de vida. A partir do gritante hiato descritivo e simbólico entre os textos
acima, a proposta aqui é a de percorrer pistas que nos ajudem a compreender não apenas as
. Copacabana é, sem dúvida, hiperbólica.
5
Dados do Censo Predial de 1933.
5
transformações sócio-espaciais por que passou a região como também o processo de
consolidação de significados que, ainda hoje, associam Copacabana e a zona sul do Rio de
Janeiro a determinados ethos e visões de mundo (Geertz, 1989)6
Em páginas de guias turísticos, de crônicas, de romances, de noticiários, de
classificados e também de trabalhos acadêmicos, diversos aspectos do bairro foram (e vêm
sendo) apresentados, debatidos e questionados, num repertório tão variado quanto polissêmico
que compõe, ao fim e ao cabo, uma rica fortuna crítica a seu respeito. Copacabana, nas suas
virtudes e nos seus vícios, nas suas obviedades e nas suas contradições é ora apresentada
como metonímia do Rio de Janeiro, ora tratada como lugar sui generis dentro da cidade.
Aparece também, não raro, como símbolo de uma melancólica decadência enquanto, por
vezes, persiste como objeto de desejo em determinados projetos de ascensão social. Nos seus
múltiplos significados e nas suas não menos múltiplas territorialidades, Copacabana tem, no
imaginário urbano carioca, pertencimentos variados não apenas em relação à cidade como um
todo mas também – e principalmente, eu diria – com relação à chamada “zona sul”.
.
Mapear a produção crítica que faz de Copacabana objeto de pesquisa e reflexão
implica remeter a trabalhos reunidos em dois eixos principais: o da narrativa histórica que,
seja na forma de livros de memórias ou na forma de estudos feitos dentro dos marcos da
historiografia, discorrem sobre o impressionante crescimento físico e populacional do bairro
ao longo do século XX; e o da área dos assim chamados estudos urbanos, que fazem de
Copacabana o locus privilegiado de pesquisas voltadas a temáticas caras a dinâmicas próprias
das sociedades complexas.
Ainda que este trabalho busque estabelecer diálogos com os mais diversos tipos de
materiais produzidos acerca do bairro, é fundamental destacar, desde já, sua dívida com
relação ao segundo eixo acima descrito e, em especial, ao trabalho pioneiro desenvolvido por
Gilberto Velho e publicado em 1973, com base em pesquisa feita nos últimos anos da década
de 1960 – A utopia urbana. Atento à temática mais ampla do cotidiano e dos estilos de vida
em uma grande metrópole, o autor parte de uma das mais gritantes características do bairro já
6
De acordo com Clifford Geertz (1989:143-4), “Na discussão antropológica recente, os aspectos morais (e
estéticos) de uma dada cultura, os elementos valorativos, foram resumidos sob o temos ethos, enquanto os
aspectos cognitivos, existenciais, foram designados pela expressão ‘visão de mundo’. O ethos de um povo é o
tom, o caráter e a qualidade de sua vida, seu estilo moral e estético e sua disposição; é a atitude subjacente em
relação a ele mesmo e ao seu mundo que a vida reflete. A visão de mundo que esse povo tem é o quadro que
elabora das coisas como elas são na simples realidade, seu conceito de natureza, de si mesmo, da sociedade.”
6
ao final da década de sessenta– a heterogeneidade – para investigar e discutir aquilo que
identifica como uma visão de mundo característica de um grupo social específico – a classe
média white-collar. Desta forma, a partir de um trabalho de campo feito de intensa
observação participante num edifício de conjugados, Velho mapeou os significados atribuídos
à Copacabana por determinado segmento social em cujo projeto o bairro se enquadrava como
porta de entrada a todo um universo de status e prestígio relacionados, de forma mais ampla, à
vida na zona sul da cidade.
Pioneiro no campo dos estudos urbanos no Brasil, A utopia urbana acabou por
descortinar, nas práticas e representações analisadas pelo autor, uma Copacabana
profundamente associada a estratégias de ascensão social. Com três variáveis-base
(estratificação social, ideologia e residência), Velho procura, conforme anuncia, compreender
a resposta à pergunta feita a seus entrevistados: “Por que veio morar em Copacabana?”
(Velho, 1982:15). Com isso, o trabalho acaba por identificar uma dinâmica que, para além das
características do bairro em si, refere-se a questões que abrangem toda a cidade do Rio de
Janeiro e que, conforme revela o autor, podem ser iluminadas com a compreensão dos
mecanismos que sustentavam, então, a “ideologia copacabanense” (Ibidem:8).
Não são poucos os trabalhos que se sucederam à iniciativa desbravada por Gilberto
Velho. As últimas décadas vêm mostrando o vigor com que se construiu (e ainda se constrói)
a tradição dos estudos urbanos no Brasil, num leque interdisciplinar que, da antropologia à
sociologia, passando pela história, pela geografia e pelo urbanismo, oferece uma variada gama
de estudos da e na cidade. Copacabana é objeto e cenário de muitos desses trabalhos, seja
como locus da organização social de determinado tipo de prostituição em boates (Gaspar,
1985); como cenário para o desenvolvimento da bossa nova na década de 1950 (Meneses,
2008); como palco do trabalho de certo perfil de camelôs (Quezada, 2008); como caso
privilegiado ao estudo da diferenciação socioespacial (Rangel, 2003), dentre tantos outros.
Além da atenção à temática da dinâmica urbana, tais trabalhos compartilham de um
denominador comum: uma Copacabana já consolidada enquanto bairro da também já
consolidada zona sul do Rio de Janeiro.
Esta tese procura, ainda que profundamente referenciada e comprometida com as
temáticas e questões próprias à tradição de estudos urbanos – e, de forma mais ampla, com o
estudo das sociedades complexas –, estabelecer um diálogo com uma noção presente apenas
7
de forma marginal nos trabalhos anteriormente mencionados: a ideia de processo histórico.
Ao mesmo tempo busca, na trilha inversa, um diálogo com variados estudos que se propõe a
reconstituir a história de Copacabana (Berger, 1960; Cardoso, 1986; Cardoso et alii, 1986) a
partir de uma noção fundamentalmente alheia à lógica da narrativa estritamente histórica: a
ideia de cultura. Em outras palavras, a premissa básica é, fazendo coro com Geertz, a de
compreender a cultura como “um padrão de significados transmitido historicamente,
incorporado em símbolos, um sistema de concepções herdadas expressas em formas
simbólicas por meio das quais os homens se comunicam, perpetuam e desenvolvem seu
conhecimento e suas atividades em relação à vida” (1979: 103).
A ideia consiste, portanto, em buscar no entrelaçamento entre essas duas categorias –
história e cultura – as dinâmicas e mecanismos presentes nas negociações envolvidas no
processo de construção, ao longo das primeiras décadas do século XX, da “ideologia
copacabanense” de que nos fala Gilberto Velho. Ainda acompanhando Geertz, busco, assim,
compreender de que forma os significados associados a símbolos da vida copacabanense
(como a praia, o prestígio, o cosmopolitismo etc.) foram construídos e reelaborados no
referido período, constituindo uma gama bastante peculiar de culturas urbanas e estilos de
vida ligados a um não menos peculiar conjunto urbanístico.
Dito de outra forma, o exercício que permeia toda a pesquisa e o esforço analítico
desta tese é, basicamente, o de desnaturalizar a unidade-símbolo “Copacabana”, analisando as
pistas encontradas em testemunhos variados que versam, cada qual à sua maneira, sobre a
construção de uma imagem ainda hoje associada ao bairro e, de forma mais ampla, à parcela
da cidade que se debruça sobre o Oceano Atlântico.
***
Pode ser difícil para o visitante que transita pelas ruas de Copacabana compreender a
carga exclusivamente valorativa encontrada no “cacife” orgulhosamente evocado pela
moradora do Bairro Peixoto. Ao lado da beleza natural da praia e dos morros que o
circundam, o bairro convive com toda sorte de problemas urbanos. Favelização, mendicância,
ruído, problemas de circulação, verticalização excessiva e multidões na disputa por alguns
8
centímetros na calçada fazem parte da paisagem diária da região, num panorama sob muitos
critérios distante dos signos básicos de prestígio, status e civilidade.
Como, então, entender não apenas a formulação, mas também a permanência dessa
Copacabana evocada como símbolo de distinção? A resposta a essa pergunta nos remete ao
imperativo de pensar, historicamente, as dinâmicas que se agitam na gestação e no
desenvolvimento de tal processo de construção de identidade, num exercício que faz das
primeiras décadas do século XX o campo privilegiado dessa etnografia. Dito de outra forma,
tal processo só pode ser compreendido se levarmos em conta uma historicidade específica,
deixando clara a necessidade de estabelecer, desde já, um estranhamento temporalmente
determinado.
Tal estranhamento deve começar, por exemplo, com um esforço de desnaturalização
da própria localização geográfica de Copacabana no mapa da cidade. Se hoje podemos defini-
la como um bairro situado na zona sul do Rio de Janeiro, fronteiriço com os bairros de
Botafogo, Leme, Lagoa e Ipanema, tal descrição certamente não seria suficiente para que
Maria Graham ali chegasse sem maiores sobressaltos em sua longínqua visita ao bucólico
arrabalde. Num Rio de Janeiro ainda completamente alheio à vida praiana, a Copacabana de
meados do século XIX não passava de um distante areal, cujo pertencimento à malha urbana
da cidade era, no mínimo, discutível.
O ano de 1892 trouxe a abertura do Túnel da Real Grandeza (atual Túnel Velho),
ligando o areal ao já bastante urbanizado bairro de Botafogo. Nascia ali, no ranger dos trilhos
dos bonds, um Rio atlântico – num primeiro momento associado ao descanso e à salubridade
e, algumas décadas mais tarde, símbolo de civilização e de modernidade. Era, nas palavras da
grande imprensa, o “Novo Rio”, metonimizado numa Copacabana que, aos poucos, via surgir
sob suas asas Leme, Ipanema e, mais tarde, Leblon. Fruto, em grande parte, da especulação
imobiliária que se operou sobre a região diante das possibilidades carregadas pelos bonds, o
Novo Rio representava para a cidade uma nova territorialidade e, com ela, novas formas de
vivenciar, experimentar e representar os próprios princípios da urbanidade. Fica claro então,
que tratar de Copacabana no período aqui escolhido implica pensá-la não a partir da unidade
territorial e/ou simbólica hoje associada ao bairro. Copacabana, aqui, tal como encontrado nos
9
discursos nativos das fontes trabalhadas, será então referida de forma expandida e, em muitos
momentos, metonímica7
A popularização das atividades balneárias (com grande inspiração no que acontecia já
há alguns anos na Europa e nos Estados Unidos) e a crescente atenção aos sintomas de
falência do modelo de ocupação urbana implementado nos primeiros anos do século XX
contribuíram para que o Novo Rio passasse, no decorrer dos anos 1910, a figurar com cada
vez mais frequência e positividade na grande imprensa, num movimento que chegaria aos
primeiros anos da década seguinte já amplamente consolidado. A década de 1920, conforme
revelam as fontes consultadas, é não apenas o período em que o bairro passou a ser conhecido
nacional e internacionalmente (vale mencionar a inauguração do Copacabana Palace Hotel,
em 1923), mas também, claramente, o período em que fica nítido o empenho de determinado
segmento de moradores na construção de uma identidade que respondesse, com fluência, aos
adjetivos “praiano” e “aristocrático”.
.
No decorrer da década de 1930, com o surgimento massivo dos edifícios de
apartamentos, o perfil do bairro passaria a se alterar rapidamente até que, na década de 1940,
período de um intenso surto imobiliário na cidade (Velho, 1982:12), Copacabana tivesse sua
paisagem física e social drasticamente alteradas. Essa pesquisa buscou, assim, observar aquele
movimento de criação, ascensão e declínio relativo ao discurso identitário que interessa aqui
compreender.
Uma vez determinados o tempo e o espaço no qual se desenvolveu a etnografia que dá
corpo a esta tese, aqui estão, portanto, os nativos cujas práticas e discursos me permitiram
adentrar ao cotidiano e às representações do processo que busco compreender. Refiro-me
àqueles sujeitos que, como moradores, freqüentadores ou observadores dos bairros atlânticos,
contribuíram ativamente para a construção e transmissão de uma representação identitária
que, nos seus termos, correspondia a uma “aristocracia moderna”. Profundamente
identificados com um projeto específico de modernidade, tais sujeitos se reuniam em torno da
7
Nesse sentido, podemos desde já determinar a unidade analítica do bairro nos termos de Cordeiro e Costa, que
entendem tais territórios como “(...) subregiões urbanas de tamanhos e configurações variáveis, designadas
habitualmente por bairro, constituem unidades sócio-espaciais problemáticas em si próprias. Permeáveis e,
contudo, identificáveis, não só nos ritmos de uma prática social quotidiana etnografável, como também nas
imagens resultantes de uma bricolage coproduzida endógena e exogenamente; e, sobretudo, como participantes
ativos na permanente construção cultural das variadas mitografias, imagens e narrativas que cada cidade escolhe
para se vestir”. (1999:60)
10
valorização de práticas como o banho de mar e o esporte, do gosto pelo cosmopolitismo e
pelos bungalows, da rejeição enfática dos signos da desordem urbana presentes no bairro
(como favelas, feiras-livres e ambulantes etc.) e, acima de todas essas coisas, do entusiasmo
desenfreado pela sociabilidade praiana.
Nesse sentido, vale destacar a centralidade da categoria “aristocracia” como eixo da
auto-representação daquele segmento social. No contexto histórico brasileiro, marcado pela
especificidade de um regime monárquico particularmente longevo (durante praticamente todo
o século XIX o Brasil foi a única monarquia de uma América Latina dividida já em
repúblicas), tal escolha não é, de forma alguma, fortuita. Apesar do orgulho depositado na
associação do regime republicano ao contexto da modernidade, ao longo das primeiras
décadas do século XX ainda era muito viva, especialmente entre os moradores da antiga corte,
uma memória social e afetiva do período monárquico, o que se reflete claramente na
associação da ideia de status ao termo aristocracia. Determinados moradores do Novo Rio,
buscando firmarem-se como portadores de uma autêntica distinção social em meio ao quadro
cada vez mais turvo das hierarquias sociais da cidade republicana resgataram, assim, no léxico
historicamente legitimado da tradição imperial, o signo máximo de prestígio, apresentando-se
como uma elite natural, inconteste. O adjetivo “moderno”, por eles acrescido, denota uma não
menos importante intenção de afastar-se da obsolescência evocada pela lembrança do Brasil
pré-republicano, distanciando-se, por exemplo, da aristocracia residente em Botafogo, cujo
prestígio estava intimamente ligado à antiga ordem política e também urbana.
Agregados em torno de um processo de construção e compartilhamento de valores e
visões de mundo, tais sujeitos fizeram do periódico Beira-Mar um importante veículo de
comunicação e, não em menor medida, de articulação identitária. Lançada em 1922, aquela
publicação se apresentava como órgão de defesa dos interesses da “CIL” (sigla por ela
cunhada para designar uma unidade formada por Copacabana, Ipanema e Leme), surgindo
como produto da equação que, pela associação entre uma nova territorialidade e uma nova
forma de experimentação urbana, amparava aquele discurso moderno-aristocrático. Nesse
sentido, podemos afirmar que os referidos sujeitos se articulavam em torno de um “projeto
11
praiano-civilizatório”8
É preciso dizer, ainda, que a atenção ao processo de construção daquelas
representações se baseia na importância da problematização das categorias que sustentam o
teor homogeneizante do discurso veiculado por aqueles sujeitos. É imprescindível, nesse
sentido, lidar com as disputas envolvidas em tal cenário, tomando como ponto de partida a
heterogeneidade e a variedade de experiências e costumes inerentes à sociedade complexa
moderno-contemporânea (Velho, 2003; Simmel, 1971; Wirth:1964). Nesse caso específico,
tal heterogeneidade se expressava em lutas pelo uso do espaço, seja sob a forma de moradia,
de trânsito ou de ocupação cotidiana – o que pôde ser mapeado a partir de muitos silêncios na
documentação pesquisada, bem como nas categorias acusatórias empregadas por aqueles
sujeitos com relação a certos comportamentos e tipos sociais.
, que era ao mesmo tempo base e resultado de uma representação
identitária cuja materialização dependia da consolidação de determinados costumes e padrões
de sociabilidade.
É importante destacar, ainda, que ao tomar Copacabana e os bairros atlânticos como
mote da pesquisa e da problemática desenvolvidas, tive sempre, como pano de fundo, um
interesse maior: o de refletir sobre a cidade do Rio de Janeiro num momento de intenso
crescimento urbano e populacional e, mais que isso, de evidente agravamento dos problemas
caracteristicamente urbanos. Vale destacar a relevância do estudo de tal período a partir de
dois aspectos: em primeiro lugar, a abundância de pesquisas relacionadas a diferentes
aspectos das transformações do Rio de Janeiro da belle époque9
, acompanhada de um relativo
desinteresse pela dinâmica urbana dos anos seguintes (abordados, de maneira geral, nos
quadrantes de uma historiografia voltada à efervescência política e cultural do período); e em
segundo lugar, a constatação de que o panorama dos acontecimentos político-culturais que
marcaram o crepúsculo da Primeira República teve forte impacto sobre as elaborações físicas
e simbólicas da dinâmica urbana da então capital10
8
De acordo com Velho (2003:27), o projeto “formula-se e é elaborado dentro de um campo de possibilidades,
circunscrito histórica e culturalmente, tanto em termos da própria noção de indivíduo como dos temas,
prioridades e paradigmas culturais existentes”.
.
9
Ver, por exemplo, Benchimol (1990), Damazio (1996) e Needel (1993), Sussekind (1987), entre outros.
10
É claro que tais considerações só podem ser devidamente dimensionadas, no caso desta pesquisa, se levarmos
em conta que Copacabana constituía uma importante área simbólica de uma cidade que respondia ao título de
capital desde 1763, quando passou a sediar o Vice-Reino do Brasil. A vocação da cidade para a centralidade do
poder se configuraria, em 1808, com a chegada da Família Real, sendo reforçada em em 1815 quando da
elevação da colônia do Brasil à condição de Reino - que passava a fazer parte do Reino Unido de Portugal,
12
Assim, mais do que tratar de Copacabana como uma realidade (e uma representação)
sui generis, a ideia é abordar a cidade do Rio de Janeiro num momento crucial de sua
construção física e identitária a partir de Copacabana. Trata-se, portanto, de lidar
inescapavelmente com a noção de territorialidade e, na mesma medida, com a própria
definição de espaço. Vale, nesse sentido, lançar mão da reflexão de Simmel, segundo quem
“El espacio es una forma que en sí misma no produce efecto alguno. Sin duda en sus modificaciones se
expresan las energías reales; pero no de otro modo que el lenguaje expresa los procesos de
pensamiento, los cuales se desarollan en las palabras pero no por las palabras. (...) No son las formas
de la proximidad o distancia espaciales las que producen los fenómenos de la vecinidad o extranjería,
por evidente que eso parezca. Estos echos son producidos exclusivamente por factores espirituales (...).
Lo que tiene importancia social no es el espacio, sino el eslaboniamento y conexión de las partes del
espacio, producidos por factores espirituales.” (1939:644)
Desta forma, o princípio da territorialidade a partir do qual se desenvolve esta tese se
baseia no pressuposto de que o espaço – ou a espacialidade – importa enquanto variável
sociocultural (e, portanto, antropológica), desde que tratado como realidade que se materializa
apenas a partir das ações recíprocas que nele se processam. Ou, ainda conforme Simmel, o
que realmente importa nos propósitos deste trabalho não é o espaço em si, mas sim “el acto de
llenar um espacio” (Idem:645). Com isso, podemos refletir ainda sobre a identidade territorial
forjada (e em muitos sentidos materializada) através do processo aqui estudado, considerando
os limites do Rio Atlântico não como um fato espacial com efeitos sociológicos, senão como
um fato sociológico com uma forma espacial (Idem:652).
Assim, mais do que pensar nos sujeitos que patrocinaram uma identidade praiano-
aristocrática para os bairros atlânticos a partir de seu enraizamento a determinado espaço
cartograficamente definido, importa pensar nos mecanismos de compartilhamento simbólico
que os ligava em torno de um mesmo projeto através de canais efetivos de comunicação.
Vale, para tanto, a sugestão de Strauss, segundo quem “the important thing, then, about a
Brasil e Algarves . Em 1822, com a declaração de independência, o Rio de Janeiro, tal destaque foi confirmado
pela sua escolha como a capital do Império do Brasil. O fim do período monárquico não abalaria a centralidade
do Rio de Janeiro, feito capital da República em 1889, com a implantação do novo regime (condição que
manteve até 1960, ano em que a capital do país foi transferida para Brasília). Numa definição que se aplica a
qualquer caso nacional, a cidade-capital, como criação política a serviço da unidade, tem clara função
civilizatória, no sentido de reunir, no anseio ordenador dos Estados em busca de identidade, os aparatos materiais
e simbólicos do poder. Ao discutir a atribuição de tal conceito ao caso carioca, Margarida de Souza Neves
(1991) destacou o período de implantação do regime republicano, quando a cidade passou a ocupar, juntamente
com a função de capital da federação, papel central nos anseios do novo projeto nacional.
13
social world is its network of communication, and the shared symbols, which give the world
some substance and which allow people to ‘belong’ to it” (1960:180). A partir de tais
reflexões, o Rio de Janeiro será então aqui pensado como um conjunto de áreas simbólicas
complexamente relacionadas, e Copacabana como a “órbita” preferencial dos sujeitos a partir
de cujos testemunhos se construiu este trabalho.
***
Do areal ao “Novo Rio”; do “Novo Rio” aos Bairros Atlânticos; dos Bairros
Atlânticos à cidade balneária. É na sucessão e na sobreposição de representações que se situa
a construção da identidade aqui perseguida, e cuja dinâmica só pode ser pensada dentro do
âmbito da dialética entre as transformações materiais do território e os movimentos inerentes
à dinâmica urbana carioca de então.
Para lidar com tal dialética, parto do princípio de que “todo episodio denso de la
historia cultural urbana enseña que la ciudad y sus representaciones se producen mutuamente.
No hay ciudad sin representaciones de ella, y las representaciones no solo decodificam el
texto urbano en conocimiento social, sino que inciden en el propio sentido de la
transformación material de la ciudad” (Gorelik, 2004:13). A questão é, assim, pensar a cidade
a partir das diferentes dimensões da sua materialidade e de sua cultura multiformes ao longo
do tempo, tomando como ponto de partida o desafio de lidar com um objeto que se define pela
noção de processo.
Desta forma, para tentar compreender as muitas dimensões do crescimento de
Copacabana em relação à concomitante construção de uma identidade praiano-civilizatória,
importa perseguir não apenas os diálogos estabelecidos entre produtores de espaço e
habitantes num dado momento, mas também compreender os mecanismos do movimento
histórico-cultural que delineou e redelineou o equilíbrio entre tais agências durante o período
aqui recortado. Mais do que apenas atentar para a historicidade de certas categorias (como o
“cacife” ou a “ideologia copacabanense”), busca-se aqui também suas diversas formas de
apropriação ao longo do tempo.
Tais pressupostos implicam, claramente, a construção de um objeto de pesquisa cuja
natureza se define pelo entrelaçamento das dimensões sincrônica e diacrônica, ou, em termos
14
teórico-disciplinares, no estabelecimento de um diálogo entre Antropologia e História. Num
embate que, conforme defendia Evans-Pritchard já nos idos de 1950, se define mais por uma
diferença técnica do que propriamente metodológica11
, as potencialidades e problemas
provenientes do intercâmbio entre essas duas tradições epistemológicas tem gerado, desde
Franz Boas – defensor da idéia de que "we have to know not only what it is, but also how it
came into being" (1936:137) – muitas discussões12
A partir dos benefícios recíprocos do “valor de conceitos antropológicos de cultura
para o uso da história e vice-versa” (Sahlins, 2006:9), o processo que busco aqui analisar só
pode ser pensado se considerarmos, como propõe Sahlins, que refletir sobre a cultura
demanda o reconhecimento de que as pessoas que se valem da estrutura de signos que a
compõem vivem “no mundo”. Tal reconhecimento nos leva à percepção de que, uma vez
lançada ao universo da práxis (que é, ao fim e ao cabo, a própria condição de sua existência),
a cultura está inevitável e permanentemente sujeita às vicissitudes das conjunturas e projetos
que animam o mundo da intersubjetividade. Tais considerações podem ainda ser amplamente
beneficiadas pela proposta de Fredrik Barth (2000:123), que ao refletir sobre o pluralismo
cultural por ele observado em Bali desenvolveu a ideia de correntes de tradições culturais
como forma de lidar com a heterogeneidade constitutiva do universo pesquisado
.
13
A intenção é, assim, compreender etnograficamente como se articulou, ao longo de um
determinado período, o processo de elaboração de um ethos e de um estilo de vida
referenciados aos bairros atlânticos – num pressuposto que implica a compreensão das noções
e de pensar
a experiência como objeto dinâmico.
11
Nas palavras do autor, as diferenças "are not of aim or method, for fundamentally both are trying to do the
same thing, to translate one set of ideas into terms one another, their own, so that they may become intelligible,
and they employ similar means to that end. The fact that an anthropologist studies people at first-hand and the
historian in documents is a technical, not a methodological difference. (...) So whilst it may be difficult to make a
clear theoretical distinction between history and social anthropology it would be true to say that in practice we
tend to approach our data from a rather different manner. (...) if we overtly have a preoccupation with the present
and take the past to some extent for granted, the historian in his preoccupation with the past very much takes the
present for granted (...)" (1961:19).
12
Ver, por exemplo: de Franz Boas, “As limitações do método comparativo da Antropologia” ([1896] 2004); de
Lévi-Strauss, “Introdução: história e etnologia” ([1949]2008) e “Raça e história”([1952] 1976); de Geertz,
Observando o Islã (2004) e Nova luz sobre a Antropologia; de Sahlins, Ilhas de História (2003); de Keith
Thomas, “History and Anthopology” (1963); de Natalie Davis, “Anthropology and History in the I980s” (1981);
de Robert Darnton, “História e Antropologia” (1990); de Lilia Schwarcz, "Entre amigas: relações de boa
vizinhança" (1994).
13
Para Barth, o conceito de Cultura aplicado ao estudo das sociedades complexas deve levar em conta quatro
pressupostos básicos: 1) O significado é uma relação; 2) A cultura é distributiva; 3) Os atores estão sempre
posicionados; 4) Eventos são o resultado do jogo entre a causalidade material e a interação social (2000: 128-9).
15
de cultura e de identidade como categorias fundamentalmente múltiplas, não-estáticas e
sujeitas ao fluxo da história14
. Penso, portanto, que o exercício etnográfico de compreensão (e,
na mesma medida, de reconstituição) do processo de elaboração de uma imagem identitária
referida ao território e aos estilos de vida associados à Copacabana implica um esforço de
atenção às mudanças culturais historicamente engendradas e, reciprocamente, das mudanças
históricas culturalmente viabilizadas.
***
Cabe, finalmente, dizer que a pesquisa sobre a qual se baseia esta tese teve início com
um projeto inicial que, apesar de compartilhar dos mesmos temas de interesse, tinha enfoque
diverso. Decidida a estudar estilos de vida e as culturas urbanas no Rio de Janeiro dos anos
1920, a pesquisa tinha como objeto o testemunho de Benjamin Costallat a respeito das
transformações nos costumes e moralidades urbanas ao longo daquele período. Instigada pela
crescente referência desse autor e de seus pares aos emergentes hábitos praianos, passei a
prestar progressiva atenção ao fenômeno de crescimento dos bairros atlânticos e, em especial,
de Copacabana.
Mas uma descoberta quase fortuita foi determinante na mudança de rumo da pesquisa:
a consulta despretensiosa a um periódico por mim completamente desconhecido até então, o
Beira-Mar, onde acabei por encontrar um verdadeiro manancial de notícias, discursos e
representações produzidas pelo grupo social que tratava de consolidar-se às margens do
Atlântico15
14
Vale, para tal, a lembrança de E.P. Thompson, que ao analisar o processo de formação de uma identidade (a de
classe) afirma que a compreensão dessa formação identitária demanda “um estudo sobre um processo ativo, que
se deve tanto à ação humana como aos condicionamentos. A classe operária não surgiu tal como o sol numa hora
determinada. Ela estava presente ao seu próprio fazer-se (...). Se detemos a história num determinado ponto, não
há classes, mas simplesmente uma multidão de indivíduos com um amontoado de experiências. Mas se
examinarmos esses homens durante um período adequado de mudanças sociais, observaremos padrões em suas
relações, suas idéias e instituições” (1987:9-12).
. A partir das pistas deixadas pelos redatores do Beira-Mar, passei a buscar em na
15
Vale ressaltar a alegria da descoberta de que a coleção completa do Beira-Mar (publicado entre 1922 e 1946),
da qual a Biblioteca Nacional possui apenas parte, estava à disposição para consulta na Biblioteca Pública de
Copacabana, para onde foi doada por Gastão Lamounier Júnior, antigo proprietário do periódico. Lá, numa casa
que é, em si mesma, um documento do período no qual se situa o objeto desta pesquisa, pude consultar e
fotografar o material sem os inconvenientes das requisições burocráticas e sem o desconfortável intermédio das
máquinas de microfilmes. Cabe lamentar apenas o péssimo estado de armazenamento do material, cuja
existência era desconhecida pelas próprias bibliotecárias. Foi preciso que eu telefonasse para uma antiga
16
grande imprensa (Correio da Manhã, Jornal do Brasil, O Paiz, Gazeta de Notícias, Jornal do
Commercio e A Noite) e em revistas ilustradas (O Cruzeiro, O Malho, Revista da Semana e
Para Todos) notícias e comentários sobre eventos relacionados aos bairros praianos ou, ainda,
textos e imagens diversos que versassem sobre estilos de vida ligados àquela parcela da
cidade. Do mesmo modo, foi também de inestimável valia a descoberta da primeira
publicação diretamente ligada aos interesses do bairro, O Copacabana (que circulou entre
1907 e 1912), e que uso aqui como fonte privilegiada no segundo capítulo. Por fim, esses
valiosos testemunhos publicados pela imprensa foram ainda cotejados com outras fontes de
natureza diversa, que permitem enxergar por outro viés os processos analisados por seus
redatores. É o caso não apenas de planos urbanísticos, leis e projetos governamentais, mas
também de livros de memória, petições ou abaixo-assinados redigidos pelos próprios
moradores do bairro ao longo do período em questão16
. Ao me oferecer um olhar sobre
Copacabana que se fazia a partir de pontos de vista diversos, essa variedade de fontes me
permitiu compreender, com riqueza de detalhes, o atribulado processo que acabou por definir
certas imagens para o bairro.
***
A tese está organizada em seis capítulos. O primeiro deles é dedicado à compreensão
do processo que levou à transformação do antigo areal num efetivo pólo de atração de
investimentos públicos e privados. Centrada entre a segunda metade do século XIX e os
primeiros anos do século XX, a reflexão ali desenvolvida busca articular a incorporação de
Copacabana à malha urbana do Rio de Janeiro às dinâmicas sócio-espaciais por que passava a
cidade em seu conjunto. Trata-se assim de explicar, ali, o próprio processo de transformação
de um espaço vazio em um novo território da cidade, ao qual começam a se atribuir certas
representações e sentidos.
funcionária aposentada para que as atuais atendentes, diante da minha insistência já incômoda, tomassem
conhecimento “daqueles livros velhos na salinha dos fundos”.
16
O material mencionado foi consultado nas seguintes instituições: Biblioteca Nacional, Arquivo Nacional,
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Real Gabinete Português de Leitura, Casa de Rui Barbosa e Arquivo
Geral da Cidade do Rio de Janeiro.
17
Partindo das discussões desenvolvidas no primeiro capítulo, o segundo se propõe a
compreender como, ao longo da década de 1900, diferentes sujeitos incorporaram os bairros
atlânticos à sua experiência cotidiana, fazendo daquele espaço um território de disputas
materiais e simbólicas. Nesse sentido, ele trata dos múltiplos usos e significados atribuídos ao
novo bairro pelos distintos segmentos sociais que dele se apropriavam, num momento em que
sua associação a um ethos aristocrático era ainda apenas uma dentre as tantas possibilidades
em jogo.
Sugerindo ao leitor um passeio pela Copacabana de 1922, o terceiro capítulo parte de
um momento em que os bairros atlânticos já figuram como sinônimo inconteste de prestígio e
elegância para, numa análise retroativa, compreender os processos que levaram à vitória
daquela representação sobre as demais. Para tal, a reflexão nele contida se divide em três
partes: a primeira dedicada ao surgimento do Beira-Mar; a segunda voltada ao processo de
popularização dos banhos de mar entre as altas rodas da sociedade carioca; e a terceira focada
na conjuntura que, nos planos nacional e municipal, viabilizou a construção do Copacabana
Palace Hotel. De maneira geral, podemos dizer que esse capítulo discorre sobre a
consolidação de Copacabana como protótipo de um novo modelo do binômio
nacionalidade/modernidade, na medida em que oferecia ao habitante da capital uma nova
forma de relação entre natureza e cultura.
Uma vez compreendidos os mecanismos simbólicos que davam corpo à representação
praiano-aristocrática com que Copacabana passava a ser associada, o quarto capítulo consiste
numa análise dos sujeitos que articulavam e ancoravam aquelas imagens, fazendo delas a base
de construção de uma visão de mundo específica. Apresentados como uma rede articulada por
sólidos parâmetros de pertença, eles ganham forma a partir de suas estratégias de elaboração
identitária, buscando firmar-se no mapa social da cidade por meio de critérios muito claros de
distinção.
Aquelas estratégias se traduziram num estilo de vida próprio que conjugava o
princípio praiano-civilizatório a signos mais amplos da modernidade e da elegância tal como
praticados na década de 1920. Discutido no quinto capítulo, esse estilo de vida ganha forma
através da progressiva associação de Copacabana a um modelo de civilização que tinha no
culto ao corpo, numa forma peculiar de moradia e no consumo de uma cultura cosmopolita
alguns de seus principais suportes. Extrapolando seus sujeitos originais, ele se converte, com
18
isso, em uma poderosaa imagem literária, capaz de identificar e singularizar os habitantes do
bairro frente aos habitantes do resto da cidade.
Finalmente, o sexto capítulo parte de uma reflexão sobre os efeitos da vitória daquele
projeto praiano civilizatório em seu intuito de fazer de Copacabana um território
naturalmente associado à modernidade, à salubridade e à elegância. Focado na década de
1930, ele se apoia em fenômenos como o grande aumento de banhistas nas praias e a rápida
proliferação de arranha-céus pelo bairro para desenvolver uma análise acerca dos paradoxos
contidos naquele projeto, cujo êxito se apoiava nos mesmos fundamentos sobre os quais se
consolidava sua evidente decadência. Para compreender sua lógica e suas contradições, cabe
assim retomar o fio dessa história.
19
Capítulo 1 – A caminho do mar
Em 6 de julho de 1892, os principais jornais do Rio de Janeiro noticiaram, sem grande
alarde, que a Companhia Ferro-Carril do Jardim Botânico inauguraria, às 14 horas daquele
mesmo dia, uma linha de bondes para Copacabana. Para tal fim, a diretoria da empresa
anunciava a disponibilidade de dez carros especiais, destinados a levar seus convidados
“àquele alegre e saudável arrabalde” para que pudessem ver, com seus próprios olhos, seu
“magnífico melhoramento”1
“Realizou-se ontem em Copacabana a inauguração da estação de bondes da Companhia Botânico, em
Copacabana. À 1 hora da tarde partiram da rua Gonçalves Dias diversos bondes especiais conduzindo
o primeiro uma banda de música de marinheiros nacionais, o segundo o Sr. Marechal Vice-Presidente
da República e seu Estado-Maior, e outros diretores da Companhia e convidados. Ali chegando foi a
comitiva recebida com vivas e foguetes.
. Nas edições do dia seguinte, os leitores que, por ventura, não
estivessem entre os ilustres convidados, puderam acompanhar o acontecimento através de
narrativas como esta:
O Sr. Marechal Vice-Presidente da República depois de percorrer a estação, foi convidado para o
lunch que suntuosamente ali se achava servido.O Sr. Barão Ribeiro de Almeida, presidente da
Companhia, fez o primeiro brinde ao Sr. Marechal Floriano e à imprensa, seguindo-se outros do Sr.
Barata Ribeiro, presidente da Intendência, Contra-Almirante Custódio José de Mello, ministro da
Marinha, e outros cavalheiros, e terminado o brinde de honra feito pelo Prudente de Moraes presidente
do Senado, que saudara a República na figura do Sr. Marechal Floriano, que iniciara o governo da lei
e da honestidade”.2
Apesar de noticiado como algo sem maior importância, o fato, tal como narrado pelo
Jornal do Brasil, desperta a atenção do leitor comum ao elencar uma longa e distinta lista de
autoridades reunidas em torno da inauguração de um túnel. Estavam presentes, como
podemos ver, algumas das maiores autoridades da ainda jovem República brasileira: o
Marechal Floriano Peixoto – que, eleito Vice-Presidente em fevereiro de 1891 pelo Congresso
Constituinte, assumira a presidência em novembro do mesmo ano após a renúncia de Deodoro
da Fonseca; o Almirante Custódio de Melo, figura central da crise política que levou à queda
do primeiro presidente3
1
Diário de Notícias, 6 jul 1892. Notícias similares podem ser encontradas nas edições de O Paiz, do Jornal do
Brasil e da Gazeta de Notícias do mesmo dia.
; e Barata Ribeiro, que, embora não fosse ainda prefeito do Rio de
2
Jornal do Brasil, 7 jul 1892.
3
Em 1891, diante da intensa crise política e econômica do país, oficiais da Marinha articularam uma sublevação
da Armada com o intuito de depor o então presidente Deodoro da Fonseca. Diante da ameaça de fechamento do
Congresso Nacional, o Almirante Custódio José de Melo, contando com o apoio do vice-presidente Floriano
Peixoto, liderou a movimentação dos navios da esquadra e a mobilização do congresso que culminaram na
renúncia de Deodoro da Fonseca. Com a renúncia deste, em 23 de novembro de 1891, Floriano assumiu a
20
Janeiro – cargo para o qual seria eleito em dezembro daquele ano – já atuava, na prática,
como administrador da cidade, na condição de presidente do Conselho de Intendentes
Municipais. Os trens carregavam, assim uma verdadeira constelação de autoridades do
governo federal, municipal e do exército, alem, é claro, dos diretores da Companhia,
representando a força do capital particular. Aos que chegassem ao final da reportagem o
jornal informava, ainda, que a linha para Copacabana começaria a funcionar naquele mesmo
dia.
Mas ao contrário do que sugere o redator do Jornal do Brasil, nem só de autoridades
fizera-se o evento. De acordo com o jornal O Tempo,
“(...) em todo o percurso era extraordinária a afluência de curiososos para ver passar a comitiva
inauguradora, e à entrada do túnel de Copacabana, aberto em rocha viva, iluminado à luz elétrica e
adornado de festões de folhas de mangueira e bananeiras foi imensamente saudado o chefe do Estado,
já pelos operários da Companhia Ferro-Carril Jardim Botânico, já pelos operários da Companhia
Forja Nacional”.4
Assim, após o fim da viagem de pouco mais de uma hora5
entre o centro da cidade e a
nova estação, os bondes chegaram ao “futuroso bairro de Copacabana” mobilizando os
ânimos das predições mais otimistas – segundo as quais a iniciativa de tal melhoramento
haveria de, em breve, “tornar a Copacabana um dos pontos mais habitados d’esta Capital”6
.
Ficava claro, já naquele longínquo 6 de julho, que a Companhia Jardim Botânico inaugurava
então bem mais que uma simples linha de ferro-carris. Além dos 200 metros de perfuração,
dos 1,4 quilômetros de aterro até a praia e da estação propriamente dita (“um suntuoso
‘chalet’”7
na esquina das ruas do Barroso, atual Siqueira Campos, com a rua Copacabana),
surgia ali um novo bairro e, com ele, uma nova forma de experimentar a vida urbana carioca.
Presidência da República, que exerceria até 1894. Em 1893, Custódio de Melo estaria à frente de uma nova
Revolta da Armada, desta vez contra Floriano Peixoto, que recusava-se a convocar novas eleições no prazo de
dois anos após sua posse, conforme determinava a Constituição.
4
O Tempo, 7 jul 1892
5
De acordo com a mencionada edição do O Tempo, a viagem durou exatos 1:15 horas.
6
Gazeta de Notícias, 7 jul 1892.
7
O Tempo, 7 jul 1892.
21
Rumo a Copacabana
Três aspectos saltam aos olhos na leitura das notícias acima reproduzidas. Em
primeiro lugar, a associação imediata e unânime do arrabalde a uma ideia bastante vaga de
“futuro”, que condensa elementos como salubridade e explosão demográfica; em segundo
lugar, o claro interesse do poder público, nas suas mais distintas esferas, em torno do
melhoramento representado pela nova estação; e, por fim, o completo silêncio das reportagens
com relação à participação de moradores de Copacabana em tão esplendoroso evento.
É difícil entendermos esses três pontos sem uma incursão, ainda que rápida, ao cenário
encontrado pelos passageiros daquele ilustre bonde especial em sua longa viagem entre centro
e o arrabalde. Ao embarcarem na rua Gonçalves Dias, no centro da cidade, os integrantes da
excursão tinham diante de si um cenário bastante conturbado: composta de ruas estreitas
ocupadas por toda sorte de construções (edifícios públicos, escritórios, cortiços, casas de
cômodos, cafés etc.), a região central do Rio de Janeiro refletia, em grande medida, os
problemas enfrentados pela capital da recém-república às vésperas do século XX.
Panorama do centro da cidade em 1893/1894
Foto: Juan Gutierrez
Fonte: Museu Histórico Nacional
(disponível em http://www.museuhistoriconacional.com.br/images/galeria03/rioantigo/mh-g3a023.htm)
22
Com uma população que saltara, entre 1872 e 1890, de 266 mil para 522 mil
habitantes, o crescimento urbano da cidade ao longo das últimas décadas acompanhara, de
forma desordenada, as transformações político-sociais que trouxeram, entre tantas outras
mudanças, o fim do sistema escravista (1888) e o fim da monarquia (1889). Tais novidades se
traduziram no rápido incremento das relações capitalistas de trabalho, cujos efeitos se fizeram
sentir não apenas na oferta de mão-de-obra como também nos padrões de habitação das
classes trabalhadoras.
Pólo de concentração das atividades portuárias e comerciais, a região central reunia, ao
lado de funcionários públicos, de comerciantes de toda sorte e de empregados do ramo de
serviços, trabalhadores que buscavam, no burburinho das ruas, atividades que lhes
prouvessem condições mínimas de sobrevivência. Como carregadores e descarregadores de
navios, vendedores ambulantes ou prestadores de pequenos serviços, milhares de pessoas
compunham um cenário cotidiano no mínimo efervescente.
Tal panorama desdobrava-se, no plano político, numa prolongada luta contra a
construção de cortiços no centro da Capital, num embate que se acirrara com a chegada de
Floriano Peixoto à presidência, em 1891. Em 26 de janeiro de 1892, a Inspetoria Geral de
Higiene recebia, endereçada pelo ministério do Interior, um aviso determinando providências
a respeito daqueles “verdadeiros antros disseminados pela cidade e que constituem outros
tantos focos de infecção” (Chalhoub, 1996:46). O novo regulamento permitia que o Inspetor
de higiene pudesse fechar todo e qualquer cortiço da cidade num prazo de 24hs, medida que
causou diversos episódios de confronto entre autoridades e moradores que se recusavam a
deixar suas moradias diante da falta de garantias8
8
O episódio mais marcante da luta contra os cortiços aconteceria dois anos depois, em 1893, quando o célebre
Cabeça de Porco foi demolido sob a liderança do prefeito Barata Ribeiro. Estima-se que, em seus tempos áureos,
o conjunto tenha sido ocupado por cerca de 4 mil pessoas (Chalhoub, 1996:15).
. Essa longa e não raro sangrenta batalha da
administração municipal contra os cortiços da capital tinha, de acordo com Chalhoub, uma
dupla motivação: em primeiro lugar, o processo de transformação, aos olhos das elites locais,
das “classes pobres” em “classes perigosas”; e em segundo lugar, o princípio de que a cidade
deveria ser gerida de acordo com critérios técnicos e científicos, a partir de uma racionalidade
extrínseca às desigualdades sociais e obediente ao princípio soberano da eficiência – num
suporte ideológico que se faria ainda mais presente após a proclamação da República, em
23
1889, quando cada vez mais médicos e engenheiros passariam a acumular funções na
administração pública. (Idem:20).
Aquela associação resultou no claro surgimento de uma “ideologia da higiene”, que
via nas classes pobres um feroz elemento de contágio moral (pela proliferação de vícios e da
ociosidade) e também físico (pelo diagnóstico de que as moradias coletivas seriam focos de
irradiação de epidemias)9
Não podemos esquecer, tampouco, que os passageiros presentes à rua Gonçalves Dias
naquele 6 de julho haviam assistido, ao longo das décadas anteriores, a um processo de
progressiva ascensão do “prestígio da rua” (Freyre, 2000 [1936]:743), num contexto marcado
por aquilo que Gilberto Freyre reconhece, no seu Sobrados & Mucambos, como um dos
principais sintomas da “urbanização do patriarcalismo”. Nesse contexto, a cartografia e os
serviços da capital adaptavam-se, pouco a pouco, a um cenário de crescente atenção das
autoridades com relação à ocupação e aos usos do espaço público, numa ambiciosa agenda
republicana que, a despeito dos problemas mencionados, inspirava otimismo. Isso porque o
Rio de Janeiro da virada do século vivia uma situação excepcional e o crescimento urbano não
era mera força dos novos tempos. Intermediária entre os recursos da economia cafeeira e
como centro político do país, a nova Capital via encherem seus cofres com recursos advindos
do comércio, finanças e também das incipientes aplicações industriais. Somava-se à
prodigalidade política e econômica o fato de a cidade ser o núcleo da rede ferroviária que
ligava Sudeste, Norte e Nordeste, despontando assim como maior pólo comercial do Brasil de
então. Além disso, o maior centro populacional do país concentrava a sede do Banco do
Brasil, bem como a maior Bolsa de Valores e grandes casas bancárias de capital nacional e
. A crise da habitação vinha assim acompanhada, nas suas causas e
nos seus sintomas, de uma não menos grave crise de teor sanitário: a insalubridade das
moradias coletivas, carentes de condições mínimas de iluminação e circulação de ar só
vinham acentuar a longa – e até então ingrata – luta das autoridades contra as periódicas
epidemias que se alastravam pela capital do país desde meados do século XIX. Objetivo ou
imaginado, o agravamento das condições sanitárias que marcou a década de 1890 levava
assim à progressiva certeza sobre a necessidade de uma profunda e urgente remodelação
urbana da cidade.
9
De acordo com Chalhoub (1996:29), tal associação remonta à década de 1850, quando uma epidemia de cólera
e outra de febre amarela “elevaram bastante as taxas de mortalidade e colocaram na ordem do dia a questão da
salubridade pública, em geral, e das condições higiênicas das habitações coletivas, em particular.
24
estrangeiro, polarizando a movimentação financeira do país. 15º porto do mundo em volume
de comércio, atrás apenas de Buenos Aires e Nova York no continente (Sevcenko,2003:40), o
Rio de Janeiro de 1900 sorria para o progresso que levava estampado na bandeira. Não é de
surpreender que, aos contemporâneos, tenha ficado claro o anacronismo da estrutura urbana
diante da latência dos novos tempos. A modernidade, que outrora batia à porta, agora
arrombava a cidade sem pedir licença (O’Donnell, 2007:42).
É impossível, no entanto, compreender o crescimento urbano ímpar observado no Rio
de Janeiro das últimas décadas do século XIX se atentarmos apenas à conjuntura macro
política e/ou econômica dentro da qual se desenrolou. É preciso que olhemos igualmente para
as transformações que, na tessitura cotidiana, permitiam o afluxo crescente de pessoas a
diferentes regiões da cidade, ampliando sua malha urbana efetivamente habitada e
dinamizando não apenas a economia de um perímetro urbano cada vez mais amplo, mas
também as práticas diárias de ocupação do espaço. O desenvolvimento dos meios de
transporte e, em especial, dos bondes, foi um fator crucial nesse processo. Ao alavancar, a
partir da década de 1870, o crescimento da cidade rumo às zonas norte e sul, as novas linhas
de bonde reconfiguravam definitivamente o mapa de um Rio de Janeiro outrora limitado pelos
morros do Castelo, de São Bento, de Santo Antonio e da Conceição – como mostra um mapa
da cidade feito em 1875.
25
Mapa do Rio de Janeiro em 1875
Era assim de uma cidade vista pelos contemporâneos como apertada, insalubre e
insuficiente para acomodar a ampla expansão da capital federal que partiam os passageiros
dos dez bondes especiais rumo a Copacabana. O próprio meio de transporte pelo qual
deixavam esse espaço nos remete, entretanto, a um novo universo de significados
compartilhados pelos ilustres convidados que tomavam os carros da Companhia Jardim
Botânico. Símbolo da mobilidade e, sem tardar, também da velocidade10
10
Em 8 de outubro de 1892 a
os bondes reuniam
em si grande parte dos signos da urbanização e, na mesma medida, de determinado ideal de
modernidade. Além de encurtar (e de viabilizar) distâncias, permitindo novas formas de usos
do espaço citadino, o desenvolvimento dos transportes públicos oferecia aos passageiros toda
uma nova gama de experiências intimamente ligadas ao ambiente urbano, como fica claro na
constatação de Simmel (1903 apud Waizbort, 2000:321): “Antes da invenção dos ônibus,
Botanical Garden Rail Road Company circulou, pela linha do Flamengo, o
primeiro bonde elétrico da América Latina.
26
trens e bondes no século XIX, as pessoas não haviam chegado ao ponto de serem obrigadas a
se olharem mutuamente, por longos minutos ou mesmo horas, sem se dirigirem a palavra.”
Tal experiência, no entanto, para além do frisson causado pelos novos aparatos
urbanos e sua clara ligação aos ansiados índices internacionais de civilidade, deixava nuas as
contradições de uma sociedade apoiada, durante séculos, numa estrutura de estratificação
social à qual a igualdade liberal da carta republicana era, em grande medida, estranha. Isso
aparece com clareza na lembrança de que o bonde enfrentou a resistência de certos setores da
elite, como grupos de senhoras que “o combatiam, achando imperdoável deslize de polidez
misturar gente do povo com pessoas de hábitos educados e tão contrários aos das classes
pobres, o que, segundo elas, sucederia infalivelmente nos veículos projetados.” (Noronha
Santos, 1934:245).
Ainda assim, a partir de 1868, quando a Botanical Garden Company11
inaugurou sua
primeira linha, ligando a Rua Gonçalves Dias ao Largo do Machado, estava dada a largada
para um irrefreável processo de expansão da malha urbana através dos trilhos12
A atuação direta dos meios de transporte coletivo sobre o crescimento da cidade veio
inevitavelmente acompanhado de um processo de redefinição dos padrões de acumulação do
capital imobiliário. Como nos alerta Abreu (Ibidem), majoritariamente controladas pelo
capital estrangeiro, as companhias de bondes “não só vieram a atender uma demanda já
. É importante
lembrar também a relevância da inauguração, em 1858, do primeiro trecho da Estrada de
Ferro Dom Pedro II (atual Central do Brasil), que viabilizou a rápida ocupação das freguesias
suburbanas por ela atravessadas (Abreu, 2008:43). Esses dois eixos, atuando sincronicamente
a partir do final da década de 1860, permitiram, assim, o acelerado crescimento urbano rumo
aos bairros das zonas sul e norte (pelos bondes) e rumo aos subúrbios (pela linha de trens).
Naquele mesmo período, o centro do poder da capital transferia-se para a zona sul imediata. O
Palácio das Laranjeiras, por exemplo, foi adquirido em 1865 para abrigar a residência da
Princesa Isabel e do Conde D’Eu e, décadas mais tarde, com a proclamação da República,
passaria a residência oficial do Governo Federal.
11
A Companhia mudo seu nome para Companhia Ferro-Carril do Jardim Botânico em 1882, quando recebeu
permissão para transferir sua sede para o Rio de Janeiro (Benchimol, 1990: 101)
12
A primeira linha de bondes a tração animal foi, na verdade, inaugurada alguns anos antes, em 1859, ligando a
Praça da Constituição (atual Tiradentes) ao alto da Tijuca. Mas seu concessionário, Thomas Cockrane, declarou
falência em 1866.
27
existente como, em atendendo a essa demanda, passaram a ter influência direta, não apenas
sobre o padrão de ocupação de grande parte da cidade, como também sobre o padrão de
acumulação do capital que aí circulava”. Amparado pelo discurso higienista contra a
insalubridade da região central, numerosos grupos empresariais se mostraram sedentos por
oportunidades de investimento em novas regiões da cidade. Assim, mais que reinventar a
cartografia física e simbólica da cidade, os trilhos acabaram por atuar na cristalização de uma
dicotomia entre centro e periferia, cujo esboço já vinha se delineando havia décadas. Em
pleno processo de crescimento urbano, os espaços da cidade se convertiam também em
mercadoria.
O caso específico da zona sul, para onde se dirigiam os dez bondes especiais, é
bastante sintomático. Intimamente ligada à atuação da Companhia Jardim Botânico, a
urbanização daquela região da cidade contou, em 1871, com o prolongamento do tráfego até o
Largo das Três Vendas (atual praça Santos Dumont), no então quase desabitado Jardim
Botânico (facilitando o acesso ao então já aristocrático bairro de Botafogo) e, um ano mais
tarde, com a inauguração do ramal da Gávea (transformada em Freguesia em 1873). Com os
olhos fortemente voltados ao lucro imobiliário, a Companhia Jardim Botânico associou-se,
desde o início da abertura dos trilhos rumo ao sul da cidade, a grandes incorporadores,
proprietários de terras e companhias de serviços públicos (especialmente aquelas responsáveis
pela implantação e fornecimento de gás, água potável e sistema de esgoto). Cumpre ressaltar,
ainda, o papel fundamental do Estado, cujo interesse na ampliação de zonas (salubremente)
habitadas se refletia no incentivo a tais investimentos, como podemos ver pela participação
maciça de autoridades públicas no lunch praiano daquele 6 de julho.
Uma vez acomodada, a comitiva deu início à viagem. Seguiram, primeiramente, rumo
ao Largo do Machado, adentrando à primeira das paróquias ao longo do vetor sul de expansão
da cidade: a de N. S. da Glória, criada em 1834. Naquela vizinhança, já bastante integrada ao
perímetro urbano, os passageiros puderam observar, além do intenso comércio, um grande
número de residências de alto luxo, ali implantadas ainda durante o Segundo Reinado –
quando grandes capitalistas do ramo da cafeicultura passaram a construir verdadeiros
palacetes na então capital do Império13
13
O exemplo mais claro é, sem dúvida, a residência dos Barões de Nova Friburgo, atual Palácio do Catete,
construída em 1860.
. Com 1894 edífícios particulares e 18 edifícios
28
públicos registrados já no censo de 1870 (Benchimol, 1990:94), a freguesia contava, naquele
ano de 1892, com mais de 8% de toda a população da cidade, que ali habitava entre as
mansões, os hotéis e as pensões de alta categoria. As feições do bairro, que ressaltam a
arborização e os espaços mais amplos, mostravam se tratar já de um cenário diverso daquele
da região central da cidade:
Largo do Machado e adjacências em 1892/1893
Foto: Juan Gutieerz
Fonte: Museu Histórico Nacional (disponível em
http://www.museuhistoriconacional.com.br/images/galeria03/rioantigo/mh-g3a058.htm)
Essa diferença em relação ao amontoado de casas e construções que caracterizava o
centro da cidade se tornaria cada vez mais clara ao longo do trajeto. Após percorrer os bairros
do Catete e da Glória, os bondes atravessaram a enseada do Flamengo, em cujo final tinha
início a Freguesia da Lagoa, criada em 1809, e que vinha assumindo, ao longo de todo o
século XIX, aspecto essencialmente residencial. Chegando ao bairro de Botafogo, os
passageiros puderam desfrutar, entre os morros da Viúva e da Urca, de uma bela enseada
coberta por jardins e chácaras de mansões suntuosas. Além disso, um crescente comércio
local fazia-se notar, aproveitando-se do fato de que Botafogo era, “de todos os lugares do Rio
de Janeiro, o mais procurado pela aristocracia estrangeira ou pela alta burocracia brasileira
para moradia” (Noronha Santos, 1965:86). Habitado por representantes do corpo diplomático
e capitalistas, o bairro ganhara espaço no imaginário da elite local que, aos poucos, deixava
29
bairros como São Cristóvão e Engenho Velho, cujo prestígio, muito associado à ocupação
imperial, entrara em franco declínio a partir da década de 1870.
Enseada de Botafogo na década de 1890
Foto: Marc Ferrez
É claro, porém, que o adensamento populacional de Botafogo atraiu a oferta de toda
sorte de serviços (como ambulantes e, sobretudo, atividades ligadas à construção civil) e, com
isso, o bairro passou a abrigar também habitantes da classe trabalhadora. De acordo com
Cardoso (1986), o desenvolvimento comercial do bairro acompanhou o caminho dos bondes.
Nas ruas São Clemente, Voluntários da Pátria, da Passagem e General Polidoro surgiram
sobrados com armazéns no térreo, fazendo de Botafogo o principal centro comercial para
moradores que, pouco a pouco, iam ocupando as imediações ainda pouco habitadas de
Copacabana e do Jardim Botânico. Assim, após passarem pela suntuosa enseada e se
deliciarem com os palacetes da aristocrática Rua São Clemente, a comitiva da Companhia
Jardim Botânico entrou na Rua Real Grandeza, em cujo final depararam-se com o cemitério
São João Batista (inaugurado em 1853), onde puderam observar as moradias modestas
ocupadas majoritariamente por imigrantes portugueses (Abreu, 2008:45). A esta altura, após
cerca de uma hora de viagem, o túnel já podia ser avistado.
Uma vez conduzidos pelos caminhos da cidade e da história que levaram a
Copacabana, podemos, agora, acompanhar a comitiva dos dez bondes especiais em sua
chegada ao arrabalde praiano.
30
Luz no fim do túnel
Vejamos, então, qual o cenário que circundava a festejada solenidade que, entre folhas
de bananeira, chalet e champagne dava as boas-vindas do pitoresco arrabalde à malha urbana
carioca.
Foto de Juan Gutierrez, 1892 / Fonte: Museu Histórico Nacional
A imagem mostra o bonde 22, ainda sem rodas, passando “pelo braço
operário, a muque”, logo após concluída a perfuração do túnel (Riotur,
1992:47).
31
Estação de bondes de Copacabana em 1892 / Fonte: Museu Histórico Nacional
As duas fotos acima apontam num mesmo sentido. A primeira nos revela a ousadia de
uma grande proeza da engenharia que, vencendo a força da natureza (representada pela
solidez da rocha perfurada) carregava a civilização nas rodas dos bondes. A segunda, não
menos explícita, mostra um areal absolutamente deserto, sobre o qual se sustenta, orgulhosa,
uma construção de feições modernas, como um verdadeiro baluarte do progresso em meio ao
vazio recém conquistado.
As imagens traduzem, em grande medida, as representações construídas (e veiculadas)
a respeito da até então distante Copacabana no período que antecede à chegada dos trilhos.
São escassas, para não dizer raras, as menções ao arrabalde até aquela data e, em sua
esmagadora maioria, acenam na direção de dois eixos principais: o areal desértico, por um
lado, e o bucolismo da natureza intocada, por outro.
A imagem do alemão Johann Moritz Rugendas (que esteve no Brasil entre 1822 e
1825), reproduzida abaixo em litogravura de Louis-Jules-Frédéric Villeneuve, se alinha
evidentemente ao segundo eixo. Apesar do título, trata-se de uma representação da praia de
Copacabana14
14
Cf. Biblioteca Nacional, icon94994-028.tif .
. Ao apresentá-la como lugar da exuberante natureza tropical, o pintor retratou a
32
presença de dois expedicionários que, acompanhados de escravos, parecem a sós em meio à
desértica praia, na qual nota-se, ao centro da pintura, uma única e modesta construção.
“Praya Rodriguez: prés de Rio de Janeiro”. Litogravura de Louis-Jules-Frédéric Villeneuve a partir da
pintura de Johann Moritz Rugendas, 1835.
Fonte: Biblioteca Nacional, icon94994-028.tif
Não são muito distintas as representações encontradas em relatos produzidos algumas
décadas mais tarde. O viajante inglês Daniel Parish Kidder, por exemplo, após visitar o país
em 1845, recomendou que quem quisesse “se deliciar em ouvir o murmúrio surdo das ondas
que vêm do Atlântico não poderá escolher ponto mais conveniente” (Riotur, 1992:232). Já o
botânico Sir Weddell, em depoimento escrito no mesmo ano, mostrou, apesar do encanto com
a grande variedade de cactos e palmeiras ali encontrados, algum incômodo com a presença de
“algumas dúzias de pulgas”, que vieram a perturba-lhe o repouso (Idem: 233).
Copacabana permaneceria no relativo anonimato ainda por uma década quando, em
1858, passou a correr pela cidade o boato de que duas baleias encalhadas haviam sido vistas
33
naquela praia. A notícia espalhou-se rapidamente, levando centenas de curiosos ao local,
dentre os quais se destacavam ninguém menos que o Imperador D. Pedro II e D. Teresa
Cristina. O boato resultou numa verdadeira excursão coletiva ao arrabalde na qual,
acomodados em barracas improvisadas, curiosos fizeram vigília ao longo de três dias e três
noites. As baleias jamais apareceram, mas houve quem tirasse proveito do evento, como um
comerciante do centro da cidade que, aproveitando o passeio para fotografar a praia
longínqua, exibiu as imagens (oito, no total) ao público através de um Cosmorama montado à
rua dos Ciganos, n. 4215
. Copacabana passava, então, a fazer parte do imaginário e do
repertório dos habitantes da capital, animando proprietários de terras que, sem tardar,
aproveitaram-se da publicidade para anunciar “braças de lindos terrenos, com frente para a
praia e fundos para chacarinhas”16
. Havia ainda quem passasse a alugar “pequenas casas para
recreio, banhos e ares de mar, como os não há nas proximidades da corte”17
Não é difícil imaginar, contudo, a dificuldade encontrada por tais proprietários no
sucesso de tais transações. Afinal, chegar a Copacabana demandava, além de muito tempo
disponível, uma razoável dose de disposição física. Isso porque, até a abertura do túnel, em
1892, três tortuosos caminhos ligavam o arrabalde ao restante da cidade. O primeiro deles
começava na rua Real Grandeza, em Botafogo, passava sobre o morro da Saudade e descia
pela ladeira do Barroso (atual Ladeira dos Tabajaras), terminando na rua de mesmo nome
(atual Siqueira Campos)
.
18
15
Correio Mercantil, 24 ago. 1858.
. Apesar de mal conservado, esse era o acesso mais utilizado pela
população, o que veio a ser acentuado em 1878 com o início do tráfego de uma linha regular
de diligências por aquela via. O segundo caminho, certamente mais pitoresco, tinha início na
rua de Copacabana (atual rua da Passagem) e chegava até a ladeira do Leme desembocando
naquela praia. O terceiro, por fim, destinava-se a aventureiros. Após pegar uma canoa na praia
de Piaçava, às margens da Lagoa de Sacopenapan (atual Rodrigo de Freitas), o viajante
chegava à praia funda (nas proximidades do atual corte do Cantagalo), de onde subia a pé
16
Correio Mercantil, 18 out 1858.
17
Correio Mercantil, 23 out 1858.
18
Esse caminho foi aberto em 1855, por iniciativa de José Martins Barroso, antigo morador de Botafogo e
proprietário de terras em Copacabana. Aberta como uma estrada de meia rodagem, para o trânsito de carros e de
cavaleiros, a construção da via contou com o apoio da Câmara dos Vereadores, que deu início às obras com
quatro operários e oito escravos. O projeto de José Martins Barroso, apoiado em abixo assindo por demais
moradores das ruas Real Grandeza e São Clemente, previa ainda a complementação do caminho com uma rua na
planície copacabanense (Riotur, 1992:36).
34
pelos morros da Capoeira e da Caieira (atuais Cabritos e Cantagalo) para, então, chegar até a
praia. A ilustração abaixo permite visualizar as três alternativas:
Fonte: Circuito Copacabana (CD-ROM)
Não é de espantar que, diante de tamanhas dificuldades de acesso, o Imperador tenha
esperado quase duas décadas e uma grande ocasião para retornar ao areal. Em 1873, um ano
após a aquisição dos direitos de exploração da telegrafia elétrica entre o Brasil e a Europa por
parte do Barão de Mauá, D. Pedro II voltou a percorrer a praia deserta para inaugurar o cabo
submarino instalado pela Telegraph Construction and Manteinance Company nas imediações
da Praia da Pescaria (atual Posto 6). Esse fato, que ampliava substancialmente a rede
telegráfica brasileira, até então restrita à linha entre a Corte e Petrópolis, levou novos
moradores a Copacabana: os ingleses responsáveis pela instalação do aparato, que passaram a
habitar uma construção que, durante muitos anos, ficou conhecida em toda a cidade como “a
casa dos ingleses”.
Mas nem só de grandes ocasiões vivia o arrabalde. Uma modesta porém perene
atividade religiosa mobilizava o mesmo trecho final da praia onde, desde os século XVIII,
havia notícia da capela de N. S. de Copacabana, que reunia romeiros de diversas partes da
cidade. A Igrejinha, como ficou conhecida a edificação, representava então o principal pólo
35
atração local, especialmente no dia 13 de setembro, quando se comemoravam as festas da
padroeira. Para tais ocasiões, a Igrejinha contava com uma casa para romeiros a qual, ao lado
das choupanas de pescadores e do Forte do Vigia, foi, durante muitos anos, uma das poucas
edificações existentes no distante areal.
Os testemunhos deixados por diferentes tipos de registros atestam que as
representações acerca da Igrejinha, a principal referência de Copacabana nos primeiros anos
de seu crescimento urbano, são um termômetro preciso do processo construção e sobreposição
de referências acerca do arrabalde, conforme será discutido adiante. Por ora basta atentar para
testemunhos como o de Debret, que assim descreveu o local em no início do século XIX:
“Vê-se no meio da areia a pequena igreja de Copacabana isolada num pequeno platô, mais a direita
um segundo plano, formado por um grupo de montanhas, entrando pelo mar e esconde a sinuosidade
do banco de areia, cuja extremidade reaparece com sua parte cultivada [...]”.19
Ou, ainda, analisar registros como o que aparece no postal abaixo, feito já após a
substituição da antiga capela (em 1858, logo após o episódio das baleias), em que
encontramos diversas convergências com o relato de Debret:
Cartão-postal. Data da correspondência: 1903 /Autor desconhecido.
Coleção Elísio Belchior.(APUD Pereira 2007)
19
J.B. Debret, Viagem pitoresca e historica ao Brasil. Sao Paulo, Liv. Martins, 1940.
36
Vemos, tanto no relato quanto no postal, o destaque à integração da construção ao
cenário natural que, nos dois casos, ocupa a maior parte da representação. A ideia da natureza
intocada é reforçada em ambos os casos pela ausência de pessoas, numa constante que, como
vimos nas notícias veiculadas por ocasião da inauguração das linhas de bonde em 1892,
tardou a descolar-se do imaginário urbano carioca a respeito daquele arrabalde.
É interessante notar que tais representações foram produzidas e difundidas ao longo do
século XIX, quando o país, em diversas ocasiões, teve grande parte da atenção do pensamento
social dedicado à questão do território, vinculando, de diferentes maneiras, o tema da
nacionalidade a uma dicotomia - muitas vezes espacialmente delineada - entre civilização e
barbárie. Tal oposição pôs, não raro, a ideia de “sertão” no centro do pensamento político
brasileiro, numa elaboração que, dos tempos coloniais (Mader:1998) às primeiras décadas do
século XX assumiu diferentes conotações em torno de uma apreensão comum acerca do
futuro nacional.
Como nos lembra Oliveira (1998), a própria construção da nacionalidade, do Estado e,
mais que isso, da “brasilidade” passou, por séculos, pela questão da conquista e ocupação do
espaço, num processo que teve início já nas primeiras narrativas a respeito do Novo Mundo. É
nesse sentido que a autora afirma que “A consciência do espaço, da territorialidade (...)
forneceu as bases da integração necessária à formulação de um projeto de nação” (Idem: 197).
Nesse cenário, a macro-representação do “sertão” construiu-se sobre um pano de fundo
comum que reunia desde traços geográficos – a região agreste, distante do litoral – até
culturais – local em que predominam tradições e costumes antigos, não modernos. Antes
mesmo da obra clássica de Euclides da Cunha, lançada em 1902, o sertão representava, para
os sonhos da integração nacional, os perigos do desconhecido. Assim, seja na tradição
romântica, que viu no sertanejo um símbolo da nacionalidade por sua destreza e simplicidade,
ou na realista, que pensava o sertão como um entrave ao progresso da urbanização, aquele
espaço foi reiteradamente pensado em termos de uma não-civilização.
É curioso assim notar que, mesmo mostrada insistentemente como um lugar
radicalmente alheio à lógica e ao cenário da cidade, Copacabana não teve, em nenhum
momento, seu território associado à ideia de sertão, ou até mesmo a alguma representação de
cunho pejorativo. Enquanto o pensamento político se debruçava sobre a questão do território
pensando em termos de “barbárie” e “não-civilização”, Copacabana figurava,
37
inequivocamente, como um “areal” marcado pelo bucolismo, pelo vazio e, muitas vezes, por
um estágio “pré” civilizatório – nunca “anti”.
Creio que, mais que a evidente proximidade com o litoral, o que libertou os bairros
atlânticos cariocas da mácula do sertão foi, conforme podemos ver nas representações acima,
o total desinteresse dos visitantes pela população local. Há, como vimos, vagas referências à
existência de “choupanas de pescadores”, sem nenhuma atenção à sua forma de habitação, de
socialização ou de circulação. O “areal” era, definitivamente, o “território do vazio”20
. A
fotografia abaixo, tirada da base do morro do Leme na década de 1890, confirma o mesmo
discurso:
Foto de Juan Gutierrez, 1890 / Fonte: Museu Histórico Nacional
Em meio ao panorama da praia deserta, só com muita atenção – e uma dose de esforço
– podemos visualizar as pequenas e modestas construções à direita da imagem, em uma zona
escurecida da foto e completamente absortas pelo cenário natural. Não devemos, contudo,
nos deixar impressionar pelo vasto e desértico areal, rodeado de palmeiras, cactos e eventuais
20
A expressão é emprestada do título do livro de Alain Corbin (O território do vazio), em que o autor busca
recuperar a história do desejo da beira-mar na Europa entre 1750 e 1840.
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana
Julia odonnell   invenção copacabana

Weitere ähnliche Inhalte

Ähnlich wie Julia odonnell invenção copacabana

O processo de degradação e revitalização dos espaços públicos: usos e apropri...
O processo de degradação e revitalização dos espaços públicos: usos e apropri...O processo de degradação e revitalização dos espaços públicos: usos e apropri...
O processo de degradação e revitalização dos espaços públicos: usos e apropri...Marina Teixeira
 
Dionísio republicano as festas dos grupos escolares sergipanos e os outros ol...
Dionísio republicano as festas dos grupos escolares sergipanos e os outros ol...Dionísio republicano as festas dos grupos escolares sergipanos e os outros ol...
Dionísio republicano as festas dos grupos escolares sergipanos e os outros ol...Daniel Souto
 
Dissertação de patrícia cabral de arruda na sociologia da un b em 2012
Dissertação de patrícia cabral de arruda na sociologia da un b em 2012Dissertação de patrícia cabral de arruda na sociologia da un b em 2012
Dissertação de patrícia cabral de arruda na sociologia da un b em 2012citacoesdosprojetosdeotavioluizmachado
 
Anarquismo, sindicatos e revolução no brasil 1906 1936 - tese de doutorado
Anarquismo, sindicatos e revolução no brasil 1906   1936 - tese de doutoradoAnarquismo, sindicatos e revolução no brasil 1906   1936 - tese de doutorado
Anarquismo, sindicatos e revolução no brasil 1906 1936 - tese de doutoradoFernando Costa
 
“Paz entre nós, guerra aos senhores!” Uma etnografia sobre o Bloco de Lutas p...
“Paz entre nós, guerra aos senhores!” Uma etnografia sobre o Bloco de Lutas p...“Paz entre nós, guerra aos senhores!” Uma etnografia sobre o Bloco de Lutas p...
“Paz entre nós, guerra aos senhores!” Uma etnografia sobre o Bloco de Lutas p...Josep Segarra
 
TCC Jornalismo de Moda - Naiá Aiello
TCC Jornalismo de Moda - Naiá AielloTCC Jornalismo de Moda - Naiá Aiello
TCC Jornalismo de Moda - Naiá AielloNaiaaiello
 
Livro um município chamado alto alegre dos parecis
Livro   um município chamado alto alegre dos parecisLivro   um município chamado alto alegre dos parecis
Livro um município chamado alto alegre dos parecisSinval Gonçalves
 
Da tradição à modernização o são joão em pocinhos pb (1958 2011)
Da tradição à modernização o são joão em pocinhos pb (1958 2011)Da tradição à modernização o são joão em pocinhos pb (1958 2011)
Da tradição à modernização o são joão em pocinhos pb (1958 2011)Eduardo Araujo
 
200Anos Brasil.pdf
200Anos Brasil.pdf200Anos Brasil.pdf
200Anos Brasil.pdfescola146676
 
Bibliotecadigital.fgv.br dspace-bitstream-handle-10438-2696-cpdoc2009 anaclau...
Bibliotecadigital.fgv.br dspace-bitstream-handle-10438-2696-cpdoc2009 anaclau...Bibliotecadigital.fgv.br dspace-bitstream-handle-10438-2696-cpdoc2009 anaclau...
Bibliotecadigital.fgv.br dspace-bitstream-handle-10438-2696-cpdoc2009 anaclau...Carlos Bacelar
 
"Em busca da realidade": a expeirencia da etnicidade dos ELeoterios
"Em busca da realidade": a expeirencia da etnicidade dos ELeoterios"Em busca da realidade": a expeirencia da etnicidade dos ELeoterios
"Em busca da realidade": a expeirencia da etnicidade dos ELeoteriosclaumoreira
 
A dinamica da notícia nas redes sociais na internet
A dinamica da notícia nas redes sociais na internetA dinamica da notícia nas redes sociais na internet
A dinamica da notícia nas redes sociais na internetMaíra Evangelista de Sousa
 
Horizonte vermelho
Horizonte vermelhoHorizonte vermelho
Horizonte vermelhoJudi Rezende
 
Livro república aquarius otávio luiz machado
Livro república aquarius otávio luiz machadoLivro república aquarius otávio luiz machado
Livro república aquarius otávio luiz machadoeditoraprospectiva
 
História em movimento vol 03. Digital
História em movimento vol 03. DigitalHistória em movimento vol 03. Digital
História em movimento vol 03. Digitalmarcosfm32
 
O caso da urna 40. um estudo sobre cultura politica
O caso da urna 40. um estudo sobre cultura politicaO caso da urna 40. um estudo sobre cultura politica
O caso da urna 40. um estudo sobre cultura politicaUNEB
 

Ähnlich wie Julia odonnell invenção copacabana (20)

Agua e coorperaçao
Agua e coorperaçao Agua e coorperaçao
Agua e coorperaçao
 
O processo de degradação e revitalização dos espaços públicos: usos e apropri...
O processo de degradação e revitalização dos espaços públicos: usos e apropri...O processo de degradação e revitalização dos espaços públicos: usos e apropri...
O processo de degradação e revitalização dos espaços públicos: usos e apropri...
 
Dionísio republicano as festas dos grupos escolares sergipanos e os outros ol...
Dionísio republicano as festas dos grupos escolares sergipanos e os outros ol...Dionísio republicano as festas dos grupos escolares sergipanos e os outros ol...
Dionísio republicano as festas dos grupos escolares sergipanos e os outros ol...
 
Dissertação de patrícia cabral de arruda na sociologia da un b em 2012
Dissertação de patrícia cabral de arruda na sociologia da un b em 2012Dissertação de patrícia cabral de arruda na sociologia da un b em 2012
Dissertação de patrícia cabral de arruda na sociologia da un b em 2012
 
Anarquismo, sindicatos e revolução no brasil 1906 1936 - tese de doutorado
Anarquismo, sindicatos e revolução no brasil 1906   1936 - tese de doutoradoAnarquismo, sindicatos e revolução no brasil 1906   1936 - tese de doutorado
Anarquismo, sindicatos e revolução no brasil 1906 1936 - tese de doutorado
 
“Paz entre nós, guerra aos senhores!” Uma etnografia sobre o Bloco de Lutas p...
“Paz entre nós, guerra aos senhores!” Uma etnografia sobre o Bloco de Lutas p...“Paz entre nós, guerra aos senhores!” Uma etnografia sobre o Bloco de Lutas p...
“Paz entre nós, guerra aos senhores!” Uma etnografia sobre o Bloco de Lutas p...
 
TCC Jornalismo de Moda - Naiá Aiello
TCC Jornalismo de Moda - Naiá AielloTCC Jornalismo de Moda - Naiá Aiello
TCC Jornalismo de Moda - Naiá Aiello
 
Livro um município chamado alto alegre dos parecis
Livro   um município chamado alto alegre dos parecisLivro   um município chamado alto alegre dos parecis
Livro um município chamado alto alegre dos parecis
 
Da tradição à modernização o são joão em pocinhos pb (1958 2011)
Da tradição à modernização o são joão em pocinhos pb (1958 2011)Da tradição à modernização o são joão em pocinhos pb (1958 2011)
Da tradição à modernização o são joão em pocinhos pb (1958 2011)
 
200Anos Brasil.pdf
200Anos Brasil.pdf200Anos Brasil.pdf
200Anos Brasil.pdf
 
Bibliotecadigital.fgv.br dspace-bitstream-handle-10438-2696-cpdoc2009 anaclau...
Bibliotecadigital.fgv.br dspace-bitstream-handle-10438-2696-cpdoc2009 anaclau...Bibliotecadigital.fgv.br dspace-bitstream-handle-10438-2696-cpdoc2009 anaclau...
Bibliotecadigital.fgv.br dspace-bitstream-handle-10438-2696-cpdoc2009 anaclau...
 
Dialogus 2006 v.1_n.1
Dialogus 2006 v.1_n.1Dialogus 2006 v.1_n.1
Dialogus 2006 v.1_n.1
 
Dissertação de eder claudio malta souza na ufs 2010
Dissertação de eder claudio malta souza na ufs 2010Dissertação de eder claudio malta souza na ufs 2010
Dissertação de eder claudio malta souza na ufs 2010
 
"Em busca da realidade": a expeirencia da etnicidade dos ELeoterios
"Em busca da realidade": a expeirencia da etnicidade dos ELeoterios"Em busca da realidade": a expeirencia da etnicidade dos ELeoterios
"Em busca da realidade": a expeirencia da etnicidade dos ELeoterios
 
Luiz mauricio dissertacao
Luiz mauricio   dissertacaoLuiz mauricio   dissertacao
Luiz mauricio dissertacao
 
A dinamica da notícia nas redes sociais na internet
A dinamica da notícia nas redes sociais na internetA dinamica da notícia nas redes sociais na internet
A dinamica da notícia nas redes sociais na internet
 
Horizonte vermelho
Horizonte vermelhoHorizonte vermelho
Horizonte vermelho
 
Livro república aquarius otávio luiz machado
Livro república aquarius otávio luiz machadoLivro república aquarius otávio luiz machado
Livro república aquarius otávio luiz machado
 
História em movimento vol 03. Digital
História em movimento vol 03. DigitalHistória em movimento vol 03. Digital
História em movimento vol 03. Digital
 
O caso da urna 40. um estudo sobre cultura politica
O caso da urna 40. um estudo sobre cultura politicaO caso da urna 40. um estudo sobre cultura politica
O caso da urna 40. um estudo sobre cultura politica
 

Mehr von Douglas Evangelista

Indivíduo e Sociedade: Um estudo sobre a perspectiva hierárquica de Louis Dumont
Indivíduo e Sociedade: Um estudo sobre a perspectiva hierárquica de Louis DumontIndivíduo e Sociedade: Um estudo sobre a perspectiva hierárquica de Louis Dumont
Indivíduo e Sociedade: Um estudo sobre a perspectiva hierárquica de Louis DumontDouglas Evangelista
 
Tese cecilia dos guimaraes bastos 2 vedanta
Tese cecilia dos guimaraes bastos 2 vedantaTese cecilia dos guimaraes bastos 2 vedanta
Tese cecilia dos guimaraes bastos 2 vedantaDouglas Evangelista
 
Subjetividade, individualidade e autenticidade
Subjetividade, individualidade e autenticidadeSubjetividade, individualidade e autenticidade
Subjetividade, individualidade e autenticidadeDouglas Evangelista
 
As novas tecnologias reprodutivas: o estatuto do embrião e a noção de pessoa
As novas tecnologias reprodutivas: o estatuto do embrião e a noção de pessoaAs novas tecnologias reprodutivas: o estatuto do embrião e a noção de pessoa
As novas tecnologias reprodutivas: o estatuto do embrião e a noção de pessoaDouglas Evangelista
 
Relacoes intracoloniais goa-bahia_1675-1825
Relacoes intracoloniais goa-bahia_1675-1825Relacoes intracoloniais goa-bahia_1675-1825
Relacoes intracoloniais goa-bahia_1675-1825Douglas Evangelista
 
Pd2012zoyanastassakis 130723113421-phpapp02
Pd2012zoyanastassakis 130723113421-phpapp02Pd2012zoyanastassakis 130723113421-phpapp02
Pd2012zoyanastassakis 130723113421-phpapp02Douglas Evangelista
 
Os novos rumos do individualismo e o desamparo
Os novos rumos do individualismo e o desamparoOs novos rumos do individualismo e o desamparo
Os novos rumos do individualismo e o desamparoDouglas Evangelista
 
Narcisismo contemporâneo uma abordagem laschiana
Narcisismo contemporâneo   uma abordagem laschianaNarcisismo contemporâneo   uma abordagem laschiana
Narcisismo contemporâneo uma abordagem laschianaDouglas Evangelista
 
Medeiros carneiro faustini bate bola
Medeiros carneiro faustini bate bolaMedeiros carneiro faustini bate bola
Medeiros carneiro faustini bate bolaDouglas Evangelista
 
Maria macedobarroso etnografia_siddha yoga
Maria macedobarroso etnografia_siddha yogaMaria macedobarroso etnografia_siddha yoga
Maria macedobarroso etnografia_siddha yogaDouglas Evangelista
 
Giddens, anthony. a constituição da sociedade
Giddens, anthony. a constituição da sociedadeGiddens, anthony. a constituição da sociedade
Giddens, anthony. a constituição da sociedadeDouglas Evangelista
 
Freire medeiros bianca entre tapas e beijos a favela turística na perspectiv...
Freire medeiros bianca entre tapas e beijos  a favela turística na perspectiv...Freire medeiros bianca entre tapas e beijos  a favela turística na perspectiv...
Freire medeiros bianca entre tapas e beijos a favela turística na perspectiv...Douglas Evangelista
 
Evandro politica espiritualidade-iser-mir-(1)-libre
Evandro politica espiritualidade-iser-mir-(1)-libreEvandro politica espiritualidade-iser-mir-(1)-libre
Evandro politica espiritualidade-iser-mir-(1)-libreDouglas Evangelista
 

Mehr von Douglas Evangelista (20)

Indivíduo e Sociedade: Um estudo sobre a perspectiva hierárquica de Louis Dumont
Indivíduo e Sociedade: Um estudo sobre a perspectiva hierárquica de Louis DumontIndivíduo e Sociedade: Um estudo sobre a perspectiva hierárquica de Louis Dumont
Indivíduo e Sociedade: Um estudo sobre a perspectiva hierárquica de Louis Dumont
 
Tese fabio versao_final_red
Tese fabio versao_final_redTese fabio versao_final_red
Tese fabio versao_final_red
 
Tese cecilia dos guimaraes bastos 2 vedanta
Tese cecilia dos guimaraes bastos 2 vedantaTese cecilia dos guimaraes bastos 2 vedanta
Tese cecilia dos guimaraes bastos 2 vedanta
 
Subjetividade, individualidade e autenticidade
Subjetividade, individualidade e autenticidadeSubjetividade, individualidade e autenticidade
Subjetividade, individualidade e autenticidade
 
As novas tecnologias reprodutivas: o estatuto do embrião e a noção de pessoa
As novas tecnologias reprodutivas: o estatuto do embrião e a noção de pessoaAs novas tecnologias reprodutivas: o estatuto do embrião e a noção de pessoa
As novas tecnologias reprodutivas: o estatuto do embrião e a noção de pessoa
 
Relacoes intracoloniais goa-bahia_1675-1825
Relacoes intracoloniais goa-bahia_1675-1825Relacoes intracoloniais goa-bahia_1675-1825
Relacoes intracoloniais goa-bahia_1675-1825
 
Quando a exceção_vira_regra
Quando a exceção_vira_regraQuando a exceção_vira_regra
Quando a exceção_vira_regra
 
Pd2012zoyanastassakis 130723113421-phpapp02
Pd2012zoyanastassakis 130723113421-phpapp02Pd2012zoyanastassakis 130723113421-phpapp02
Pd2012zoyanastassakis 130723113421-phpapp02
 
Os novos rumos do individualismo e o desamparo
Os novos rumos do individualismo e o desamparoOs novos rumos do individualismo e o desamparo
Os novos rumos do individualismo e o desamparo
 
O baile funk_carioca
O baile funk_cariocaO baile funk_carioca
O baile funk_carioca
 
Narcisismo contemporâneo uma abordagem laschiana
Narcisismo contemporâneo   uma abordagem laschianaNarcisismo contemporâneo   uma abordagem laschiana
Narcisismo contemporâneo uma abordagem laschiana
 
Mistica linguagem, filosofia
Mistica linguagem, filosofiaMistica linguagem, filosofia
Mistica linguagem, filosofia
 
Medeiros carneiro faustini bate bola
Medeiros carneiro faustini bate bolaMedeiros carneiro faustini bate bola
Medeiros carneiro faustini bate bola
 
Maria macedobarroso etnografia_siddha yoga
Maria macedobarroso etnografia_siddha yogaMaria macedobarroso etnografia_siddha yoga
Maria macedobarroso etnografia_siddha yoga
 
Imagem, magia e imaginação
Imagem, magia e imaginaçãoImagem, magia e imaginação
Imagem, magia e imaginação
 
Giddens, anthony. a constituição da sociedade
Giddens, anthony. a constituição da sociedadeGiddens, anthony. a constituição da sociedade
Giddens, anthony. a constituição da sociedade
 
Freire medeiros bianca entre tapas e beijos a favela turística na perspectiv...
Freire medeiros bianca entre tapas e beijos  a favela turística na perspectiv...Freire medeiros bianca entre tapas e beijos  a favela turística na perspectiv...
Freire medeiros bianca entre tapas e beijos a favela turística na perspectiv...
 
Evandro politica espiritualidade-iser-mir-(1)-libre
Evandro politica espiritualidade-iser-mir-(1)-libreEvandro politica espiritualidade-iser-mir-(1)-libre
Evandro politica espiritualidade-iser-mir-(1)-libre
 
Etnografia deficientes visuais
Etnografia deficientes visuaisEtnografia deficientes visuais
Etnografia deficientes visuais
 
Estruturalismo funcionalismo
Estruturalismo funcionalismoEstruturalismo funcionalismo
Estruturalismo funcionalismo
 

Kürzlich hochgeladen

REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V25_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V25_...REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V25_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V25_...Universidade Federal de Sergipe - UFS
 
NORMAS PARA PRODUCAO E PUBLICACAO UNIROVUMA - CAPACITACAO DOCENTE II SEMESTRE...
NORMAS PARA PRODUCAO E PUBLICACAO UNIROVUMA - CAPACITACAO DOCENTE II SEMESTRE...NORMAS PARA PRODUCAO E PUBLICACAO UNIROVUMA - CAPACITACAO DOCENTE II SEMESTRE...
NORMAS PARA PRODUCAO E PUBLICACAO UNIROVUMA - CAPACITACAO DOCENTE II SEMESTRE...LuisCSIssufo
 
Teorias da Evolução e slides sobre darwnismo e evoulao
Teorias da Evolução e slides sobre darwnismo e evoulaoTeorias da Evolução e slides sobre darwnismo e evoulao
Teorias da Evolução e slides sobre darwnismo e evoulaoEduardoBarreto262551
 
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...Universidade Federal de Sergipe - UFS
 
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...Universidade Federal de Sergipe - UFS
 
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...Universidade Federal de Sergipe - UFS
 
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V25_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V25_...REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V25_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V25_...Universidade Federal de Sergipe - UFS
 
Revisão ENEM ensino médio 2024 para o terceiro ano
Revisão ENEM ensino médio 2024 para o terceiro anoRevisão ENEM ensino médio 2024 para o terceiro ano
Revisão ENEM ensino médio 2024 para o terceiro anoAlessandraRaiolDasNe
 
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...Universidade Federal de Sergipe - UFS
 
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...Universidade Federal de Sergipe - UFS
 
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V25_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V25_...REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V25_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V25_...Universidade Federal de Sergipe - UFS
 
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...Universidade Federal de Sergipe - UFS
 
Sistema _ Endocrino_ hormonios_8_ano.ppt
Sistema _ Endocrino_ hormonios_8_ano.pptSistema _ Endocrino_ hormonios_8_ano.ppt
Sistema _ Endocrino_ hormonios_8_ano.pptMrciaVidigal
 
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...Universidade Federal de Sergipe - UFS
 
O Modelo Atômico de Dalton - Carlos Vinicius
O Modelo Atômico de Dalton - Carlos ViniciusO Modelo Atômico de Dalton - Carlos Vinicius
O Modelo Atômico de Dalton - Carlos ViniciusVini Master
 
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...Universidade Federal de Sergipe - UFS
 
Geologia Marinha - Variação do Nível do Mar
Geologia Marinha - Variação do Nível do MarGeologia Marinha - Variação do Nível do Mar
Geologia Marinha - Variação do Nível do MarGabbyCarvalhoAlves
 
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...Universidade Federal de Sergipe - UFS
 

Kürzlich hochgeladen (18)

REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V25_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V25_...REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V25_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V25_...
 
NORMAS PARA PRODUCAO E PUBLICACAO UNIROVUMA - CAPACITACAO DOCENTE II SEMESTRE...
NORMAS PARA PRODUCAO E PUBLICACAO UNIROVUMA - CAPACITACAO DOCENTE II SEMESTRE...NORMAS PARA PRODUCAO E PUBLICACAO UNIROVUMA - CAPACITACAO DOCENTE II SEMESTRE...
NORMAS PARA PRODUCAO E PUBLICACAO UNIROVUMA - CAPACITACAO DOCENTE II SEMESTRE...
 
Teorias da Evolução e slides sobre darwnismo e evoulao
Teorias da Evolução e slides sobre darwnismo e evoulaoTeorias da Evolução e slides sobre darwnismo e evoulao
Teorias da Evolução e slides sobre darwnismo e evoulao
 
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
 
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
 
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
 
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V25_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V25_...REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V25_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V25_...
 
Revisão ENEM ensino médio 2024 para o terceiro ano
Revisão ENEM ensino médio 2024 para o terceiro anoRevisão ENEM ensino médio 2024 para o terceiro ano
Revisão ENEM ensino médio 2024 para o terceiro ano
 
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
 
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
 
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V25_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V25_...REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V25_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V25_...
 
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
 
Sistema _ Endocrino_ hormonios_8_ano.ppt
Sistema _ Endocrino_ hormonios_8_ano.pptSistema _ Endocrino_ hormonios_8_ano.ppt
Sistema _ Endocrino_ hormonios_8_ano.ppt
 
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
 
O Modelo Atômico de Dalton - Carlos Vinicius
O Modelo Atômico de Dalton - Carlos ViniciusO Modelo Atômico de Dalton - Carlos Vinicius
O Modelo Atômico de Dalton - Carlos Vinicius
 
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
 
Geologia Marinha - Variação do Nível do Mar
Geologia Marinha - Variação do Nível do MarGeologia Marinha - Variação do Nível do Mar
Geologia Marinha - Variação do Nível do Mar
 
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
 

Julia odonnell invenção copacabana

  • 1. i Universidade Federal do Rio de Janeiro Museu Nacional Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social Um Rio Atlântico Culturas urbanas e estilos de vida na invenção de Copacabana Julia Galli O’Donnell Rio de Janeiro 2011
  • 2. ii Um Rio Atlântico Culturas urbanas e estilos de vida na invenção de Copacabana Julia Galli O’Donnell Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, orientada pelo Prof. Dr. Gilberto Cardoso Alves Velho. Rio de Janeiro Janeiro de 2011
  • 3. iii Um Rio Atlântico: Culturas urbanas e estilos de vida na invenção de Copacabana Julia Galli O’Donnell Tese submetida ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de doutora em Antropologia Social. Aprovada por: _________________________________ Prof. Dr. Gilberto Cardoso Alves Velho – PPGAS/MN/UFRJ (Presidente da Banca Examinadora) _________________________________ Profª. Dra. Adriana de Resende Barreto Vianna - PPGAS/MN/UFRJ __________________________________ Prof. Dr. Luiz Fernando Dias Duarte - PPGAS/MN/UFRJ __________________________________ Profª. Dra. Maria Alice Rezende de Carvalho - PUC-RJ __________________________________ Profª. Dra. Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti - IFCS/UFRJ __________________________________ Prof. Dr. Federico Neiburg – PPGAS/MN/UFRJ (Suplente) ___________________________________ Profª. Dra. Myriam Moraes Lins de Barros – ESS/UFRJ (Suplente)
  • 4. iv O’Donnell, Julia Galli. Um Rio Atlântico: culturas urbanas e estilos de vida na invenção de Copacabana/Julia Galli O’Donnell. Rio de Janeiro: UFRJ/Museu Nacional, 2011. xv, 298f. il; 31cm. Orientador: Gilberto Cardoso Alves Velho. Tese (doutorado) – UFRJ/ Museu Nacional/ Programa de Pós Graduação em Antropologia Social, 2011. Referências Bibliográficas: f. 290-301. 1. Antropologia urbana. 2. Rio de Janeiro. 3. Copacabana. 4. Estilos de vida. 5. Cultura urbana. I. Velho, Gilberto Cardoso Alves. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Museu Nacional, Programa de Pós Graduação em Antropologia Social. III. Título.
  • 5. v Resumo Copacabana é hoje uma das praias mais famosas de todo o mundo. Apresentada, em diversos contextos, como símbolo da cidade do Rio de Janeiro ou até mesmo da nacionalidade, ela concentra em torno de si imagens positivamente referenciadas a um estilo de vida praiano e, na mesma medida, representações negativas acerca da grande heterogeneidade social que marca a composição do bairro que a circunda. Esta tese busca, a partir de tais constatações, compreender o processo de construção material e simbólica de Copacabana, atentando para os mecanismos através dos quais determinados segmentos sociais fizeram dela – e dos bairros da assim chamada “zona sul oceânica” – territórios ligados a signos de prestígio e distinção social. Para tal, a pesquisa se concentrou nas três primeiras décadas do século XX, período no qual Copacabana passou de um distante areal a um bairro hegemonicamente associado a um estilo de vida moderno e sofisticado. Feita do entrelaçamento epistemológico entre Antropologia e História, esta tese visa, desta forma, apresentar uma etnografia do processo de construção identitária dos assim auto-denominados “aristocratas” dos bairros atlânticos – de modo a entender tanto os mecanismos de gestão do ethos praiano em torno do qual elaboravam sua diferenciação frente ao restante da cidade quanto a dissolução e ressiginificação dessas marcas diferencias frente à complexificação social que tomou corpo no bairro principalmente a partir da década de 1930. Palavras-chave: Copacabana; Rio de Janeiro; Praia; Estilos de vida; Cultura urbana
  • 6. vi Abstract Copacabana is nowadays one of the most famous beaches in the world. Presented repeatedly as a symbol of Rio de Janeiro or even of the Brazilian nationality, it has been positively associated to a beach lifestyle and, to the same extent, negatively linked to the effects of the great social heterogeneity of the neighborhood. From these findings, this thesis aims to understand the process of the material and symbolic construction of Copacabana. It pays attention to the mechanisms by which certain segments of society made of the “Atlantic” boroughs a territory linked to signs of prestige and social distinction. In that sense, the research focuses on the three first decade of the 20th Century, when Copacabana became associated to a modern and sophisticated lifestyle. Thus, this thesis, trough an epistemological entanglement between History and Anthropology, present an ethnography of the aristocratic identity forged by some inhabitants of the neighborhood – in order to understand both the logic of the ethos that supports the distinction between this self-defined “aristocracy” and the other inhabitants of the City as the dissolution of this identity resulting of the growing of the region from the 1930´s on. Keywords: Copacabana; Rio de Janeiro; Beach; Lyfe Style; Urban Culture.
  • 7. vii Agradecimentos Há precisos quatro anos, encerrado o ciclo da escrita de minha dissertação de mestrado, escrevi os agradecimentos àquele trabalho, feliz por ter podido contar com a companhia e com a generosidade de pessoas que fizeram da Antropologia e do Rio de Janeiro mundos familiares a uma então recém-chegada como eu. Hoje, ao fim de um novo ciclo, é com a mesma alegria que renovo muito daqueles “obrigadas”, agora acrescidos de outros tantos. Meu orientador, Gilberto Velho, me acompanhou ao longo dos seis anos da pós- graduação e só há uma forma de descrever o sentimento com que chego ao final dessa jornada: privilégio. A ele agradeço pela generosidade intelectual, pela inabalável disponibilidade e pela amizade de sempre. Sou ainda grata pela forma afetuosa e responsável com que conduziu a orientação desta tese e também por me ajudar a ver os tantos caminhos que levam a Copacabana. Ao CNPQ sou grata pelos quatro anos de bolsa de doutorado, sem a qual este trabalho não passaria de um projeto remoto. Aos professores Adriana Vianna, Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti, Maria Alice Rezende e Luiz Fernando Dias Duarte, agradeço por terem aceitado participar da banca de avaliação deste trabalho. Às professoras Adriana Vianna e Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti ainda grata pela valiosa interlocução nos dois exames de qualificação, nos quais pude contar com o cuidado de sua leitura e seus preciosos comentários. No Museu Nacional encontrei um ambiente de excelência para o desenvolvimento de minha formação acadêmica. Aos seus professores e professoras sou imensamente grata pela forma generosa com que me apresentaram suas muitas antropologias. Aos funcionários da secretaria e da biblioteca agradeço pelo atendimento atencioso e pela eficiência de sempre. Ainda no Museu Nacional pude compartilhar leituras, comentários, angústias e risadas com colegas que fizeram com que o processo de elaboração desta tese acontecesse em maio a uma verdadeira ação coletiva. Dentre eles, sou especialmente grata a Patricia Bouzon, Silvia Monnerat, Ísis Ribeiro e Caio Gonçalves.
  • 8. viii Tatiana Siciliano e Liane Braga foram, além de colegas, amigas queridas e verdadeiras cúmplices. Com elas construí uma parceria e um carinho que, assim espero, vai muito além do tempo e das páginas deste trabalho. Com Letícia Carvalho e Fernanda Figurelli, minhas queridas Let e Ferni, aprendi que uma longa amizade não depende do tempo. Verdadeiras irmãs “cariocas”, elas são parte fundamental não apenas desta tese como também (e principalmente) dos muitos enredos que a ela se somaram ao longo dos últimos anos. Celso Castro esteve sempre por perto, me ajudando de diversas maneiras. A ele sou grata pelo carinho, pela confiança, e pela amizade de uma década. Com Arbel Griner e Ângela Moreira, amigas e companheiras de ofício, dividi muitas das alegrias e reticências do fazer da tese. Pude também contar ainda, em diferentes situações, com a interlocução, o apoio e a solidariedade de Karina Kuschnir. Daniela Montans, Marcia Franceschini, Marina Vianna e Esther Blumenfeld me tornaram tudo mais leve e divertido, me fazendo lembrar, tantas vezes, do que realmente importa. Ynaê Lopes do Santos, minha primeira marida, dividiu comigo momentos de alegria e de angústia, me mostrando que Antropologia e História não dão só uma tese, mas também uma bela amizade. Gabriela Toledo, com suas visitas e telefonemas, foi também fundamental na nem sempre fácil tarefa de lembrar do mundo lá fora. Pedro Mendes acompanhou os primeiros rumos desta tese, me ajudando com seu apoio e otimismo. Ao meu pai, Guillermo, agradeço, mais uma vez, por não me deixar esquecer os encantos deste ofício. Leitor voraz e narrador apaixonado, a ele devo meu encontro com as primeiras histórias (e capítulos). Minha mãe, Cecília, soube entender minhas tantas ausências e pressas com paciência e generosidade. Sem seu suporte, sua torcida e sua força, nada disso teria sido possível. Mas a ela agradeço, acima de tudo, pelas incansáveis e comoventes lições daquele que agora percebo ser o maior dos aprendizados: ser mãe. Leonardo, meu companheiro, chegou pela literatura e mudou todo o enredo dessa história. Suas leituras, seus comentários, seu entusiasmo e sua (infinita) paciência estão em cada página desta tese. A ele agradeço por todo o dito, por todo o feito e, principalmente, pela certeza, diariamente renovada, de que ainda há tanto por fazermos juntos.
  • 9. ix “um rio é sempre sem antiguidade” “Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia” (Guimarães Rosa, “Grande sertão: veredas”)
  • 10. x Índice de imagens Fig. 1 – J. Gutierrez, “Panorama do centro da cidade em 1893/1894” 21 Fig. 2 - Mapa do Rio de Janeiro em 1875 24 Fig. 3 - J. Gutierrez, “Largo do Machado e adjacências em 1892/1893” 27 Fig. 4 - Marc Ferrez, Enseada de Botafogo 28 Fig. 5 - Juan Gutierrez, Abertura do Túnel de Copacabana, 1892 29 Fig. 6 - Estação de bondes de Copacabana, 1892 1892 30 Fig. 7 – L. J. F. Villeneuve, “Praya Rodriguez: prés de Rio de Janeiro”, 1835 31 Fig. 8 – “Os caminhos que levam até Copacabana” 33 Fig. 9 - Cartão-postal da Praia de Copacabana, 1903 34 Fig. 10 – J. Gutierrez, Praia de Copacabana, 1890 36 Fig. 11 – Casa de repouso e hotel do Dr. Figueiredo Magalhães, 1882 39 Fig. 12 - “Cidade Balneária Cidade da Gávea”, 1891 48 Fig 13 - “Ruas projetadas em Copacabana em 1894” 51 Fig. 14 - Leme visto da Babilônia, 1894 53 Fig. 15 – Augusto Malta, Vista de Ipanema, 1902 53 Fig. 16 – “Rio de Janeiro – Copacabana”, 1903 54 Fig. 17 – Marc Ferrez, “Rio – Copacabana”, 1907 55 Fig. 18 – “Praia de Copacabana” 56 Fig. 19 – “Avenida Beira-mar, Enseada de Botafogo” 60 Fig. 20 – Avenida Atlântica, 1908. 62 Fig. 21 - Obras de abertura do Túnel do Leme, em 1904 64 Fig. 22 – “Grupo dos Falidos”, 1906 67 Fig. 23 – “Pic-Nic de despedida”, 1910 68 Fig. 24 – “Barco em Copacabana”, 1906 72 Fig. 25 – Pescadores em Copacabana, 1906-1910 72
  • 11. xi Fig. 26 – “Atitude Solene”, 1907 77 Fig. 27 – “A caminho da roça 77 Fig. 28 – “Ancien Restaurant Ipanema” 84 Fig. 29 - Praça Malvino, 1909 89 Fig. 30 - Praça Malvino Reis, 1910 90 Fig. 31 – “Terrenos em Ipanema e Copacabana”, 1908 91 Fig. 32 – Copacabana, 1906 91 Fig. 33 – “Copacabana. O Novo Rio”, 1908 (fac-simile) 94 Fig. 34 –Av. Atlântica, 1922 95 Fig. 35 – Av. Atlântica - Leme, 1922 96 Fig. 36 – “Beira Mar”, 1923 (fac-simile) 105 Fig. 37 – Augusto Malta, “Casa de banhos na rua Santa Luzia” 119 Fig. 38 – “Na praia de Copacabana”, 1910 121 Fig. 39 – Banhistas na Praia de Ipanema, 1904 121 Fig. 40 - Sociedade de Socorros Balneários 123 Fig. 41 – Augusto Malta, Posto de Salvamento na Avenida Atlântica, 1918 128 Fig. 42 – “Parc Royal”, 1920 129 Fig. 43 - O Malho, 22 de março de 1919 129 Fig. 44 – “Casa Colombo”, 1920 129 Fig. 45 – Banhistas em Copacabana, 1920 129 Fig. 46 – “Uma tarde em Copacabana, 1924 129 Fig. 47 – “Copacabana Palace Hotel”, 1923 131 Fig. 48 - Vista a partir do Copacabana Palace Hotel, 1923 132 Fig. 49 – Copacabana, 1919 142 Fig. 50 – Augusto Malta, Av. Vieira Souto, 1919 142 Fig. 51 – Augusto Malta, Leblon, 1919 142
  • 12. xii Fig. 52 – Copacabana, 1924 144 Fig. 53 – Orla de Copacabana à noite, 1924 144 Fig. 54 - Augusto Malta, “Copacabana”, 1910 158 Fig. 55 – “Matriz do Bomfim, em Copacabana”, 1922 160 Fig. 56 - “O enlace matrimonial da srta. Catharina Faustino Ramos...”, 1923 166 Fig. 57 – “Saindo da missa na Matriz de Copacabana”, 1923 170 Fig. 58 - “Saindo da missa das 11 horas na Matriz de Copacabana”, 1924 170 Fig. 59 - “Saindo da missa na Igreja Nossa Senhora da Paz em Ipanema”, 1923 171 Fig. 60 – “As tardes em Copacabana”, 1925 172 Fig. 61 – Banhistas em Copacabana, 1928 174 Fig. 62 - Banhista em Copacabana, 1928 174 Fig. 63 – “Os pescadores, banhando-se de volta da pesca em alto mar”, 1927 180 Fig. 64 – A Festa de S. Pedro na Colonia”, 1925 181 Fig. 65 – “Quatro aspectos de Vila Rica...”, 1925 186 Fig. 66 – “A evolução da roupa de banho”, 1923 200 Fig. 67 – “Camisaria Esporte”, 1927 201 Fig. 68 – “Assim, não!”, 1927 201 Fig. 69 – “Mocidade Forte!”, 1927 205 Fig. 70 – “Dez minutos de ginástica diária, ao sol...”, 1929 206 Fig. 71 – “Banhos de mar”, 1927 209 Fig. 72 – Rua Leopoldo Miguez, 1928 214 Fig. 73 – O Malho, 14 de junho de 1919 219 Fig. 74 – Cinema Atlântico, 1923 221 Fig. 75 –“O baile do Atlântico Club...”, 1923 238 Fig. 76 – “Concurso Intenracional de Beleza”, 1920 238 Fig. 77 – “Para maior explendor de Copacabana”, 1923 242 Fig. 78 – “Alô amigos”, 1943 245
  • 13. xiii Fig. 79 – “Eis um grupo de altos edifícios para apartamentos...”, 1929 248 Fig. 80 – “O Rio futuro”, 1928 255 Fig. 81 – “No Quinquagésimo nono andar...”, 1929 255 Fig. 82 – Copacabana, 1939 260 Fig. 83 – Copacabana, 1933 260 Fig. 84 – “O pandemônio dos arranha-céus de Copacabana...”, 1938 262 Fig. 85 – “Manhã de domingo”, 1930 264 Fig. 86 –“A beleza exuberante das praias da CIL”, 1930 264 Fig. 87 – Chegada de banhistas a Copacabana, 1937 268 Fig. 88 –“Casebres de zinco e tábuas formando pequenas favelas...”, 1938 273 Fig. 89 – “Gavelandia”, 1932 275 Fig. 90 – “E assim vai nascendo o urbanístico esplendor da Gavelandia”, 1932 275
  • 14. xiv Sumário Introdução 1 Capítulo 1 – A caminho do mar 19 Rumo a Copacabana 21 Luz no fim do túnel 30 Sobre os trilhos do futuro 45 Capítulo 2 – Os ocupantes do vazio e os habitantes do progresso 65 “Uma verdadeira romaria para aqueles lados” 66 Os ocupantes do vazio... 72 ... e os habitantes do progresso 81 Capítulo 3 – Uma civilização à Beira- Mar 97 O Beira Mar 101 A descoberta do prazer praiano 115 “Onde o luxo, o conforto e a arte se reúnem” 131 Capítulo 4 – Os aristocratas do Atlântico Ocidental 147 “Porque nem todos são como nós” 149 Redes de solidariedade 156 Igreja, praia e clube 167 “À estética da terra deve corresponder o brilho dos seus hábitos” 177
  • 15. xv Capítulo 5 - Um estilo Copacabana 192 Que venham os maillots 194 “Tudo é feito por sport” 200 O triunfo das morenas 207 A vida em bungalows 211 Os cilenses se divertem 215 Da praia à literatura 222 Capítulo 6 – Os castelos de areia 229 Uma Copacabana para o mundo 231 Os castelos modernos 244 Nós vamos invadir sua praia! 262 A marcha para o oeste 271 Considerações Finais 278 Fontes 287 Referências Bibliográficas 290
  • 16. 1 Introdução Alguns anos atrás, numa tarde de sábado, ouvi, numa das pequenas ruas do Bairro Peixoto (em Copacabana), uma discussão entre duas vizinhas que disputavam uma mesma vaga para estacionar seus carros. Depois de muitas e exaltadas farpas trocadas, audíveis por qualquer um que passasse a metros de distância dali, a discussão encerrou-se subitamente após a frase a seguir, proferida em altos brados por uma das partes envolvidas: “– Não tem cacife para morar na Zona Sul? Volta para o subúrbio então, que lá é o seu lugar!” Esta tese é, em muitos sentidos, uma reflexão sobre a construção daquele “cacife”, ou, melhor dito, sobre o processo de gestação das representações que atribuem à Zona Sul do Rio de Janeiro – e especialmente aos bairros praianos – e a seus moradores um status bastante peculiar na cartografia simbólica da cidade. O que é, afinal de contas, esse “cacife”? Quais os critérios que habilitam alguém a atribuí-lo (ou não) a si ou a outrem? E, sobretudo, o que faz dele o argumento final numa discussão entre dois moradores de uma mesma rua, numa disputa pública pela ocupação de um território igualmente público? Tais questões me vêm instigando desde o referido sábado, quando, moradora de Copacabana recém-chegada de São Paulo, percebi que entre a minha relativa incompreensão da situação e a clara eficácia simbólica daquela frase havia um hiato. Parafraseando Lévi- Strauss, podemos dizer, com relação àquela cena, que o fato de o “cacife” evocado por uma das partes não corresponder a uma realidade objetiva não tem importância: a interlocutora acreditou nele, e ele é parte de uma sociedade que acredita1 1 A frase original, do texto “Eficácia Simbólica” (2003), é a seguinte: “que a mitologia do xamã não corresponda a uma realidade objetiva, não tem importância: a doente acredita nela, e ela é membro de uma sociedade que acredita”. (p.228). . Eu, que naquele instante me descobri mais estrangeira do que pudera supor até então, me dei conta de que, caso quisesse compreender o léxico de símbolos e significados do meu novo bairro (e da minha nova cidade), teria, dali em diante, de produzir um estranhamento da paisagem que me parecia já confortavelmente familiar (Velho, 1987).
  • 17. 2 Acompanhando Victor Turner (2005), que enfatiza a importância do contexto de situação como fator determinante para a compreensão do uso dos símbolos, é possível atentar à ação social na qual a “zona sul” foi ali evocada. Tratava-se, claramente, de uma categoria acusatória na qual a falta do “cacife” fazia referência explícita a uma suposta ausência de status e, sobretudo, de padrões de civilidade. Ainda na trilha de Turner, para quem a matéria do simbolismo seriam não as estruturas imutáveis, mas sim os interesses, os propósitos e as motivações dos indivíduos na manipulação cotidiana dos significados à sua disposição, podemos afirmar que ganhou a vaga de estacionamento quem soube, com destreza simbólica, perseguir seu propósito: mostrar que o adversário estava fora de lugar. Não importava, portanto, que ambos gritassem igualmente numa situação que, ao meu olhar estrangeiro, terminava num indiscutível empate técnico no quesito incivilidade... Não podemos esquecer, contudo, que os símbolos são portadores de significados múltiplos e que, por isso, são interpretados de diferentes maneiras por diferentes pessoas. É impossível, assim, saber se a evocação de um “cacife zona sul” teve exatamente o mesmo sentido para quem o emitiu e para quem o recebeu. Podemos apenas, fiados no princípio de que “os símbolos não representam equivalências fixas, mas analogias contextualmente compreensíveis” (Herzfeld,1981), perseguir os caminhos da construção desse idioma comum que opõe binariamente categorias como “subúrbio” e “zona sul” com aparente compartilhamento público dos significados envolvidos. Nesse sentido, é válida a lembrança de Robert Darnton de que os símbolos “funcionam não só por causa de seu poder metafórico, mas também devido à sua posição dentro de um quadro cultural” (1990:294). Cabe, assim, perseguir as pistas da constituição do quadro cultural com o qual me deparei naquele sábado, buscando compreender a cadeia de associações que ressoava em todos os participantes da cena diante da frase que encerrou a discussão. Se porteiros, passantes, moradores, senhoras em suas janelas e jovens em seus skates não demonstraram qualquer espanto ou incompreensão diante da frase que me causou imediato desconforto, é hora, ainda seguindo a sugestão de Darnton, de “avançar dos detalhes para o quadro cultural que lhes conferia sentido” (Idem:303).
  • 18. 3 *** Nos idos de 1824, em seu livro Diário de uma viagem ao Brasil, a escritora inglesa Maria Graham deixou o seguinte registro: “(...) juntei-me a um alegre grupo num passeio a cavalo a uma pequena fortaleza que defende uma das baías atrás da Praia Vermelha e de onde se pode ver algumas das mais belas vistas daqui. As matas das vizinhanças são belíssimas e produzem grande quantidade de excelente fruta chamada cambucá, e nos morros o gambá e o tatu encontram-se freqüentemente”.2 Dez anos mais tarde, em 1834, Jean Baptiste Debret relatou, no seu Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, o seguinte cenário: “Vê-se no meio da areia a pequena igreja, isolada num pequeno platô, mais a direita um segundo plano, formado por um grupo de montanhas, entrando pelo mar e esconde a sinuosidade do banco de areia, cuja extremidade reaparece com sua parte cultivada, tão reputada pelos seus deliciosos abacaxis”.3 Para além do fato das descrições serem fruto de viajantes europeus ao então Império do Brasil, com clara atenção aos atributos naturais e pitorescos da paisagem, os trechos guardam ainda uma importante semelhança: ambos se referem ao que hoje corresponde ao bairro de Copacabana. Não é preciso conhecer a região para compartilhar do estranhamento que tais descrições certamente despertam. Conhecida em todo o mundo, Copacabana seguramente faz jus ao texto que a apresenta, hoje, numa popular enciclopédia virtual: “Copacabana é um dos bairros mais famosos da cidade do Rio de Janeiro. Localizado na zona sul da cidade, Copacabana tem em torno de 150.000 habitantes de todas as classes sociais e com uma praia em formato de meia-lua e é apelidado de Princesinha do Mar. Bairro de boêmia, glamour e riqueza, Copacabana deu origem a muitas músicas, livros, pinturas e fotografias, virando referência turística do Brasil. Copacabana é um dos bairros mais belos, cosmopolitas, democráticos e pujantes da cidade, atraindo grande contingente dos turistas para seus mais de 80 hotéis, que ficam especialmente cheios durante a época do Reveillón e do Carnaval. No fim de ano, a tradicional queima de fogos que pode ser contemplada por todos na areia é um festival que atrai uma multidão de pessoas, turistas ou não. A orla ainda é lugar de variados eventos, como shows nacionais e internacionais, durante o resto do ano”.4 Percebemos, numa rápida vista d’olhos, que o texto acima não descreve somente o desenvolvimento espacial e demográfico da bucólica região que encantara os estrangeiros 2 Maria Graham, Diário de uma viagem ao Brasil, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1956, pg. 301 3 Jean Baptiste Debret, Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, tomo 2, vol.3, São Paulo, Livraria Martins, 1940, pg. 286. 4 http://pt.wikipedia.org/wiki/Copacabana, acessado em 10/7/2010.
  • 19. 4 com seus cambucás, tatus e abacaxis. Não é difícil inferirmos que a apresentação atual do bairro não se limita a uma (impressionante) narrativa numérico-espacial, que oferece, já de início, um contingente populacional que faz com que a região tenha uma das maiores densidades demográficas de todo o mundo (Velho, 1982). Vemos, por exemplo, uma clara referência à presença de diferentes “classes sociais” no bairro, dado que, em seguida, é reforçado com o uso do adjetivo “democrático”. Boemia, glamour, riqueza, multidão, cosmopolitismo e turismo são algumas das palavras empregadas nessa descrição que corresponde, em grande medida, ao senso comum produzido acerca do bairro e recorrentemente acionado por quem nele vive, trafega ou até mesmo por aqueles cujo contato com a famosa praia se limita às transmissões anuais daquele que se pretende “o maior réveillon do mundo”. Copacabana pode também ser retratada a partir de seu perfil propriamente urbanístico: são 100 quarteirões divididos em setenta e oito ruas, cinco avenidas, seis travessas e três ladeiras, numa área de 7,84 Km2. A via de maior extensão é a Avenida Atlântica, com 4.150 metros e uma média de fluxo diário de cerca de 30 mil veículos. Podemos complexificar ainda mais o quadro com dados que mostram, por exemplo, que no ano 2.000 a população do bairro era de 141 mil habitantes (número que sobe para 161 mil se considerarmos também o bairro do Leme). Eram 297 em 1906. Entre 1920 (com 17 mil habitantes e 1,5% da população total da cidade) e 1970 (com 250 mil habitantes e 6% da população total da cidade), o crescimento demográfico do bairro foi de espantosos 1.500%, enquanto a cidade, no mesmo período, crescia 240% (Velho, 1987:22). Nas últimas três décadas, portanto, a população de Copacabana diminuiu em cerca de 40%, num movimento que veio acompanhado pelo grande crescimento da população acima de 60 anos. Em 1969, 98,8% das moradias do bairro eram apartamentos (Ibidem:24) – número intimamente ligado ao boom físico e demográfico ali observado desde o final da Segunda Grande Guerra -, enquanto que em 1933 apenas 6 das 214 construções tinham cinco ou mais pavimentos5 Das primeiras à última narrativa, passando pelos breves dados acima, vemos surgir não apenas um bairro, mas também uma região na cidade (a “zona sul”) bem como, nitidamente, um estilo de vida. A partir do gritante hiato descritivo e simbólico entre os textos acima, a proposta aqui é a de percorrer pistas que nos ajudem a compreender não apenas as . Copacabana é, sem dúvida, hiperbólica. 5 Dados do Censo Predial de 1933.
  • 20. 5 transformações sócio-espaciais por que passou a região como também o processo de consolidação de significados que, ainda hoje, associam Copacabana e a zona sul do Rio de Janeiro a determinados ethos e visões de mundo (Geertz, 1989)6 Em páginas de guias turísticos, de crônicas, de romances, de noticiários, de classificados e também de trabalhos acadêmicos, diversos aspectos do bairro foram (e vêm sendo) apresentados, debatidos e questionados, num repertório tão variado quanto polissêmico que compõe, ao fim e ao cabo, uma rica fortuna crítica a seu respeito. Copacabana, nas suas virtudes e nos seus vícios, nas suas obviedades e nas suas contradições é ora apresentada como metonímia do Rio de Janeiro, ora tratada como lugar sui generis dentro da cidade. Aparece também, não raro, como símbolo de uma melancólica decadência enquanto, por vezes, persiste como objeto de desejo em determinados projetos de ascensão social. Nos seus múltiplos significados e nas suas não menos múltiplas territorialidades, Copacabana tem, no imaginário urbano carioca, pertencimentos variados não apenas em relação à cidade como um todo mas também – e principalmente, eu diria – com relação à chamada “zona sul”. . Mapear a produção crítica que faz de Copacabana objeto de pesquisa e reflexão implica remeter a trabalhos reunidos em dois eixos principais: o da narrativa histórica que, seja na forma de livros de memórias ou na forma de estudos feitos dentro dos marcos da historiografia, discorrem sobre o impressionante crescimento físico e populacional do bairro ao longo do século XX; e o da área dos assim chamados estudos urbanos, que fazem de Copacabana o locus privilegiado de pesquisas voltadas a temáticas caras a dinâmicas próprias das sociedades complexas. Ainda que este trabalho busque estabelecer diálogos com os mais diversos tipos de materiais produzidos acerca do bairro, é fundamental destacar, desde já, sua dívida com relação ao segundo eixo acima descrito e, em especial, ao trabalho pioneiro desenvolvido por Gilberto Velho e publicado em 1973, com base em pesquisa feita nos últimos anos da década de 1960 – A utopia urbana. Atento à temática mais ampla do cotidiano e dos estilos de vida em uma grande metrópole, o autor parte de uma das mais gritantes características do bairro já 6 De acordo com Clifford Geertz (1989:143-4), “Na discussão antropológica recente, os aspectos morais (e estéticos) de uma dada cultura, os elementos valorativos, foram resumidos sob o temos ethos, enquanto os aspectos cognitivos, existenciais, foram designados pela expressão ‘visão de mundo’. O ethos de um povo é o tom, o caráter e a qualidade de sua vida, seu estilo moral e estético e sua disposição; é a atitude subjacente em relação a ele mesmo e ao seu mundo que a vida reflete. A visão de mundo que esse povo tem é o quadro que elabora das coisas como elas são na simples realidade, seu conceito de natureza, de si mesmo, da sociedade.”
  • 21. 6 ao final da década de sessenta– a heterogeneidade – para investigar e discutir aquilo que identifica como uma visão de mundo característica de um grupo social específico – a classe média white-collar. Desta forma, a partir de um trabalho de campo feito de intensa observação participante num edifício de conjugados, Velho mapeou os significados atribuídos à Copacabana por determinado segmento social em cujo projeto o bairro se enquadrava como porta de entrada a todo um universo de status e prestígio relacionados, de forma mais ampla, à vida na zona sul da cidade. Pioneiro no campo dos estudos urbanos no Brasil, A utopia urbana acabou por descortinar, nas práticas e representações analisadas pelo autor, uma Copacabana profundamente associada a estratégias de ascensão social. Com três variáveis-base (estratificação social, ideologia e residência), Velho procura, conforme anuncia, compreender a resposta à pergunta feita a seus entrevistados: “Por que veio morar em Copacabana?” (Velho, 1982:15). Com isso, o trabalho acaba por identificar uma dinâmica que, para além das características do bairro em si, refere-se a questões que abrangem toda a cidade do Rio de Janeiro e que, conforme revela o autor, podem ser iluminadas com a compreensão dos mecanismos que sustentavam, então, a “ideologia copacabanense” (Ibidem:8). Não são poucos os trabalhos que se sucederam à iniciativa desbravada por Gilberto Velho. As últimas décadas vêm mostrando o vigor com que se construiu (e ainda se constrói) a tradição dos estudos urbanos no Brasil, num leque interdisciplinar que, da antropologia à sociologia, passando pela história, pela geografia e pelo urbanismo, oferece uma variada gama de estudos da e na cidade. Copacabana é objeto e cenário de muitos desses trabalhos, seja como locus da organização social de determinado tipo de prostituição em boates (Gaspar, 1985); como cenário para o desenvolvimento da bossa nova na década de 1950 (Meneses, 2008); como palco do trabalho de certo perfil de camelôs (Quezada, 2008); como caso privilegiado ao estudo da diferenciação socioespacial (Rangel, 2003), dentre tantos outros. Além da atenção à temática da dinâmica urbana, tais trabalhos compartilham de um denominador comum: uma Copacabana já consolidada enquanto bairro da também já consolidada zona sul do Rio de Janeiro. Esta tese procura, ainda que profundamente referenciada e comprometida com as temáticas e questões próprias à tradição de estudos urbanos – e, de forma mais ampla, com o estudo das sociedades complexas –, estabelecer um diálogo com uma noção presente apenas
  • 22. 7 de forma marginal nos trabalhos anteriormente mencionados: a ideia de processo histórico. Ao mesmo tempo busca, na trilha inversa, um diálogo com variados estudos que se propõe a reconstituir a história de Copacabana (Berger, 1960; Cardoso, 1986; Cardoso et alii, 1986) a partir de uma noção fundamentalmente alheia à lógica da narrativa estritamente histórica: a ideia de cultura. Em outras palavras, a premissa básica é, fazendo coro com Geertz, a de compreender a cultura como “um padrão de significados transmitido historicamente, incorporado em símbolos, um sistema de concepções herdadas expressas em formas simbólicas por meio das quais os homens se comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida” (1979: 103). A ideia consiste, portanto, em buscar no entrelaçamento entre essas duas categorias – história e cultura – as dinâmicas e mecanismos presentes nas negociações envolvidas no processo de construção, ao longo das primeiras décadas do século XX, da “ideologia copacabanense” de que nos fala Gilberto Velho. Ainda acompanhando Geertz, busco, assim, compreender de que forma os significados associados a símbolos da vida copacabanense (como a praia, o prestígio, o cosmopolitismo etc.) foram construídos e reelaborados no referido período, constituindo uma gama bastante peculiar de culturas urbanas e estilos de vida ligados a um não menos peculiar conjunto urbanístico. Dito de outra forma, o exercício que permeia toda a pesquisa e o esforço analítico desta tese é, basicamente, o de desnaturalizar a unidade-símbolo “Copacabana”, analisando as pistas encontradas em testemunhos variados que versam, cada qual à sua maneira, sobre a construção de uma imagem ainda hoje associada ao bairro e, de forma mais ampla, à parcela da cidade que se debruça sobre o Oceano Atlântico. *** Pode ser difícil para o visitante que transita pelas ruas de Copacabana compreender a carga exclusivamente valorativa encontrada no “cacife” orgulhosamente evocado pela moradora do Bairro Peixoto. Ao lado da beleza natural da praia e dos morros que o circundam, o bairro convive com toda sorte de problemas urbanos. Favelização, mendicância, ruído, problemas de circulação, verticalização excessiva e multidões na disputa por alguns
  • 23. 8 centímetros na calçada fazem parte da paisagem diária da região, num panorama sob muitos critérios distante dos signos básicos de prestígio, status e civilidade. Como, então, entender não apenas a formulação, mas também a permanência dessa Copacabana evocada como símbolo de distinção? A resposta a essa pergunta nos remete ao imperativo de pensar, historicamente, as dinâmicas que se agitam na gestação e no desenvolvimento de tal processo de construção de identidade, num exercício que faz das primeiras décadas do século XX o campo privilegiado dessa etnografia. Dito de outra forma, tal processo só pode ser compreendido se levarmos em conta uma historicidade específica, deixando clara a necessidade de estabelecer, desde já, um estranhamento temporalmente determinado. Tal estranhamento deve começar, por exemplo, com um esforço de desnaturalização da própria localização geográfica de Copacabana no mapa da cidade. Se hoje podemos defini- la como um bairro situado na zona sul do Rio de Janeiro, fronteiriço com os bairros de Botafogo, Leme, Lagoa e Ipanema, tal descrição certamente não seria suficiente para que Maria Graham ali chegasse sem maiores sobressaltos em sua longínqua visita ao bucólico arrabalde. Num Rio de Janeiro ainda completamente alheio à vida praiana, a Copacabana de meados do século XIX não passava de um distante areal, cujo pertencimento à malha urbana da cidade era, no mínimo, discutível. O ano de 1892 trouxe a abertura do Túnel da Real Grandeza (atual Túnel Velho), ligando o areal ao já bastante urbanizado bairro de Botafogo. Nascia ali, no ranger dos trilhos dos bonds, um Rio atlântico – num primeiro momento associado ao descanso e à salubridade e, algumas décadas mais tarde, símbolo de civilização e de modernidade. Era, nas palavras da grande imprensa, o “Novo Rio”, metonimizado numa Copacabana que, aos poucos, via surgir sob suas asas Leme, Ipanema e, mais tarde, Leblon. Fruto, em grande parte, da especulação imobiliária que se operou sobre a região diante das possibilidades carregadas pelos bonds, o Novo Rio representava para a cidade uma nova territorialidade e, com ela, novas formas de vivenciar, experimentar e representar os próprios princípios da urbanidade. Fica claro então, que tratar de Copacabana no período aqui escolhido implica pensá-la não a partir da unidade territorial e/ou simbólica hoje associada ao bairro. Copacabana, aqui, tal como encontrado nos
  • 24. 9 discursos nativos das fontes trabalhadas, será então referida de forma expandida e, em muitos momentos, metonímica7 A popularização das atividades balneárias (com grande inspiração no que acontecia já há alguns anos na Europa e nos Estados Unidos) e a crescente atenção aos sintomas de falência do modelo de ocupação urbana implementado nos primeiros anos do século XX contribuíram para que o Novo Rio passasse, no decorrer dos anos 1910, a figurar com cada vez mais frequência e positividade na grande imprensa, num movimento que chegaria aos primeiros anos da década seguinte já amplamente consolidado. A década de 1920, conforme revelam as fontes consultadas, é não apenas o período em que o bairro passou a ser conhecido nacional e internacionalmente (vale mencionar a inauguração do Copacabana Palace Hotel, em 1923), mas também, claramente, o período em que fica nítido o empenho de determinado segmento de moradores na construção de uma identidade que respondesse, com fluência, aos adjetivos “praiano” e “aristocrático”. . No decorrer da década de 1930, com o surgimento massivo dos edifícios de apartamentos, o perfil do bairro passaria a se alterar rapidamente até que, na década de 1940, período de um intenso surto imobiliário na cidade (Velho, 1982:12), Copacabana tivesse sua paisagem física e social drasticamente alteradas. Essa pesquisa buscou, assim, observar aquele movimento de criação, ascensão e declínio relativo ao discurso identitário que interessa aqui compreender. Uma vez determinados o tempo e o espaço no qual se desenvolveu a etnografia que dá corpo a esta tese, aqui estão, portanto, os nativos cujas práticas e discursos me permitiram adentrar ao cotidiano e às representações do processo que busco compreender. Refiro-me àqueles sujeitos que, como moradores, freqüentadores ou observadores dos bairros atlânticos, contribuíram ativamente para a construção e transmissão de uma representação identitária que, nos seus termos, correspondia a uma “aristocracia moderna”. Profundamente identificados com um projeto específico de modernidade, tais sujeitos se reuniam em torno da 7 Nesse sentido, podemos desde já determinar a unidade analítica do bairro nos termos de Cordeiro e Costa, que entendem tais territórios como “(...) subregiões urbanas de tamanhos e configurações variáveis, designadas habitualmente por bairro, constituem unidades sócio-espaciais problemáticas em si próprias. Permeáveis e, contudo, identificáveis, não só nos ritmos de uma prática social quotidiana etnografável, como também nas imagens resultantes de uma bricolage coproduzida endógena e exogenamente; e, sobretudo, como participantes ativos na permanente construção cultural das variadas mitografias, imagens e narrativas que cada cidade escolhe para se vestir”. (1999:60)
  • 25. 10 valorização de práticas como o banho de mar e o esporte, do gosto pelo cosmopolitismo e pelos bungalows, da rejeição enfática dos signos da desordem urbana presentes no bairro (como favelas, feiras-livres e ambulantes etc.) e, acima de todas essas coisas, do entusiasmo desenfreado pela sociabilidade praiana. Nesse sentido, vale destacar a centralidade da categoria “aristocracia” como eixo da auto-representação daquele segmento social. No contexto histórico brasileiro, marcado pela especificidade de um regime monárquico particularmente longevo (durante praticamente todo o século XIX o Brasil foi a única monarquia de uma América Latina dividida já em repúblicas), tal escolha não é, de forma alguma, fortuita. Apesar do orgulho depositado na associação do regime republicano ao contexto da modernidade, ao longo das primeiras décadas do século XX ainda era muito viva, especialmente entre os moradores da antiga corte, uma memória social e afetiva do período monárquico, o que se reflete claramente na associação da ideia de status ao termo aristocracia. Determinados moradores do Novo Rio, buscando firmarem-se como portadores de uma autêntica distinção social em meio ao quadro cada vez mais turvo das hierarquias sociais da cidade republicana resgataram, assim, no léxico historicamente legitimado da tradição imperial, o signo máximo de prestígio, apresentando-se como uma elite natural, inconteste. O adjetivo “moderno”, por eles acrescido, denota uma não menos importante intenção de afastar-se da obsolescência evocada pela lembrança do Brasil pré-republicano, distanciando-se, por exemplo, da aristocracia residente em Botafogo, cujo prestígio estava intimamente ligado à antiga ordem política e também urbana. Agregados em torno de um processo de construção e compartilhamento de valores e visões de mundo, tais sujeitos fizeram do periódico Beira-Mar um importante veículo de comunicação e, não em menor medida, de articulação identitária. Lançada em 1922, aquela publicação se apresentava como órgão de defesa dos interesses da “CIL” (sigla por ela cunhada para designar uma unidade formada por Copacabana, Ipanema e Leme), surgindo como produto da equação que, pela associação entre uma nova territorialidade e uma nova forma de experimentação urbana, amparava aquele discurso moderno-aristocrático. Nesse sentido, podemos afirmar que os referidos sujeitos se articulavam em torno de um “projeto
  • 26. 11 praiano-civilizatório”8 É preciso dizer, ainda, que a atenção ao processo de construção daquelas representações se baseia na importância da problematização das categorias que sustentam o teor homogeneizante do discurso veiculado por aqueles sujeitos. É imprescindível, nesse sentido, lidar com as disputas envolvidas em tal cenário, tomando como ponto de partida a heterogeneidade e a variedade de experiências e costumes inerentes à sociedade complexa moderno-contemporânea (Velho, 2003; Simmel, 1971; Wirth:1964). Nesse caso específico, tal heterogeneidade se expressava em lutas pelo uso do espaço, seja sob a forma de moradia, de trânsito ou de ocupação cotidiana – o que pôde ser mapeado a partir de muitos silêncios na documentação pesquisada, bem como nas categorias acusatórias empregadas por aqueles sujeitos com relação a certos comportamentos e tipos sociais. , que era ao mesmo tempo base e resultado de uma representação identitária cuja materialização dependia da consolidação de determinados costumes e padrões de sociabilidade. É importante destacar, ainda, que ao tomar Copacabana e os bairros atlânticos como mote da pesquisa e da problemática desenvolvidas, tive sempre, como pano de fundo, um interesse maior: o de refletir sobre a cidade do Rio de Janeiro num momento de intenso crescimento urbano e populacional e, mais que isso, de evidente agravamento dos problemas caracteristicamente urbanos. Vale destacar a relevância do estudo de tal período a partir de dois aspectos: em primeiro lugar, a abundância de pesquisas relacionadas a diferentes aspectos das transformações do Rio de Janeiro da belle époque9 , acompanhada de um relativo desinteresse pela dinâmica urbana dos anos seguintes (abordados, de maneira geral, nos quadrantes de uma historiografia voltada à efervescência política e cultural do período); e em segundo lugar, a constatação de que o panorama dos acontecimentos político-culturais que marcaram o crepúsculo da Primeira República teve forte impacto sobre as elaborações físicas e simbólicas da dinâmica urbana da então capital10 8 De acordo com Velho (2003:27), o projeto “formula-se e é elaborado dentro de um campo de possibilidades, circunscrito histórica e culturalmente, tanto em termos da própria noção de indivíduo como dos temas, prioridades e paradigmas culturais existentes”. . 9 Ver, por exemplo, Benchimol (1990), Damazio (1996) e Needel (1993), Sussekind (1987), entre outros. 10 É claro que tais considerações só podem ser devidamente dimensionadas, no caso desta pesquisa, se levarmos em conta que Copacabana constituía uma importante área simbólica de uma cidade que respondia ao título de capital desde 1763, quando passou a sediar o Vice-Reino do Brasil. A vocação da cidade para a centralidade do poder se configuraria, em 1808, com a chegada da Família Real, sendo reforçada em em 1815 quando da elevação da colônia do Brasil à condição de Reino - que passava a fazer parte do Reino Unido de Portugal,
  • 27. 12 Assim, mais do que tratar de Copacabana como uma realidade (e uma representação) sui generis, a ideia é abordar a cidade do Rio de Janeiro num momento crucial de sua construção física e identitária a partir de Copacabana. Trata-se, portanto, de lidar inescapavelmente com a noção de territorialidade e, na mesma medida, com a própria definição de espaço. Vale, nesse sentido, lançar mão da reflexão de Simmel, segundo quem “El espacio es una forma que en sí misma no produce efecto alguno. Sin duda en sus modificaciones se expresan las energías reales; pero no de otro modo que el lenguaje expresa los procesos de pensamiento, los cuales se desarollan en las palabras pero no por las palabras. (...) No son las formas de la proximidad o distancia espaciales las que producen los fenómenos de la vecinidad o extranjería, por evidente que eso parezca. Estos echos son producidos exclusivamente por factores espirituales (...). Lo que tiene importancia social no es el espacio, sino el eslaboniamento y conexión de las partes del espacio, producidos por factores espirituales.” (1939:644) Desta forma, o princípio da territorialidade a partir do qual se desenvolve esta tese se baseia no pressuposto de que o espaço – ou a espacialidade – importa enquanto variável sociocultural (e, portanto, antropológica), desde que tratado como realidade que se materializa apenas a partir das ações recíprocas que nele se processam. Ou, ainda conforme Simmel, o que realmente importa nos propósitos deste trabalho não é o espaço em si, mas sim “el acto de llenar um espacio” (Idem:645). Com isso, podemos refletir ainda sobre a identidade territorial forjada (e em muitos sentidos materializada) através do processo aqui estudado, considerando os limites do Rio Atlântico não como um fato espacial com efeitos sociológicos, senão como um fato sociológico com uma forma espacial (Idem:652). Assim, mais do que pensar nos sujeitos que patrocinaram uma identidade praiano- aristocrática para os bairros atlânticos a partir de seu enraizamento a determinado espaço cartograficamente definido, importa pensar nos mecanismos de compartilhamento simbólico que os ligava em torno de um mesmo projeto através de canais efetivos de comunicação. Vale, para tanto, a sugestão de Strauss, segundo quem “the important thing, then, about a Brasil e Algarves . Em 1822, com a declaração de independência, o Rio de Janeiro, tal destaque foi confirmado pela sua escolha como a capital do Império do Brasil. O fim do período monárquico não abalaria a centralidade do Rio de Janeiro, feito capital da República em 1889, com a implantação do novo regime (condição que manteve até 1960, ano em que a capital do país foi transferida para Brasília). Numa definição que se aplica a qualquer caso nacional, a cidade-capital, como criação política a serviço da unidade, tem clara função civilizatória, no sentido de reunir, no anseio ordenador dos Estados em busca de identidade, os aparatos materiais e simbólicos do poder. Ao discutir a atribuição de tal conceito ao caso carioca, Margarida de Souza Neves (1991) destacou o período de implantação do regime republicano, quando a cidade passou a ocupar, juntamente com a função de capital da federação, papel central nos anseios do novo projeto nacional.
  • 28. 13 social world is its network of communication, and the shared symbols, which give the world some substance and which allow people to ‘belong’ to it” (1960:180). A partir de tais reflexões, o Rio de Janeiro será então aqui pensado como um conjunto de áreas simbólicas complexamente relacionadas, e Copacabana como a “órbita” preferencial dos sujeitos a partir de cujos testemunhos se construiu este trabalho. *** Do areal ao “Novo Rio”; do “Novo Rio” aos Bairros Atlânticos; dos Bairros Atlânticos à cidade balneária. É na sucessão e na sobreposição de representações que se situa a construção da identidade aqui perseguida, e cuja dinâmica só pode ser pensada dentro do âmbito da dialética entre as transformações materiais do território e os movimentos inerentes à dinâmica urbana carioca de então. Para lidar com tal dialética, parto do princípio de que “todo episodio denso de la historia cultural urbana enseña que la ciudad y sus representaciones se producen mutuamente. No hay ciudad sin representaciones de ella, y las representaciones no solo decodificam el texto urbano en conocimiento social, sino que inciden en el propio sentido de la transformación material de la ciudad” (Gorelik, 2004:13). A questão é, assim, pensar a cidade a partir das diferentes dimensões da sua materialidade e de sua cultura multiformes ao longo do tempo, tomando como ponto de partida o desafio de lidar com um objeto que se define pela noção de processo. Desta forma, para tentar compreender as muitas dimensões do crescimento de Copacabana em relação à concomitante construção de uma identidade praiano-civilizatória, importa perseguir não apenas os diálogos estabelecidos entre produtores de espaço e habitantes num dado momento, mas também compreender os mecanismos do movimento histórico-cultural que delineou e redelineou o equilíbrio entre tais agências durante o período aqui recortado. Mais do que apenas atentar para a historicidade de certas categorias (como o “cacife” ou a “ideologia copacabanense”), busca-se aqui também suas diversas formas de apropriação ao longo do tempo. Tais pressupostos implicam, claramente, a construção de um objeto de pesquisa cuja natureza se define pelo entrelaçamento das dimensões sincrônica e diacrônica, ou, em termos
  • 29. 14 teórico-disciplinares, no estabelecimento de um diálogo entre Antropologia e História. Num embate que, conforme defendia Evans-Pritchard já nos idos de 1950, se define mais por uma diferença técnica do que propriamente metodológica11 , as potencialidades e problemas provenientes do intercâmbio entre essas duas tradições epistemológicas tem gerado, desde Franz Boas – defensor da idéia de que "we have to know not only what it is, but also how it came into being" (1936:137) – muitas discussões12 A partir dos benefícios recíprocos do “valor de conceitos antropológicos de cultura para o uso da história e vice-versa” (Sahlins, 2006:9), o processo que busco aqui analisar só pode ser pensado se considerarmos, como propõe Sahlins, que refletir sobre a cultura demanda o reconhecimento de que as pessoas que se valem da estrutura de signos que a compõem vivem “no mundo”. Tal reconhecimento nos leva à percepção de que, uma vez lançada ao universo da práxis (que é, ao fim e ao cabo, a própria condição de sua existência), a cultura está inevitável e permanentemente sujeita às vicissitudes das conjunturas e projetos que animam o mundo da intersubjetividade. Tais considerações podem ainda ser amplamente beneficiadas pela proposta de Fredrik Barth (2000:123), que ao refletir sobre o pluralismo cultural por ele observado em Bali desenvolveu a ideia de correntes de tradições culturais como forma de lidar com a heterogeneidade constitutiva do universo pesquisado . 13 A intenção é, assim, compreender etnograficamente como se articulou, ao longo de um determinado período, o processo de elaboração de um ethos e de um estilo de vida referenciados aos bairros atlânticos – num pressuposto que implica a compreensão das noções e de pensar a experiência como objeto dinâmico. 11 Nas palavras do autor, as diferenças "are not of aim or method, for fundamentally both are trying to do the same thing, to translate one set of ideas into terms one another, their own, so that they may become intelligible, and they employ similar means to that end. The fact that an anthropologist studies people at first-hand and the historian in documents is a technical, not a methodological difference. (...) So whilst it may be difficult to make a clear theoretical distinction between history and social anthropology it would be true to say that in practice we tend to approach our data from a rather different manner. (...) if we overtly have a preoccupation with the present and take the past to some extent for granted, the historian in his preoccupation with the past very much takes the present for granted (...)" (1961:19). 12 Ver, por exemplo: de Franz Boas, “As limitações do método comparativo da Antropologia” ([1896] 2004); de Lévi-Strauss, “Introdução: história e etnologia” ([1949]2008) e “Raça e história”([1952] 1976); de Geertz, Observando o Islã (2004) e Nova luz sobre a Antropologia; de Sahlins, Ilhas de História (2003); de Keith Thomas, “History and Anthopology” (1963); de Natalie Davis, “Anthropology and History in the I980s” (1981); de Robert Darnton, “História e Antropologia” (1990); de Lilia Schwarcz, "Entre amigas: relações de boa vizinhança" (1994). 13 Para Barth, o conceito de Cultura aplicado ao estudo das sociedades complexas deve levar em conta quatro pressupostos básicos: 1) O significado é uma relação; 2) A cultura é distributiva; 3) Os atores estão sempre posicionados; 4) Eventos são o resultado do jogo entre a causalidade material e a interação social (2000: 128-9).
  • 30. 15 de cultura e de identidade como categorias fundamentalmente múltiplas, não-estáticas e sujeitas ao fluxo da história14 . Penso, portanto, que o exercício etnográfico de compreensão (e, na mesma medida, de reconstituição) do processo de elaboração de uma imagem identitária referida ao território e aos estilos de vida associados à Copacabana implica um esforço de atenção às mudanças culturais historicamente engendradas e, reciprocamente, das mudanças históricas culturalmente viabilizadas. *** Cabe, finalmente, dizer que a pesquisa sobre a qual se baseia esta tese teve início com um projeto inicial que, apesar de compartilhar dos mesmos temas de interesse, tinha enfoque diverso. Decidida a estudar estilos de vida e as culturas urbanas no Rio de Janeiro dos anos 1920, a pesquisa tinha como objeto o testemunho de Benjamin Costallat a respeito das transformações nos costumes e moralidades urbanas ao longo daquele período. Instigada pela crescente referência desse autor e de seus pares aos emergentes hábitos praianos, passei a prestar progressiva atenção ao fenômeno de crescimento dos bairros atlânticos e, em especial, de Copacabana. Mas uma descoberta quase fortuita foi determinante na mudança de rumo da pesquisa: a consulta despretensiosa a um periódico por mim completamente desconhecido até então, o Beira-Mar, onde acabei por encontrar um verdadeiro manancial de notícias, discursos e representações produzidas pelo grupo social que tratava de consolidar-se às margens do Atlântico15 14 Vale, para tal, a lembrança de E.P. Thompson, que ao analisar o processo de formação de uma identidade (a de classe) afirma que a compreensão dessa formação identitária demanda “um estudo sobre um processo ativo, que se deve tanto à ação humana como aos condicionamentos. A classe operária não surgiu tal como o sol numa hora determinada. Ela estava presente ao seu próprio fazer-se (...). Se detemos a história num determinado ponto, não há classes, mas simplesmente uma multidão de indivíduos com um amontoado de experiências. Mas se examinarmos esses homens durante um período adequado de mudanças sociais, observaremos padrões em suas relações, suas idéias e instituições” (1987:9-12). . A partir das pistas deixadas pelos redatores do Beira-Mar, passei a buscar em na 15 Vale ressaltar a alegria da descoberta de que a coleção completa do Beira-Mar (publicado entre 1922 e 1946), da qual a Biblioteca Nacional possui apenas parte, estava à disposição para consulta na Biblioteca Pública de Copacabana, para onde foi doada por Gastão Lamounier Júnior, antigo proprietário do periódico. Lá, numa casa que é, em si mesma, um documento do período no qual se situa o objeto desta pesquisa, pude consultar e fotografar o material sem os inconvenientes das requisições burocráticas e sem o desconfortável intermédio das máquinas de microfilmes. Cabe lamentar apenas o péssimo estado de armazenamento do material, cuja existência era desconhecida pelas próprias bibliotecárias. Foi preciso que eu telefonasse para uma antiga
  • 31. 16 grande imprensa (Correio da Manhã, Jornal do Brasil, O Paiz, Gazeta de Notícias, Jornal do Commercio e A Noite) e em revistas ilustradas (O Cruzeiro, O Malho, Revista da Semana e Para Todos) notícias e comentários sobre eventos relacionados aos bairros praianos ou, ainda, textos e imagens diversos que versassem sobre estilos de vida ligados àquela parcela da cidade. Do mesmo modo, foi também de inestimável valia a descoberta da primeira publicação diretamente ligada aos interesses do bairro, O Copacabana (que circulou entre 1907 e 1912), e que uso aqui como fonte privilegiada no segundo capítulo. Por fim, esses valiosos testemunhos publicados pela imprensa foram ainda cotejados com outras fontes de natureza diversa, que permitem enxergar por outro viés os processos analisados por seus redatores. É o caso não apenas de planos urbanísticos, leis e projetos governamentais, mas também de livros de memória, petições ou abaixo-assinados redigidos pelos próprios moradores do bairro ao longo do período em questão16 . Ao me oferecer um olhar sobre Copacabana que se fazia a partir de pontos de vista diversos, essa variedade de fontes me permitiu compreender, com riqueza de detalhes, o atribulado processo que acabou por definir certas imagens para o bairro. *** A tese está organizada em seis capítulos. O primeiro deles é dedicado à compreensão do processo que levou à transformação do antigo areal num efetivo pólo de atração de investimentos públicos e privados. Centrada entre a segunda metade do século XIX e os primeiros anos do século XX, a reflexão ali desenvolvida busca articular a incorporação de Copacabana à malha urbana do Rio de Janeiro às dinâmicas sócio-espaciais por que passava a cidade em seu conjunto. Trata-se assim de explicar, ali, o próprio processo de transformação de um espaço vazio em um novo território da cidade, ao qual começam a se atribuir certas representações e sentidos. funcionária aposentada para que as atuais atendentes, diante da minha insistência já incômoda, tomassem conhecimento “daqueles livros velhos na salinha dos fundos”. 16 O material mencionado foi consultado nas seguintes instituições: Biblioteca Nacional, Arquivo Nacional, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Real Gabinete Português de Leitura, Casa de Rui Barbosa e Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro.
  • 32. 17 Partindo das discussões desenvolvidas no primeiro capítulo, o segundo se propõe a compreender como, ao longo da década de 1900, diferentes sujeitos incorporaram os bairros atlânticos à sua experiência cotidiana, fazendo daquele espaço um território de disputas materiais e simbólicas. Nesse sentido, ele trata dos múltiplos usos e significados atribuídos ao novo bairro pelos distintos segmentos sociais que dele se apropriavam, num momento em que sua associação a um ethos aristocrático era ainda apenas uma dentre as tantas possibilidades em jogo. Sugerindo ao leitor um passeio pela Copacabana de 1922, o terceiro capítulo parte de um momento em que os bairros atlânticos já figuram como sinônimo inconteste de prestígio e elegância para, numa análise retroativa, compreender os processos que levaram à vitória daquela representação sobre as demais. Para tal, a reflexão nele contida se divide em três partes: a primeira dedicada ao surgimento do Beira-Mar; a segunda voltada ao processo de popularização dos banhos de mar entre as altas rodas da sociedade carioca; e a terceira focada na conjuntura que, nos planos nacional e municipal, viabilizou a construção do Copacabana Palace Hotel. De maneira geral, podemos dizer que esse capítulo discorre sobre a consolidação de Copacabana como protótipo de um novo modelo do binômio nacionalidade/modernidade, na medida em que oferecia ao habitante da capital uma nova forma de relação entre natureza e cultura. Uma vez compreendidos os mecanismos simbólicos que davam corpo à representação praiano-aristocrática com que Copacabana passava a ser associada, o quarto capítulo consiste numa análise dos sujeitos que articulavam e ancoravam aquelas imagens, fazendo delas a base de construção de uma visão de mundo específica. Apresentados como uma rede articulada por sólidos parâmetros de pertença, eles ganham forma a partir de suas estratégias de elaboração identitária, buscando firmar-se no mapa social da cidade por meio de critérios muito claros de distinção. Aquelas estratégias se traduziram num estilo de vida próprio que conjugava o princípio praiano-civilizatório a signos mais amplos da modernidade e da elegância tal como praticados na década de 1920. Discutido no quinto capítulo, esse estilo de vida ganha forma através da progressiva associação de Copacabana a um modelo de civilização que tinha no culto ao corpo, numa forma peculiar de moradia e no consumo de uma cultura cosmopolita alguns de seus principais suportes. Extrapolando seus sujeitos originais, ele se converte, com
  • 33. 18 isso, em uma poderosaa imagem literária, capaz de identificar e singularizar os habitantes do bairro frente aos habitantes do resto da cidade. Finalmente, o sexto capítulo parte de uma reflexão sobre os efeitos da vitória daquele projeto praiano civilizatório em seu intuito de fazer de Copacabana um território naturalmente associado à modernidade, à salubridade e à elegância. Focado na década de 1930, ele se apoia em fenômenos como o grande aumento de banhistas nas praias e a rápida proliferação de arranha-céus pelo bairro para desenvolver uma análise acerca dos paradoxos contidos naquele projeto, cujo êxito se apoiava nos mesmos fundamentos sobre os quais se consolidava sua evidente decadência. Para compreender sua lógica e suas contradições, cabe assim retomar o fio dessa história.
  • 34. 19 Capítulo 1 – A caminho do mar Em 6 de julho de 1892, os principais jornais do Rio de Janeiro noticiaram, sem grande alarde, que a Companhia Ferro-Carril do Jardim Botânico inauguraria, às 14 horas daquele mesmo dia, uma linha de bondes para Copacabana. Para tal fim, a diretoria da empresa anunciava a disponibilidade de dez carros especiais, destinados a levar seus convidados “àquele alegre e saudável arrabalde” para que pudessem ver, com seus próprios olhos, seu “magnífico melhoramento”1 “Realizou-se ontem em Copacabana a inauguração da estação de bondes da Companhia Botânico, em Copacabana. À 1 hora da tarde partiram da rua Gonçalves Dias diversos bondes especiais conduzindo o primeiro uma banda de música de marinheiros nacionais, o segundo o Sr. Marechal Vice-Presidente da República e seu Estado-Maior, e outros diretores da Companhia e convidados. Ali chegando foi a comitiva recebida com vivas e foguetes. . Nas edições do dia seguinte, os leitores que, por ventura, não estivessem entre os ilustres convidados, puderam acompanhar o acontecimento através de narrativas como esta: O Sr. Marechal Vice-Presidente da República depois de percorrer a estação, foi convidado para o lunch que suntuosamente ali se achava servido.O Sr. Barão Ribeiro de Almeida, presidente da Companhia, fez o primeiro brinde ao Sr. Marechal Floriano e à imprensa, seguindo-se outros do Sr. Barata Ribeiro, presidente da Intendência, Contra-Almirante Custódio José de Mello, ministro da Marinha, e outros cavalheiros, e terminado o brinde de honra feito pelo Prudente de Moraes presidente do Senado, que saudara a República na figura do Sr. Marechal Floriano, que iniciara o governo da lei e da honestidade”.2 Apesar de noticiado como algo sem maior importância, o fato, tal como narrado pelo Jornal do Brasil, desperta a atenção do leitor comum ao elencar uma longa e distinta lista de autoridades reunidas em torno da inauguração de um túnel. Estavam presentes, como podemos ver, algumas das maiores autoridades da ainda jovem República brasileira: o Marechal Floriano Peixoto – que, eleito Vice-Presidente em fevereiro de 1891 pelo Congresso Constituinte, assumira a presidência em novembro do mesmo ano após a renúncia de Deodoro da Fonseca; o Almirante Custódio de Melo, figura central da crise política que levou à queda do primeiro presidente3 1 Diário de Notícias, 6 jul 1892. Notícias similares podem ser encontradas nas edições de O Paiz, do Jornal do Brasil e da Gazeta de Notícias do mesmo dia. ; e Barata Ribeiro, que, embora não fosse ainda prefeito do Rio de 2 Jornal do Brasil, 7 jul 1892. 3 Em 1891, diante da intensa crise política e econômica do país, oficiais da Marinha articularam uma sublevação da Armada com o intuito de depor o então presidente Deodoro da Fonseca. Diante da ameaça de fechamento do Congresso Nacional, o Almirante Custódio José de Melo, contando com o apoio do vice-presidente Floriano Peixoto, liderou a movimentação dos navios da esquadra e a mobilização do congresso que culminaram na renúncia de Deodoro da Fonseca. Com a renúncia deste, em 23 de novembro de 1891, Floriano assumiu a
  • 35. 20 Janeiro – cargo para o qual seria eleito em dezembro daquele ano – já atuava, na prática, como administrador da cidade, na condição de presidente do Conselho de Intendentes Municipais. Os trens carregavam, assim uma verdadeira constelação de autoridades do governo federal, municipal e do exército, alem, é claro, dos diretores da Companhia, representando a força do capital particular. Aos que chegassem ao final da reportagem o jornal informava, ainda, que a linha para Copacabana começaria a funcionar naquele mesmo dia. Mas ao contrário do que sugere o redator do Jornal do Brasil, nem só de autoridades fizera-se o evento. De acordo com o jornal O Tempo, “(...) em todo o percurso era extraordinária a afluência de curiososos para ver passar a comitiva inauguradora, e à entrada do túnel de Copacabana, aberto em rocha viva, iluminado à luz elétrica e adornado de festões de folhas de mangueira e bananeiras foi imensamente saudado o chefe do Estado, já pelos operários da Companhia Ferro-Carril Jardim Botânico, já pelos operários da Companhia Forja Nacional”.4 Assim, após o fim da viagem de pouco mais de uma hora5 entre o centro da cidade e a nova estação, os bondes chegaram ao “futuroso bairro de Copacabana” mobilizando os ânimos das predições mais otimistas – segundo as quais a iniciativa de tal melhoramento haveria de, em breve, “tornar a Copacabana um dos pontos mais habitados d’esta Capital”6 . Ficava claro, já naquele longínquo 6 de julho, que a Companhia Jardim Botânico inaugurava então bem mais que uma simples linha de ferro-carris. Além dos 200 metros de perfuração, dos 1,4 quilômetros de aterro até a praia e da estação propriamente dita (“um suntuoso ‘chalet’”7 na esquina das ruas do Barroso, atual Siqueira Campos, com a rua Copacabana), surgia ali um novo bairro e, com ele, uma nova forma de experimentar a vida urbana carioca. Presidência da República, que exerceria até 1894. Em 1893, Custódio de Melo estaria à frente de uma nova Revolta da Armada, desta vez contra Floriano Peixoto, que recusava-se a convocar novas eleições no prazo de dois anos após sua posse, conforme determinava a Constituição. 4 O Tempo, 7 jul 1892 5 De acordo com a mencionada edição do O Tempo, a viagem durou exatos 1:15 horas. 6 Gazeta de Notícias, 7 jul 1892. 7 O Tempo, 7 jul 1892.
  • 36. 21 Rumo a Copacabana Três aspectos saltam aos olhos na leitura das notícias acima reproduzidas. Em primeiro lugar, a associação imediata e unânime do arrabalde a uma ideia bastante vaga de “futuro”, que condensa elementos como salubridade e explosão demográfica; em segundo lugar, o claro interesse do poder público, nas suas mais distintas esferas, em torno do melhoramento representado pela nova estação; e, por fim, o completo silêncio das reportagens com relação à participação de moradores de Copacabana em tão esplendoroso evento. É difícil entendermos esses três pontos sem uma incursão, ainda que rápida, ao cenário encontrado pelos passageiros daquele ilustre bonde especial em sua longa viagem entre centro e o arrabalde. Ao embarcarem na rua Gonçalves Dias, no centro da cidade, os integrantes da excursão tinham diante de si um cenário bastante conturbado: composta de ruas estreitas ocupadas por toda sorte de construções (edifícios públicos, escritórios, cortiços, casas de cômodos, cafés etc.), a região central do Rio de Janeiro refletia, em grande medida, os problemas enfrentados pela capital da recém-república às vésperas do século XX. Panorama do centro da cidade em 1893/1894 Foto: Juan Gutierrez Fonte: Museu Histórico Nacional (disponível em http://www.museuhistoriconacional.com.br/images/galeria03/rioantigo/mh-g3a023.htm)
  • 37. 22 Com uma população que saltara, entre 1872 e 1890, de 266 mil para 522 mil habitantes, o crescimento urbano da cidade ao longo das últimas décadas acompanhara, de forma desordenada, as transformações político-sociais que trouxeram, entre tantas outras mudanças, o fim do sistema escravista (1888) e o fim da monarquia (1889). Tais novidades se traduziram no rápido incremento das relações capitalistas de trabalho, cujos efeitos se fizeram sentir não apenas na oferta de mão-de-obra como também nos padrões de habitação das classes trabalhadoras. Pólo de concentração das atividades portuárias e comerciais, a região central reunia, ao lado de funcionários públicos, de comerciantes de toda sorte e de empregados do ramo de serviços, trabalhadores que buscavam, no burburinho das ruas, atividades que lhes prouvessem condições mínimas de sobrevivência. Como carregadores e descarregadores de navios, vendedores ambulantes ou prestadores de pequenos serviços, milhares de pessoas compunham um cenário cotidiano no mínimo efervescente. Tal panorama desdobrava-se, no plano político, numa prolongada luta contra a construção de cortiços no centro da Capital, num embate que se acirrara com a chegada de Floriano Peixoto à presidência, em 1891. Em 26 de janeiro de 1892, a Inspetoria Geral de Higiene recebia, endereçada pelo ministério do Interior, um aviso determinando providências a respeito daqueles “verdadeiros antros disseminados pela cidade e que constituem outros tantos focos de infecção” (Chalhoub, 1996:46). O novo regulamento permitia que o Inspetor de higiene pudesse fechar todo e qualquer cortiço da cidade num prazo de 24hs, medida que causou diversos episódios de confronto entre autoridades e moradores que se recusavam a deixar suas moradias diante da falta de garantias8 8 O episódio mais marcante da luta contra os cortiços aconteceria dois anos depois, em 1893, quando o célebre Cabeça de Porco foi demolido sob a liderança do prefeito Barata Ribeiro. Estima-se que, em seus tempos áureos, o conjunto tenha sido ocupado por cerca de 4 mil pessoas (Chalhoub, 1996:15). . Essa longa e não raro sangrenta batalha da administração municipal contra os cortiços da capital tinha, de acordo com Chalhoub, uma dupla motivação: em primeiro lugar, o processo de transformação, aos olhos das elites locais, das “classes pobres” em “classes perigosas”; e em segundo lugar, o princípio de que a cidade deveria ser gerida de acordo com critérios técnicos e científicos, a partir de uma racionalidade extrínseca às desigualdades sociais e obediente ao princípio soberano da eficiência – num suporte ideológico que se faria ainda mais presente após a proclamação da República, em
  • 38. 23 1889, quando cada vez mais médicos e engenheiros passariam a acumular funções na administração pública. (Idem:20). Aquela associação resultou no claro surgimento de uma “ideologia da higiene”, que via nas classes pobres um feroz elemento de contágio moral (pela proliferação de vícios e da ociosidade) e também físico (pelo diagnóstico de que as moradias coletivas seriam focos de irradiação de epidemias)9 Não podemos esquecer, tampouco, que os passageiros presentes à rua Gonçalves Dias naquele 6 de julho haviam assistido, ao longo das décadas anteriores, a um processo de progressiva ascensão do “prestígio da rua” (Freyre, 2000 [1936]:743), num contexto marcado por aquilo que Gilberto Freyre reconhece, no seu Sobrados & Mucambos, como um dos principais sintomas da “urbanização do patriarcalismo”. Nesse contexto, a cartografia e os serviços da capital adaptavam-se, pouco a pouco, a um cenário de crescente atenção das autoridades com relação à ocupação e aos usos do espaço público, numa ambiciosa agenda republicana que, a despeito dos problemas mencionados, inspirava otimismo. Isso porque o Rio de Janeiro da virada do século vivia uma situação excepcional e o crescimento urbano não era mera força dos novos tempos. Intermediária entre os recursos da economia cafeeira e como centro político do país, a nova Capital via encherem seus cofres com recursos advindos do comércio, finanças e também das incipientes aplicações industriais. Somava-se à prodigalidade política e econômica o fato de a cidade ser o núcleo da rede ferroviária que ligava Sudeste, Norte e Nordeste, despontando assim como maior pólo comercial do Brasil de então. Além disso, o maior centro populacional do país concentrava a sede do Banco do Brasil, bem como a maior Bolsa de Valores e grandes casas bancárias de capital nacional e . A crise da habitação vinha assim acompanhada, nas suas causas e nos seus sintomas, de uma não menos grave crise de teor sanitário: a insalubridade das moradias coletivas, carentes de condições mínimas de iluminação e circulação de ar só vinham acentuar a longa – e até então ingrata – luta das autoridades contra as periódicas epidemias que se alastravam pela capital do país desde meados do século XIX. Objetivo ou imaginado, o agravamento das condições sanitárias que marcou a década de 1890 levava assim à progressiva certeza sobre a necessidade de uma profunda e urgente remodelação urbana da cidade. 9 De acordo com Chalhoub (1996:29), tal associação remonta à década de 1850, quando uma epidemia de cólera e outra de febre amarela “elevaram bastante as taxas de mortalidade e colocaram na ordem do dia a questão da salubridade pública, em geral, e das condições higiênicas das habitações coletivas, em particular.
  • 39. 24 estrangeiro, polarizando a movimentação financeira do país. 15º porto do mundo em volume de comércio, atrás apenas de Buenos Aires e Nova York no continente (Sevcenko,2003:40), o Rio de Janeiro de 1900 sorria para o progresso que levava estampado na bandeira. Não é de surpreender que, aos contemporâneos, tenha ficado claro o anacronismo da estrutura urbana diante da latência dos novos tempos. A modernidade, que outrora batia à porta, agora arrombava a cidade sem pedir licença (O’Donnell, 2007:42). É impossível, no entanto, compreender o crescimento urbano ímpar observado no Rio de Janeiro das últimas décadas do século XIX se atentarmos apenas à conjuntura macro política e/ou econômica dentro da qual se desenrolou. É preciso que olhemos igualmente para as transformações que, na tessitura cotidiana, permitiam o afluxo crescente de pessoas a diferentes regiões da cidade, ampliando sua malha urbana efetivamente habitada e dinamizando não apenas a economia de um perímetro urbano cada vez mais amplo, mas também as práticas diárias de ocupação do espaço. O desenvolvimento dos meios de transporte e, em especial, dos bondes, foi um fator crucial nesse processo. Ao alavancar, a partir da década de 1870, o crescimento da cidade rumo às zonas norte e sul, as novas linhas de bonde reconfiguravam definitivamente o mapa de um Rio de Janeiro outrora limitado pelos morros do Castelo, de São Bento, de Santo Antonio e da Conceição – como mostra um mapa da cidade feito em 1875.
  • 40. 25 Mapa do Rio de Janeiro em 1875 Era assim de uma cidade vista pelos contemporâneos como apertada, insalubre e insuficiente para acomodar a ampla expansão da capital federal que partiam os passageiros dos dez bondes especiais rumo a Copacabana. O próprio meio de transporte pelo qual deixavam esse espaço nos remete, entretanto, a um novo universo de significados compartilhados pelos ilustres convidados que tomavam os carros da Companhia Jardim Botânico. Símbolo da mobilidade e, sem tardar, também da velocidade10 10 Em 8 de outubro de 1892 a os bondes reuniam em si grande parte dos signos da urbanização e, na mesma medida, de determinado ideal de modernidade. Além de encurtar (e de viabilizar) distâncias, permitindo novas formas de usos do espaço citadino, o desenvolvimento dos transportes públicos oferecia aos passageiros toda uma nova gama de experiências intimamente ligadas ao ambiente urbano, como fica claro na constatação de Simmel (1903 apud Waizbort, 2000:321): “Antes da invenção dos ônibus, Botanical Garden Rail Road Company circulou, pela linha do Flamengo, o primeiro bonde elétrico da América Latina.
  • 41. 26 trens e bondes no século XIX, as pessoas não haviam chegado ao ponto de serem obrigadas a se olharem mutuamente, por longos minutos ou mesmo horas, sem se dirigirem a palavra.” Tal experiência, no entanto, para além do frisson causado pelos novos aparatos urbanos e sua clara ligação aos ansiados índices internacionais de civilidade, deixava nuas as contradições de uma sociedade apoiada, durante séculos, numa estrutura de estratificação social à qual a igualdade liberal da carta republicana era, em grande medida, estranha. Isso aparece com clareza na lembrança de que o bonde enfrentou a resistência de certos setores da elite, como grupos de senhoras que “o combatiam, achando imperdoável deslize de polidez misturar gente do povo com pessoas de hábitos educados e tão contrários aos das classes pobres, o que, segundo elas, sucederia infalivelmente nos veículos projetados.” (Noronha Santos, 1934:245). Ainda assim, a partir de 1868, quando a Botanical Garden Company11 inaugurou sua primeira linha, ligando a Rua Gonçalves Dias ao Largo do Machado, estava dada a largada para um irrefreável processo de expansão da malha urbana através dos trilhos12 A atuação direta dos meios de transporte coletivo sobre o crescimento da cidade veio inevitavelmente acompanhado de um processo de redefinição dos padrões de acumulação do capital imobiliário. Como nos alerta Abreu (Ibidem), majoritariamente controladas pelo capital estrangeiro, as companhias de bondes “não só vieram a atender uma demanda já . É importante lembrar também a relevância da inauguração, em 1858, do primeiro trecho da Estrada de Ferro Dom Pedro II (atual Central do Brasil), que viabilizou a rápida ocupação das freguesias suburbanas por ela atravessadas (Abreu, 2008:43). Esses dois eixos, atuando sincronicamente a partir do final da década de 1860, permitiram, assim, o acelerado crescimento urbano rumo aos bairros das zonas sul e norte (pelos bondes) e rumo aos subúrbios (pela linha de trens). Naquele mesmo período, o centro do poder da capital transferia-se para a zona sul imediata. O Palácio das Laranjeiras, por exemplo, foi adquirido em 1865 para abrigar a residência da Princesa Isabel e do Conde D’Eu e, décadas mais tarde, com a proclamação da República, passaria a residência oficial do Governo Federal. 11 A Companhia mudo seu nome para Companhia Ferro-Carril do Jardim Botânico em 1882, quando recebeu permissão para transferir sua sede para o Rio de Janeiro (Benchimol, 1990: 101) 12 A primeira linha de bondes a tração animal foi, na verdade, inaugurada alguns anos antes, em 1859, ligando a Praça da Constituição (atual Tiradentes) ao alto da Tijuca. Mas seu concessionário, Thomas Cockrane, declarou falência em 1866.
  • 42. 27 existente como, em atendendo a essa demanda, passaram a ter influência direta, não apenas sobre o padrão de ocupação de grande parte da cidade, como também sobre o padrão de acumulação do capital que aí circulava”. Amparado pelo discurso higienista contra a insalubridade da região central, numerosos grupos empresariais se mostraram sedentos por oportunidades de investimento em novas regiões da cidade. Assim, mais que reinventar a cartografia física e simbólica da cidade, os trilhos acabaram por atuar na cristalização de uma dicotomia entre centro e periferia, cujo esboço já vinha se delineando havia décadas. Em pleno processo de crescimento urbano, os espaços da cidade se convertiam também em mercadoria. O caso específico da zona sul, para onde se dirigiam os dez bondes especiais, é bastante sintomático. Intimamente ligada à atuação da Companhia Jardim Botânico, a urbanização daquela região da cidade contou, em 1871, com o prolongamento do tráfego até o Largo das Três Vendas (atual praça Santos Dumont), no então quase desabitado Jardim Botânico (facilitando o acesso ao então já aristocrático bairro de Botafogo) e, um ano mais tarde, com a inauguração do ramal da Gávea (transformada em Freguesia em 1873). Com os olhos fortemente voltados ao lucro imobiliário, a Companhia Jardim Botânico associou-se, desde o início da abertura dos trilhos rumo ao sul da cidade, a grandes incorporadores, proprietários de terras e companhias de serviços públicos (especialmente aquelas responsáveis pela implantação e fornecimento de gás, água potável e sistema de esgoto). Cumpre ressaltar, ainda, o papel fundamental do Estado, cujo interesse na ampliação de zonas (salubremente) habitadas se refletia no incentivo a tais investimentos, como podemos ver pela participação maciça de autoridades públicas no lunch praiano daquele 6 de julho. Uma vez acomodada, a comitiva deu início à viagem. Seguiram, primeiramente, rumo ao Largo do Machado, adentrando à primeira das paróquias ao longo do vetor sul de expansão da cidade: a de N. S. da Glória, criada em 1834. Naquela vizinhança, já bastante integrada ao perímetro urbano, os passageiros puderam observar, além do intenso comércio, um grande número de residências de alto luxo, ali implantadas ainda durante o Segundo Reinado – quando grandes capitalistas do ramo da cafeicultura passaram a construir verdadeiros palacetes na então capital do Império13 13 O exemplo mais claro é, sem dúvida, a residência dos Barões de Nova Friburgo, atual Palácio do Catete, construída em 1860. . Com 1894 edífícios particulares e 18 edifícios
  • 43. 28 públicos registrados já no censo de 1870 (Benchimol, 1990:94), a freguesia contava, naquele ano de 1892, com mais de 8% de toda a população da cidade, que ali habitava entre as mansões, os hotéis e as pensões de alta categoria. As feições do bairro, que ressaltam a arborização e os espaços mais amplos, mostravam se tratar já de um cenário diverso daquele da região central da cidade: Largo do Machado e adjacências em 1892/1893 Foto: Juan Gutieerz Fonte: Museu Histórico Nacional (disponível em http://www.museuhistoriconacional.com.br/images/galeria03/rioantigo/mh-g3a058.htm) Essa diferença em relação ao amontoado de casas e construções que caracterizava o centro da cidade se tornaria cada vez mais clara ao longo do trajeto. Após percorrer os bairros do Catete e da Glória, os bondes atravessaram a enseada do Flamengo, em cujo final tinha início a Freguesia da Lagoa, criada em 1809, e que vinha assumindo, ao longo de todo o século XIX, aspecto essencialmente residencial. Chegando ao bairro de Botafogo, os passageiros puderam desfrutar, entre os morros da Viúva e da Urca, de uma bela enseada coberta por jardins e chácaras de mansões suntuosas. Além disso, um crescente comércio local fazia-se notar, aproveitando-se do fato de que Botafogo era, “de todos os lugares do Rio de Janeiro, o mais procurado pela aristocracia estrangeira ou pela alta burocracia brasileira para moradia” (Noronha Santos, 1965:86). Habitado por representantes do corpo diplomático e capitalistas, o bairro ganhara espaço no imaginário da elite local que, aos poucos, deixava
  • 44. 29 bairros como São Cristóvão e Engenho Velho, cujo prestígio, muito associado à ocupação imperial, entrara em franco declínio a partir da década de 1870. Enseada de Botafogo na década de 1890 Foto: Marc Ferrez É claro, porém, que o adensamento populacional de Botafogo atraiu a oferta de toda sorte de serviços (como ambulantes e, sobretudo, atividades ligadas à construção civil) e, com isso, o bairro passou a abrigar também habitantes da classe trabalhadora. De acordo com Cardoso (1986), o desenvolvimento comercial do bairro acompanhou o caminho dos bondes. Nas ruas São Clemente, Voluntários da Pátria, da Passagem e General Polidoro surgiram sobrados com armazéns no térreo, fazendo de Botafogo o principal centro comercial para moradores que, pouco a pouco, iam ocupando as imediações ainda pouco habitadas de Copacabana e do Jardim Botânico. Assim, após passarem pela suntuosa enseada e se deliciarem com os palacetes da aristocrática Rua São Clemente, a comitiva da Companhia Jardim Botânico entrou na Rua Real Grandeza, em cujo final depararam-se com o cemitério São João Batista (inaugurado em 1853), onde puderam observar as moradias modestas ocupadas majoritariamente por imigrantes portugueses (Abreu, 2008:45). A esta altura, após cerca de uma hora de viagem, o túnel já podia ser avistado. Uma vez conduzidos pelos caminhos da cidade e da história que levaram a Copacabana, podemos, agora, acompanhar a comitiva dos dez bondes especiais em sua chegada ao arrabalde praiano.
  • 45. 30 Luz no fim do túnel Vejamos, então, qual o cenário que circundava a festejada solenidade que, entre folhas de bananeira, chalet e champagne dava as boas-vindas do pitoresco arrabalde à malha urbana carioca. Foto de Juan Gutierrez, 1892 / Fonte: Museu Histórico Nacional A imagem mostra o bonde 22, ainda sem rodas, passando “pelo braço operário, a muque”, logo após concluída a perfuração do túnel (Riotur, 1992:47).
  • 46. 31 Estação de bondes de Copacabana em 1892 / Fonte: Museu Histórico Nacional As duas fotos acima apontam num mesmo sentido. A primeira nos revela a ousadia de uma grande proeza da engenharia que, vencendo a força da natureza (representada pela solidez da rocha perfurada) carregava a civilização nas rodas dos bondes. A segunda, não menos explícita, mostra um areal absolutamente deserto, sobre o qual se sustenta, orgulhosa, uma construção de feições modernas, como um verdadeiro baluarte do progresso em meio ao vazio recém conquistado. As imagens traduzem, em grande medida, as representações construídas (e veiculadas) a respeito da até então distante Copacabana no período que antecede à chegada dos trilhos. São escassas, para não dizer raras, as menções ao arrabalde até aquela data e, em sua esmagadora maioria, acenam na direção de dois eixos principais: o areal desértico, por um lado, e o bucolismo da natureza intocada, por outro. A imagem do alemão Johann Moritz Rugendas (que esteve no Brasil entre 1822 e 1825), reproduzida abaixo em litogravura de Louis-Jules-Frédéric Villeneuve, se alinha evidentemente ao segundo eixo. Apesar do título, trata-se de uma representação da praia de Copacabana14 14 Cf. Biblioteca Nacional, icon94994-028.tif . . Ao apresentá-la como lugar da exuberante natureza tropical, o pintor retratou a
  • 47. 32 presença de dois expedicionários que, acompanhados de escravos, parecem a sós em meio à desértica praia, na qual nota-se, ao centro da pintura, uma única e modesta construção. “Praya Rodriguez: prés de Rio de Janeiro”. Litogravura de Louis-Jules-Frédéric Villeneuve a partir da pintura de Johann Moritz Rugendas, 1835. Fonte: Biblioteca Nacional, icon94994-028.tif Não são muito distintas as representações encontradas em relatos produzidos algumas décadas mais tarde. O viajante inglês Daniel Parish Kidder, por exemplo, após visitar o país em 1845, recomendou que quem quisesse “se deliciar em ouvir o murmúrio surdo das ondas que vêm do Atlântico não poderá escolher ponto mais conveniente” (Riotur, 1992:232). Já o botânico Sir Weddell, em depoimento escrito no mesmo ano, mostrou, apesar do encanto com a grande variedade de cactos e palmeiras ali encontrados, algum incômodo com a presença de “algumas dúzias de pulgas”, que vieram a perturba-lhe o repouso (Idem: 233). Copacabana permaneceria no relativo anonimato ainda por uma década quando, em 1858, passou a correr pela cidade o boato de que duas baleias encalhadas haviam sido vistas
  • 48. 33 naquela praia. A notícia espalhou-se rapidamente, levando centenas de curiosos ao local, dentre os quais se destacavam ninguém menos que o Imperador D. Pedro II e D. Teresa Cristina. O boato resultou numa verdadeira excursão coletiva ao arrabalde na qual, acomodados em barracas improvisadas, curiosos fizeram vigília ao longo de três dias e três noites. As baleias jamais apareceram, mas houve quem tirasse proveito do evento, como um comerciante do centro da cidade que, aproveitando o passeio para fotografar a praia longínqua, exibiu as imagens (oito, no total) ao público através de um Cosmorama montado à rua dos Ciganos, n. 4215 . Copacabana passava, então, a fazer parte do imaginário e do repertório dos habitantes da capital, animando proprietários de terras que, sem tardar, aproveitaram-se da publicidade para anunciar “braças de lindos terrenos, com frente para a praia e fundos para chacarinhas”16 . Havia ainda quem passasse a alugar “pequenas casas para recreio, banhos e ares de mar, como os não há nas proximidades da corte”17 Não é difícil imaginar, contudo, a dificuldade encontrada por tais proprietários no sucesso de tais transações. Afinal, chegar a Copacabana demandava, além de muito tempo disponível, uma razoável dose de disposição física. Isso porque, até a abertura do túnel, em 1892, três tortuosos caminhos ligavam o arrabalde ao restante da cidade. O primeiro deles começava na rua Real Grandeza, em Botafogo, passava sobre o morro da Saudade e descia pela ladeira do Barroso (atual Ladeira dos Tabajaras), terminando na rua de mesmo nome (atual Siqueira Campos) . 18 15 Correio Mercantil, 24 ago. 1858. . Apesar de mal conservado, esse era o acesso mais utilizado pela população, o que veio a ser acentuado em 1878 com o início do tráfego de uma linha regular de diligências por aquela via. O segundo caminho, certamente mais pitoresco, tinha início na rua de Copacabana (atual rua da Passagem) e chegava até a ladeira do Leme desembocando naquela praia. O terceiro, por fim, destinava-se a aventureiros. Após pegar uma canoa na praia de Piaçava, às margens da Lagoa de Sacopenapan (atual Rodrigo de Freitas), o viajante chegava à praia funda (nas proximidades do atual corte do Cantagalo), de onde subia a pé 16 Correio Mercantil, 18 out 1858. 17 Correio Mercantil, 23 out 1858. 18 Esse caminho foi aberto em 1855, por iniciativa de José Martins Barroso, antigo morador de Botafogo e proprietário de terras em Copacabana. Aberta como uma estrada de meia rodagem, para o trânsito de carros e de cavaleiros, a construção da via contou com o apoio da Câmara dos Vereadores, que deu início às obras com quatro operários e oito escravos. O projeto de José Martins Barroso, apoiado em abixo assindo por demais moradores das ruas Real Grandeza e São Clemente, previa ainda a complementação do caminho com uma rua na planície copacabanense (Riotur, 1992:36).
  • 49. 34 pelos morros da Capoeira e da Caieira (atuais Cabritos e Cantagalo) para, então, chegar até a praia. A ilustração abaixo permite visualizar as três alternativas: Fonte: Circuito Copacabana (CD-ROM) Não é de espantar que, diante de tamanhas dificuldades de acesso, o Imperador tenha esperado quase duas décadas e uma grande ocasião para retornar ao areal. Em 1873, um ano após a aquisição dos direitos de exploração da telegrafia elétrica entre o Brasil e a Europa por parte do Barão de Mauá, D. Pedro II voltou a percorrer a praia deserta para inaugurar o cabo submarino instalado pela Telegraph Construction and Manteinance Company nas imediações da Praia da Pescaria (atual Posto 6). Esse fato, que ampliava substancialmente a rede telegráfica brasileira, até então restrita à linha entre a Corte e Petrópolis, levou novos moradores a Copacabana: os ingleses responsáveis pela instalação do aparato, que passaram a habitar uma construção que, durante muitos anos, ficou conhecida em toda a cidade como “a casa dos ingleses”. Mas nem só de grandes ocasiões vivia o arrabalde. Uma modesta porém perene atividade religiosa mobilizava o mesmo trecho final da praia onde, desde os século XVIII, havia notícia da capela de N. S. de Copacabana, que reunia romeiros de diversas partes da cidade. A Igrejinha, como ficou conhecida a edificação, representava então o principal pólo
  • 50. 35 atração local, especialmente no dia 13 de setembro, quando se comemoravam as festas da padroeira. Para tais ocasiões, a Igrejinha contava com uma casa para romeiros a qual, ao lado das choupanas de pescadores e do Forte do Vigia, foi, durante muitos anos, uma das poucas edificações existentes no distante areal. Os testemunhos deixados por diferentes tipos de registros atestam que as representações acerca da Igrejinha, a principal referência de Copacabana nos primeiros anos de seu crescimento urbano, são um termômetro preciso do processo construção e sobreposição de referências acerca do arrabalde, conforme será discutido adiante. Por ora basta atentar para testemunhos como o de Debret, que assim descreveu o local em no início do século XIX: “Vê-se no meio da areia a pequena igreja de Copacabana isolada num pequeno platô, mais a direita um segundo plano, formado por um grupo de montanhas, entrando pelo mar e esconde a sinuosidade do banco de areia, cuja extremidade reaparece com sua parte cultivada [...]”.19 Ou, ainda, analisar registros como o que aparece no postal abaixo, feito já após a substituição da antiga capela (em 1858, logo após o episódio das baleias), em que encontramos diversas convergências com o relato de Debret: Cartão-postal. Data da correspondência: 1903 /Autor desconhecido. Coleção Elísio Belchior.(APUD Pereira 2007) 19 J.B. Debret, Viagem pitoresca e historica ao Brasil. Sao Paulo, Liv. Martins, 1940.
  • 51. 36 Vemos, tanto no relato quanto no postal, o destaque à integração da construção ao cenário natural que, nos dois casos, ocupa a maior parte da representação. A ideia da natureza intocada é reforçada em ambos os casos pela ausência de pessoas, numa constante que, como vimos nas notícias veiculadas por ocasião da inauguração das linhas de bonde em 1892, tardou a descolar-se do imaginário urbano carioca a respeito daquele arrabalde. É interessante notar que tais representações foram produzidas e difundidas ao longo do século XIX, quando o país, em diversas ocasiões, teve grande parte da atenção do pensamento social dedicado à questão do território, vinculando, de diferentes maneiras, o tema da nacionalidade a uma dicotomia - muitas vezes espacialmente delineada - entre civilização e barbárie. Tal oposição pôs, não raro, a ideia de “sertão” no centro do pensamento político brasileiro, numa elaboração que, dos tempos coloniais (Mader:1998) às primeiras décadas do século XX assumiu diferentes conotações em torno de uma apreensão comum acerca do futuro nacional. Como nos lembra Oliveira (1998), a própria construção da nacionalidade, do Estado e, mais que isso, da “brasilidade” passou, por séculos, pela questão da conquista e ocupação do espaço, num processo que teve início já nas primeiras narrativas a respeito do Novo Mundo. É nesse sentido que a autora afirma que “A consciência do espaço, da territorialidade (...) forneceu as bases da integração necessária à formulação de um projeto de nação” (Idem: 197). Nesse cenário, a macro-representação do “sertão” construiu-se sobre um pano de fundo comum que reunia desde traços geográficos – a região agreste, distante do litoral – até culturais – local em que predominam tradições e costumes antigos, não modernos. Antes mesmo da obra clássica de Euclides da Cunha, lançada em 1902, o sertão representava, para os sonhos da integração nacional, os perigos do desconhecido. Assim, seja na tradição romântica, que viu no sertanejo um símbolo da nacionalidade por sua destreza e simplicidade, ou na realista, que pensava o sertão como um entrave ao progresso da urbanização, aquele espaço foi reiteradamente pensado em termos de uma não-civilização. É curioso assim notar que, mesmo mostrada insistentemente como um lugar radicalmente alheio à lógica e ao cenário da cidade, Copacabana não teve, em nenhum momento, seu território associado à ideia de sertão, ou até mesmo a alguma representação de cunho pejorativo. Enquanto o pensamento político se debruçava sobre a questão do território pensando em termos de “barbárie” e “não-civilização”, Copacabana figurava,
  • 52. 37 inequivocamente, como um “areal” marcado pelo bucolismo, pelo vazio e, muitas vezes, por um estágio “pré” civilizatório – nunca “anti”. Creio que, mais que a evidente proximidade com o litoral, o que libertou os bairros atlânticos cariocas da mácula do sertão foi, conforme podemos ver nas representações acima, o total desinteresse dos visitantes pela população local. Há, como vimos, vagas referências à existência de “choupanas de pescadores”, sem nenhuma atenção à sua forma de habitação, de socialização ou de circulação. O “areal” era, definitivamente, o “território do vazio”20 . A fotografia abaixo, tirada da base do morro do Leme na década de 1890, confirma o mesmo discurso: Foto de Juan Gutierrez, 1890 / Fonte: Museu Histórico Nacional Em meio ao panorama da praia deserta, só com muita atenção – e uma dose de esforço – podemos visualizar as pequenas e modestas construções à direita da imagem, em uma zona escurecida da foto e completamente absortas pelo cenário natural. Não devemos, contudo, nos deixar impressionar pelo vasto e desértico areal, rodeado de palmeiras, cactos e eventuais 20 A expressão é emprestada do título do livro de Alain Corbin (O território do vazio), em que o autor busca recuperar a história do desejo da beira-mar na Europa entre 1750 e 1840.