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 RESENHAS

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            157
158 • Comunicação e Sociedade 37
Uma análise filosófica
                                      e teológica da
                                        globalização



LÉVY, Pierre. A conexão planetária: o mercado, o ciberespaço e a
consciência. São Paulo: Editora 34, 2001. 189 p.

       O pensador francês Pierre Lévy é hoje considerado um “antropó-
logo e filósofo do ciberespaço”. Esse fato incomoda certos acadêmicos
acostumados a estudar os fenômenos humanos e sociais a partir de
uma visão positivista das ciências, que elimina a reflexão filosófica da
análise dos fatos. Os escritos de Pierre Lévy apresentam uma dupla
análise, filosófica e cientifica, dos fenômenos provocados pela
globalização.
       A posição critica do autor explica a rejeição da sua obra por nu-
merosos pesquisadores universitários. Sua leitura implica a postura des-
crita por outro filósofo e sociólogo francês, Lucien Goldmann, no li-
vro Ciências humanas e filosofia (São Paulo, Difel, 10a. ed., 1986, p. 16):
“Se a filosofia traz verdades sobre a natureza do homem, toda tentativa
de eliminá-la falseia necessariamente a compreensão dos fatos humanos.
As ciências humanas devem ser filosóficas para serem científicas”.
       É a partir destas premissas que se analisará a mais recente obra
de Pierre Lévy, Conexão planetária. Para entender o texto, é preciso acei-
tar a regra estabelecida pelo autor no prefácio: “Não prometo ao leitor
uma verdade cientifica, prometo apenas que, após ter lido honestamente
o livro, ele verá mais amplamente” (p. 12).
       Segundo a Editora 34, “A conexão planetária combina budismo e
internet, genética e economia para traçar uma síntese do desenvolvi-
mento da humanidade, desde a dispersão pelo planeta no paleolítico até
o mundo de hoje interconectado e digital”.

                                                                       159
Um dos temas principais do livro é a unidade da espécie humana
– unidade do corpo e do espirito, mas também unidade da cultura e do
conhecimento e unidade da economia e da tecnologia da humanidade:
“Isso diz respeito, talvez, tanto à humanidade global quanto às pessoas.
Sua integração harmoniosa não pode ser atingida senão por uma
sincronia, uma reconciliação de seu corpo e de seu espírito. Mais que
pôr a cultura, a inteligência e a espiritualidade de um lado, a economia
e a técnica do outro, talvez devêssemos nos conscientizar de que as di-
mensões materiais e espirituais estão ligadas de tal forma que provavel-
mente só existe uma única realidade interdependente, mas que nossos
recortes conceituais dividem artificialmente” (p. 59).
      O objetivo do capitulo “A economia virtual” é mostrar que a eco-
nomia contemporânea “revela uma dinâmica da inteligência e da cons-
ciência coletiva e que, então, não há lugar para separar as atividades
técnicas e materiais das instâncias intelectuais e espirituais da humani-
dade” (p. 59). As transformações sociais provocadas pela globalização
– verdadeira mutação antropológica – levam o autor a colocar quatro
proposições (p. 59-60), que são desenvolvidas ao longo do capitulo:
1. A economia se torna uma livre economia da informação e do co-
nhecimento; 2. Conseqüentemente, a inteligência coletiva se torna uma
espécie de economia de mercado ampliada; 3. No ciberespaço se entre-
laçam o mercado, o processo da inteligência coletiva e o crescimento
dinâmico do saber; 4. O ponto de junção entre a economia e a inte-
ligência é provavelmente a capacidade de escuta e de manipulação da
consciência coletiva que flutua nos milhões de canais do ciberespaço.
      No fim da reflexão sobre a economia virtual, Pierre Lévy inter-
pela o economista, o acadêmico e até o religioso: “Oiko-nomia, em
grego arcaico, significa a legislação ou o governo da casa. Como man-
ter e embelezar a casa, a maior casa, a sociedade humana e seu pla-
neta, ao invés de degradá-la? Aí está a principal questão colocada ao
homo economicus, que não está mais separado do homo academicus, nem do
homo spiritualis” (p.123).
      Outro capítulo é “A subida na direção da noosfera”. A palavra
“noosfera” é um neologismo composto da palavra grega “noos”, que
significa espirito, e da palavra “sphera”, que significa universo. Po-

160 • Comunicação e Sociedade 37
demos então definir a “noosfera” como o universo do espirito. Ela
será, segundo o autor, “uma nova convergência do espirito humano” (p.
151). É no ciberespaço que se realiza a alquimia da cultura universal
e se cria um imenso hipertexto. “O ciberespaço será o principal ponto
de apoio de um processo ininterrupto de aprendizagem e de ensino da
sociedade por si mesma. No ciberespaço, todas as instituições humanas
irão se entrecruzar e convergir para uma inteligência coletiva sempre ca-
paz de produzir e explorar novas formas” (p. !52).
       A construção da noosfera e do ciberespaço questionam seriamen-
te a educação. Pierre Lévy propõe para as novas gerações “uma edu-
cação humanista do ser integral, segundo a qual cada jovem seria levado
a percorrer aceleradamente a expansão da consciência universal e in-
citado a persegui-la” (p. 155). E conclui afirmando: “A verdadeira
educação e a verdadeira aprendizagem fundem todas as disciplinas em
uma apreensão global para a qual a aprendizagem de si é tão importan-
te quanto o conhecimento do mundo. Um conhecimento de si que
finalmente nos leva a perceber que somos, todos juntos, uma consciên-
cia iluminando o mundo” (p. 156).
       O último capitulo começa com uma corajosa profissão de fé
epistemológica do autor: “O mundo não precisa de critica, o mundo
precisa de amor. È somente quando amamos o mundo que ele se rende
a nós e nos entrega seu sentido. O amor é o microscópio mais potente.
O amor é o telescópio mais sensível. O amor é a maravilha observada.
O amor é o olho que olha” (p. 158).
       Desde as primeiras palavras de A conexão planetária Pierre Lévy
vem fazendo à humanidade uma grande pergunta: “Quando que a mai-
oria das pessoas irá enfim se dedicar à ciência e ao amor?” (p. 11). O
livro caminha para este desfecho: não há ciências humanas e sociais
sem filosofia. A contemplação do novo universo leva o autor à reve-
lação do amor divino: “Temos algum escrúpulo em empregar a palavra
‘Deus’ para designar essa desordem eterna, essa ordem perfeita, essa
crepitação de existência em todos os tons, essa unidade do todo, essa
metamorfose infinita berrando de amor, essa solidão absoluta, eu, você,
essa paz real” (p. 184). Esse desfecho vai além das afirmações do pri-
meiro parágrafo desta resenha; os fenômenos humanos e sociais não

                                                                     161
somente devem ser contemplados pela ciência e pela filosofia, mas
também pelo conhecimento teológico.
       Pierre Levy encerra A conexão planetária com uma visão mística
do mundo: “À medida que o universo se distancia no tempo do big-
bang físico, a liberdade humana o leva em direção a um big-bang espi-
ritual que o transporta para a dimensão do amor”.

                                                           Jacques Vigneron
                    Doutor em Ciências Humanas pela Université de Paris VIII,
                           educador, professor do Programa de Pós-Graduação
                                           em Comunicação Social da Umesp.




162 • Comunicação e Sociedade 37
O Verbo se faz palavra:
                                   uma tautologia
                                     com sentido



KUNSCH, Waldemar Luiz. O Verbo se faz palavra: caminhos da co-
municação eclesial católica. São Paulo: Paulinas, 2001. 316 p.

      É urgente que se tenha e se trace um perfil abrangente do pen-
samento da Igreja Católica do Brasil sobre a comunicação social. Mais
ainda, que se cartog rafem os caminhos percorridos pelos
comunicadores sociais católicos no Brasil, suas lutas e reflexões, não
somente para iluminar a prática comunicacional, mas também para
estabelecer os limites da área e seu esforço para constituir a
racionalidade da comunicação social como campo científico.
      Esta tarefa, nos inícios do terceiro milênio, torna-se cada vez
mais necessária. O esforço despendido, no Brasil e na América Latina,
para pensar a comunicação a partir de nossa realidade, teve na Igreja
Católica uma aliada de peso. O conjunto desse esforço está espelhado
em diversas obras de autores conhecidos no campo acadêmico e pro-
fissional. Entre eles, destacamos Attilio Hartmann, Ismar de Oliveira
Soares, Nivaldo Pessinatti, Joana Puntel, Helena Corazza, Anamaria
Fadul, Ralph della Cava e o autor desta resenha, sem esquecer o
orientador de todos, José Marques de Melo. Menção especial merece
o inspirador dos comunicadores cristãos, Frei Romeu Dale.
      No campo acadêmico, deve-se ressaltar a contribuição ímpar do
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade
Metodista de São Paulo. Foi ali que vários dos pesquisadores citados
encontraram guarida para suas inquietações, sob a orientação precisa
do mestre Marques de Melo. Recentemente, o mesmo programa, sob
os auspícios da Cátedra Unesco-Umesp de Comunicação, realizou um

                                                                  163
seminário onde buscou resgatar as contribuições de marxistas e cristãos
para o a definição do pensamento sobre comunicação social na América
Latina. Protagonismo especial desempenhou, nesse contexto, o pensa-
mento elaborado pela Igreja Católica, principalmente no Brasil.
       O livro O Verbo se faz palavra, produto da dissertação de mestrado
de Waldemar Luiz Kunsch, aborda a comunicação eclesial católica
como objeto de pesquisa dentro da academia brasileira. O autor faz
um levantamento da pesquisa brasileira da comunicação eclesial, com
um recorte que vai de 1974 até o final de 2000, para, em seguida, deter-
se na análise das seis teses produzidas nos programas de Pós-Gradu-
ação em Comunicação e que, no seu pensamento, são paradigmáticas.
       Pela sua abrangência e pelo fato de retormar idéias e pesquisas de-
senvolvidas pelos pesquisadores acima mencionados, o livro assume um
caráter especial. Ele reúne o que estava disperso e lhe dá uma organicidade
e uma racionalidade. Depois de um prólogo e uma introdução, o autor
debruça-se sobre o seu objeto, abordado em duas partes. A primeira, com
três capítulos, analisa a pesquisa da comunicação eclesial. Ela é importante,
pois introduz o leitor nas tendências dos estudos eclesiais, com o papel da
academia na pesquisa sobre o assunto e a busca das fontes da comunicação
da Igreja. Nessa parte são traçadas as grandes linhas da comunicação da
Igreja, bem como é esboçado o grande marco onde se inscreverá a segunda
parte do trabalho. Esta buscará identificar pontos fortes da comunicação
eclesial nas teses que sobre ela foram escritas. A obra se fecha com um
epílogo que se abre para novos estudos e incentivos.
       Evidentemente, cada obra é reflexo de quem a realiza, com suas
opções, sua visão de mundo e sua ideologia. Essa condição do autor
deve ser respeitada por quem o avalia. Ao analista cabe, apenas, verifi-
car a coerência e pertinência do estudo. Ora, o trabalho de Waldemar
Kunsch é pertinente, coerente e, na provisoriedade do momento, com-
pleto. Entretanto, também em nome da coerência, é justo que se faça
um pequeno reparo ou, talvez, um reforço nos esclarecimentos que o
próprio autor traz em diferentes passagens do livro.
       Há, neste, uma crítica velada às universidades católicas com pro-
gramas de pós-graduação em Comunicação Social, de não terem ainda
produzido trabalhos acadêmicos sobre a comunicação católica. Três são
as instituições que entram em questão: a Pontifícia Universidade Cató-

164 • Comunicação e Sociedade 37
lica de São Paulo, a Universidade do Vale do Rio dos Sinos e a
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Ora, é preciso
notar que as duas últimas só recentemente tiveram seus programas
aprovados pela Capes e, concretamente em termos de doutorado, ape-
nas agora estão começando a ter defesas de teses. Enquanto isso, a
primeira já possui uma trajetória maior.
       Além disso, os temas de dissertações e teses não estão relacionados
com a idade dos programas. Eles dependem das áreas de concentração e
das linhas de pesquisa dos programas, por um lado, e da opção específica
do candidato, por outro. No mais, é necessário que, nos respectivos pro-
gramas, existam pesquisadores habilitados e dispostos a orientar projetos
na área. No caso específico da Universidade Metodista de São Paulo e da
Universidade de São Paulo, grande parte dos estudos deve-se ao incentivo
e à orientação pessoal de José Marques de Melo, profundo conhecedor da
comunicação católica. O mesmo se deve dizer de Ismar de Oliveira Soares.
       Não obstante, essa pequena chamada no sentido de uma precisão
ainda maior, por parte de quem se sentiu de alguma forma atingido pela
crítica, não prejudica nem invalida a qualidade da obra. Até mesmo
porque, como o leitor poderá notar, o próprio autor também anotou
essas ressalvas, de forma explícita e implícita.
       Falta, ainda, explicar o título dado a esta resenha. Obviamente,
dizer que o verbo se faz palavra é uma tautologia. Entretanto, pode-se
entender que o Verbo, com maiúscula, é a palavra divina, que, encarna-
da na palavra eclesial e focalizada na palavra dos pesquisadores, é o ob-
jeto da obra. Nesse caso, trata-se de uma tautologia plena de sentido.
       Uma nota, ainda, sobre o público a que se destina o livro. Este é
suficientemente amplo para servir de base para o agir eclesial em co-
municação e de fonte de referência para os diversos programas de pós-
graduação em Comunicação Social do Brasil. Poderá contribuir também
para o aprofundamento dos estudantes de graduação dos diversos cur-
sos de comunicação.
                                                      Pedro Gilberto Gomes
                                      Doutor em Comunicação pela ECA-USP,
                               professor titular do Programa de Pós-Graduação
                                              em Ciências da Comunicação da
                                       Universidade do Vale do Rio dos Sinos.


                                                                        165
O voto
                                                   inteligente




LIMA, Venício A. Mídia, teoria e política. São Paulo: Editora da Fun-
dação Perseu Abramo, 2001. 365 p.

        Há um curso condensado que reflete sobre a propaganda polí-
tica no Brasil, lançado recentemente por um dos mais expressivos pes-
quisadores deste campo, Venício Artur de Lima. Sim, um curso, em for-
mato de livro, porque o seu Mídia, teoria e política reúne algumas das
mais expressivas contribuições do autor para pensar e planejar este
campo instigante que emerge como possibilidade de estudo no Brasil.
        A primeira aula do curso é dada por Nita Freire, esposa de
Paulo Freire, com quem Venício conviveu por vários períodos nas suas
andanças entre o Brasil e o exterior. E como se apresentasse o autor a
um grupo novo de alunos, entre outras considerações, afirmou que “se
sentia feliz por apresentá-lo, para também testemunhar, como Paulo
Freire, que, querendo um bem enorme a ele, o respeitou como intelec-
tual e o quis como amigo dileto.”
        Passado certamente o impacto da apresentação, Venício vai
descortinando aos seus prováveis alunos – leitores deste livro – as
aulas que pretende dar no decorrer do curso e de que forma elas ga-
nharão sentido de conjunto ao final. Apresenta na primeira aula uma
discussão saudável e estimulante sobre a complexidade do campo da
comunicação social à luz de algumas teorias, entre as quais o
atualíssimo conceito de comunicação emitido por Paulo Freire.
        E pede de antemão que os alunos leiam o texto base da aula
seguinte, onde traça os cenários da evolução da comunicação cono in-


166 • Comunicação e Sociedade 37
dústria no Brasil, fala dos efeitos da globalização nas políticas públicas
e as privatizações ocorridas entre 1995 e 1998 e coloca um aviso im-
portante no pé da lousa virtual: o famoso Conselho Nacional das Co-
municações, uma conquista do período da formulação da Constituinte
na década de 1980, não saiu ainda do papel.
         Já na terceira aula, Venício fala com o coração daquilo de que
mais gosta e que mais aprecia, a política e seus reflexos na mídia, des-
tacando dois estudos que se tornaram clássicos e obrigatórios para to-
dos os que partilham deste campo da propaganda política. Reapresenta
o conceito de representação política, o CRP, conseguindo confirmar,
com bases científicas sólidas, que algumas eleições são decididas antes,
bem antes de o próprio eleitor ir às urnas; e confirma isso com outro
estudo clássico, sobre a retomada das eleições diretas no Brasil, em
1989, ganhas por Fernando Collor de Melo, segundo Venício, seis meses
antes do dia formal de votação.
       Na última aula, discute questões ligadas ao telejornalismo contem-
porâneo, mostrando um estudo de caso sobre o DF-TV, em Brasília,
além de um estudo comparado entre o Jornal Nacional e o Jornal da
Record, para apontar tangenciamentos e discrepâncias entre eles.
       Antes de fechar o curso, Venício nos incentiva a pensar os
paradigmas da comunicação no plano teórico, reflete sobre a conjuntura da
mídia industrial, avança competentemente pela política e encerra com boas
lições sobre o que dizem e o que deixam de dizer os mais representativos
telejornais brasileiros contemporâneos, oferecendo mesmo parâmetros de
pesquisa para quem quiser repetir a experiência em outros locais.
       Para aqueles alunos que sentirem vontade, necessidade e interesse de
se aprofundar nas questões levantadas, Venício ainda oferece, no final do
curso, 24 páginas de referências bibliográficas nacionais e internacionais
contemporâneas para que seus leitores continuem a percorrer o roteiro que
ele criteriosamente selecionou para ser publicado em livro. Que certamente
pode/deve ser um bom roteiro para professores, pesquisadores, alunos de
graduação e de pós-graduação, para que façam uma leitura agradável, com
o necessário bom-senso pedagógico, capaz de entusiasmar quem pega o
livro na primeira página e só o consegue largar na página 365.


                                                                       167
Trata-se de um livro que pode/deve virar um curso. Um livro
para se ler, reler, guardar, consultar sempre, estudar, refletir sobre seu
conteúdo.Um livro que fala sobre histórias deste Brasil a partir do olhar
atento e da informação precisa de seu autor, que, entre outras qualida-
des, possui uma incomum: foi escolhido para ser um dos amigos diletos
de Paulo Freire, um pensador cujas contribuições à superação das de-
sigualdades sociais no Brasil e no mundo são insubsitituíveis.
       Mais ou menos como as contribuições que Venício oferece ago-
ra aos seus amigos, ex-alunos e sempre discípulos.

                                                             Adolpho Queiroz
                                 Doutor em Comunicação Social, professor do
                  Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Umesp,
                                       editor da revista Comunicação & Sociedade.




168 • Comunicação e Sociedade 37
Comunicação e folclore:
                            resgate e atualização
                                  de Luiz Beltrão



MARQUES DE MELO, José (Org.). Mídia e folclore: o estudo da
folkcomunicação segundo Luiz Beltrão. Maringá / São Bernardo do
Campo: Faculdades Maringá / Cátedra Unesco-Umesp, 2001. 232 p.

       Mídia e folclore é mais uma contribuição acadêmica para o resgate
e a atualização da teoria da folkcomunicação de Luiz Beltrão, resultado
da iniciativa do titular da Cátedra Unesco-Umesp de Comunicação para
o Desenvolvimento Regional, José Marques de Melo. A coletânea reúne
textos de diferentes autores e de épocas diversificadas. Além do próprio
organizador da coletânea, outros pesquisadores que há tempos se de-
têm no exame das idéias de Beltrão também foram convidados para
compor essa nova obra de retomada dos estudos folkcomunicacionais.
Entre eles destacam-se Roberto Benjamin, Osvaldo Trigueiro e Joseph
Luyten. Os textos de todos eles compõem a primeira parte do livro,
intitulada “O campo da Folkcomunicação”, uma espécie de introdução
à segunda parte, que apresenta uma dúzia de textos escritos pelo pró-
prio Luiz Beltrão.
       Na primeira parte, os autores demonstram profundo conhecimento
da vida e obra de Beltrão, oferecendo explicações que ajudam a situar o
leitor no universo das pesquisas sobre folkcomunicação e, em especial
sobre a trajetória de Beltrão. Um exemplo é o texto de José Marques de
Melo, “Folkcomunicação: a comunicação do povo”, em que o autor vai
além da biografia e da história de vida de Beltrão e de fontes documen-
tais deixadas pelo próprio pioneiro do estudo da folkcomunicação no
Brasil, para explicar o porquê da existência de duas vertentes aparente-
mente antagônicas no pensamento de Beltrão: o estudo sistemático sobre

                                                                    169
a produção do discurso jornalístico (considerado na época um produto
da cultura burguesa) e as análises sobre a comunicação popular, aquela
que resultou da marginalização social, política, econômica e cultural da
população rural e das periferias urbanas. A que se deve esse “segundo fio
da sua obra acadêmica”?, indaga Melo.
       E aí nos deparamos com os argumentos de que a explicação pes-
soal de Luiz Beltrão para seu interesse pela folkcomunicação tem origem
na sua atividade profissional como repórter, ou seja, a segunda vertente
de seu pensamento seria conseqüência da primeira. Isso porque, em sua
rotina de reportagem, teve que cobrir fatos cujos protagonistas foram, na
maioria das vezes, pais de famílias pobres ou desempregados, conduzidos
ao crime para dar sustento aos filhos, além de mulheres que, pelas cir-
cunstâncias sócio-econômicas, não tiveram outra alternativa senão a pros-
tituição, sem contar com crianças abandonadas que “aprenderam nas ruas
a defender-se contra uma ordem social injusta e desumana” (p. 27).
       Entretanto, na visão de Melo, essa explicação, mesmo tendo sido
construída pelo próprio Luiz Beltrão, não é suficiente para entender seu
interesse pelo campo da Folkcomunicação. E aqui nos deparamos com
uma forma de análise original e consistente, que demonstra pleno conhe-
cimento da biografia e das idéias de Beltrão, bem como domínio do
método biográfico (lembra o estudo de Norbert Elias sobre a vida e obra
de Mozart e as condições de produção do campo cultural de sua época).
Vale a pena transcrever os argumentos de Melo acerca da questão:
       Aprofundando a análise da biografia de Luiz Beltrão, vamos iden-
tificar certos traços que, se foram decisivos, exerceram forte impacto
para sua dedicação ao estudo da comunicação do povo. Sua velha
amizade com o líder socialista Francisco Julião, patrono das Ligas
Camponesas no Nordeste, certamente o afetou naquela inclinação in-
telectual. Seu convívio (hoje interrompido) com o líder comunista
pernambucano Paulo Cavalcanti, ele próprio um apaixonado pelo cordel
de época, inegavelmente exerceu alguma influência. Sua participação
ativa na vida do sindicato dos jornalistas, de que aliás foi presidente
mais de uma vez, e sua militância na federação nacional da categoria o
conduziram a ter mais claro o antagonismo entre patrões e empregados
na sociedade de classe (p. 27).

170 • Comunicação e Sociedade 37
Ainda na primeira parte, cabe mencionar três textos de Roberto
Benjamin que se voltam para a aplicação e atualização das idéias de
Beltrão em processos e contextos comunicacionais específicos, desta-
cando os veículos de manifestação da cultura popular; os novos espa-
ços, fluxos e abrangências da folkcomunicação e os estudos de narra-
tivas populares que o autor denomina de “folk-medias”.
       No primeiro caso, Benjamin parte da premissa de que todas as
sociedades tradicionais encontram alternativas e formas específicas de
comunicação que preenchem as funções exercidas pelos meios de co-
municação convencionais das sociedades urbanas e industriais. Nas co-
munidades que ficam à margem do desenvolvimento econômico, urba-
no e tecnológico, “os canais populares atuam como intermediários entre
as elites e as massas, retransmitindo as mensagens, depois de elabora-
das” (p.19). Com essa premissa, o autor resgata a origem histórica do
conceito de folkcomunicação desenvolvido por Beltrão, cuja matriz
foram os estudos a respeito da comunicação em múltiplas etapas de
Lazarsfeld, com destaque para o papel desempenhado pelos líderes de
opinião e pelo contexto comunitário, com ênfase para comunicação
interpessoal e as influências dos grupos sociais primários e secundários.
       No segundo caso, Benjamin analisa as manifestações
folkcomunicaionais e sua relação com a cultura de massa, destacando
que, no contexto atual, a comunicação popular não se restringe mais a
formas de comunicação que ficam à margem da mídia. O que ocorre
atualmente são modos de apropriação de tecnologias da comunicação
de massas e o uso dos canais massivos por agentes da cultura folk e
apropriação de elementos dessa cultura pela indústria cultural. Essa
concepção do autor é complementada em seu terceiro texto “As narra-
tivas populares como folk-media”, no qual ele analisa a cantoria, o
cordel, os folguedos, o bumba-meu-boi e o mamulengo.
       A segunda parte do livro, como já assinalamos, apresenta doze
textos escritos pelo próprio Luiz Beltrão. São artigos sobre teoria e
metodologia da folkcomunicação, além de estudos de casos em que o
autor aplica seus pressupostos teóricos e sua proposta metodológica.
       Com o primeiro aspecto relacionam-se oito textos: (1) teoria da
folkcomunicação: os agentes folclóricos como líderes de opinião; (2)

                                                                     171
mediações comunicacionais: relações entre mídia e folclore; (3) comu-
nicação popular e região no Brasil; (4) o folclore como discurso; (5) o
sistema da folkcomunicação; (6) a pesquisa da folkcomunicação; (7) o
interesse pela folkcomunicação; (8) a folkcomunicação não é uma co-
municação classista.
      Como podemos perceber, trata-se de um amplo leque de pesqui-
sas com um enfoque igualmente diversificado, que inclui o estudo dos
efeitos; do processo folkcomunicacional; de seus agentes, mediações e
intermediações; de aspectos históricos, sociais e culturais; de relações
interpessoais; movimentos cívicos, políticos, religiosos e festas popula-
res. Tudo isso com a preocupação de entender o contexto teórico, aca-
dêmico e cultural em termos gerais, mas com os olhos voltados para as
raízes brasileiras, com suas complementações e antagonismos regionais.
Luiz Beltrão já seguia o chamado “modo de pensar global e agir local”,
ou seja, seu pensamento já se mostrava com “antena” e “raízes”.
      Um exemplo claro disso é o texto “Comunicação popular e região
no Brasil”, o qual é aberto com a seguinte frase: “não há melhor labo-
ratório para a observação do fenômeno comunicacional do que a re-
gião” (p.153), considerada por ele ao mesmo tempo palco e ator da co-
municação e das diversas manifestações da cultura popular, que envol-
vem um processo complexo de intercâmbio “de idéias, informações e
sentimentos”, mediante a utilização de linguagens verbais e não-verbais
e de “canais naturais e artificiais empregados para a obtenção daquela
soma de conhecimentos e experiências necessárias à promoção da
convivência ordenada e do bem-estar coletivo” (p.153).
      É com base nesses pressupostos, aqui apresentados de forma pa-
norâmica e sintética, que Beltrão realiza os quatro estudos monográficos
incluídos na coletânea em apreciação, sobre casos específicos de manifes-
tações folkcomunicaionais: (1) O ex-voto como veículo jornalístico; (2)
Almanaque de cordel: veículo de informação e educação do povo; (3)
Videntes & volantes; (4) As piedosas recordações.
      São estudos que mesclam descrição e análise de forma hábil e cri-
ativa. Ele se detém em todas as minúcias de códigos, mensagens e
especificidades comunicacionais, destacando sempre a força do sentido
instaurado pelo verbal e o não-verbal. Concentra-se na descrição deta-

172 • Comunicação e Sociedade 37
lhada dos objetos, entendendo-os como elementos de comunicação ou
“transobjetos”, como no caso dos ex-votos, peças em madeira, cerâmi-
ca, tecido, cera, papel, fita, linha, cordão, papelão, cartolina, chifre,
gesso, pedra-sabão, coco e até plásticos. São “transobjetos” porque
transcendem a sua própria condição material e adquirem um valor sim-
bólico, que comunica idéias, valores e conceitos por meio das formas,
cores e outros elementos que oferecem a chave para “decodificarmos
as mensagens contidas nas peças expostas no altar ou nas paredes do
centro devocional” (p. 212).
       Ao descrever de forma tão minuciosa esses elementos
folkcomunicacionais, Beltrão consegue, ao mesmo tempo, realizar pro-
fundos exercícios de análise funcional e cultural, a exemplo da pesquisa
sobre os almanaques de cordel e sobre os elementos sincréticos presen-
tes nas ciências ocultas e na piedade popular. O cordel, por exemplo,
é associado a manifestações culturais típicas do Nordeste brasileiro e do
imaginário de sua população, sobretudo do semi-árido: a seca, a chuva,
os rios, os brejos, a cultura do algodão, do milho, da mamona etc. É
uma forma de comunicação que, como ele mesmo destaca, inteligente-
mente, “inseria as mais curiosas e estranhas informações para a vida
diária do matuto” (p. 216). O mesmo ocorre com as ciências ocultas e
a piedade popular. Suas mensagens são sempre voltadas para o universo
do cotidiano do receptor, tendo como eixo quase sempre desejos
materiais: cura, fortuna, fartura, casamentos, felicidade, paz, saúde.
       A esperança é o capital simbólico por excelência dos ex-votos, do
cordel, do ocultismo e da piedade popular nos processos
folkcomunicacionais analisados por Beltrão. No estudo sobre “Videntes
e volantes” chama atenção a pesquisa de campo que ele realizou em
Brasília, considerada por ele uma cidade em que proliferam de forma
gigantesca os “vendedores de ilusão”, sobretudo nas chamadas cidades-
satélites, para os migrantes sem referências culturais, recém-chegados
das mais diversas regiões do País, à procura de emprego. Mas, observa
Beltrão, as videntes estão presentes em todas as regiões do Brasil: “indo
e vindo, espraiando-se como ondas do oceano sobre as areias, as viden-
tes estão, como citamos, no Recife e em Porto Alegre, e também em
Sergipe...” (p. 228).

                                                                     173
O texto que fecha a coletânea, voltado para a análise das “piedosas
recordações”, analisa as mensagens impressas distribuídas a familiares e
amigos de pessoas falecidas, um rico material de pesquisa
folkcomunicacional na visão de Beltrão, pela presença das gravuras reli-
giosas (Jesus coroado de espinhos; a agonia no Horto das Oliveiras; a
morte na cruz; a ressurreição; e a imagem de santos como a Virgem
Maria, São José, Santo Antonio, etc.). Além disso, ele destaca ainda as
mensagens impressas que misturam o sagrado e o profano, com a mescla
de trechos bíblicos e declarações de afeto de familiares e parentes ou ain-
da epítetos do tipo “piedosa recordação de Fulano”; “ao esposo, ao pai,
ao amigo de todas as horas nossa homenagem de permanente amor e
saudade”. São veículos que comunicam a esperança e transformam a dor
em mensagem lúdica e solidária, em união e confraternização fúnebre.
      Enfim, os textos selecionados oferecem uma amostra da concep-
ção teórica, metodológica e empírica do pioneiro dos estudos
folkcomunicacionais no Brasil, contribuindo não só para divulgar suas
idéias e as de seus estudiosos da atualidade, mas talvez para inspirar
novos e possíveis aventureiros na pesquisa em comunicação e cultura
nas mais diversificadas regiões do Brasil, com todas as suas diversidades
e complexidades.

                                                 Antonio Teixeira de Barros
                               Doutor em Sociologia e mestre em Comunicação,
                               professor do Curso de Comunicação do UniCeub,
                          pesquisador-associado do Programa de Pós-Graduação
                                                   em Comunicação da UnB.




174 • Comunicação e Sociedade 37
Voces y
                                                     participación
                                                       ciudadana




CAMACHO, Carlos. Las radios populares en la construcción de la
ciudadanía: ensñanzas de la experiencia de Erbol en Bolivia. La Paz:
Centro Interdisciplinario Boliviano de Estudios de la Comunicación,
2001. 276 p.

      El particular interés por lo que la comunicación, la cultura y la
política suponen a la luz de las reflexiones teóricas de Jesús Martín-
Barbero, desde su resonancia en la floreciente concepción de los
medios de comunicación masiva como agentes mediadores en la
construcción de ciudadanías, encuentra en la reciente obra del boliviano
Carlos A. Camacho Azurduy un vivificante punto de referencia.
      El libro, titulado Las radios populares en la construcción de ciudadanías.
enseñanzas de la experiencia de Erbol en Bolivia, trabaja sobre la base de un
estudio originalmente presentado por su autor como tesis de maestría
en Comunicación y Desarrollo en la Universidad Andina Simón Bolívar
(UASB) – Oficina La Paz El autor, como una palmaria muestra de que
la pasión temática y la rigurosidad metodológica no son incompatibles,
aborda el rol de las radioemisoras populares de la Asociación de
Educación Radiofónica de Bolivia (Erbol) como espacios públicos
gestores de ciudadanía en lo local a partir de diversos ámbitos comu-
nicativos complementarios, a saber, el discurso radiofónico, la oferta in-
formativa noticiosa, la incidencia de la opinión pública y la generación
de participación radial entre los oyentes. De esta forma, el trabajo de
Camacho, a tiempo de inscribirse en el concierto reflexivo en torno a
la re-definición de los medios de comunicación en contextos democrá-

                                                                           175
ticos, provee de adecuados insumos teórico-empíricos al hasta hace
algunos años en Latinoamérica intransitado campo de la comunicación
y la construcción de ciudadanías.
      Para su consideración pública, la investigación fue estructurada en
tres partes. La primera, compuesta por tres capítulos, formaliza un in-
tento de análisis de las corrientes teóricas contemporáneas acerca de la
ciudadanía y sus repercusiones en el área del desarrollo y la educación
ciudadana desde una óptica crítica de la modernidad, así como de sus
influjos terminales en Bolivia a partir de una lectura histórica de agen-
das públicas de participación popular y de potenciación de ciudadanías
en contextos democráticos. La segunda, integrada por los capítulos
cuarto y quinto, concentra un interés por precisar conceptualmente el
sentido actual de radio(s) popular(es) y, complementariamente, analizar
los ámbitos en los que las mismas plasman su cotidiana acción comu-
nicativa. La última parte, cuya conformación completa los diez capítulos
del libro, da cuenta de un examen de la mencionada asociación desde
la perspectiva de su labor de comunicación educativa para el desarrollo
como motor de mediación en la estructuración de identidades de
correlación en espacios públicos.
      Así estructurada, la producción comentada traza en sus más de
270 páginas marcadas pautas teóricas y metodológicas para el
acercamiento integral al proceso de comunicación radiofónica: por un
lado, retrata la especificidad de la alteridad conjugada entre y por la
tríada emisor-mensaje-receptor y, por otro, des-cubre las interacciones
profundas que, en la lógica de la tarea educativa desplegada por una
docena de radios consignadas en el estudio, se consuman y reproducen
ininterrumpidamente dentro del proceso comunicativo. En esa medida,
el trabajo de Camacho se arroga, además de la re-producción de las
mediaciones implicadas en la red de la construcción radiofónica de
ciudadanías, el destaque y proyección de nuevas estéticas y rutinas de
producción emisivas.
      Destácase asimismo en la obra de Camacho la utilización, en
combinación con la encuesta y el análisis de discurso, del debate grupal
en el tratamiento técnico-cualitativo del polo emisor de las
radioestaciones afiliadas a la Asociación objeto de estudio, de suyo

176 • Comunicação e Sociedade 37
precipitadora de relevancia empírica al tratarse de una institución
reconocida mundialmente por sus más de tres décadas de trayectoria en
el campo de la comunicación educativa.
      Publicado con el respaldo institucional de la UASB - Oficina La
Paz en co-edición con The Freedom Forum, Erbol y MKT - Marketing
S.R.L., el libro representa, pues, una fructífera contribución
interdisciplinaria al debate acerca del papel que cumplen en
Latinoamérica los medios de comunicación en la construcción de
ciudadanías a partir de un atento análisis de lo hecho en Bolivia entre
agosto y octubre de 1999 por un reconocido grupo de radios populares.

                                            Oscar José Meneses Barrancos
                                  Investigador y coordinador de Difusión del
                                          Centro Interdisciplinario Boliviano
                                           de Estudios de La Comunicación




                                                                        177
Televisão e identidade
                                      cultural: como os
                                     sul-rio-grandenses
                                    se tornam gaúchos

JACKS, Nilda. Querência: cultura regional como mediação simbólica.
Porto Alegre: Editora da UFRGS. 286 p.
      Estar na contramão de certos pontos de vista como, por exemplo,
o da “desterritorialização da cultura”, é uma das qualidades do livro de
Nilda Jacks, porque consegue reacender o debate generalizante que se
configura em torno do tema. Aliás, os percursos da pesquisadora por São
Paulo, México, Dinamarca ou Porto Alegre têm sido uma referência para
a investigação de uma complicada tríade: cultura, identidade e televisão.
       Querência: cultura regional como mediação simbólica – originalmente sua
tese de doutorado, defendida em 1993 na Escola de Comunicações e
Artes – explora empiricamente os vínculos entre os três termos ao des-
crever e interpretar o papel da televisão na construção de um imaginá-
rio regional que propaga valores, práticas e costumes nos quais os gaú-
chos se reconhecem. E, contemplando imagens de si mesmos, negoci-
ando-as nos diferentes cenários onde transitam, eles se tornam gaúchos.
O livro trata, portanto, da complexidade que é a constituição social dos
sujeitos e de suas ações no mundo contemporâneo.
      Logo no primeiro capítulo, o quadro teórico não só focaliza as
pesquisas de recepção no amplo debate sobre as relações entre comu-
nicação e cultura, a partir de autores tais como Martín-Barbero, García
Canclini, Renato Ortiz e Guillermo Orozco, como também nos lembra
o quanto elas podem representar uma real inovação para as tendências
teórico-metodológicas da pesquisa em Comunicação.
      O cerne dessa aventura é evidenciar a constituição da identidade
cultural – pelos meios de comunicação e para além deles – e a forma
com que as pessoas se apropriam de uma cultura fortemente institu-
cionalizada (pelos Centros de Tradições Gaúchas, pelo Estado, pela

178 • Comunicação e Sociedade 37
escola e pela família) como a cultura regional. A hipótese que norteia
o trabalho é a de que a cultura gaúcha constitui a audiência e contribui
para relativizar o efeito das mensagens televisivas.
       Sob o ponto de vista da produção, o papel dos meios de comunica-
ção nesse processo é comprovado com inúmeros exemplos de matérias,
charges e editoriais publicados em jornais, programação estadual e local de
emissoras de rádio e televisão, anúncios publicitários e propagandas, além
de campanhas institucionais e projetos de caráter comunitário, histórico etc.
Em relação à recepção da tevê, a autora realiza uma pesquisa qualitativa
com famílias de estratos socioeconômicos baixo, médio e alto, que abrange
três fases distintas e utiliza técnicas como o formulário, a entrevista em
profundidade e a etnografia do espaço doméstico.
       A interação dos receptores gaúchos com a televisão, no caso, a
RBS TV - Santa Maria – uma das emissoras da Rede Brasil Sul de Co-
municação, que, por sua vez, apresenta o maior índice de programação
local dentre as afiliadas da Globo –, é descrita num contexto que con-
sidera: os hábitos e as rotinas no meio urbano, com especial referência
ao ambiente familiar e aos principais indicadores dos vínculos com a
cultura gaúcha como os hábitos de tomar chimarrão e comer churrasco,
freqüentar ou não o Centro de Tradições Gaúchas (CTG), usar o
linguajar característico e aderir a certos valores.
       A estratégia da autora é estudar a recepção da “telenovela das
oito” (Pedra sobre pedra, 1992, Rede Globo), explicitando os múltiplos fa-
tores ou mediações a condicionar a relação entre “texto” e receptor.
Entende-se por mediações “o conjunto de elementos que intervêm na
estruturação, organização e reorganização da percepção da realidade em
que está inserido o receptor” (p. 48). A análise da recepção da novela
consiste em captar a mediação da identidade regional, por intermédio
dos três traços básicos que o grupo de entrevistados usa para
caracterizá-la, a saber, tradição, distinção e território. Isto é, ela eviden-
cia o sentido que os receptores constroem a partir destes referenciais
e, além, disso, tenta estabelecer uma conexão entre as falas dos entre-
vistados e o universo cultural regional.
       Pode-se ressaltar duas conclusões do estudo acerca das relações
entre tevê e cultura: a) a televisão, entre todas as mediações analisadas,
têm um papel decisivo no reforço da identidade gaúcha; b) “” identi-

                                                                         179
dade cultural borra as diferenças de classe, sexo, idade em situações em
que estão em jogo aspectos que historicizam a inserção do receptor,
como é o caso dos receptores gaúchos” (p. 256).
      O enfoque de Nilda Jacks se afasta daquelas pesquisas de recepção
que tentam comprovar a capacidade da audiência em resistir à ideologia
dominante, mostrando a importância dos meios de comunicação de
massa no Rio Grande do Sul para a produção e reprodução de uma
imagem de gaúcho com grande “dose de positividade”. Querência enfatiza
o poder da mídia sem diminuir a autonomia relativa da audiência.
      O trabalho, por outro lado, sugere uma série de questões que de-
vem se levadas em conta neste tipo de investigação, das quais aponta-
remos duas. Uma delas é a de que a telenovela, segundo o argumento
da autora, seria um texto exemplar para o estudo da relação entre re-
cepção e cultura, pois o gênero trabalha diretamente com o imaginário
cultural do telespectador e oferece um campo crucial para a introdução
de hábitos e valores. Sem dúvida, este é um argumento que pode vir a
ser explorado empiricamente em pesquisas futuras, pois aguça nossa
curiosidade em sabermos se realmente haveria diferenças em usar como
“pretexto” outros gêneros televisuais como o telejornal, por exemplo,
ou simplesmente, optar por considerar os programas televisivos de
preferência da audiência. Neste último caso, os autores que defendem
esse ponto de vista o fazem com base na idéia de que as pessoas vêem
televisão e não um programa específico e é justamente o fluxo
televisual que faz sentido para o receptor.
      A outra questão diz respeito a um problema metodológico, já le-
vantado por Maria Immacolata Vassallo de Lopes em uma análise das
pesquisas em comunicação: o seu caráter descritivo e a necessidade de
uma interpretação ou explicação do fenônemo estudado. Com seu tra-
balho, Nilda Jacks nos mostra que é preciso arriscar um pouco e apos-
tar numa hierarquia entre todas as mediações que interagem no proces-
so de ver, usar e interpretar a televisão. A ousadia da autora nos poupa
de saber o que já sabemos: o processo de recepção é complexo, pois
nele intervêm inúmeros fatores.
                                                    Veneza Mayora Ronsini
                                             Doutora em Sociologia pela USP,
                                            com bolsa-sanduíche na University
                                    of California, professora da Universidade
                                                  Federal de Santa Maria (RS).


180 • Comunicação e Sociedade 37
As indústrias do conteúdo
                         e a ordem informacional




MIÈGE, Bernard. Les industries du contenu face à l’ordre
informationnel. Grenoble: Presses Universitaires, 2000.

       “O futuro das indústrias do conteúdo é dependente das técnicas
da informação e da comunicação (TIC), de quem elas constituirão um
componente essencial e onde representam a principal fonte de valor.”
A partir dessa idéia-chave, Bernard Miège, em sua obra Les industries du
contenu face à l`ordre informationnel, procede sucessivamente ao estudo da
passagem da indústria cultural (no singular) às indústrias culturais (no
plural); à análise da confrontação entre as indústrias culturais e as
mídias de massa; e ao exame da formação (sempre em curso) das in-
dústrias do conteúdo.
       Essas indústrias foram formadas, não sem conflitos, a partir de
formas artesanais ou a partir dos espetáculos ao vivo, e em correspon-
dência com os valores sociais e culturais inerentes à cultura e à infor-
mação. Essa história os marcou profundamente e – esta é uma das
conclusões do autor – não está próxima de se apagar; suas lógicas
próprias carregarão suas características ainda por muito tempo. Por
isso, o professor de Ciências da Comunicação da Universidade Stendhal
(Grenoble 3) propõe ao leitor começar não por uma projeção dessas
indústrias na modernidade, mas por um retorno sobre as condições que
presidiram sua emergência e, depois, seu desenvolvimento. A preocu-
pação do autor não é de ordem histórica; ele pretende sobretudo co-
locar em evidência a origem das “formas” que serão progressivamente
impostas e que têm todas as chances de perdurar, “apesar do que pensa

                                                                      181
a maior parte dos especialistas da tecnologia, para quem o avanço das
TIC procede sempre da ‘tabula rasa’”.
      Para realizar seu intento, Miège utilizou as metodologias da soci-
ologia e da economia adaptadas ao campo da Comunicação e a suas
lógicas próprias. O livro, dirigido tanto aos estudantes como aos pes-
quisadores, faz referência aos textos consagrados a esta temática, artigos
e obras publicadas pelo autor ao longo do último quarto do século que
passou. Dessa maneira, o leitor que se interessa pelo assunto pode ter
acesso a textos hoje dificilmente acessíveis e aprofundar suas análises
em função das mudanças contextuais.
      Miège justifica o emprego da expressão ordre de l’information, apre-
sentada no subtítulo da obra, pelo fato de que o paradigma da info-co-
municação está cada vez mais presente no seio de todas as atividades
humanas, da produção ao consumo dos mercados, em todas as instâncias
da mediação e de reprodução sociais e mesmo na esfera privada. “A força
desse paradigma é de impor uma ordem à mudança social e mesmo de
impulsionar muito eficazmente a formação de ‘riquezas’ sociais, sem
portanto pôr em causa os fundamentos e a natureza das lógicas sociais
dominantes, sem mesmo impor um modo de desenvolvimento diferente
desse que acompanha o capitalismo dos monopólios”.
        A partir da análise das idéias de autores, sobretudo europeus e
canadenses, produzidas nas décadas de 1970-1980, foram apresentados
os elementos disseminados de uma teoria das indústrias culturais. Segun-
do Nicholas Garnham, as características específicas dos mercados cultu-
rais seriam as seguintes: 1. cada produto cultural é um protótipo, o
aproveitamento depende da reprodução e da distribuição; 2. a demanda
é grandemente elástica, de sorte que é impossível prever o que se tornará
um sucesso ou um fracasso; 3. os produtos culturais não são destruídos
no processo de consumo, o que conduz, em certas condições, os produ-
tores e distribuidores a estratégias de penúria relativa de oferta.
      Jean-Guy Lacroix, pesquisador canadense, lança as bases de uma
teoria das indústrias culturais, que ele situa expressamente como origi-
nária da Teoria Crítica, em que essas indústrias participam ativamente
da reprodução social. Essa filiação com a Escola de Frankfurt chega até
este autor pela obra de pesquisadores como Armand e Michèle

182 • Comunicação e Sociedade 37
Mattelart. Lacroix dirige sua atenção à questão do trabalho cultural e,
particularmente, à sua desvalorização.
         As indústrias culturais são já antigas, mas na Europa o seu cres-
cimento se tornou regular depois da década de 1970, quando da
reestruturação das economias e da valorização das atividades sociais
pouco industrializadas como solução de problemas sócio-econômicos. As
indústrias culturais emergentes todas funcionaram segundo o modelo
editorial, que se caracteriza pelo pagamento quotidiano do leitor ou por
assinatura. O modelo editorial apareceu com a edição de livros a partir
do momento em que foi organizado sob a forma industrial e abandonou
a produção artesanal, cujo primeiro mestre foi Gutenberg, e foi estendida
à música gravada e depois, sob formas específicas, ao cinema. O modelo
de “flot”, em que os recursos publicitários ou os provenientes de anún-
cios constituem a contrapartida financeira da venda do “leitorado” aos
anunciantes, emerge com as primeiras estações de rádio na década de
1920 e se desenvolve com as estações de televisão generalistas.
       Paralelamente, a imprensa comercial de massa desenvolveu-se rapi-
damente a partir da segunda metade do século XIX, seguindo seu próprio
modelo de produção, constituído de características do modelo editorial e
do modelo de “flot”, na origem de um “segundo mercado” da imprensa.
         A década de 1980 viu o poder do modelo de “flot” e sua domi-
nação sobre as indústrias culturais; estas conheceram sua expansão, obtida
sob o controle dos mídias audiovisuais dominantes. “Nessas condições,
não é espantoso que a aproximação mais habitual é feita geralmente em
relação com o desenvolvimento dos mídias; e isto se nota tanto nas re-
flexões de ordem econômica quanto na tomada de decisões das políticas
públicas”, afirma Miège, novamente reforçando o pensamento-chave da
obra. “A idéia, de aparência sedutora, de que os produtos das indústrias
culturais clássicas (imprensa, rádio, cinema, edição de livros, discos) te-
riam chegado ao fim de seu ciclo de vida, não se encontrou confirmada
na década de 1990”. A explicação vem, sobretudo, do ponto de vista do
autor, de que elas não seriam apreendidas como fileiras unificadas; elas
estão em perpétua evolução. Contudo, o autor anuncia uma crise de
criatividade de novas formas, o que leva a reconhecer que, contrariamente
a uma análise convencional de inovação, os serviços industrializados não

                                                                       183
seguem mais o processo anteriormente admitido segundo o qual a ino-
vação repousava sobre uma base técnica.
      A partir dessas reflexões, Miège levanta a hipótese de que a re-
novação e a extensão das modalidades de industrialização da informa-
ção e da cultura acompanha mudanças estruturais significativas das in-
dústrias da informação e da cultura. “O crescimento das modalidades,
tornado possível pela extensão das TIC, e a mobilização dos conteúdos
informacionais e culturais pelo conjunto do setor da comunicação, em
vista do sucesso de seus programas industriais, coexistem com a apa-
rição de novas indústrias da informação e da cultura. A emergência das
indústrias do conteúdo deve ser encarada como uma das tendências
marcantes das sociedades contemporâneas”.
      Miège apresenta, então, as principais tendências das indústrias do
conteúdo:
      • A individualização das práticas e a extensão do pagamento pelos
consumidores (as práticas individuais – tevê por assinatura – são acei-
tas mais facilmente como relevantes pelo mercado que as práticas mais
socializadas – tevê generalista);
      • A tendência à desmaterialização dos suportes (os suportes indi-
viduais sobre os quais são feitas as produções culturais ou
informacionais serão substituídas pelo on line);
      • O crescimento dos mercados consumidores (a extensão do con-
sumo requer tempo e longas campanhas de promoção comercial).
      Essas tendências estão acompanhadas de mutações correlatas, tais
como: o caráter estratégico da difusão dos produtos;
      • A composição do capitalismo midiático (o oligopólio global das
mídias evoluirá gradualmente ao longo das próximas décadas em um
oligopólio muito maior dos grupos de comunicação. O objetivo funda-
mental das futuras fusões e aquisições é o controle da transmissão de
três produtos de base das telecomunicações: a voz, os dados e o vídeo-
imagem. O capitalismo midiático, sob a influência do liberalismo eco-
nômico, é considerado por alguns autores como um perigo para o libe-
ralismo político);
      • Convergência e competitividade (a convergência entre telecomu-
nicações, informática e audiovisual deve ser apreendida como uma
“construção social”; a convergência não é um dado, resultado de um

184 • Comunicação e Sociedade 37
processo irreversível. “Somente a possibilidade de numerizar voz, dados
e imagens não conduz necessariamente e inevitavelmente à convergên-
cia dos sistemas de comunicação. Ela se apresenta muito mais como
uma construção social cujos contornos resultam de pressões ligadas às
lógicas socioeconômicas dominantes e da ação mais ou menos eficaz de
diversos grupos sociais. De fato, ela não se realizará no mesmo ritmo
e não tomará necessariamente as mesmas formas que nos diversos
contextos nacionais e regionais”);
      • A multimídia: a inovação diferenciada (a coexistência de som,
imagem e dados num mesmo suporte faz entrever possibilidades con-
sideráveis de renovação e mesmo de revolução das formas dos produ-
tos de ficção ou informação).
      Diante dessa perspectiva, o autor conclui que as indústrias da cul-
tura e da informação manterão os traços dos três períodos que emer-
giram sucessivamente (lógica editorial, modelo de “flot” e lógica da in-
formação escrita). “O fim das indústrias culturais não está programado,
e seu conjunto está cada vez mais sob a influência dos métodos de pro-
moção comercial; a importância da difusão dos produtos é cada vez
maior; os debates de idéias e os conflitos de interesse vão se multipli-
car, mas não sem obscuridades nem equívocos”.
      As indústrias do conteúdo possuem um valor emblemático nas
sociedades e economias contemporâneas. “O seu avanço pode ser in-
terpretado como um movimento dialético complexo incluindo simulta-
neamente 1. a integração das atividades culturais e comunicacionais no
espaço mercadológico e industrial; 2. a redefinição de normas de pro-
dução resultantes desta integração; 3. a extensão das características do
setor cultural no conjunto da produção econômica; e 4. uma diluição
concomitante de sua especificidade e sua densidade nos campos da cul-
tura e da comunicação”.
      Miège termina a obra incitando o leitor ao debate: o fato é que os
estudos e as discussões sobre esse tema apenas começaram e “as oca-
siões de questionar e criticar as indústrias do conteúdo certamente não
irão faltar”.
                                                  Karina Medeiros de Lima
                           Jornalista, mestranda do Programa de Pós-Graduação
                                            em Comunicação Social da Umesp.

                                                                        185
Livro para
                                                            ninguém?



MARQUES DE MELO, José; DUARTE, Jorge A. Menna (Orgs.).
Memória das ciências da comunicação no Brasil: os grupos do cen-
tro-oeste. Brasília: UniCeub, 2001. 352 p.

      Creio inexistir, Brasil afora ou adentro, o leitor ou a leitora que
este Memória das ciências da comunicação no Brasil: os grupos do centro-oeste está
pedindo. Isto não é só uma boutade para nariz-de-cera de resenha. Or-
ganizado por José Marques de Melo e Jorge Antonio Menna Duarte,
com edição conjunta do Centro Universitário de Brasília (UniCeub) e
da Cátedra Unesco-Umesp de Comunicação para o Desenvolvimento
Regional, o livro pede uma abordagem de conjunto difícil de realizar.
      Integrando projeto de mapeamento das Ciências da Comunicação
na América Latina, esta obra vem a lume depois dos tomos dedicados
aos pesquisadores gaúchos e ao chamado Grupo de São Bernardo do
Campo. Ela contém perfis biobibliográficos de 21 pesquisadores do
Distrito Federal, de dois de Goiás e de dois de Mato Grosso do Sul.
Além disso, um artigo, de Elen Geraldes, focaliza especificamente a
experiência de pós-graduação da Faculdade de Comunicação da Univer-
sidade de Brasília e outro, de Sonia Zaramella, faz uma apresentação
dos interesses e das atividades de pesquisa de dezoito professores da
Universidade Federal de Mato Grosso.
      Já desaparecidos, Pompeu de Sousa, Heinz Forthmann, Luiz Fon-
seca e Luiz Beltrão têm sua trajetória intelectual recuperada e relatada
em artigos de Verenilde Pereira, Duda Bentes, Cyro Mascarenhas
Rodrigues e Jorge Duarte, respectivamente. Professor do UniCeub e
campeão na orientação de trabalhos de iniciação científica premiados
nos congressos da Intercom - Sociedade Brasileira de Estudos


186 • Comunicação e Sociedade 37
Interdisciplinares da Comunicação, Antonio Teixeira de Barros aparece
no livro tanto como “perfilado” (por Ilana Trombcka) quanto como
autor do perfil de José Salomão David Amorim, um dos decanos da
pesquisa em Comunicação no País.
        Juntamente com Salomão Amorim, Carlos Chagas, José Luiz
Braga, Luiz Martins, Luiz Gonzaga Motta, Marco Antonio Rodrigues
Dias, Milton Cabral Viana, Murilo César Ramos, Sérgio Dayrell Porto
e Venício Artur de Lima estão entre os pesquisadores que ensinaram ou
ensinam na Faculdade de Comunicação da UnB. O nome de Thereza
Negrão figura solitário, de certa forma, como que a representar as con-
tribuições à reflexão sobre comunicação aportadas por pesquisadores
de outros departamentos, no caso, de História.
         A maior parte dos pesquisadores selecionados construiu sua repu-
tação nas universidades públicas, mas o livro se abre também a nomes
como Beth Brandão, Samir Suaiden e Newton Quirino, que, como
Beltrão, no passado, e Barros, no presente, atuaram e atuam em institui-
ções de ensino privadas. Segundo Jorge Duarte, “a seleção apresentada
nesta publicação pode denunciar esquecimentos, fragilidades, falhas, mas
(...), ainda que caracterizada como preliminar, torna-se um importante
documento para a construção de nossa memória e para se conhecer um
pouco da pesquisa realizada na Região Centro-Oeste” (p.14).
        Certamente um interesse maior do livro tem a ver com a dinâmica
da construção de idéias e referências, cujo pano de fundo é, sempre, nem
mais nem menos, a experiência de Brasil dada a viver àqueles que o “ex-
perimentam” do ângulo da reflexão sobre a comunicação. A propósito,
leiam-se, em especial, os textos que Ana Lucia Novelli, Iluska Coutinho,
João Carlos Picolin e Sayonara Leal dedicaram, respectivamente, a Beth
Brandão, Murilo César Ramos, Venício Artur de Lima e Luís Martins.
        Colega, na graduação ou no mestrado, de dois dos 21 pesquisa-
dores que tiveram seus perfis biobibliográficos trabalhados e ex-aluno
de outros dez “perfilados”, entre 1985 e 1997, eu diria que o livro faz
pensar que, em maior ou menor grau de protagonismo, seríamos todos
participantes de um projeto ou processo coletivo de formação da experi-
ência brasileira de reflexão sobre comunicação.


                                                                     187
Mais que isso, muitos desses pesquisadores abraçaram a tarefa de
contribuir para a construção de um pensamento crítico no campo da
comunicação no Brasil. A conjuntura em que, por exemplo, a pesqui-
sadora Jane Sarques inicia, no ano de 1978, seus estudos de mestrado
na UnB, onde elaboraria dissertação sobre a telenovela Os gigantes, fez
com que a mesma “abraçasse uma linha de pesquisa mais sociológica
na área de comunicação, baseada em autores marxistas tais como
Marcuse, Engels, Horkheimer, Adorno, Armand Mattelart, dentre ou-
tros” (p. 306), destaca Júlio Afonso Sá.
         A diferenciação que refletir criticamente provoca dentro do projeto
de meramente refletir tem a ver com o tema da divisão social e do com-
promisso com sua superação. “A utopia”, formulava Carlos Augusto
Setti, em uma dissertação intitulada Comunicação e utopia, “é a concre-
tização histórica dos princípios da lógica dialética, que não admite a
estagnação e a terminalidade do real-dado” (1983, p.ii). Nessa direção,
o Centro-Oeste talvez tenha acompanhado o resto do País, sendo a tra-
jetória de seus pesquisadores um prato cheio para autores como Fran-
cisco Rüdiger, que já arriscou um traçado da fortuna da teoria crítica
nos estudos de mídia brasileiros.
         Porém, para complicar definitivamente tudo, num país como o
Brasil, o meramente refletir não teria nada de somero; ao contrário,
corresponderia àquilo que fora feito, primeiro, na literatura e, depois,
nas Ciências Sociais e na economia política, nos momentos em estas ex-
perimentaram sua maturação no País.
        Sob este ângulo, a experiência brasileira de reflexão sobre comu-
nicação não se formou ou não conheceu sua maturidade, simplesmente.
A implicação básica, juntando-se as duas pontas, é esta: a experiência bra-
sileira de reflexão sobre comunicação reflete pouco a experiência brasileira
com comunicação, cujos traços decisivos permanecem à espera de repre-
sentação. Exteriorizando de forma mais tradicional essa angústia, Murilo
César Ramos pergunta-se: “Por que razão não conseguimos produzir
autores que sejam verdadeiras referências, por sua consistência e origi-
nalidade?” (p. 221).
        No fundo, categorias como produção de conhecimento e contribuição
científica ainda respondem por pouco e nem sempre pela parte decisiva.

188 • Comunicação e Sociedade 37
Um mal – menor – é constatar que professores importantes o suficiente
para serem “perfilados” não vestem bem o figurino inadequado do
“pesquisador”. Outro mal – maior – é que, mais que pesquisas e pes-
quisadores, os programas de pós-graduação vêm contando mesmo, fun-
damentalmente, por formar gente, isto é, mestres cujo destino é abas-
tecer o mercado aberto para esta força-de-trabalho qualificada nas fa-
culdades particulares de Comunicação.
      “Na universidade pública”, compara Beth Brandão, “o professor
é um cientista que pratica a educação, ela é uma das formas de aplica-
ção do pensamento científico; na faculdade particular, o professor é um
educador que ensina a ciência, ela é seu objeto de ensino e não seu
objeto de trabalho” (p. 43). Neste cenário, em que o encontro entre
docentes e discentes é presidido pela chamada forma-mercadoria, os
efeitos mal começaram a ser conversados.

                                                    Lunde Braghini Júnior
                                     Professor de comunicação do UniCeub -
                                            Centro Universitário de Brasília.




                                                                        189
O caminho das pedras
                                       para um bom
                                    texto jornalístico




BARROS, Edgard de Oliveira. Quem? Quando? Como? Onde? O
quê? Por quê? São Paulo: Visual Media, 2002. 87 p.

       Por onde começar a matéria? Esta é a pergunta que mais martela
na cabeça dos jovens estudantes de jornalismo quando se deparam com
o momento de pôr no papel tudo aquilo que foi apurado durante en-
trevistas, pesquisas e levantamentos de dados. Foi justamente para eles
que o velho lobo da imprensa, Edgard de Oliveira Barros, criou este
verdadeiro manual de conduta, Quem? Quando? Como? Onde? O quê? Por
quê?, que mostra, de maneira simples, em 87 páginas, o que fazer nestas
inevitáveis horas.
       Edgard fala com autoridade de quem, mesmo sem títulos de mestre
ou doutor angariados na academia, sabe como funciona, na prática, o dia-
a-dia dos profissionais da comunicação. Aliás, embora sendo hoje profes-
sor universitário nas Faculdades Integradas Alcântara Machado, ele brinca
um pouco com aqueles que perguntam qual foi seu arcabouço literário
para escrever o livro. “O apud sou eu mesmo”, sentencia.
       Para quem teve a honra de conviver com o jornalista Assis
Chateaubriand e ainda escrever para diversos periódicos como o Diário
de São Paulo, Diário da Noite 1a. Edição e Diário da Noite 2a. Edição, fica
fácil contar para os focas qual é o caminho das pedras para o sucesso.
Edgard teve ainda passagens pelo mundo da publicidade e propaganda
e dirigiu por dez anos o falecido Diário Popular, tendo sido o editor-
chefe desse jornal na sua edição centenária.

190 • Comunicação e Sociedade 37
Já no prefácio, o alagoano-corintiano e atual morador de Atibaia (SP)
mostra que querer saber das coisas é algo que deve estar presente na alma
dos estudantes de jornalismo. “O jornalista é apenas um ser humano como
todos, a diferença está em ser o mais curioso entre os viventes”, lembra o
autor. Brincando com as palavras, ele mistura Zeca Pagodinho com
Paulinho da Viola logo no começo do primeiro capítulo, lembrando que o
importante para o bom profissional é poder divagar com pressa. Além disso,
a importância do jornal como ferramenta de resgate histórico dos fatos é
realçada, com uma tese deste notório-saber-em-comunicação, formado pela
“faculdade da vida”: “Minha tese é que boa parte dos textos escritos ‘no
hoje’ serão os referenciais para grandes histórias que serão consagradas nos
livros de amanhã. Os jornais e as revistas se alinham entre as melhores
fontes de pesquisa”. Elementar, caro Edgard!
       O autor mostra que quem diz que o jornal está com seus dias
contados em função do aparecimento de outras mídias pode estar apos-
tando no cavalo errado. Segundo o pai de Quem? Quando? Como? Onde?
O quê? Por quê?, não será tão fácil deixar este veículo sagrado de lado e,
para justificar esta tese, conta até com o auxílio da lei: “A propósito, no
Brasil, as leis só entram em vigor quando publicadas. Seja no jornal
oficial, seja nos jornais de grande tiragem e até mesmo nos pequenos
jornais que circulam diariamente, semanalmente, quinzenalmente ou até
mensalmente nas pequenas cidades”, uiva o velho lobo.
       Outro destaque, neste manual de jornalismo do foca, escrito por
Edgard de Oliveira Barros, fica para as ilustrações bem-humoradas de
Jean Takada, que lembram muito as que compõem o trabalho encomen-
dado pela Escola Paulista de Medicina, Corra que a imprensa vem aí: Um
guia de sobrevivência, publicação que mostra aos médicos como lidar com
o povo da comunicação.
       Entre os temas abordados pelo autor de Quem? Quando? Como?
Onde? O quê? Por quê?, estão a pauta, o planejamento e a pesquisa para
a elaboração de matérias, a importância das fontes (e de beber em di-
ferentes fontes, sempre), a definição do tipo de trabalho que será feito
(reportagem?, crônica?, notícia?) e a necessidade de clareza no que está
sendo produzido.


                                                                       191
É claro que, mesmo vindo de uma época em que tudo era “uma
brasa, mora?”, Edgard tem um pé atrás com o chamado “nariz-de-cera”,
dizendo que é bocomoco, cheira mal e parece papo de bêbado. “O nariz-
de-cera pode ser lindo, poético, doído como dor de dente, às vezes
comovente, por que não?”, mas, como lembra o autor, “quem parte
para o caminho de elaborar um texto iniciando pelo nariz-de-cera, fica
tentado a emitir opinião e repórter não tem opinião. Repórter reporta”,
esbraveja Edgard.
       O jeito é não colocar nosso nariz – que não é de cera - no livro do
Edgard e deixar que o leitor de Quem? Quando? Como? Onde? O quê? Por
quê? confira o conteúdo e tire suas próprias conclusões. Fica aqui a su-
gestão e a máxima registrada pelo autor na página 81, que poderá finalizar
estas considerações com as palavras dele próprio: “Regra 13: a comuni-
cação não é o que a gente diz, mas sim o que as pessoas entendem. O
que é óbvio para você pode não ser óbvio para o seu leitor. Aliás, o óbvio
só é óbvio enquanto é óbvio, ou seja, só é óbvio quando é citado, falado,
comentado. Seja simples, seja óbvio.” Isto é óbvio, Edgard!

                                                         Arquimedes Pessoni
                                     Jornalista, mestrando na Umesp, professor
                                    da Faculdade de Comunicação da UniFiam.




192 • Comunicação e Sociedade 37
Divulgação científica:
                                      pedras no caminho
                                               e avanços




GUIMARÃES, Eduardo (Org.). Produção e circulação do conheci-
mento: estado, mídia, sociedade. São Paulo: Pontes Editores, 2001.

        O mundo moderno se caracteriza pela rapidez com que a infor-
mação circula. Há uma inundação de notícias espalhadas pelos veículos
de comunicação de massa e, se prestarmos atenção, veremos que boa
parte delas se refere à Ciência e Tecnologia. Resta indagar até que
ponto o conteúdo que nos é repassado contribui para a formação de
uma consciência sobre o assunto, de forma clara e didática.
        Aquele leitor interessado em compreender o papel do jornalismo
e da ciência na vida em sociedade encontrará nas páginas do livro Pro-
dução e circulação do conhecimento: estado, mídia, sociedade vários textos que nos
fazem refletir sobre as complexas relações que envolvem desde a produ-
ção científica ao emprego da linguagem para comunicar descobertas.
        A obra, organizada pelo lingüista Eduardo Guimarães, é uma
publicação do Núcleo de Jornalismo Científico do Laboratório de Estu-
dos Avançados em Jornalismo (Labjor), da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), por meio do Laboratório de Estudos Urbanos
(Labeurb/Unicamp), do CNPq/Pronex e de Pontes Editores. Nela estão
reunidos artigos de pessoas ligadas à produção e à divulgação do conhe-
cimento no Brasil. São depoimentos e relatos nascidos de experiências e
de pesquisas que retratam com riqueza de detalhes a nossa realidade.
        Os autores, ao abordar temas referentes a jornalismo, ciência e
sociedade, trazem à tona questionamentos a respeito da estreita ligação

                                                                             193
dessas espécies de “entidades” com o Estado. Esse é um assunto recor-
rente em vários artigos, que apontam para as deficiências e fragilidades
existentes, uma marca das conjunturas em que vivemos. Nesse universo
surgem os debates sobre os obstáculos da comunicação entre jornalistas
e cientistas, que comprometem a divulgação científica no País.
        Na última década, após inúmeras tentativas no Brasil de se ofe-
recerem cursos que preparem as pessoas para trabalhar com jornalismo
científico, o Labjor conseguiu iniciar, em 1999, o seu primeiro Curso de
Especialização em Jornalismo Científico para jornalistas, divulgadores
de ciência, assessores de comunicação de universidades e institutos de
pesquisa, enfim, profissionais ligados a diversas áreas do conhecimento
humano. Sobre isso o leitor obterá informações no livro.
        A facilidade proporcionada pela internet na divulgação de assun-
tos científicos é outro assunto abordadona obra. Os estudantes que
apreciam a divulgação científica terão acesso a discussões a respeito da
dificuldade que há em aproximar cientistas e jornalistas em benefício da
disseminação das notícias referentes à produção científica nacional. Os
profissionais ou cientistas que atuam nessa área, ao lerem a obra, em
vários momentos terão a sensação de ter vivido ou presenciado muitos
dos fatos relatados.
        Um dos aspectos interessantes do livro é que nele nos depara-
mos com várias idéias sobre a ciência quando ela se torna notícia, de
onde extraímos preciosas informações sobre a divulgação científica
pelos principais veículos de comunicação no País. Ainda relacionadas
a esse tema, temos avaliações, nos artigos, que abordam a função da
língua na construção de textos e como a escola age nesse processo de
levar o conhecimento da ciência aos alunos, por meio de matérias
publicadas pela imprensa.
        Ao ser transformada em notícia, a ciência ocupa espaço em
jornais, revistas, rádio, televisão e internet. Mas há uma correlação entre
a divulgação científica e as novas tecnologias da linguagem? A leitura
dos textos nos mostra enfoques interessantes sobre o assunto, em que
se expõem preocupações com os aspectos pragmático e utilitário desse
processo de comunicação, considerado por muitos como prejudicial
para o sujeito e a sociedade. É possível constatar que as avaliações

194 • Comunicação e Sociedade 37
sobre a ciência e as políticas científicas e a mídia indicam que o percur-
so do conhecimento sofre a interferência do Estado.
        As discussões expostas no livro sobre como levar o conhecimen-
to científico ao público em geral, de forma didática, surgem ao longo
dos textos. Temos aí um leque de considerações e de estudos que nos
apresentam a realidade, nos convidam a refletir e nos brindam com
fatos curiosos, como o artigo de José Marques de Melo, em que desco-
brimos o jornalista Hipólito da Costa como precursor do jornalismo
científico no Brasil. No final da leitura, resta-nos a sensação de que
todos temos um papel essencial na divulgação da ciência no nosso País.
Precisamos apenas escolher o melhor caminho.

                                                            Rosane de Bastos
                                   Jornalista, aluna do Curso de Pós-Graduação
                                  em Jornalismo Científico do Labjor/Unicamp
                                        e bolsista do Mídia/Ciência da Fapesp.




                                                                         195
A comunicação
                                       como ferramenta
                                      de relacionamento
                                         na era moderna



VIANA, Francisco. De cara com a mídia. São Paulo: Negócio Edito-
ra, 2001.

      Nos últimos anos, em decorrência da globalização e do rápido
avanço tecnológico, a comunicação sofreu um grande salto em nível de
importância dentro das empresas modernas. Isso porque a chamada
Revolução da Informação contribuiu para a formação de uma socieda-
de mais exigente e influenciadora, que hoje exerce papel determinante
no sucesso ou fracasso de uma administração.
      Em De cara com a mídia, Francisco Viana fala sobre as técnicas de
relacionamento com a mídia, uma questão relevantíssima e essencial
para a administração empresarial dos tempos modernos. Consultor de
empresas e diretor da área de comunicação estratégica da FSB Comu-
nicações, Viana possui uma bem-sucedida carreira de jornalista, tendo
atuado como repórter de O Globo e editor de reportagens especiais da
revista IstoÉ. Sua maior contribuição, no entanto, provém da experiên-
cia adquirida durante os anos em que percorreu o País como editor da
revista Senhor, entrevistando grande parte da elite empresarial do Brasil.
      Já na década de 1980, quando iniciou sua trajetória nessa área, o
autor constatou que um dos maiores problemas de comunicação das
empresas brasileiras era a forma de relacionamento mantido com a im-
prensa. Para ele, tal dificuldade é resultado de um processo político-eco-
nômico que o País atravessou durante o regime militar. Por muitos anos
cultivou-se a idéia de que em cada repórter existia um comunista disfar-
çado, disposto a destruir o capital em prol da sociedade sem classes.

196 • Comunicação e Sociedade 37
Contudo, Viana nunca conseguiu ver empresários e imprensa em
campos opostos. E essa visão se comprova a cada dia, com a crescente
idéia de igualdade de direitos, participação e livre iniciativa. Hoje, mais
do que nunca, a comunicação com os diversos públicos é imprescindí-
vel para a construção de uma imagem que conquiste a lealdade do
consumidor. Conforme o autor, as características da comunicação
moderna, principalmente a facilidade de acesso à informação, deram à
mídia um vigoroso poder de interagir com a sociedade.
      Assim, para que a empresa se integre ao cotidiano da sociedade,
precisa estar aberta a um diálogo constante com a mídia. Em outras
palavras, a comunicação, a exemplo do que gradativamente vem ocor-
rendo, deve tornar-se parte integrante da estratégia geral dos negócios
e articular-se a todo o conjunto de atividade da empresa. O autor es-
clarece que muitos já despertaram para essa realidade e até se dispuse-
ram a colocar tal proposta em prática. Mas apenas alguns poucos sabem
exatamente qual caminho devem seguir.
      Sem a pretensão de construir um guia prático desse novo concei-
to de comunicação, Viana dividiu seu livro em cinco etapas, extraindo
da própria história exemplos marcantes e critérios essenciais para o
sucesso dos empreendimentos modernos. Já no passado, diz o autor, os
grandes homens de negócio sabiam o poder que a informação lhes
agregava. Lourenço Médici, banqueiro e precursor da globalização,
exigia relatórios detalhados das oportunidades de negócios que pudes-
sem surgir nas terras do Novo Mundo ou da Índia. O Barão de Mauá
passava noites cercado de jornais em seu palacete, não só para acom-
panhar o vaivém das divisas, como também para auscultar o panorama
político nacional de forma a antever possíveis impactos no País da
expansão do mercantilismo inglês.
      Esses são apenas dois dos muitos casos que, com excelente des-
treza, o autor destaca no decorrer do seu diálogo com o leitor, logo na
primeira etapa. Já a segunda parte do livro traz reflexões e
posicionamentos que interessam principalmente aos profissionais que
atuam diretamente na área de comunicação empresarial, pois é a partir
dessa etapa que Viana expõe grande parte de sua visão, sem abster-se
dos conhecimentos que adquiriu enquanto consultor.

                                                                      197
Da escolha do porta-voz à comunicação interna, o autor atravessa
temas que vêm ganhando força e gerando grande discussão na atuali-
dade. O marketing social, por exemplo, é, na visão do autor, um dos
instrumentos criados em virtude das novas demandas da era
globalizada. “Nos dias atuais, o cidadão quer participar, ver resultados
no que está fazendo ou cuja execução apóia. Não é contra o lucro, ao
contrário. Sabe que onde há empresas lucrativas existe oferta ascenden-
te de emprego e renda. Existem bem-estar e horizontes de realização
individual e coletiva. Mas se recusa a aceitar que uma empresa polua
rios, use o trabalho escravo de menores ou não participe da solução de
problemas sociais nas comunidades em que tem raízes” (p.101).
       Como todo bom jornalista, Francisco Viana não se restringe a
tratar apenas as questões que tangem aos empresários e assessores de
imprensa. Além das brilhantes inserções sobre técnicas de comunicação,
que surgem em todos os capítulos do livro nos quadros denominados
“Guias do cotidiano”, numa terceira etapa o autor relata um pouco o
trabalho dos jornalistas, os “Artesãos da notícia”. Apesar de levar em
conta todos os estigmas do ofício, ele não deixa de considerá-los os
novos donos do poder. É nesse capítulo que o autor centraliza as idéias
transmitidas em todo o percurso e atinge o alvo dos seus objetivos.
       De forma bastante concisa, Viana define em poucas páginas o
verdadeiro papel dos jornalistas para com a sociedade, explica a origem
dos preconceitos que lhes são peculiares e, mais uma vez, recorre à
história para esclarecer a conquista desse inexorável poder ao longo dos
últimos anos. A conveniência do relacionamento entre empresa e mídia
fica claro quando o autor afirma que a função do jornalista se equivale
ao de um advogado da sociedade e, qualquer que seja a situação de
conflito entre os interesses de uma empresa e a comunidade, ele difi-
cilmente ficará do lado da empresa. Não interessa o quanto de verba
esta empresa assegure em publicidade, ideologicamente ou não o traço
característico dos jornalistas é a independência. “Mesmo quando não
é independente, o jornalista gosta de, e necessita, parecer independente.
(...) Sem independência o jornalista perde o poder e sem poder ele,
assim como a mídia, não existem” (p. 124).


198 • Comunicação e Sociedade 37
Com absoluta capacidade de discernimento, Viana destaca os
diversos aspectos – positivos e negativos – que, assim como toda pro-
fissão, fazem parte do cotidiano dos jornalistas. Além disso, consegue
traçar ao longo do texto a forte relação entre empresas, mídia e opinião
pública. Para finalizar, dedicou os dois últimos capítulos à administração
de crises, um tema até então pouco discutido no Brasil, mas que está
intrinsecamente ligado à proposta do livro. “Nada melhor para prevenir
os impactos negativos de uma crise do que uma política saudável e
continuada, de relacionamento com a mídia” (p. 173).
       Em suma, De cara com a mídia constitui uma obra dinâmica, de
leitura rápida e agradável, que traz uma contribuição diferenciada e
fundamental para empresários, assessores, jornalistas e estudantes
engajados aos novos processos de administração e comunicação empre-
sarial, pois trata, de forma bastante inteligente, questões primordiais aos
tempos modernos.

                                                  Camila Pierobom Bertoldo
                           Jornalista, mestranda do Programa de Pós-Graduação
                                            em Comunicação Social da Umesp.




                                                                        199
O caso da
                                                  Favela Naval




BLAT, José Carlos; SARAIVA, Sérgio. O caso da Favela Naval: polícia
contra o povo. São Paulo: Contexto, 2000.

       Quem cresceu acostumado a assistir aos seriados americanos –
tipo Batman – não consegue esquecer as frases de efeitos utilizadas
pelos heróis enlatados, como “o crime não compensa” ou “o criminoso
sempre volta ao local do crime”. É mais ou menos o que aconteceu em
Diadema (SP), em 1997, e que acabou virando livro, só que com o
discurso às avessas: “o crime quase sempre compensa” e “os criminosos
trabalham no local do crime”. No popular, diria Chico Buarque, “chama
o ladrão, chama o ladrão!”
       Partindo das cenas que chocaram o País no dia 31 de março de
1997, exibidas no Jornal Nacional, e que foram gravadas por um
cinegrafista em busca de um furo de reportagem de plantão no local,
a blitz supostamente montada pela Polícia Militar de Diadema para
detectar tráfico de drogas terminou com imagens de espancamento e
morte de gente inocente moradora da Favela Naval e cujo único crime
era estar no lugar errado e na hora errada.
       O episódio – como bem lembraram os autores – fez tremer as
instituições brasileiras, afetando fortemente a imagem externa do País
(p. 84), e gerou uma série de pesquisas, entre elas a do InformEstado,
mostrando que, uma semana depois da veiculação das imagens, entre
52% e 64% dos paulistanos, dependendo da faixa social, temiam os
policiais militares (p. 85).
       Toda a história de bastidores e que poucos profissionais da impren-
sa se preocuparam em mostrar foi reunida em 240 páginas no livro O
caso da Favela Nava: polícia contra o povo, escrito pela dupla dinâmica José

200 • Comunicação e Sociedade 37
Carlos Blat e Sérgio Saraiva. O trabalho foi um dos ganhadores do Prêmio
Jabuti 2001, na categoria de livro-reportagem. O esforço do promotor
Blat e o talento do jornalista Sérgio Saraiva garantiram um trabalho de
qualidade, mostrando que, quando o judiciário e a imprensa se unem para
fiscalizar e denunciar, o resultado é nitroglicerina pura.
       Num ritmo extremamente ágil, a obra surpreende pela facilidade
com que o leitor mergulha na história de Mário José Josino, a vítima
dos policiais militares de plantão na favela e que, graças a um esforço
corporativista da Polícia Militar, quase passa de vítima a vilão da his-
tória. Os autores Blat e Saraiva mostram de forma clara como é o fun-
cionamento da máquina destinada a garantir a impunidade de policiais
militares assassinos e transformar trabalhadores humildes em inimigos
número-um da população.
       Utilizando bastante a fórmula “enquanto isso, no outro lado da ci-
dade”, o livro reserva aos leitores o conhecimento das histórias de fundo
dos personagens de carne e osso que entraram “de gaiato” na obra maior
que foi o caso da Favela Naval. Com a leitura desse trabalho de Blat e
Saraiva, a forma como os policiais militares tentaram se autoproteger e
reescrever de maneira distorcida o que realmente aconteceu no dia 3 de
março de 1997 e todo o esforço que a Justiça precisou adotar para que a
verdade viesse à tona, o leitor, com certeza, começará a ver com reservas
aquilo que é mostrado como verdadeiro pela imprensa. E muito mais:
quem nem só de gente boa é composta a Polícia Militar.
       Mostrando que Herbert Marshall McLuhan não exagerou quando
afirmava que “o meio é a mensagem”, logo no início do livro os auto-
res já mostravam como a polícia pode atuar de forma comprometedora
na hora de comunicar fatos que afetam negativamente a imagem da
corporação: “Quando a escolta policial que protegia Jefferson da pró-
pria polícia saiu em direção à delegacia-sede de Diadema, pouco antes
das três horas, o soldado de plantão no pronto-socorro já havia comu-
nicado o caso e começara o registro do boletim de ocorrência na Po-
lícia Civil. As estratégias de sempre para confundir inquéritos – algumas
improvisadas – já estavam em curso. Plantavam-se as sementes da
impunidade” (p.19).


                                                                     201
Como na vida real histórias com final feliz não são regra, mesmo
com todo o empenho da imprensa e do judiciário, a punição pelas
cenas que chocaram o Brasil e que levaram a óbito Mário José Josino
ficou apenas para parte dos envolvidos. Os que estavam acima do bai-
xo-clero se safaram – como sempre – e os poucos que levaram a pior
– como o soldado Otávio Lourenço Gambra, o Rambo, condenado a
45 anos de reclusão – acabaram, posteriormente, tendo sua pena redu-
zida. Para a família de Josino ficaram as saudades, uma pensão de 782
reais para a viúva e a certeza de que a presença da polícia, que deveria
oferecer segurança, às vezes, é motivo de medo.
      Para os autores, fica a sugestão de atualizar o conteúdo do livro
numa segunda edição, mostrando como os condenados no episódio
mudaram (se é que mudaram) sua conduta. No geral, paira a impressão
de que, ao nos depararmos com uma blitz da Polícia Militar no nosso
caminho, o primeiro pensamento que vem à mente é: corram, que a
Polícia vem aí.

                                                      Arquimedes Pessoni
                                      Mestrando em Comunicação na Umesp.




202 • Comunicação e Sociedade 37
Por uma crítica
                                             à globalização




MATTELART, Armand. A globalização da comunicação. Trad. de
Laureano Pelegrin. Bauru, SP: Edusc, 2000. 194 p.

      Fazer uma retrospectiva crítica do processo de globalização desde
seus primeiros indícios, no século XIX, até o estágio atual, utilizando
pontos de vista midiológico e político-econômico. É o que Armand
Mattelart busca com sua obra A globalização da comunicação, em que re-
gistra “essa nova fase de abertura do mundo, da história das formas
sociais que o processo de internacionalização foi assumindo no correr
do tempo” (p. 11).
      Para o autor, os sistemas de comunicação em tempo real determi-
nam a estrutura de organização do planeta. Essa idéia é desenvolvida
ao longo de todo o livro, onde procura ressaltar sempre a importância
fundamental dos meios de comunicação no processo de globalização,
sendo a ele inerente. “Ampliando progressivamente o campo de circu-
lação de pessoas, como também de bens materiais e simbólicos, os
instrumentos de comunicação têm acelerado a incorporação das soci-
edades particulares em grupos cada vez maiores, redefinindo continu-
amente as fronteiras físicas, intelectuais e mentais” (p. 11).
      A retrospectiva histórica do processo de globalização inicia-se já no
capítulo 1, onde é apresentado o pensamento de que a
internacionalização da comunicação seria filha de dois universalismos: o
iluminismo e o liberalismo. Graças ao iluminismo e seu ideal de “liber-
dade de pensamento e de opinião”, o comércio passou a ser considerado
como gerador de valores, pois a fluidez dos fluxos de pessoas e merca-
dorias asseguraria tal liberdade. A comunicação começou a ser associada

                                                                       203
a um espaço nacional e à formação de um mercado interno. Tendo o
livre comércio se tornado “artigo de fé”, o liberalismo econômico – cujas
idéias principais são a secularização da sociedade, a liberdade individual
no cerne das instituições, limitando o poder arbitrário do Estado – con-
sagrou a força da economia mercantil. Foi “a eclosão do que se chama
market mentality, conforme a expressão do historiador econômico Karl
Polanyi, o nascimento de uma ‘nova sociedade’, onde os mecanismos do
mercado se difundem por todo o corpo social” (p. 23).
       O século XIX viu o surgimento das agências de notícias: a Havas
aparece em 1835; a Wolff, em 1849; a Reuter, em 1851; e a Associated
Press, em 1848. Apenas as três primeiras, européias, tinham porte in-
ternacional. Por meio de alianças concluídas em 1870, elas dividiram o
mundo em territórios de influência. Foi “a eclosão de um mercado da
informação pensado em âmbito mundial orientado por interesses
geopolíticos” (p.48). Mas o estabelecimento das agências americanas no
cenário mundial (Associated Press e United Press) influenciou o mo-
delo da imprensa francesa no período. É deste primeiro contato da
imprensa européia com o modelo profissional americano – caracteriza-
do por um “tipo de jornalismo priorizando a chamada news value, o
human interest. Uma informação pontual, rápida, concisa como uma
mensagem telegráfica, útil, que trata de generalidades” (p. 49) – que
surge a noção da “americanização”, de acordo com o historiador da
mídia Michael Palmer.
       A propaganda revela sua força na Primeira Guerra Mundial. Tan-
to na deflagração do conflito quanto no período entre-guerras, os
publicitários e cientistas políticos, fundadores da sociologia americana
da mídia, como Walter Lippmann e Harold Lasswell, trabalham com a
noção de que “a democracia não consegue sobreviver sem as técnicas
modernas de ‘gerenciamento invisível da sociedade maior’ ” (p. 68).
Assim, a “psicologia de massa” assume uma importância fundamental
nas relações diplomáticas entre países e também no “gerenciamento”
da opinião pública e da democracia no interior de cada país.
       O fato de que, já em 1919, 90% dos filmes exibidos nos cinemas
europeus vinham dos Estados Unidos, deixando para trás a supremacia
francesa, faz com que a França e a Alemanha adotem políticas de pro-

204 • Comunicação e Sociedade 37
teção e suscita um debate no meio artístico e intelectual acerca do tema
americanização, entendido na época como uma agressão à “alta cultu-
ra”. A visão apocalíptica da “crise da civilização” foi alvo de reflexões
de intelectuais como Antonio Gramsci, Sigmund Freud, Oswald
Spengler, Paul Valéry e o detentor do Prêmio Nobel de Literatura de
1934, Luigi Pirandello. É deste último a afirmação de que “o dinheiro
que circula no mundo é americano e, por trás desse dinheiro, existe
todo um universo de vida e de cultura” (p. 79).
      O cenário da Guerra Fria determinou os modelos de implantação
dos sistemas de satélite. O lançamento do Sputnik, em 1957, pela União
Soviética, ocasiona, como reação dos Estados Unidos, a fundação no
mesmo ano da Nasa. Essa “corrida espacial” dura pouco mais de dez
anos. A partir desse momento, “a conquista do Terceiro Mundo trans-
forma-se no grande impasse do embate entre os dois sistemas políti-
cos”, pois os grandes desequilíbrios entre países desenvolvidos e
subdesenvolvidos ameaçam “fazer a cama do comunismo mundial”. A
Unesco estabelece como padrões mínimos contra o subdesenvolvimen-
to, para cada país, a possessão de “dez exemplares de jornal, cinco
aparelhos de rádio, dois televisores, dois assentos de cinema para cada
cem habitantes” (p. 96). Para Mattelart, essa crença na capacidade
modernizadora das mídias nada mais é que uma atualização das teorias
difusionistas do século XIX, em que os povos primitivos apenas imita-
vam os modelos dos mais adiantados.
       Com o fim da Guerra Fria, a representação geopolítica do mun-
do dá lugar às lógicas geoeconômicas. Os estados nacionais perdem seu
poder e as empresas não -estatais assumem importância fundamental no
“movimento de integração mundial”. Uma das idéias centrais da obra
é justamente a noção de que “a homogeneização das sociedades é
interente à unificação da economia” (p. 12), conferindo às relações
econômicas, não mais dependentes do poder de cada Estado, em par-
ticular, mas na iniciativa privada e nas multinacionais e transnacionais,
o papel principal, não mais de coadjuvante, no processo de globalização.
      A década de 1970 foi a época da crítica aos desequilíbrios inter-
nacionais dos fluxos da informação. A Nova Ordem Mundial da Infor-
mação e da Comunicação - Nomic trouxe o debate sobre o “imperi-

                                                                     205
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  • 1. Comu ni ca RESENHAS ção& So cie dade 157
  • 2. 158 • Comunicação e Sociedade 37
  • 3. Uma análise filosófica e teológica da globalização LÉVY, Pierre. A conexão planetária: o mercado, o ciberespaço e a consciência. São Paulo: Editora 34, 2001. 189 p. O pensador francês Pierre Lévy é hoje considerado um “antropó- logo e filósofo do ciberespaço”. Esse fato incomoda certos acadêmicos acostumados a estudar os fenômenos humanos e sociais a partir de uma visão positivista das ciências, que elimina a reflexão filosófica da análise dos fatos. Os escritos de Pierre Lévy apresentam uma dupla análise, filosófica e cientifica, dos fenômenos provocados pela globalização. A posição critica do autor explica a rejeição da sua obra por nu- merosos pesquisadores universitários. Sua leitura implica a postura des- crita por outro filósofo e sociólogo francês, Lucien Goldmann, no li- vro Ciências humanas e filosofia (São Paulo, Difel, 10a. ed., 1986, p. 16): “Se a filosofia traz verdades sobre a natureza do homem, toda tentativa de eliminá-la falseia necessariamente a compreensão dos fatos humanos. As ciências humanas devem ser filosóficas para serem científicas”. É a partir destas premissas que se analisará a mais recente obra de Pierre Lévy, Conexão planetária. Para entender o texto, é preciso acei- tar a regra estabelecida pelo autor no prefácio: “Não prometo ao leitor uma verdade cientifica, prometo apenas que, após ter lido honestamente o livro, ele verá mais amplamente” (p. 12). Segundo a Editora 34, “A conexão planetária combina budismo e internet, genética e economia para traçar uma síntese do desenvolvi- mento da humanidade, desde a dispersão pelo planeta no paleolítico até o mundo de hoje interconectado e digital”. 159
  • 4. Um dos temas principais do livro é a unidade da espécie humana – unidade do corpo e do espirito, mas também unidade da cultura e do conhecimento e unidade da economia e da tecnologia da humanidade: “Isso diz respeito, talvez, tanto à humanidade global quanto às pessoas. Sua integração harmoniosa não pode ser atingida senão por uma sincronia, uma reconciliação de seu corpo e de seu espírito. Mais que pôr a cultura, a inteligência e a espiritualidade de um lado, a economia e a técnica do outro, talvez devêssemos nos conscientizar de que as di- mensões materiais e espirituais estão ligadas de tal forma que provavel- mente só existe uma única realidade interdependente, mas que nossos recortes conceituais dividem artificialmente” (p. 59). O objetivo do capitulo “A economia virtual” é mostrar que a eco- nomia contemporânea “revela uma dinâmica da inteligência e da cons- ciência coletiva e que, então, não há lugar para separar as atividades técnicas e materiais das instâncias intelectuais e espirituais da humani- dade” (p. 59). As transformações sociais provocadas pela globalização – verdadeira mutação antropológica – levam o autor a colocar quatro proposições (p. 59-60), que são desenvolvidas ao longo do capitulo: 1. A economia se torna uma livre economia da informação e do co- nhecimento; 2. Conseqüentemente, a inteligência coletiva se torna uma espécie de economia de mercado ampliada; 3. No ciberespaço se entre- laçam o mercado, o processo da inteligência coletiva e o crescimento dinâmico do saber; 4. O ponto de junção entre a economia e a inte- ligência é provavelmente a capacidade de escuta e de manipulação da consciência coletiva que flutua nos milhões de canais do ciberespaço. No fim da reflexão sobre a economia virtual, Pierre Lévy inter- pela o economista, o acadêmico e até o religioso: “Oiko-nomia, em grego arcaico, significa a legislação ou o governo da casa. Como man- ter e embelezar a casa, a maior casa, a sociedade humana e seu pla- neta, ao invés de degradá-la? Aí está a principal questão colocada ao homo economicus, que não está mais separado do homo academicus, nem do homo spiritualis” (p.123). Outro capítulo é “A subida na direção da noosfera”. A palavra “noosfera” é um neologismo composto da palavra grega “noos”, que significa espirito, e da palavra “sphera”, que significa universo. Po- 160 • Comunicação e Sociedade 37
  • 5. demos então definir a “noosfera” como o universo do espirito. Ela será, segundo o autor, “uma nova convergência do espirito humano” (p. 151). É no ciberespaço que se realiza a alquimia da cultura universal e se cria um imenso hipertexto. “O ciberespaço será o principal ponto de apoio de um processo ininterrupto de aprendizagem e de ensino da sociedade por si mesma. No ciberespaço, todas as instituições humanas irão se entrecruzar e convergir para uma inteligência coletiva sempre ca- paz de produzir e explorar novas formas” (p. !52). A construção da noosfera e do ciberespaço questionam seriamen- te a educação. Pierre Lévy propõe para as novas gerações “uma edu- cação humanista do ser integral, segundo a qual cada jovem seria levado a percorrer aceleradamente a expansão da consciência universal e in- citado a persegui-la” (p. 155). E conclui afirmando: “A verdadeira educação e a verdadeira aprendizagem fundem todas as disciplinas em uma apreensão global para a qual a aprendizagem de si é tão importan- te quanto o conhecimento do mundo. Um conhecimento de si que finalmente nos leva a perceber que somos, todos juntos, uma consciên- cia iluminando o mundo” (p. 156). O último capitulo começa com uma corajosa profissão de fé epistemológica do autor: “O mundo não precisa de critica, o mundo precisa de amor. È somente quando amamos o mundo que ele se rende a nós e nos entrega seu sentido. O amor é o microscópio mais potente. O amor é o telescópio mais sensível. O amor é a maravilha observada. O amor é o olho que olha” (p. 158). Desde as primeiras palavras de A conexão planetária Pierre Lévy vem fazendo à humanidade uma grande pergunta: “Quando que a mai- oria das pessoas irá enfim se dedicar à ciência e ao amor?” (p. 11). O livro caminha para este desfecho: não há ciências humanas e sociais sem filosofia. A contemplação do novo universo leva o autor à reve- lação do amor divino: “Temos algum escrúpulo em empregar a palavra ‘Deus’ para designar essa desordem eterna, essa ordem perfeita, essa crepitação de existência em todos os tons, essa unidade do todo, essa metamorfose infinita berrando de amor, essa solidão absoluta, eu, você, essa paz real” (p. 184). Esse desfecho vai além das afirmações do pri- meiro parágrafo desta resenha; os fenômenos humanos e sociais não 161
  • 6. somente devem ser contemplados pela ciência e pela filosofia, mas também pelo conhecimento teológico. Pierre Levy encerra A conexão planetária com uma visão mística do mundo: “À medida que o universo se distancia no tempo do big- bang físico, a liberdade humana o leva em direção a um big-bang espi- ritual que o transporta para a dimensão do amor”. Jacques Vigneron Doutor em Ciências Humanas pela Université de Paris VIII, educador, professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Umesp. 162 • Comunicação e Sociedade 37
  • 7. O Verbo se faz palavra: uma tautologia com sentido KUNSCH, Waldemar Luiz. O Verbo se faz palavra: caminhos da co- municação eclesial católica. São Paulo: Paulinas, 2001. 316 p. É urgente que se tenha e se trace um perfil abrangente do pen- samento da Igreja Católica do Brasil sobre a comunicação social. Mais ainda, que se cartog rafem os caminhos percorridos pelos comunicadores sociais católicos no Brasil, suas lutas e reflexões, não somente para iluminar a prática comunicacional, mas também para estabelecer os limites da área e seu esforço para constituir a racionalidade da comunicação social como campo científico. Esta tarefa, nos inícios do terceiro milênio, torna-se cada vez mais necessária. O esforço despendido, no Brasil e na América Latina, para pensar a comunicação a partir de nossa realidade, teve na Igreja Católica uma aliada de peso. O conjunto desse esforço está espelhado em diversas obras de autores conhecidos no campo acadêmico e pro- fissional. Entre eles, destacamos Attilio Hartmann, Ismar de Oliveira Soares, Nivaldo Pessinatti, Joana Puntel, Helena Corazza, Anamaria Fadul, Ralph della Cava e o autor desta resenha, sem esquecer o orientador de todos, José Marques de Melo. Menção especial merece o inspirador dos comunicadores cristãos, Frei Romeu Dale. No campo acadêmico, deve-se ressaltar a contribuição ímpar do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo. Foi ali que vários dos pesquisadores citados encontraram guarida para suas inquietações, sob a orientação precisa do mestre Marques de Melo. Recentemente, o mesmo programa, sob os auspícios da Cátedra Unesco-Umesp de Comunicação, realizou um 163
  • 8. seminário onde buscou resgatar as contribuições de marxistas e cristãos para o a definição do pensamento sobre comunicação social na América Latina. Protagonismo especial desempenhou, nesse contexto, o pensa- mento elaborado pela Igreja Católica, principalmente no Brasil. O livro O Verbo se faz palavra, produto da dissertação de mestrado de Waldemar Luiz Kunsch, aborda a comunicação eclesial católica como objeto de pesquisa dentro da academia brasileira. O autor faz um levantamento da pesquisa brasileira da comunicação eclesial, com um recorte que vai de 1974 até o final de 2000, para, em seguida, deter- se na análise das seis teses produzidas nos programas de Pós-Gradu- ação em Comunicação e que, no seu pensamento, são paradigmáticas. Pela sua abrangência e pelo fato de retormar idéias e pesquisas de- senvolvidas pelos pesquisadores acima mencionados, o livro assume um caráter especial. Ele reúne o que estava disperso e lhe dá uma organicidade e uma racionalidade. Depois de um prólogo e uma introdução, o autor debruça-se sobre o seu objeto, abordado em duas partes. A primeira, com três capítulos, analisa a pesquisa da comunicação eclesial. Ela é importante, pois introduz o leitor nas tendências dos estudos eclesiais, com o papel da academia na pesquisa sobre o assunto e a busca das fontes da comunicação da Igreja. Nessa parte são traçadas as grandes linhas da comunicação da Igreja, bem como é esboçado o grande marco onde se inscreverá a segunda parte do trabalho. Esta buscará identificar pontos fortes da comunicação eclesial nas teses que sobre ela foram escritas. A obra se fecha com um epílogo que se abre para novos estudos e incentivos. Evidentemente, cada obra é reflexo de quem a realiza, com suas opções, sua visão de mundo e sua ideologia. Essa condição do autor deve ser respeitada por quem o avalia. Ao analista cabe, apenas, verifi- car a coerência e pertinência do estudo. Ora, o trabalho de Waldemar Kunsch é pertinente, coerente e, na provisoriedade do momento, com- pleto. Entretanto, também em nome da coerência, é justo que se faça um pequeno reparo ou, talvez, um reforço nos esclarecimentos que o próprio autor traz em diferentes passagens do livro. Há, neste, uma crítica velada às universidades católicas com pro- gramas de pós-graduação em Comunicação Social, de não terem ainda produzido trabalhos acadêmicos sobre a comunicação católica. Três são as instituições que entram em questão: a Pontifícia Universidade Cató- 164 • Comunicação e Sociedade 37
  • 9. lica de São Paulo, a Universidade do Vale do Rio dos Sinos e a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Ora, é preciso notar que as duas últimas só recentemente tiveram seus programas aprovados pela Capes e, concretamente em termos de doutorado, ape- nas agora estão começando a ter defesas de teses. Enquanto isso, a primeira já possui uma trajetória maior. Além disso, os temas de dissertações e teses não estão relacionados com a idade dos programas. Eles dependem das áreas de concentração e das linhas de pesquisa dos programas, por um lado, e da opção específica do candidato, por outro. No mais, é necessário que, nos respectivos pro- gramas, existam pesquisadores habilitados e dispostos a orientar projetos na área. No caso específico da Universidade Metodista de São Paulo e da Universidade de São Paulo, grande parte dos estudos deve-se ao incentivo e à orientação pessoal de José Marques de Melo, profundo conhecedor da comunicação católica. O mesmo se deve dizer de Ismar de Oliveira Soares. Não obstante, essa pequena chamada no sentido de uma precisão ainda maior, por parte de quem se sentiu de alguma forma atingido pela crítica, não prejudica nem invalida a qualidade da obra. Até mesmo porque, como o leitor poderá notar, o próprio autor também anotou essas ressalvas, de forma explícita e implícita. Falta, ainda, explicar o título dado a esta resenha. Obviamente, dizer que o verbo se faz palavra é uma tautologia. Entretanto, pode-se entender que o Verbo, com maiúscula, é a palavra divina, que, encarna- da na palavra eclesial e focalizada na palavra dos pesquisadores, é o ob- jeto da obra. Nesse caso, trata-se de uma tautologia plena de sentido. Uma nota, ainda, sobre o público a que se destina o livro. Este é suficientemente amplo para servir de base para o agir eclesial em co- municação e de fonte de referência para os diversos programas de pós- graduação em Comunicação Social do Brasil. Poderá contribuir também para o aprofundamento dos estudantes de graduação dos diversos cur- sos de comunicação. Pedro Gilberto Gomes Doutor em Comunicação pela ECA-USP, professor titular do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. 165
  • 10. O voto inteligente LIMA, Venício A. Mídia, teoria e política. São Paulo: Editora da Fun- dação Perseu Abramo, 2001. 365 p. Há um curso condensado que reflete sobre a propaganda polí- tica no Brasil, lançado recentemente por um dos mais expressivos pes- quisadores deste campo, Venício Artur de Lima. Sim, um curso, em for- mato de livro, porque o seu Mídia, teoria e política reúne algumas das mais expressivas contribuições do autor para pensar e planejar este campo instigante que emerge como possibilidade de estudo no Brasil. A primeira aula do curso é dada por Nita Freire, esposa de Paulo Freire, com quem Venício conviveu por vários períodos nas suas andanças entre o Brasil e o exterior. E como se apresentasse o autor a um grupo novo de alunos, entre outras considerações, afirmou que “se sentia feliz por apresentá-lo, para também testemunhar, como Paulo Freire, que, querendo um bem enorme a ele, o respeitou como intelec- tual e o quis como amigo dileto.” Passado certamente o impacto da apresentação, Venício vai descortinando aos seus prováveis alunos – leitores deste livro – as aulas que pretende dar no decorrer do curso e de que forma elas ga- nharão sentido de conjunto ao final. Apresenta na primeira aula uma discussão saudável e estimulante sobre a complexidade do campo da comunicação social à luz de algumas teorias, entre as quais o atualíssimo conceito de comunicação emitido por Paulo Freire. E pede de antemão que os alunos leiam o texto base da aula seguinte, onde traça os cenários da evolução da comunicação cono in- 166 • Comunicação e Sociedade 37
  • 11. dústria no Brasil, fala dos efeitos da globalização nas políticas públicas e as privatizações ocorridas entre 1995 e 1998 e coloca um aviso im- portante no pé da lousa virtual: o famoso Conselho Nacional das Co- municações, uma conquista do período da formulação da Constituinte na década de 1980, não saiu ainda do papel. Já na terceira aula, Venício fala com o coração daquilo de que mais gosta e que mais aprecia, a política e seus reflexos na mídia, des- tacando dois estudos que se tornaram clássicos e obrigatórios para to- dos os que partilham deste campo da propaganda política. Reapresenta o conceito de representação política, o CRP, conseguindo confirmar, com bases científicas sólidas, que algumas eleições são decididas antes, bem antes de o próprio eleitor ir às urnas; e confirma isso com outro estudo clássico, sobre a retomada das eleições diretas no Brasil, em 1989, ganhas por Fernando Collor de Melo, segundo Venício, seis meses antes do dia formal de votação. Na última aula, discute questões ligadas ao telejornalismo contem- porâneo, mostrando um estudo de caso sobre o DF-TV, em Brasília, além de um estudo comparado entre o Jornal Nacional e o Jornal da Record, para apontar tangenciamentos e discrepâncias entre eles. Antes de fechar o curso, Venício nos incentiva a pensar os paradigmas da comunicação no plano teórico, reflete sobre a conjuntura da mídia industrial, avança competentemente pela política e encerra com boas lições sobre o que dizem e o que deixam de dizer os mais representativos telejornais brasileiros contemporâneos, oferecendo mesmo parâmetros de pesquisa para quem quiser repetir a experiência em outros locais. Para aqueles alunos que sentirem vontade, necessidade e interesse de se aprofundar nas questões levantadas, Venício ainda oferece, no final do curso, 24 páginas de referências bibliográficas nacionais e internacionais contemporâneas para que seus leitores continuem a percorrer o roteiro que ele criteriosamente selecionou para ser publicado em livro. Que certamente pode/deve ser um bom roteiro para professores, pesquisadores, alunos de graduação e de pós-graduação, para que façam uma leitura agradável, com o necessário bom-senso pedagógico, capaz de entusiasmar quem pega o livro na primeira página e só o consegue largar na página 365. 167
  • 12. Trata-se de um livro que pode/deve virar um curso. Um livro para se ler, reler, guardar, consultar sempre, estudar, refletir sobre seu conteúdo.Um livro que fala sobre histórias deste Brasil a partir do olhar atento e da informação precisa de seu autor, que, entre outras qualida- des, possui uma incomum: foi escolhido para ser um dos amigos diletos de Paulo Freire, um pensador cujas contribuições à superação das de- sigualdades sociais no Brasil e no mundo são insubsitituíveis. Mais ou menos como as contribuições que Venício oferece ago- ra aos seus amigos, ex-alunos e sempre discípulos. Adolpho Queiroz Doutor em Comunicação Social, professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Umesp, editor da revista Comunicação & Sociedade. 168 • Comunicação e Sociedade 37
  • 13. Comunicação e folclore: resgate e atualização de Luiz Beltrão MARQUES DE MELO, José (Org.). Mídia e folclore: o estudo da folkcomunicação segundo Luiz Beltrão. Maringá / São Bernardo do Campo: Faculdades Maringá / Cátedra Unesco-Umesp, 2001. 232 p. Mídia e folclore é mais uma contribuição acadêmica para o resgate e a atualização da teoria da folkcomunicação de Luiz Beltrão, resultado da iniciativa do titular da Cátedra Unesco-Umesp de Comunicação para o Desenvolvimento Regional, José Marques de Melo. A coletânea reúne textos de diferentes autores e de épocas diversificadas. Além do próprio organizador da coletânea, outros pesquisadores que há tempos se de- têm no exame das idéias de Beltrão também foram convidados para compor essa nova obra de retomada dos estudos folkcomunicacionais. Entre eles destacam-se Roberto Benjamin, Osvaldo Trigueiro e Joseph Luyten. Os textos de todos eles compõem a primeira parte do livro, intitulada “O campo da Folkcomunicação”, uma espécie de introdução à segunda parte, que apresenta uma dúzia de textos escritos pelo pró- prio Luiz Beltrão. Na primeira parte, os autores demonstram profundo conhecimento da vida e obra de Beltrão, oferecendo explicações que ajudam a situar o leitor no universo das pesquisas sobre folkcomunicação e, em especial sobre a trajetória de Beltrão. Um exemplo é o texto de José Marques de Melo, “Folkcomunicação: a comunicação do povo”, em que o autor vai além da biografia e da história de vida de Beltrão e de fontes documen- tais deixadas pelo próprio pioneiro do estudo da folkcomunicação no Brasil, para explicar o porquê da existência de duas vertentes aparente- mente antagônicas no pensamento de Beltrão: o estudo sistemático sobre 169
  • 14. a produção do discurso jornalístico (considerado na época um produto da cultura burguesa) e as análises sobre a comunicação popular, aquela que resultou da marginalização social, política, econômica e cultural da população rural e das periferias urbanas. A que se deve esse “segundo fio da sua obra acadêmica”?, indaga Melo. E aí nos deparamos com os argumentos de que a explicação pes- soal de Luiz Beltrão para seu interesse pela folkcomunicação tem origem na sua atividade profissional como repórter, ou seja, a segunda vertente de seu pensamento seria conseqüência da primeira. Isso porque, em sua rotina de reportagem, teve que cobrir fatos cujos protagonistas foram, na maioria das vezes, pais de famílias pobres ou desempregados, conduzidos ao crime para dar sustento aos filhos, além de mulheres que, pelas cir- cunstâncias sócio-econômicas, não tiveram outra alternativa senão a pros- tituição, sem contar com crianças abandonadas que “aprenderam nas ruas a defender-se contra uma ordem social injusta e desumana” (p. 27). Entretanto, na visão de Melo, essa explicação, mesmo tendo sido construída pelo próprio Luiz Beltrão, não é suficiente para entender seu interesse pelo campo da Folkcomunicação. E aqui nos deparamos com uma forma de análise original e consistente, que demonstra pleno conhe- cimento da biografia e das idéias de Beltrão, bem como domínio do método biográfico (lembra o estudo de Norbert Elias sobre a vida e obra de Mozart e as condições de produção do campo cultural de sua época). Vale a pena transcrever os argumentos de Melo acerca da questão: Aprofundando a análise da biografia de Luiz Beltrão, vamos iden- tificar certos traços que, se foram decisivos, exerceram forte impacto para sua dedicação ao estudo da comunicação do povo. Sua velha amizade com o líder socialista Francisco Julião, patrono das Ligas Camponesas no Nordeste, certamente o afetou naquela inclinação in- telectual. Seu convívio (hoje interrompido) com o líder comunista pernambucano Paulo Cavalcanti, ele próprio um apaixonado pelo cordel de época, inegavelmente exerceu alguma influência. Sua participação ativa na vida do sindicato dos jornalistas, de que aliás foi presidente mais de uma vez, e sua militância na federação nacional da categoria o conduziram a ter mais claro o antagonismo entre patrões e empregados na sociedade de classe (p. 27). 170 • Comunicação e Sociedade 37
  • 15. Ainda na primeira parte, cabe mencionar três textos de Roberto Benjamin que se voltam para a aplicação e atualização das idéias de Beltrão em processos e contextos comunicacionais específicos, desta- cando os veículos de manifestação da cultura popular; os novos espa- ços, fluxos e abrangências da folkcomunicação e os estudos de narra- tivas populares que o autor denomina de “folk-medias”. No primeiro caso, Benjamin parte da premissa de que todas as sociedades tradicionais encontram alternativas e formas específicas de comunicação que preenchem as funções exercidas pelos meios de co- municação convencionais das sociedades urbanas e industriais. Nas co- munidades que ficam à margem do desenvolvimento econômico, urba- no e tecnológico, “os canais populares atuam como intermediários entre as elites e as massas, retransmitindo as mensagens, depois de elabora- das” (p.19). Com essa premissa, o autor resgata a origem histórica do conceito de folkcomunicação desenvolvido por Beltrão, cuja matriz foram os estudos a respeito da comunicação em múltiplas etapas de Lazarsfeld, com destaque para o papel desempenhado pelos líderes de opinião e pelo contexto comunitário, com ênfase para comunicação interpessoal e as influências dos grupos sociais primários e secundários. No segundo caso, Benjamin analisa as manifestações folkcomunicaionais e sua relação com a cultura de massa, destacando que, no contexto atual, a comunicação popular não se restringe mais a formas de comunicação que ficam à margem da mídia. O que ocorre atualmente são modos de apropriação de tecnologias da comunicação de massas e o uso dos canais massivos por agentes da cultura folk e apropriação de elementos dessa cultura pela indústria cultural. Essa concepção do autor é complementada em seu terceiro texto “As narra- tivas populares como folk-media”, no qual ele analisa a cantoria, o cordel, os folguedos, o bumba-meu-boi e o mamulengo. A segunda parte do livro, como já assinalamos, apresenta doze textos escritos pelo próprio Luiz Beltrão. São artigos sobre teoria e metodologia da folkcomunicação, além de estudos de casos em que o autor aplica seus pressupostos teóricos e sua proposta metodológica. Com o primeiro aspecto relacionam-se oito textos: (1) teoria da folkcomunicação: os agentes folclóricos como líderes de opinião; (2) 171
  • 16. mediações comunicacionais: relações entre mídia e folclore; (3) comu- nicação popular e região no Brasil; (4) o folclore como discurso; (5) o sistema da folkcomunicação; (6) a pesquisa da folkcomunicação; (7) o interesse pela folkcomunicação; (8) a folkcomunicação não é uma co- municação classista. Como podemos perceber, trata-se de um amplo leque de pesqui- sas com um enfoque igualmente diversificado, que inclui o estudo dos efeitos; do processo folkcomunicacional; de seus agentes, mediações e intermediações; de aspectos históricos, sociais e culturais; de relações interpessoais; movimentos cívicos, políticos, religiosos e festas popula- res. Tudo isso com a preocupação de entender o contexto teórico, aca- dêmico e cultural em termos gerais, mas com os olhos voltados para as raízes brasileiras, com suas complementações e antagonismos regionais. Luiz Beltrão já seguia o chamado “modo de pensar global e agir local”, ou seja, seu pensamento já se mostrava com “antena” e “raízes”. Um exemplo claro disso é o texto “Comunicação popular e região no Brasil”, o qual é aberto com a seguinte frase: “não há melhor labo- ratório para a observação do fenômeno comunicacional do que a re- gião” (p.153), considerada por ele ao mesmo tempo palco e ator da co- municação e das diversas manifestações da cultura popular, que envol- vem um processo complexo de intercâmbio “de idéias, informações e sentimentos”, mediante a utilização de linguagens verbais e não-verbais e de “canais naturais e artificiais empregados para a obtenção daquela soma de conhecimentos e experiências necessárias à promoção da convivência ordenada e do bem-estar coletivo” (p.153). É com base nesses pressupostos, aqui apresentados de forma pa- norâmica e sintética, que Beltrão realiza os quatro estudos monográficos incluídos na coletânea em apreciação, sobre casos específicos de manifes- tações folkcomunicaionais: (1) O ex-voto como veículo jornalístico; (2) Almanaque de cordel: veículo de informação e educação do povo; (3) Videntes & volantes; (4) As piedosas recordações. São estudos que mesclam descrição e análise de forma hábil e cri- ativa. Ele se detém em todas as minúcias de códigos, mensagens e especificidades comunicacionais, destacando sempre a força do sentido instaurado pelo verbal e o não-verbal. Concentra-se na descrição deta- 172 • Comunicação e Sociedade 37
  • 17. lhada dos objetos, entendendo-os como elementos de comunicação ou “transobjetos”, como no caso dos ex-votos, peças em madeira, cerâmi- ca, tecido, cera, papel, fita, linha, cordão, papelão, cartolina, chifre, gesso, pedra-sabão, coco e até plásticos. São “transobjetos” porque transcendem a sua própria condição material e adquirem um valor sim- bólico, que comunica idéias, valores e conceitos por meio das formas, cores e outros elementos que oferecem a chave para “decodificarmos as mensagens contidas nas peças expostas no altar ou nas paredes do centro devocional” (p. 212). Ao descrever de forma tão minuciosa esses elementos folkcomunicacionais, Beltrão consegue, ao mesmo tempo, realizar pro- fundos exercícios de análise funcional e cultural, a exemplo da pesquisa sobre os almanaques de cordel e sobre os elementos sincréticos presen- tes nas ciências ocultas e na piedade popular. O cordel, por exemplo, é associado a manifestações culturais típicas do Nordeste brasileiro e do imaginário de sua população, sobretudo do semi-árido: a seca, a chuva, os rios, os brejos, a cultura do algodão, do milho, da mamona etc. É uma forma de comunicação que, como ele mesmo destaca, inteligente- mente, “inseria as mais curiosas e estranhas informações para a vida diária do matuto” (p. 216). O mesmo ocorre com as ciências ocultas e a piedade popular. Suas mensagens são sempre voltadas para o universo do cotidiano do receptor, tendo como eixo quase sempre desejos materiais: cura, fortuna, fartura, casamentos, felicidade, paz, saúde. A esperança é o capital simbólico por excelência dos ex-votos, do cordel, do ocultismo e da piedade popular nos processos folkcomunicacionais analisados por Beltrão. No estudo sobre “Videntes e volantes” chama atenção a pesquisa de campo que ele realizou em Brasília, considerada por ele uma cidade em que proliferam de forma gigantesca os “vendedores de ilusão”, sobretudo nas chamadas cidades- satélites, para os migrantes sem referências culturais, recém-chegados das mais diversas regiões do País, à procura de emprego. Mas, observa Beltrão, as videntes estão presentes em todas as regiões do Brasil: “indo e vindo, espraiando-se como ondas do oceano sobre as areias, as viden- tes estão, como citamos, no Recife e em Porto Alegre, e também em Sergipe...” (p. 228). 173
  • 18. O texto que fecha a coletânea, voltado para a análise das “piedosas recordações”, analisa as mensagens impressas distribuídas a familiares e amigos de pessoas falecidas, um rico material de pesquisa folkcomunicacional na visão de Beltrão, pela presença das gravuras reli- giosas (Jesus coroado de espinhos; a agonia no Horto das Oliveiras; a morte na cruz; a ressurreição; e a imagem de santos como a Virgem Maria, São José, Santo Antonio, etc.). Além disso, ele destaca ainda as mensagens impressas que misturam o sagrado e o profano, com a mescla de trechos bíblicos e declarações de afeto de familiares e parentes ou ain- da epítetos do tipo “piedosa recordação de Fulano”; “ao esposo, ao pai, ao amigo de todas as horas nossa homenagem de permanente amor e saudade”. São veículos que comunicam a esperança e transformam a dor em mensagem lúdica e solidária, em união e confraternização fúnebre. Enfim, os textos selecionados oferecem uma amostra da concep- ção teórica, metodológica e empírica do pioneiro dos estudos folkcomunicacionais no Brasil, contribuindo não só para divulgar suas idéias e as de seus estudiosos da atualidade, mas talvez para inspirar novos e possíveis aventureiros na pesquisa em comunicação e cultura nas mais diversificadas regiões do Brasil, com todas as suas diversidades e complexidades. Antonio Teixeira de Barros Doutor em Sociologia e mestre em Comunicação, professor do Curso de Comunicação do UniCeub, pesquisador-associado do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UnB. 174 • Comunicação e Sociedade 37
  • 19. Voces y participación ciudadana CAMACHO, Carlos. Las radios populares en la construcción de la ciudadanía: ensñanzas de la experiencia de Erbol en Bolivia. La Paz: Centro Interdisciplinario Boliviano de Estudios de la Comunicación, 2001. 276 p. El particular interés por lo que la comunicación, la cultura y la política suponen a la luz de las reflexiones teóricas de Jesús Martín- Barbero, desde su resonancia en la floreciente concepción de los medios de comunicación masiva como agentes mediadores en la construcción de ciudadanías, encuentra en la reciente obra del boliviano Carlos A. Camacho Azurduy un vivificante punto de referencia. El libro, titulado Las radios populares en la construcción de ciudadanías. enseñanzas de la experiencia de Erbol en Bolivia, trabaja sobre la base de un estudio originalmente presentado por su autor como tesis de maestría en Comunicación y Desarrollo en la Universidad Andina Simón Bolívar (UASB) – Oficina La Paz El autor, como una palmaria muestra de que la pasión temática y la rigurosidad metodológica no son incompatibles, aborda el rol de las radioemisoras populares de la Asociación de Educación Radiofónica de Bolivia (Erbol) como espacios públicos gestores de ciudadanía en lo local a partir de diversos ámbitos comu- nicativos complementarios, a saber, el discurso radiofónico, la oferta in- formativa noticiosa, la incidencia de la opinión pública y la generación de participación radial entre los oyentes. De esta forma, el trabajo de Camacho, a tiempo de inscribirse en el concierto reflexivo en torno a la re-definición de los medios de comunicación en contextos democrá- 175
  • 20. ticos, provee de adecuados insumos teórico-empíricos al hasta hace algunos años en Latinoamérica intransitado campo de la comunicación y la construcción de ciudadanías. Para su consideración pública, la investigación fue estructurada en tres partes. La primera, compuesta por tres capítulos, formaliza un in- tento de análisis de las corrientes teóricas contemporáneas acerca de la ciudadanía y sus repercusiones en el área del desarrollo y la educación ciudadana desde una óptica crítica de la modernidad, así como de sus influjos terminales en Bolivia a partir de una lectura histórica de agen- das públicas de participación popular y de potenciación de ciudadanías en contextos democráticos. La segunda, integrada por los capítulos cuarto y quinto, concentra un interés por precisar conceptualmente el sentido actual de radio(s) popular(es) y, complementariamente, analizar los ámbitos en los que las mismas plasman su cotidiana acción comu- nicativa. La última parte, cuya conformación completa los diez capítulos del libro, da cuenta de un examen de la mencionada asociación desde la perspectiva de su labor de comunicación educativa para el desarrollo como motor de mediación en la estructuración de identidades de correlación en espacios públicos. Así estructurada, la producción comentada traza en sus más de 270 páginas marcadas pautas teóricas y metodológicas para el acercamiento integral al proceso de comunicación radiofónica: por un lado, retrata la especificidad de la alteridad conjugada entre y por la tríada emisor-mensaje-receptor y, por otro, des-cubre las interacciones profundas que, en la lógica de la tarea educativa desplegada por una docena de radios consignadas en el estudio, se consuman y reproducen ininterrumpidamente dentro del proceso comunicativo. En esa medida, el trabajo de Camacho se arroga, además de la re-producción de las mediaciones implicadas en la red de la construcción radiofónica de ciudadanías, el destaque y proyección de nuevas estéticas y rutinas de producción emisivas. Destácase asimismo en la obra de Camacho la utilización, en combinación con la encuesta y el análisis de discurso, del debate grupal en el tratamiento técnico-cualitativo del polo emisor de las radioestaciones afiliadas a la Asociación objeto de estudio, de suyo 176 • Comunicação e Sociedade 37
  • 21. precipitadora de relevancia empírica al tratarse de una institución reconocida mundialmente por sus más de tres décadas de trayectoria en el campo de la comunicación educativa. Publicado con el respaldo institucional de la UASB - Oficina La Paz en co-edición con The Freedom Forum, Erbol y MKT - Marketing S.R.L., el libro representa, pues, una fructífera contribución interdisciplinaria al debate acerca del papel que cumplen en Latinoamérica los medios de comunicación en la construcción de ciudadanías a partir de un atento análisis de lo hecho en Bolivia entre agosto y octubre de 1999 por un reconocido grupo de radios populares. Oscar José Meneses Barrancos Investigador y coordinador de Difusión del Centro Interdisciplinario Boliviano de Estudios de La Comunicación 177
  • 22. Televisão e identidade cultural: como os sul-rio-grandenses se tornam gaúchos JACKS, Nilda. Querência: cultura regional como mediação simbólica. Porto Alegre: Editora da UFRGS. 286 p. Estar na contramão de certos pontos de vista como, por exemplo, o da “desterritorialização da cultura”, é uma das qualidades do livro de Nilda Jacks, porque consegue reacender o debate generalizante que se configura em torno do tema. Aliás, os percursos da pesquisadora por São Paulo, México, Dinamarca ou Porto Alegre têm sido uma referência para a investigação de uma complicada tríade: cultura, identidade e televisão. Querência: cultura regional como mediação simbólica – originalmente sua tese de doutorado, defendida em 1993 na Escola de Comunicações e Artes – explora empiricamente os vínculos entre os três termos ao des- crever e interpretar o papel da televisão na construção de um imaginá- rio regional que propaga valores, práticas e costumes nos quais os gaú- chos se reconhecem. E, contemplando imagens de si mesmos, negoci- ando-as nos diferentes cenários onde transitam, eles se tornam gaúchos. O livro trata, portanto, da complexidade que é a constituição social dos sujeitos e de suas ações no mundo contemporâneo. Logo no primeiro capítulo, o quadro teórico não só focaliza as pesquisas de recepção no amplo debate sobre as relações entre comu- nicação e cultura, a partir de autores tais como Martín-Barbero, García Canclini, Renato Ortiz e Guillermo Orozco, como também nos lembra o quanto elas podem representar uma real inovação para as tendências teórico-metodológicas da pesquisa em Comunicação. O cerne dessa aventura é evidenciar a constituição da identidade cultural – pelos meios de comunicação e para além deles – e a forma com que as pessoas se apropriam de uma cultura fortemente institu- cionalizada (pelos Centros de Tradições Gaúchas, pelo Estado, pela 178 • Comunicação e Sociedade 37
  • 23. escola e pela família) como a cultura regional. A hipótese que norteia o trabalho é a de que a cultura gaúcha constitui a audiência e contribui para relativizar o efeito das mensagens televisivas. Sob o ponto de vista da produção, o papel dos meios de comunica- ção nesse processo é comprovado com inúmeros exemplos de matérias, charges e editoriais publicados em jornais, programação estadual e local de emissoras de rádio e televisão, anúncios publicitários e propagandas, além de campanhas institucionais e projetos de caráter comunitário, histórico etc. Em relação à recepção da tevê, a autora realiza uma pesquisa qualitativa com famílias de estratos socioeconômicos baixo, médio e alto, que abrange três fases distintas e utiliza técnicas como o formulário, a entrevista em profundidade e a etnografia do espaço doméstico. A interação dos receptores gaúchos com a televisão, no caso, a RBS TV - Santa Maria – uma das emissoras da Rede Brasil Sul de Co- municação, que, por sua vez, apresenta o maior índice de programação local dentre as afiliadas da Globo –, é descrita num contexto que con- sidera: os hábitos e as rotinas no meio urbano, com especial referência ao ambiente familiar e aos principais indicadores dos vínculos com a cultura gaúcha como os hábitos de tomar chimarrão e comer churrasco, freqüentar ou não o Centro de Tradições Gaúchas (CTG), usar o linguajar característico e aderir a certos valores. A estratégia da autora é estudar a recepção da “telenovela das oito” (Pedra sobre pedra, 1992, Rede Globo), explicitando os múltiplos fa- tores ou mediações a condicionar a relação entre “texto” e receptor. Entende-se por mediações “o conjunto de elementos que intervêm na estruturação, organização e reorganização da percepção da realidade em que está inserido o receptor” (p. 48). A análise da recepção da novela consiste em captar a mediação da identidade regional, por intermédio dos três traços básicos que o grupo de entrevistados usa para caracterizá-la, a saber, tradição, distinção e território. Isto é, ela eviden- cia o sentido que os receptores constroem a partir destes referenciais e, além, disso, tenta estabelecer uma conexão entre as falas dos entre- vistados e o universo cultural regional. Pode-se ressaltar duas conclusões do estudo acerca das relações entre tevê e cultura: a) a televisão, entre todas as mediações analisadas, têm um papel decisivo no reforço da identidade gaúcha; b) “” identi- 179
  • 24. dade cultural borra as diferenças de classe, sexo, idade em situações em que estão em jogo aspectos que historicizam a inserção do receptor, como é o caso dos receptores gaúchos” (p. 256). O enfoque de Nilda Jacks se afasta daquelas pesquisas de recepção que tentam comprovar a capacidade da audiência em resistir à ideologia dominante, mostrando a importância dos meios de comunicação de massa no Rio Grande do Sul para a produção e reprodução de uma imagem de gaúcho com grande “dose de positividade”. Querência enfatiza o poder da mídia sem diminuir a autonomia relativa da audiência. O trabalho, por outro lado, sugere uma série de questões que de- vem se levadas em conta neste tipo de investigação, das quais aponta- remos duas. Uma delas é a de que a telenovela, segundo o argumento da autora, seria um texto exemplar para o estudo da relação entre re- cepção e cultura, pois o gênero trabalha diretamente com o imaginário cultural do telespectador e oferece um campo crucial para a introdução de hábitos e valores. Sem dúvida, este é um argumento que pode vir a ser explorado empiricamente em pesquisas futuras, pois aguça nossa curiosidade em sabermos se realmente haveria diferenças em usar como “pretexto” outros gêneros televisuais como o telejornal, por exemplo, ou simplesmente, optar por considerar os programas televisivos de preferência da audiência. Neste último caso, os autores que defendem esse ponto de vista o fazem com base na idéia de que as pessoas vêem televisão e não um programa específico e é justamente o fluxo televisual que faz sentido para o receptor. A outra questão diz respeito a um problema metodológico, já le- vantado por Maria Immacolata Vassallo de Lopes em uma análise das pesquisas em comunicação: o seu caráter descritivo e a necessidade de uma interpretação ou explicação do fenônemo estudado. Com seu tra- balho, Nilda Jacks nos mostra que é preciso arriscar um pouco e apos- tar numa hierarquia entre todas as mediações que interagem no proces- so de ver, usar e interpretar a televisão. A ousadia da autora nos poupa de saber o que já sabemos: o processo de recepção é complexo, pois nele intervêm inúmeros fatores. Veneza Mayora Ronsini Doutora em Sociologia pela USP, com bolsa-sanduíche na University of California, professora da Universidade Federal de Santa Maria (RS). 180 • Comunicação e Sociedade 37
  • 25. As indústrias do conteúdo e a ordem informacional MIÈGE, Bernard. Les industries du contenu face à l’ordre informationnel. Grenoble: Presses Universitaires, 2000. “O futuro das indústrias do conteúdo é dependente das técnicas da informação e da comunicação (TIC), de quem elas constituirão um componente essencial e onde representam a principal fonte de valor.” A partir dessa idéia-chave, Bernard Miège, em sua obra Les industries du contenu face à l`ordre informationnel, procede sucessivamente ao estudo da passagem da indústria cultural (no singular) às indústrias culturais (no plural); à análise da confrontação entre as indústrias culturais e as mídias de massa; e ao exame da formação (sempre em curso) das in- dústrias do conteúdo. Essas indústrias foram formadas, não sem conflitos, a partir de formas artesanais ou a partir dos espetáculos ao vivo, e em correspon- dência com os valores sociais e culturais inerentes à cultura e à infor- mação. Essa história os marcou profundamente e – esta é uma das conclusões do autor – não está próxima de se apagar; suas lógicas próprias carregarão suas características ainda por muito tempo. Por isso, o professor de Ciências da Comunicação da Universidade Stendhal (Grenoble 3) propõe ao leitor começar não por uma projeção dessas indústrias na modernidade, mas por um retorno sobre as condições que presidiram sua emergência e, depois, seu desenvolvimento. A preocu- pação do autor não é de ordem histórica; ele pretende sobretudo co- locar em evidência a origem das “formas” que serão progressivamente impostas e que têm todas as chances de perdurar, “apesar do que pensa 181
  • 26. a maior parte dos especialistas da tecnologia, para quem o avanço das TIC procede sempre da ‘tabula rasa’”. Para realizar seu intento, Miège utilizou as metodologias da soci- ologia e da economia adaptadas ao campo da Comunicação e a suas lógicas próprias. O livro, dirigido tanto aos estudantes como aos pes- quisadores, faz referência aos textos consagrados a esta temática, artigos e obras publicadas pelo autor ao longo do último quarto do século que passou. Dessa maneira, o leitor que se interessa pelo assunto pode ter acesso a textos hoje dificilmente acessíveis e aprofundar suas análises em função das mudanças contextuais. Miège justifica o emprego da expressão ordre de l’information, apre- sentada no subtítulo da obra, pelo fato de que o paradigma da info-co- municação está cada vez mais presente no seio de todas as atividades humanas, da produção ao consumo dos mercados, em todas as instâncias da mediação e de reprodução sociais e mesmo na esfera privada. “A força desse paradigma é de impor uma ordem à mudança social e mesmo de impulsionar muito eficazmente a formação de ‘riquezas’ sociais, sem portanto pôr em causa os fundamentos e a natureza das lógicas sociais dominantes, sem mesmo impor um modo de desenvolvimento diferente desse que acompanha o capitalismo dos monopólios”. A partir da análise das idéias de autores, sobretudo europeus e canadenses, produzidas nas décadas de 1970-1980, foram apresentados os elementos disseminados de uma teoria das indústrias culturais. Segun- do Nicholas Garnham, as características específicas dos mercados cultu- rais seriam as seguintes: 1. cada produto cultural é um protótipo, o aproveitamento depende da reprodução e da distribuição; 2. a demanda é grandemente elástica, de sorte que é impossível prever o que se tornará um sucesso ou um fracasso; 3. os produtos culturais não são destruídos no processo de consumo, o que conduz, em certas condições, os produ- tores e distribuidores a estratégias de penúria relativa de oferta. Jean-Guy Lacroix, pesquisador canadense, lança as bases de uma teoria das indústrias culturais, que ele situa expressamente como origi- nária da Teoria Crítica, em que essas indústrias participam ativamente da reprodução social. Essa filiação com a Escola de Frankfurt chega até este autor pela obra de pesquisadores como Armand e Michèle 182 • Comunicação e Sociedade 37
  • 27. Mattelart. Lacroix dirige sua atenção à questão do trabalho cultural e, particularmente, à sua desvalorização. As indústrias culturais são já antigas, mas na Europa o seu cres- cimento se tornou regular depois da década de 1970, quando da reestruturação das economias e da valorização das atividades sociais pouco industrializadas como solução de problemas sócio-econômicos. As indústrias culturais emergentes todas funcionaram segundo o modelo editorial, que se caracteriza pelo pagamento quotidiano do leitor ou por assinatura. O modelo editorial apareceu com a edição de livros a partir do momento em que foi organizado sob a forma industrial e abandonou a produção artesanal, cujo primeiro mestre foi Gutenberg, e foi estendida à música gravada e depois, sob formas específicas, ao cinema. O modelo de “flot”, em que os recursos publicitários ou os provenientes de anún- cios constituem a contrapartida financeira da venda do “leitorado” aos anunciantes, emerge com as primeiras estações de rádio na década de 1920 e se desenvolve com as estações de televisão generalistas. Paralelamente, a imprensa comercial de massa desenvolveu-se rapi- damente a partir da segunda metade do século XIX, seguindo seu próprio modelo de produção, constituído de características do modelo editorial e do modelo de “flot”, na origem de um “segundo mercado” da imprensa. A década de 1980 viu o poder do modelo de “flot” e sua domi- nação sobre as indústrias culturais; estas conheceram sua expansão, obtida sob o controle dos mídias audiovisuais dominantes. “Nessas condições, não é espantoso que a aproximação mais habitual é feita geralmente em relação com o desenvolvimento dos mídias; e isto se nota tanto nas re- flexões de ordem econômica quanto na tomada de decisões das políticas públicas”, afirma Miège, novamente reforçando o pensamento-chave da obra. “A idéia, de aparência sedutora, de que os produtos das indústrias culturais clássicas (imprensa, rádio, cinema, edição de livros, discos) te- riam chegado ao fim de seu ciclo de vida, não se encontrou confirmada na década de 1990”. A explicação vem, sobretudo, do ponto de vista do autor, de que elas não seriam apreendidas como fileiras unificadas; elas estão em perpétua evolução. Contudo, o autor anuncia uma crise de criatividade de novas formas, o que leva a reconhecer que, contrariamente a uma análise convencional de inovação, os serviços industrializados não 183
  • 28. seguem mais o processo anteriormente admitido segundo o qual a ino- vação repousava sobre uma base técnica. A partir dessas reflexões, Miège levanta a hipótese de que a re- novação e a extensão das modalidades de industrialização da informa- ção e da cultura acompanha mudanças estruturais significativas das in- dústrias da informação e da cultura. “O crescimento das modalidades, tornado possível pela extensão das TIC, e a mobilização dos conteúdos informacionais e culturais pelo conjunto do setor da comunicação, em vista do sucesso de seus programas industriais, coexistem com a apa- rição de novas indústrias da informação e da cultura. A emergência das indústrias do conteúdo deve ser encarada como uma das tendências marcantes das sociedades contemporâneas”. Miège apresenta, então, as principais tendências das indústrias do conteúdo: • A individualização das práticas e a extensão do pagamento pelos consumidores (as práticas individuais – tevê por assinatura – são acei- tas mais facilmente como relevantes pelo mercado que as práticas mais socializadas – tevê generalista); • A tendência à desmaterialização dos suportes (os suportes indi- viduais sobre os quais são feitas as produções culturais ou informacionais serão substituídas pelo on line); • O crescimento dos mercados consumidores (a extensão do con- sumo requer tempo e longas campanhas de promoção comercial). Essas tendências estão acompanhadas de mutações correlatas, tais como: o caráter estratégico da difusão dos produtos; • A composição do capitalismo midiático (o oligopólio global das mídias evoluirá gradualmente ao longo das próximas décadas em um oligopólio muito maior dos grupos de comunicação. O objetivo funda- mental das futuras fusões e aquisições é o controle da transmissão de três produtos de base das telecomunicações: a voz, os dados e o vídeo- imagem. O capitalismo midiático, sob a influência do liberalismo eco- nômico, é considerado por alguns autores como um perigo para o libe- ralismo político); • Convergência e competitividade (a convergência entre telecomu- nicações, informática e audiovisual deve ser apreendida como uma “construção social”; a convergência não é um dado, resultado de um 184 • Comunicação e Sociedade 37
  • 29. processo irreversível. “Somente a possibilidade de numerizar voz, dados e imagens não conduz necessariamente e inevitavelmente à convergên- cia dos sistemas de comunicação. Ela se apresenta muito mais como uma construção social cujos contornos resultam de pressões ligadas às lógicas socioeconômicas dominantes e da ação mais ou menos eficaz de diversos grupos sociais. De fato, ela não se realizará no mesmo ritmo e não tomará necessariamente as mesmas formas que nos diversos contextos nacionais e regionais”); • A multimídia: a inovação diferenciada (a coexistência de som, imagem e dados num mesmo suporte faz entrever possibilidades con- sideráveis de renovação e mesmo de revolução das formas dos produ- tos de ficção ou informação). Diante dessa perspectiva, o autor conclui que as indústrias da cul- tura e da informação manterão os traços dos três períodos que emer- giram sucessivamente (lógica editorial, modelo de “flot” e lógica da in- formação escrita). “O fim das indústrias culturais não está programado, e seu conjunto está cada vez mais sob a influência dos métodos de pro- moção comercial; a importância da difusão dos produtos é cada vez maior; os debates de idéias e os conflitos de interesse vão se multipli- car, mas não sem obscuridades nem equívocos”. As indústrias do conteúdo possuem um valor emblemático nas sociedades e economias contemporâneas. “O seu avanço pode ser in- terpretado como um movimento dialético complexo incluindo simulta- neamente 1. a integração das atividades culturais e comunicacionais no espaço mercadológico e industrial; 2. a redefinição de normas de pro- dução resultantes desta integração; 3. a extensão das características do setor cultural no conjunto da produção econômica; e 4. uma diluição concomitante de sua especificidade e sua densidade nos campos da cul- tura e da comunicação”. Miège termina a obra incitando o leitor ao debate: o fato é que os estudos e as discussões sobre esse tema apenas começaram e “as oca- siões de questionar e criticar as indústrias do conteúdo certamente não irão faltar”. Karina Medeiros de Lima Jornalista, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Umesp. 185
  • 30. Livro para ninguém? MARQUES DE MELO, José; DUARTE, Jorge A. Menna (Orgs.). Memória das ciências da comunicação no Brasil: os grupos do cen- tro-oeste. Brasília: UniCeub, 2001. 352 p. Creio inexistir, Brasil afora ou adentro, o leitor ou a leitora que este Memória das ciências da comunicação no Brasil: os grupos do centro-oeste está pedindo. Isto não é só uma boutade para nariz-de-cera de resenha. Or- ganizado por José Marques de Melo e Jorge Antonio Menna Duarte, com edição conjunta do Centro Universitário de Brasília (UniCeub) e da Cátedra Unesco-Umesp de Comunicação para o Desenvolvimento Regional, o livro pede uma abordagem de conjunto difícil de realizar. Integrando projeto de mapeamento das Ciências da Comunicação na América Latina, esta obra vem a lume depois dos tomos dedicados aos pesquisadores gaúchos e ao chamado Grupo de São Bernardo do Campo. Ela contém perfis biobibliográficos de 21 pesquisadores do Distrito Federal, de dois de Goiás e de dois de Mato Grosso do Sul. Além disso, um artigo, de Elen Geraldes, focaliza especificamente a experiência de pós-graduação da Faculdade de Comunicação da Univer- sidade de Brasília e outro, de Sonia Zaramella, faz uma apresentação dos interesses e das atividades de pesquisa de dezoito professores da Universidade Federal de Mato Grosso. Já desaparecidos, Pompeu de Sousa, Heinz Forthmann, Luiz Fon- seca e Luiz Beltrão têm sua trajetória intelectual recuperada e relatada em artigos de Verenilde Pereira, Duda Bentes, Cyro Mascarenhas Rodrigues e Jorge Duarte, respectivamente. Professor do UniCeub e campeão na orientação de trabalhos de iniciação científica premiados nos congressos da Intercom - Sociedade Brasileira de Estudos 186 • Comunicação e Sociedade 37
  • 31. Interdisciplinares da Comunicação, Antonio Teixeira de Barros aparece no livro tanto como “perfilado” (por Ilana Trombcka) quanto como autor do perfil de José Salomão David Amorim, um dos decanos da pesquisa em Comunicação no País. Juntamente com Salomão Amorim, Carlos Chagas, José Luiz Braga, Luiz Martins, Luiz Gonzaga Motta, Marco Antonio Rodrigues Dias, Milton Cabral Viana, Murilo César Ramos, Sérgio Dayrell Porto e Venício Artur de Lima estão entre os pesquisadores que ensinaram ou ensinam na Faculdade de Comunicação da UnB. O nome de Thereza Negrão figura solitário, de certa forma, como que a representar as con- tribuições à reflexão sobre comunicação aportadas por pesquisadores de outros departamentos, no caso, de História. A maior parte dos pesquisadores selecionados construiu sua repu- tação nas universidades públicas, mas o livro se abre também a nomes como Beth Brandão, Samir Suaiden e Newton Quirino, que, como Beltrão, no passado, e Barros, no presente, atuaram e atuam em institui- ções de ensino privadas. Segundo Jorge Duarte, “a seleção apresentada nesta publicação pode denunciar esquecimentos, fragilidades, falhas, mas (...), ainda que caracterizada como preliminar, torna-se um importante documento para a construção de nossa memória e para se conhecer um pouco da pesquisa realizada na Região Centro-Oeste” (p.14). Certamente um interesse maior do livro tem a ver com a dinâmica da construção de idéias e referências, cujo pano de fundo é, sempre, nem mais nem menos, a experiência de Brasil dada a viver àqueles que o “ex- perimentam” do ângulo da reflexão sobre a comunicação. A propósito, leiam-se, em especial, os textos que Ana Lucia Novelli, Iluska Coutinho, João Carlos Picolin e Sayonara Leal dedicaram, respectivamente, a Beth Brandão, Murilo César Ramos, Venício Artur de Lima e Luís Martins. Colega, na graduação ou no mestrado, de dois dos 21 pesquisa- dores que tiveram seus perfis biobibliográficos trabalhados e ex-aluno de outros dez “perfilados”, entre 1985 e 1997, eu diria que o livro faz pensar que, em maior ou menor grau de protagonismo, seríamos todos participantes de um projeto ou processo coletivo de formação da experi- ência brasileira de reflexão sobre comunicação. 187
  • 32. Mais que isso, muitos desses pesquisadores abraçaram a tarefa de contribuir para a construção de um pensamento crítico no campo da comunicação no Brasil. A conjuntura em que, por exemplo, a pesqui- sadora Jane Sarques inicia, no ano de 1978, seus estudos de mestrado na UnB, onde elaboraria dissertação sobre a telenovela Os gigantes, fez com que a mesma “abraçasse uma linha de pesquisa mais sociológica na área de comunicação, baseada em autores marxistas tais como Marcuse, Engels, Horkheimer, Adorno, Armand Mattelart, dentre ou- tros” (p. 306), destaca Júlio Afonso Sá. A diferenciação que refletir criticamente provoca dentro do projeto de meramente refletir tem a ver com o tema da divisão social e do com- promisso com sua superação. “A utopia”, formulava Carlos Augusto Setti, em uma dissertação intitulada Comunicação e utopia, “é a concre- tização histórica dos princípios da lógica dialética, que não admite a estagnação e a terminalidade do real-dado” (1983, p.ii). Nessa direção, o Centro-Oeste talvez tenha acompanhado o resto do País, sendo a tra- jetória de seus pesquisadores um prato cheio para autores como Fran- cisco Rüdiger, que já arriscou um traçado da fortuna da teoria crítica nos estudos de mídia brasileiros. Porém, para complicar definitivamente tudo, num país como o Brasil, o meramente refletir não teria nada de somero; ao contrário, corresponderia àquilo que fora feito, primeiro, na literatura e, depois, nas Ciências Sociais e na economia política, nos momentos em estas ex- perimentaram sua maturação no País. Sob este ângulo, a experiência brasileira de reflexão sobre comu- nicação não se formou ou não conheceu sua maturidade, simplesmente. A implicação básica, juntando-se as duas pontas, é esta: a experiência bra- sileira de reflexão sobre comunicação reflete pouco a experiência brasileira com comunicação, cujos traços decisivos permanecem à espera de repre- sentação. Exteriorizando de forma mais tradicional essa angústia, Murilo César Ramos pergunta-se: “Por que razão não conseguimos produzir autores que sejam verdadeiras referências, por sua consistência e origi- nalidade?” (p. 221). No fundo, categorias como produção de conhecimento e contribuição científica ainda respondem por pouco e nem sempre pela parte decisiva. 188 • Comunicação e Sociedade 37
  • 33. Um mal – menor – é constatar que professores importantes o suficiente para serem “perfilados” não vestem bem o figurino inadequado do “pesquisador”. Outro mal – maior – é que, mais que pesquisas e pes- quisadores, os programas de pós-graduação vêm contando mesmo, fun- damentalmente, por formar gente, isto é, mestres cujo destino é abas- tecer o mercado aberto para esta força-de-trabalho qualificada nas fa- culdades particulares de Comunicação. “Na universidade pública”, compara Beth Brandão, “o professor é um cientista que pratica a educação, ela é uma das formas de aplica- ção do pensamento científico; na faculdade particular, o professor é um educador que ensina a ciência, ela é seu objeto de ensino e não seu objeto de trabalho” (p. 43). Neste cenário, em que o encontro entre docentes e discentes é presidido pela chamada forma-mercadoria, os efeitos mal começaram a ser conversados. Lunde Braghini Júnior Professor de comunicação do UniCeub - Centro Universitário de Brasília. 189
  • 34. O caminho das pedras para um bom texto jornalístico BARROS, Edgard de Oliveira. Quem? Quando? Como? Onde? O quê? Por quê? São Paulo: Visual Media, 2002. 87 p. Por onde começar a matéria? Esta é a pergunta que mais martela na cabeça dos jovens estudantes de jornalismo quando se deparam com o momento de pôr no papel tudo aquilo que foi apurado durante en- trevistas, pesquisas e levantamentos de dados. Foi justamente para eles que o velho lobo da imprensa, Edgard de Oliveira Barros, criou este verdadeiro manual de conduta, Quem? Quando? Como? Onde? O quê? Por quê?, que mostra, de maneira simples, em 87 páginas, o que fazer nestas inevitáveis horas. Edgard fala com autoridade de quem, mesmo sem títulos de mestre ou doutor angariados na academia, sabe como funciona, na prática, o dia- a-dia dos profissionais da comunicação. Aliás, embora sendo hoje profes- sor universitário nas Faculdades Integradas Alcântara Machado, ele brinca um pouco com aqueles que perguntam qual foi seu arcabouço literário para escrever o livro. “O apud sou eu mesmo”, sentencia. Para quem teve a honra de conviver com o jornalista Assis Chateaubriand e ainda escrever para diversos periódicos como o Diário de São Paulo, Diário da Noite 1a. Edição e Diário da Noite 2a. Edição, fica fácil contar para os focas qual é o caminho das pedras para o sucesso. Edgard teve ainda passagens pelo mundo da publicidade e propaganda e dirigiu por dez anos o falecido Diário Popular, tendo sido o editor- chefe desse jornal na sua edição centenária. 190 • Comunicação e Sociedade 37
  • 35. Já no prefácio, o alagoano-corintiano e atual morador de Atibaia (SP) mostra que querer saber das coisas é algo que deve estar presente na alma dos estudantes de jornalismo. “O jornalista é apenas um ser humano como todos, a diferença está em ser o mais curioso entre os viventes”, lembra o autor. Brincando com as palavras, ele mistura Zeca Pagodinho com Paulinho da Viola logo no começo do primeiro capítulo, lembrando que o importante para o bom profissional é poder divagar com pressa. Além disso, a importância do jornal como ferramenta de resgate histórico dos fatos é realçada, com uma tese deste notório-saber-em-comunicação, formado pela “faculdade da vida”: “Minha tese é que boa parte dos textos escritos ‘no hoje’ serão os referenciais para grandes histórias que serão consagradas nos livros de amanhã. Os jornais e as revistas se alinham entre as melhores fontes de pesquisa”. Elementar, caro Edgard! O autor mostra que quem diz que o jornal está com seus dias contados em função do aparecimento de outras mídias pode estar apos- tando no cavalo errado. Segundo o pai de Quem? Quando? Como? Onde? O quê? Por quê?, não será tão fácil deixar este veículo sagrado de lado e, para justificar esta tese, conta até com o auxílio da lei: “A propósito, no Brasil, as leis só entram em vigor quando publicadas. Seja no jornal oficial, seja nos jornais de grande tiragem e até mesmo nos pequenos jornais que circulam diariamente, semanalmente, quinzenalmente ou até mensalmente nas pequenas cidades”, uiva o velho lobo. Outro destaque, neste manual de jornalismo do foca, escrito por Edgard de Oliveira Barros, fica para as ilustrações bem-humoradas de Jean Takada, que lembram muito as que compõem o trabalho encomen- dado pela Escola Paulista de Medicina, Corra que a imprensa vem aí: Um guia de sobrevivência, publicação que mostra aos médicos como lidar com o povo da comunicação. Entre os temas abordados pelo autor de Quem? Quando? Como? Onde? O quê? Por quê?, estão a pauta, o planejamento e a pesquisa para a elaboração de matérias, a importância das fontes (e de beber em di- ferentes fontes, sempre), a definição do tipo de trabalho que será feito (reportagem?, crônica?, notícia?) e a necessidade de clareza no que está sendo produzido. 191
  • 36. É claro que, mesmo vindo de uma época em que tudo era “uma brasa, mora?”, Edgard tem um pé atrás com o chamado “nariz-de-cera”, dizendo que é bocomoco, cheira mal e parece papo de bêbado. “O nariz- de-cera pode ser lindo, poético, doído como dor de dente, às vezes comovente, por que não?”, mas, como lembra o autor, “quem parte para o caminho de elaborar um texto iniciando pelo nariz-de-cera, fica tentado a emitir opinião e repórter não tem opinião. Repórter reporta”, esbraveja Edgard. O jeito é não colocar nosso nariz – que não é de cera - no livro do Edgard e deixar que o leitor de Quem? Quando? Como? Onde? O quê? Por quê? confira o conteúdo e tire suas próprias conclusões. Fica aqui a su- gestão e a máxima registrada pelo autor na página 81, que poderá finalizar estas considerações com as palavras dele próprio: “Regra 13: a comuni- cação não é o que a gente diz, mas sim o que as pessoas entendem. O que é óbvio para você pode não ser óbvio para o seu leitor. Aliás, o óbvio só é óbvio enquanto é óbvio, ou seja, só é óbvio quando é citado, falado, comentado. Seja simples, seja óbvio.” Isto é óbvio, Edgard! Arquimedes Pessoni Jornalista, mestrando na Umesp, professor da Faculdade de Comunicação da UniFiam. 192 • Comunicação e Sociedade 37
  • 37. Divulgação científica: pedras no caminho e avanços GUIMARÃES, Eduardo (Org.). Produção e circulação do conheci- mento: estado, mídia, sociedade. São Paulo: Pontes Editores, 2001. O mundo moderno se caracteriza pela rapidez com que a infor- mação circula. Há uma inundação de notícias espalhadas pelos veículos de comunicação de massa e, se prestarmos atenção, veremos que boa parte delas se refere à Ciência e Tecnologia. Resta indagar até que ponto o conteúdo que nos é repassado contribui para a formação de uma consciência sobre o assunto, de forma clara e didática. Aquele leitor interessado em compreender o papel do jornalismo e da ciência na vida em sociedade encontrará nas páginas do livro Pro- dução e circulação do conhecimento: estado, mídia, sociedade vários textos que nos fazem refletir sobre as complexas relações que envolvem desde a produ- ção científica ao emprego da linguagem para comunicar descobertas. A obra, organizada pelo lingüista Eduardo Guimarães, é uma publicação do Núcleo de Jornalismo Científico do Laboratório de Estu- dos Avançados em Jornalismo (Labjor), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), por meio do Laboratório de Estudos Urbanos (Labeurb/Unicamp), do CNPq/Pronex e de Pontes Editores. Nela estão reunidos artigos de pessoas ligadas à produção e à divulgação do conhe- cimento no Brasil. São depoimentos e relatos nascidos de experiências e de pesquisas que retratam com riqueza de detalhes a nossa realidade. Os autores, ao abordar temas referentes a jornalismo, ciência e sociedade, trazem à tona questionamentos a respeito da estreita ligação 193
  • 38. dessas espécies de “entidades” com o Estado. Esse é um assunto recor- rente em vários artigos, que apontam para as deficiências e fragilidades existentes, uma marca das conjunturas em que vivemos. Nesse universo surgem os debates sobre os obstáculos da comunicação entre jornalistas e cientistas, que comprometem a divulgação científica no País. Na última década, após inúmeras tentativas no Brasil de se ofe- recerem cursos que preparem as pessoas para trabalhar com jornalismo científico, o Labjor conseguiu iniciar, em 1999, o seu primeiro Curso de Especialização em Jornalismo Científico para jornalistas, divulgadores de ciência, assessores de comunicação de universidades e institutos de pesquisa, enfim, profissionais ligados a diversas áreas do conhecimento humano. Sobre isso o leitor obterá informações no livro. A facilidade proporcionada pela internet na divulgação de assun- tos científicos é outro assunto abordadona obra. Os estudantes que apreciam a divulgação científica terão acesso a discussões a respeito da dificuldade que há em aproximar cientistas e jornalistas em benefício da disseminação das notícias referentes à produção científica nacional. Os profissionais ou cientistas que atuam nessa área, ao lerem a obra, em vários momentos terão a sensação de ter vivido ou presenciado muitos dos fatos relatados. Um dos aspectos interessantes do livro é que nele nos depara- mos com várias idéias sobre a ciência quando ela se torna notícia, de onde extraímos preciosas informações sobre a divulgação científica pelos principais veículos de comunicação no País. Ainda relacionadas a esse tema, temos avaliações, nos artigos, que abordam a função da língua na construção de textos e como a escola age nesse processo de levar o conhecimento da ciência aos alunos, por meio de matérias publicadas pela imprensa. Ao ser transformada em notícia, a ciência ocupa espaço em jornais, revistas, rádio, televisão e internet. Mas há uma correlação entre a divulgação científica e as novas tecnologias da linguagem? A leitura dos textos nos mostra enfoques interessantes sobre o assunto, em que se expõem preocupações com os aspectos pragmático e utilitário desse processo de comunicação, considerado por muitos como prejudicial para o sujeito e a sociedade. É possível constatar que as avaliações 194 • Comunicação e Sociedade 37
  • 39. sobre a ciência e as políticas científicas e a mídia indicam que o percur- so do conhecimento sofre a interferência do Estado. As discussões expostas no livro sobre como levar o conhecimen- to científico ao público em geral, de forma didática, surgem ao longo dos textos. Temos aí um leque de considerações e de estudos que nos apresentam a realidade, nos convidam a refletir e nos brindam com fatos curiosos, como o artigo de José Marques de Melo, em que desco- brimos o jornalista Hipólito da Costa como precursor do jornalismo científico no Brasil. No final da leitura, resta-nos a sensação de que todos temos um papel essencial na divulgação da ciência no nosso País. Precisamos apenas escolher o melhor caminho. Rosane de Bastos Jornalista, aluna do Curso de Pós-Graduação em Jornalismo Científico do Labjor/Unicamp e bolsista do Mídia/Ciência da Fapesp. 195
  • 40. A comunicação como ferramenta de relacionamento na era moderna VIANA, Francisco. De cara com a mídia. São Paulo: Negócio Edito- ra, 2001. Nos últimos anos, em decorrência da globalização e do rápido avanço tecnológico, a comunicação sofreu um grande salto em nível de importância dentro das empresas modernas. Isso porque a chamada Revolução da Informação contribuiu para a formação de uma socieda- de mais exigente e influenciadora, que hoje exerce papel determinante no sucesso ou fracasso de uma administração. Em De cara com a mídia, Francisco Viana fala sobre as técnicas de relacionamento com a mídia, uma questão relevantíssima e essencial para a administração empresarial dos tempos modernos. Consultor de empresas e diretor da área de comunicação estratégica da FSB Comu- nicações, Viana possui uma bem-sucedida carreira de jornalista, tendo atuado como repórter de O Globo e editor de reportagens especiais da revista IstoÉ. Sua maior contribuição, no entanto, provém da experiên- cia adquirida durante os anos em que percorreu o País como editor da revista Senhor, entrevistando grande parte da elite empresarial do Brasil. Já na década de 1980, quando iniciou sua trajetória nessa área, o autor constatou que um dos maiores problemas de comunicação das empresas brasileiras era a forma de relacionamento mantido com a im- prensa. Para ele, tal dificuldade é resultado de um processo político-eco- nômico que o País atravessou durante o regime militar. Por muitos anos cultivou-se a idéia de que em cada repórter existia um comunista disfar- çado, disposto a destruir o capital em prol da sociedade sem classes. 196 • Comunicação e Sociedade 37
  • 41. Contudo, Viana nunca conseguiu ver empresários e imprensa em campos opostos. E essa visão se comprova a cada dia, com a crescente idéia de igualdade de direitos, participação e livre iniciativa. Hoje, mais do que nunca, a comunicação com os diversos públicos é imprescindí- vel para a construção de uma imagem que conquiste a lealdade do consumidor. Conforme o autor, as características da comunicação moderna, principalmente a facilidade de acesso à informação, deram à mídia um vigoroso poder de interagir com a sociedade. Assim, para que a empresa se integre ao cotidiano da sociedade, precisa estar aberta a um diálogo constante com a mídia. Em outras palavras, a comunicação, a exemplo do que gradativamente vem ocor- rendo, deve tornar-se parte integrante da estratégia geral dos negócios e articular-se a todo o conjunto de atividade da empresa. O autor es- clarece que muitos já despertaram para essa realidade e até se dispuse- ram a colocar tal proposta em prática. Mas apenas alguns poucos sabem exatamente qual caminho devem seguir. Sem a pretensão de construir um guia prático desse novo concei- to de comunicação, Viana dividiu seu livro em cinco etapas, extraindo da própria história exemplos marcantes e critérios essenciais para o sucesso dos empreendimentos modernos. Já no passado, diz o autor, os grandes homens de negócio sabiam o poder que a informação lhes agregava. Lourenço Médici, banqueiro e precursor da globalização, exigia relatórios detalhados das oportunidades de negócios que pudes- sem surgir nas terras do Novo Mundo ou da Índia. O Barão de Mauá passava noites cercado de jornais em seu palacete, não só para acom- panhar o vaivém das divisas, como também para auscultar o panorama político nacional de forma a antever possíveis impactos no País da expansão do mercantilismo inglês. Esses são apenas dois dos muitos casos que, com excelente des- treza, o autor destaca no decorrer do seu diálogo com o leitor, logo na primeira etapa. Já a segunda parte do livro traz reflexões e posicionamentos que interessam principalmente aos profissionais que atuam diretamente na área de comunicação empresarial, pois é a partir dessa etapa que Viana expõe grande parte de sua visão, sem abster-se dos conhecimentos que adquiriu enquanto consultor. 197
  • 42. Da escolha do porta-voz à comunicação interna, o autor atravessa temas que vêm ganhando força e gerando grande discussão na atuali- dade. O marketing social, por exemplo, é, na visão do autor, um dos instrumentos criados em virtude das novas demandas da era globalizada. “Nos dias atuais, o cidadão quer participar, ver resultados no que está fazendo ou cuja execução apóia. Não é contra o lucro, ao contrário. Sabe que onde há empresas lucrativas existe oferta ascenden- te de emprego e renda. Existem bem-estar e horizontes de realização individual e coletiva. Mas se recusa a aceitar que uma empresa polua rios, use o trabalho escravo de menores ou não participe da solução de problemas sociais nas comunidades em que tem raízes” (p.101). Como todo bom jornalista, Francisco Viana não se restringe a tratar apenas as questões que tangem aos empresários e assessores de imprensa. Além das brilhantes inserções sobre técnicas de comunicação, que surgem em todos os capítulos do livro nos quadros denominados “Guias do cotidiano”, numa terceira etapa o autor relata um pouco o trabalho dos jornalistas, os “Artesãos da notícia”. Apesar de levar em conta todos os estigmas do ofício, ele não deixa de considerá-los os novos donos do poder. É nesse capítulo que o autor centraliza as idéias transmitidas em todo o percurso e atinge o alvo dos seus objetivos. De forma bastante concisa, Viana define em poucas páginas o verdadeiro papel dos jornalistas para com a sociedade, explica a origem dos preconceitos que lhes são peculiares e, mais uma vez, recorre à história para esclarecer a conquista desse inexorável poder ao longo dos últimos anos. A conveniência do relacionamento entre empresa e mídia fica claro quando o autor afirma que a função do jornalista se equivale ao de um advogado da sociedade e, qualquer que seja a situação de conflito entre os interesses de uma empresa e a comunidade, ele difi- cilmente ficará do lado da empresa. Não interessa o quanto de verba esta empresa assegure em publicidade, ideologicamente ou não o traço característico dos jornalistas é a independência. “Mesmo quando não é independente, o jornalista gosta de, e necessita, parecer independente. (...) Sem independência o jornalista perde o poder e sem poder ele, assim como a mídia, não existem” (p. 124). 198 • Comunicação e Sociedade 37
  • 43. Com absoluta capacidade de discernimento, Viana destaca os diversos aspectos – positivos e negativos – que, assim como toda pro- fissão, fazem parte do cotidiano dos jornalistas. Além disso, consegue traçar ao longo do texto a forte relação entre empresas, mídia e opinião pública. Para finalizar, dedicou os dois últimos capítulos à administração de crises, um tema até então pouco discutido no Brasil, mas que está intrinsecamente ligado à proposta do livro. “Nada melhor para prevenir os impactos negativos de uma crise do que uma política saudável e continuada, de relacionamento com a mídia” (p. 173). Em suma, De cara com a mídia constitui uma obra dinâmica, de leitura rápida e agradável, que traz uma contribuição diferenciada e fundamental para empresários, assessores, jornalistas e estudantes engajados aos novos processos de administração e comunicação empre- sarial, pois trata, de forma bastante inteligente, questões primordiais aos tempos modernos. Camila Pierobom Bertoldo Jornalista, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Umesp. 199
  • 44. O caso da Favela Naval BLAT, José Carlos; SARAIVA, Sérgio. O caso da Favela Naval: polícia contra o povo. São Paulo: Contexto, 2000. Quem cresceu acostumado a assistir aos seriados americanos – tipo Batman – não consegue esquecer as frases de efeitos utilizadas pelos heróis enlatados, como “o crime não compensa” ou “o criminoso sempre volta ao local do crime”. É mais ou menos o que aconteceu em Diadema (SP), em 1997, e que acabou virando livro, só que com o discurso às avessas: “o crime quase sempre compensa” e “os criminosos trabalham no local do crime”. No popular, diria Chico Buarque, “chama o ladrão, chama o ladrão!” Partindo das cenas que chocaram o País no dia 31 de março de 1997, exibidas no Jornal Nacional, e que foram gravadas por um cinegrafista em busca de um furo de reportagem de plantão no local, a blitz supostamente montada pela Polícia Militar de Diadema para detectar tráfico de drogas terminou com imagens de espancamento e morte de gente inocente moradora da Favela Naval e cujo único crime era estar no lugar errado e na hora errada. O episódio – como bem lembraram os autores – fez tremer as instituições brasileiras, afetando fortemente a imagem externa do País (p. 84), e gerou uma série de pesquisas, entre elas a do InformEstado, mostrando que, uma semana depois da veiculação das imagens, entre 52% e 64% dos paulistanos, dependendo da faixa social, temiam os policiais militares (p. 85). Toda a história de bastidores e que poucos profissionais da impren- sa se preocuparam em mostrar foi reunida em 240 páginas no livro O caso da Favela Nava: polícia contra o povo, escrito pela dupla dinâmica José 200 • Comunicação e Sociedade 37
  • 45. Carlos Blat e Sérgio Saraiva. O trabalho foi um dos ganhadores do Prêmio Jabuti 2001, na categoria de livro-reportagem. O esforço do promotor Blat e o talento do jornalista Sérgio Saraiva garantiram um trabalho de qualidade, mostrando que, quando o judiciário e a imprensa se unem para fiscalizar e denunciar, o resultado é nitroglicerina pura. Num ritmo extremamente ágil, a obra surpreende pela facilidade com que o leitor mergulha na história de Mário José Josino, a vítima dos policiais militares de plantão na favela e que, graças a um esforço corporativista da Polícia Militar, quase passa de vítima a vilão da his- tória. Os autores Blat e Saraiva mostram de forma clara como é o fun- cionamento da máquina destinada a garantir a impunidade de policiais militares assassinos e transformar trabalhadores humildes em inimigos número-um da população. Utilizando bastante a fórmula “enquanto isso, no outro lado da ci- dade”, o livro reserva aos leitores o conhecimento das histórias de fundo dos personagens de carne e osso que entraram “de gaiato” na obra maior que foi o caso da Favela Naval. Com a leitura desse trabalho de Blat e Saraiva, a forma como os policiais militares tentaram se autoproteger e reescrever de maneira distorcida o que realmente aconteceu no dia 3 de março de 1997 e todo o esforço que a Justiça precisou adotar para que a verdade viesse à tona, o leitor, com certeza, começará a ver com reservas aquilo que é mostrado como verdadeiro pela imprensa. E muito mais: quem nem só de gente boa é composta a Polícia Militar. Mostrando que Herbert Marshall McLuhan não exagerou quando afirmava que “o meio é a mensagem”, logo no início do livro os auto- res já mostravam como a polícia pode atuar de forma comprometedora na hora de comunicar fatos que afetam negativamente a imagem da corporação: “Quando a escolta policial que protegia Jefferson da pró- pria polícia saiu em direção à delegacia-sede de Diadema, pouco antes das três horas, o soldado de plantão no pronto-socorro já havia comu- nicado o caso e começara o registro do boletim de ocorrência na Po- lícia Civil. As estratégias de sempre para confundir inquéritos – algumas improvisadas – já estavam em curso. Plantavam-se as sementes da impunidade” (p.19). 201
  • 46. Como na vida real histórias com final feliz não são regra, mesmo com todo o empenho da imprensa e do judiciário, a punição pelas cenas que chocaram o Brasil e que levaram a óbito Mário José Josino ficou apenas para parte dos envolvidos. Os que estavam acima do bai- xo-clero se safaram – como sempre – e os poucos que levaram a pior – como o soldado Otávio Lourenço Gambra, o Rambo, condenado a 45 anos de reclusão – acabaram, posteriormente, tendo sua pena redu- zida. Para a família de Josino ficaram as saudades, uma pensão de 782 reais para a viúva e a certeza de que a presença da polícia, que deveria oferecer segurança, às vezes, é motivo de medo. Para os autores, fica a sugestão de atualizar o conteúdo do livro numa segunda edição, mostrando como os condenados no episódio mudaram (se é que mudaram) sua conduta. No geral, paira a impressão de que, ao nos depararmos com uma blitz da Polícia Militar no nosso caminho, o primeiro pensamento que vem à mente é: corram, que a Polícia vem aí. Arquimedes Pessoni Mestrando em Comunicação na Umesp. 202 • Comunicação e Sociedade 37
  • 47. Por uma crítica à globalização MATTELART, Armand. A globalização da comunicação. Trad. de Laureano Pelegrin. Bauru, SP: Edusc, 2000. 194 p. Fazer uma retrospectiva crítica do processo de globalização desde seus primeiros indícios, no século XIX, até o estágio atual, utilizando pontos de vista midiológico e político-econômico. É o que Armand Mattelart busca com sua obra A globalização da comunicação, em que re- gistra “essa nova fase de abertura do mundo, da história das formas sociais que o processo de internacionalização foi assumindo no correr do tempo” (p. 11). Para o autor, os sistemas de comunicação em tempo real determi- nam a estrutura de organização do planeta. Essa idéia é desenvolvida ao longo de todo o livro, onde procura ressaltar sempre a importância fundamental dos meios de comunicação no processo de globalização, sendo a ele inerente. “Ampliando progressivamente o campo de circu- lação de pessoas, como também de bens materiais e simbólicos, os instrumentos de comunicação têm acelerado a incorporação das soci- edades particulares em grupos cada vez maiores, redefinindo continu- amente as fronteiras físicas, intelectuais e mentais” (p. 11). A retrospectiva histórica do processo de globalização inicia-se já no capítulo 1, onde é apresentado o pensamento de que a internacionalização da comunicação seria filha de dois universalismos: o iluminismo e o liberalismo. Graças ao iluminismo e seu ideal de “liber- dade de pensamento e de opinião”, o comércio passou a ser considerado como gerador de valores, pois a fluidez dos fluxos de pessoas e merca- dorias asseguraria tal liberdade. A comunicação começou a ser associada 203
  • 48. a um espaço nacional e à formação de um mercado interno. Tendo o livre comércio se tornado “artigo de fé”, o liberalismo econômico – cujas idéias principais são a secularização da sociedade, a liberdade individual no cerne das instituições, limitando o poder arbitrário do Estado – con- sagrou a força da economia mercantil. Foi “a eclosão do que se chama market mentality, conforme a expressão do historiador econômico Karl Polanyi, o nascimento de uma ‘nova sociedade’, onde os mecanismos do mercado se difundem por todo o corpo social” (p. 23). O século XIX viu o surgimento das agências de notícias: a Havas aparece em 1835; a Wolff, em 1849; a Reuter, em 1851; e a Associated Press, em 1848. Apenas as três primeiras, européias, tinham porte in- ternacional. Por meio de alianças concluídas em 1870, elas dividiram o mundo em territórios de influência. Foi “a eclosão de um mercado da informação pensado em âmbito mundial orientado por interesses geopolíticos” (p.48). Mas o estabelecimento das agências americanas no cenário mundial (Associated Press e United Press) influenciou o mo- delo da imprensa francesa no período. É deste primeiro contato da imprensa européia com o modelo profissional americano – caracteriza- do por um “tipo de jornalismo priorizando a chamada news value, o human interest. Uma informação pontual, rápida, concisa como uma mensagem telegráfica, útil, que trata de generalidades” (p. 49) – que surge a noção da “americanização”, de acordo com o historiador da mídia Michael Palmer. A propaganda revela sua força na Primeira Guerra Mundial. Tan- to na deflagração do conflito quanto no período entre-guerras, os publicitários e cientistas políticos, fundadores da sociologia americana da mídia, como Walter Lippmann e Harold Lasswell, trabalham com a noção de que “a democracia não consegue sobreviver sem as técnicas modernas de ‘gerenciamento invisível da sociedade maior’ ” (p. 68). Assim, a “psicologia de massa” assume uma importância fundamental nas relações diplomáticas entre países e também no “gerenciamento” da opinião pública e da democracia no interior de cada país. O fato de que, já em 1919, 90% dos filmes exibidos nos cinemas europeus vinham dos Estados Unidos, deixando para trás a supremacia francesa, faz com que a França e a Alemanha adotem políticas de pro- 204 • Comunicação e Sociedade 37
  • 49. teção e suscita um debate no meio artístico e intelectual acerca do tema americanização, entendido na época como uma agressão à “alta cultu- ra”. A visão apocalíptica da “crise da civilização” foi alvo de reflexões de intelectuais como Antonio Gramsci, Sigmund Freud, Oswald Spengler, Paul Valéry e o detentor do Prêmio Nobel de Literatura de 1934, Luigi Pirandello. É deste último a afirmação de que “o dinheiro que circula no mundo é americano e, por trás desse dinheiro, existe todo um universo de vida e de cultura” (p. 79). O cenário da Guerra Fria determinou os modelos de implantação dos sistemas de satélite. O lançamento do Sputnik, em 1957, pela União Soviética, ocasiona, como reação dos Estados Unidos, a fundação no mesmo ano da Nasa. Essa “corrida espacial” dura pouco mais de dez anos. A partir desse momento, “a conquista do Terceiro Mundo trans- forma-se no grande impasse do embate entre os dois sistemas políti- cos”, pois os grandes desequilíbrios entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos ameaçam “fazer a cama do comunismo mundial”. A Unesco estabelece como padrões mínimos contra o subdesenvolvimen- to, para cada país, a possessão de “dez exemplares de jornal, cinco aparelhos de rádio, dois televisores, dois assentos de cinema para cada cem habitantes” (p. 96). Para Mattelart, essa crença na capacidade modernizadora das mídias nada mais é que uma atualização das teorias difusionistas do século XIX, em que os povos primitivos apenas imita- vam os modelos dos mais adiantados. Com o fim da Guerra Fria, a representação geopolítica do mun- do dá lugar às lógicas geoeconômicas. Os estados nacionais perdem seu poder e as empresas não -estatais assumem importância fundamental no “movimento de integração mundial”. Uma das idéias centrais da obra é justamente a noção de que “a homogeneização das sociedades é interente à unificação da economia” (p. 12), conferindo às relações econômicas, não mais dependentes do poder de cada Estado, em par- ticular, mas na iniciativa privada e nas multinacionais e transnacionais, o papel principal, não mais de coadjuvante, no processo de globalização. A década de 1970 foi a época da crítica aos desequilíbrios inter- nacionais dos fluxos da informação. A Nova Ordem Mundial da Infor- mação e da Comunicação - Nomic trouxe o debate sobre o “imperi- 205