O artigo analisa a performance da jornalista Patrícia Poeta no Jornal Nacional ao noticiar os protestos do "Passe Livre" em junho de 2013. Discute como os gestos, entonação de voz e estratégias discursivas da apresentadora buscaram defender a emissora das críticas recebidas durante as manifestações, demonstrando como o corpo e o discurso dos jornalistas constroem sentidos na comunicação televisiva.
Corpo e discurso na cobertura do movimento Passe Livre
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Protestos.com.br: perspectivas e análises da
mobilização nas ruas e redes sociais
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COLETIVO PPJ/UFPB
Cláudio C. Paiva e Thiago Soares
Organizadores
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Editora UFPB
2014
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2. 2
SUMÁRIO
Apresentação .......................................................................... 4
Cândida Nobre
Corpo e discurso no Movimento “Passe Livre”: Patrícia Poeta,
estratégias enunciativas do JN e crítica nas redes sociais ......... 7
Amanda Evangelista | Virgínia Sá Barreto
As rotinas produtivas e as experiências da TV Cabo Branco na
cobertura dos protestos em João Pessoa ................................. 36
Roberta Matias | Virgínia Sá Barreto
O Radiojornalismo da CBN nos Protestos em João Pessoa:
Relatos de Cobertura ............................................................. 71
Edileide Bezerra | Olga Tavares
Convergência de conteúdo e uso do Facebook na cobertura da
“voz das ruas” pela Agência Brasil ........................................ 93
Angélica Carneiro | Sandra Moura
A rua é a maior arquibancada do Brasil. Publicidade e
agendamento do jornalismo na capa do Diário de Pernambuco
........................................................................................... 120
Maria Helena Monteiro | Thiago Soares
Cobertura ao vivo das manifestações populares - Tecnologias
móveis, mídias independentes e jornalismo ......................... 139
Thiago Almeida | Cláudio C. Paiva
Sobre o que se protesta mesmo? .......................................... 169
Jonara Siqueira | Thiago Soares
Vândalos ou ativistas: cobertura jornalística dos protestos ... 186
Hallita Avelar | Hildeberto Barbosa Filho
3. 3
Ciberativimo nos protestos do Brasil - Hashtags como
agregadores de informação em redes sociais ........................ 202
Mariah Araújo | Pedro Nunes
Redes Sociais e Agendamento do Jornalismo ...................... 221
Sinaldo Barbosa | Joana Belarmino
“Não é por 20 centavos!”: cultura dos memes e viralização . 236
Evaniene Mascena | Cláudio C. Paiva
A Revolta do Vinagre: Humor nos Protestos do Brasil ........ 262
Andréa Mesquita | Joana Belarmino
Jornalismo e transmídia: estratégias para um debate ............ 283
| Valter Araújo | Joana Belarmino
Mea Culpa e autorreferencialidade na cobertura dos protestos
no Brasil ............................................................................. 299
Rackel Guimarães | Thiago Soares
4. 4
Apresentação
O ano de 2013 apresentou o Brasil em nova perspectiva.
Em junho, o país do futebol foi palco da Copa das
Confederações, todavia o espetáculo principal não aconteceu
dentro dos estádios, mas fora dele. Ruas e redes foram tomadas
por manifestantes e o jogo foi comandado por uma multidão de
inconformados com o status quo. Esta partida sem capitães ou
juízes não possuía pauta uníssona de reivindicação, mas à
imagem e semelhança das redes sociais, apresentava uma
miríade de discursos que apontavam para as mais variadas
direções, do transporte público e ocupação da cidade à
educação, respeito às minorias e crítica a propostas de emendas
constitucionais.
Neste contexto, o campo jornalístico enfrentou o que
talvez possa ser considerado o seu máximo desafio: tornar
inteligível a polifonia e a policromia das vozes e imagens
compartilhadas pelos indivíduos no tecido social que agora
incorpora a malha das ruas e das redes digitais.
Este e-book reúne diversos olhares de pesquisadores em
Jornalismo empenhados na analise dos chamados Manifestos
de Junho. São reflexões sobre a cobertura e as rotinas
5. 5
produtivas das diversas mídias: rádio, televisão e internet,
considerando as funções massivas e pós-massivas.
À luz das teorias do jornalismo como o agendamento,
passando pelas operações discursivas do corpo, da linguagem
humorística dos memes, da linguagem publicitária como
produção de sentido e as mais recentes contribuições
acadêmicas sobre a estrutura transmídia dos conteúdos, o leitor
é convidado a ampliar o debate e compreender o fenômeno que
se espraia e se consolida como reflexo do sentimento da
contemporaneidade.
Ademais, há a preocupação em refletir sobre os
elementos da estrutura e mobilidade da rede como a utilização
de smartphones e tablets e compartilhamento de hashtags
capazes de organizar melhor as informações a serem
recuperadas na memória cibernética. Deparamo-nos com a
emergência dos novos modos de fazer jornalismo a partir do
coletivo Mídia Ninja e o impasse da mídia tradicional que ora
compreende e apropria-se das novas dinâmicas do seu público
ora minimiza os danos à sua imagem fazendo o mea culpa.
Esta obra organizada pelo Programa de Pós-Graduação
em Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba tomou para
si o desafio de compreender melhor um período recente, porém
emblemático da História brasileira. É leitura instigante para
6. 6
estudantes e profissionais da área de Comunicação que desejam
captar o espírito de seu tempo.
Cândida Nobre
7. 7
Corpo e discurso no Movimento “Passe Livre”: Patrícia
Poeta, estratégias enunciativas do JN e crítica nas redes
sociais
Amanda Falcão EVANGELISTA1
Virgínia SÁ BARRETO2
Introdução
Dentre todas as teorias desenvolvidas para tentar
explicar porque a comunicação é o que é, em especial o
produto noticioso, a Teoria do Espelho é a mais contestada,
tanto pelos pesquisadores quanto pelos profissionais do
jornalismo. Há muito tempo a ideia de que as notícias são a
representação fiel da realidade caiu por terra. Sabe-se hoje que
é praticamente impossível – para não se dizer impossível -
dissociar a prática jornalística da subjetividade.
Mesmo que todos os ângulos da notícia sejam
abordados, contar um fato significa escolher quais informações
devem ser divulgadas - ou não -, e faz parte de um processo
interno, pessoal, subjetivo, e que por isso, torna tão difícil a
notícia, através de imagens, falas (discurso), gestos,
1 Jornalista e mestranda do Programa de Mestrado em Jornalismo Profissional;
UFPB. E-mail: amanda.falcoa@gmail.com
2 Doutora em Ciências da Comunicação, professora do Mestrado em Jornalismo
Profissional; UFPB. Orientadora. E-mail: virginiasabarreto@yahoo.com.br
8. 8
entonações, e até mesmo as cores que compõem o cenário e as
vestimentas. Para Marcondes Filho (1988), o “DNA” que a TV
carrega pode explicar a busca pela atuação, mesmo fora das
novelas:
No começo da televisão brasileira, no início dos
anos 50, o que se fazia era um rádio
televisionado, pois a TV ainda não havia
conquistado sua linguagem. A influência do circo
sobre a TV brasileira é vista não apenas pela
presença dos palhaços ou do homem do auditório,
mas também pelo estilo circense de alguns
animadores, como Chacrinha, Silvio Santos,
Bolinha (MARCONDES FILHO, 1988, p. 43).
O rádio também foi outra fonte da qual a televisão
brasileira se nutriu. Na década de 50, ao trazer a primeira
emissora de televisão para o Brasil, a Rede Tupi de São Paulo,
PRF-3, Assis Chateubriand, então dono de uma rede de jornais
e emissoras de rádio chamada de Diário dos Associados
(constituído por cinco emissoras de rádio, 12 jornais e uma
revista), convidou alguns de seus funcionários da rádio para se
aventurarem no novo meio. A locução e o poder de improviso
foram alguns dos elementos que fizeram com que os jornalistas
se saíssem bem na empreitada. Mas, acostumados com a
9. 9
ausência de imagens, os profissionais não tinham noção de
movimentos e espaço, algo que só foi mudando com o tempo.
Santaella (2004, p. 80) acredita que o surgimento da
videoarte e das videoinstalações nos, anos 70, impulsionou a
atração da arte pelo corpo humano.
Hoje, diante de tecnologias que possibilitam interação e
alta qualidade da imagem, os jornalistas continuam se
redescobrindo. Presenciamos a era de decadência do
teleprompter. Cada vez mais, assim como os atores, os
jornalistas precisam entender seu texto, saber o que dizer,
como dizer, além de se preocupar com figurino adequado,
impostação de voz e “driblar” os empecilhos da “cobertura ao
vivo”.
O interesse pela performance dos atores não
constitui um abandono pelo trabalho dos meios
jornalísticos em si. Pelo contrário, enseja a
emergência de uma complexificação do trabalho
de produção de sentido realizado no âmbito da
comunicação midiática, e na qual a atividade
enunciativa dos atores e suas próprias identidades
sofrem mutações muito complexas. (FAUSTO
NETO, 1988, p. 265)
Várias dessas mutações atuais decorrem com o advento
da TV digital. Cenários, cores, maquiagens, e principalmente
10. 10
figurinos, pois “os corpos são socializados pelas roupas que
vestem” (SANTAELLA, 2004, p. 121), estão sendo repensados
no telejornalismo, assim como em telenovelas, filmes e
comerciais. A ideia é simular o real com uma precisão ainda
maior, pois se o telespectador não acreditar no que está vendo,
também não receberá com confiança as informações
absorvidas. É o que Santaella (2004, p.10), ao citar Ihde
(2002), classifica como terceira dimensão do corpo: a das
relações tecnológicas, das simbioses entre o corpo e as
tecnologias. Porém, para a autora, estes avanços tecnológicos,
atrelados aos corpos, podem causar confusões sobre a
delimitação da fronteira entre real e o fictício:
O que as novas tecnologias colocam em
movimento, o que elas transformam são as
“fronteiras do humano”. Essa transformação se
revela sob vários pontos de vista: os limites que
definem o que é propriamente humano e o que os
diferencia dos não-humanos (natureza / artifício,
orgânico / inorgânico); “os limites que o habitam
e o constituem (matéria / espírito) e os limites que
diferenciam a experiência imediata e suportada
por sua corporeidade biológica, natural e
territorial e a experiência mediada por artefatos
tecnológicos (presença / ausência, real /
simulacro, próximo / longíquo)”. (BRUNO, 1999,
apud SANTAELLA, 2004, p. 29).
11. 11
O que o mercado da comunicação procura é atenuar a
fronteira entre o real e o simulacro, e se valer dos artifícios
tecnológicos para assim, através do artificial, transportar uma
veracidade. É o que acontece nos telejornais. O protagonismo
noticioso, por mais teatral que seja, busca representar o real
para informar, e mais que isso, instruir no público valores
como: credibilidade, compromisso com a informação,
idoneidade, etc. Mais do que nunca, o jornalista de TV precisa
usar o recurso da atorização para cativar o público, e assim,
ganhar fidedignidade.
O noticiário da atualidade constrói pequenas
novelas diárias ou semanais cujos protagonistas
são tipos de vida real absorvidos por uma
narrativa, que funciona como se fosse ficção.
Programas jornalísticos na televisão
desenvolvem-se como se fossem filmes – de
ação, de suspense, de romance de horror. O
telejornalismo disputa mercado não apenas com
outros veículos informativos, mas também com
opções de lazer. Precisa ser envolvente, divertido,
leve, colorido, ou perde o público sedento de
novas sensações. [...] A realidade que interessa,
para um (jornalismo com base nos fatos) e para
outro (entretenimento com base na ficção), é a
realidade espetacular, uma realidade que se
confecciona para seduzir e emocionar a plateia.
(BUCCI, 2000, p. 142).
12. 12
A composição do ator não se limita apenas ao físico.
Tão ou mais importante que a estética na TV é saber o que
dizer e como dizer. As operações enunciativas compõem as
narrativas midiáticas e dão sentido à notícia. Uma entonação
usada de forma incorreta pode trazer um significado totalmente
diferente do que se pretendia. Não se pode noticiar uma
enchente com ares de alegria, como quem informa que o Brasil
goleou a seleção da Argentina na final da Copa do Mundo. O
“tom” que se traz na notícia é um dos elementos primordiais na
construção dos sentidos. Os jornalistas atuam como dispositivo
de operação de sentidos (FAUSTO NETO, 2012). Os corpos
jornalísticos, na forma de signos, dão sentido “ao que se quer
dizer” e quais efeitos pretendem causar no telespectador.
Diante deste cenário, analisaremos aqui a corporeidade
discursiva de Patrícia Poeta na edição do Jornal Nacional do
dia 17 de junho, dia em que saiu em defesa da TV Globo, após
a emissora ser alvo de crítica dos manifestantes que
participavam do protesto do “Passe Livre” e que desaguou em
outras reivindicações. As críticas se fundamentavam no
discurso de que a mídia, em especial a TV Globo, apontava os
manifestantes como vândalos e distorcia o caráter
reivindicativo do movimento.
13. 13
Além do editorial lido por Patrícia Poeta em defesa da
Rede Globo, abordaremos aqui também as primeiras
informações do JN sobre as manifestações; a cobertura do JN
do dia 17 de junho, fazendo um levantamento do que mudou no
discurso do telejornal após as reivindicações do público, além
do tempo destinado às manifestações; bem como o movimento
“anti-Globo” que se disseminou na internet e foi transportado
para as ruas.
Tudo começou com 20 centavos
A primeira notícia que o Jornal Nacional exibiu sobre
as manifestações foi ao ar no dia 10 de junho de 2013. O link
ao vivo, feito pelo repórter André Trigueiro, durou pouco mais
de um minuto e foi feito a bordo do “Globocop”, helicóptero da
Rede Globo utilizado para a produção de imagens aéreas. Em
sua fala, o repórter relatou a situação em uma das principais
avenidas do Rio de Janeiro, a Presidente Vargas, que ficou
interditada pelos manifestantes que depredaram algumas lojas.
A segunda notícia que o JN divulgou acerca das
manifestações nas ruas foi ao ar dois dias após a exibição da
primeira divulgação, ou seja, em 12 de junho de 2013. A
cabeça da matéria foi lida por Patrícia Poeta e relatou o
14. 14
protesto no centro de São Paulo contra o aumento da tarifa do
transporte público. O começo da matéria trouxe manifestantes
com os rostos cobertos, gritando “a cidade é nossa” e cenas de
um dos participantes pichando um ônibus. A ideia era trazer
nos primeiros minutos o clima de “guerra civil” causado pela
população.
[...] as parcelas de real não correspondem a
seleções arbitrárias: é o que fica enquadrado, é o
movimento das câmeras, é o trabalho de edição e
sonoplastia, que determinam o que e como vai ser
mostrado. Nessa perspectiva, está-se frente a uma
construção de linguagens, não mais o real, mas a
uma realidade discursiva. (DUARTE, 2007, p.
11)
Com detalhes, o repórter Fábio Turci informou que 85
(ênfase no número) ônibus, agências bancárias e a estação de
metrô haviam sido danificados pelos manifestantes que foram
adjetivados como vândalos (mais uma ênfase oral). “Uma
batalha nas ruas”, “Nem os ônibus escaparam de um protesto
que era pelo transporte público”, “A Avenida Paulista e o
centro de São Paulo amanheceram assim, com as marcas do
vandalismo de ontem à noite”, foram algumas das expressões
usadas pelo jornalista para caracterizar o clima encontrado na
manifestação. As palavras em destaque foram as mesmas que
15. 15
tiveram ênfase na fala do repórter. Para reforçar o “pesadelo”
que foi o movimento, Fábio Turci gravou depoimentos de civis
que não participavam da manifestação, mas que passavam pelo
local na hora do acontecimento.
Sonora - Entrevistado 1
“Milhares de pessoas estão voltando do trabalho, depois de um
dia cansativo, em baixo de chuva, e passar por esse pânico. Eu
tô aqui sem saber pra onde vou correr.”
Sonora - Entrevistado 2
“Não dava pra ir pra frente, nem pra trás. Fiquei preso aqui.”
Indignação, tristeza, revolta, foram alguns dos
sentimentos expostos através das entrevistas concedidas pelos
cidadãos que não participavam do protesto contra o aumento
das tarifas. Na mesma reportagem, o repórter ouviu autoridades
como funcionários do Ministério Público, prefeito e
governador de São Paulo, além da OAB. Em entrevista, todos
repudiaram o acontecimento.
OFF- Fábio Turci
“Hoje em Paris, o prefeito de São Paulo e o governador
condenaram o vandalismo.”
16. 16
Sonora -Geraldo Alckmin(Governador de SP)
“[...] Precisa ser investigado pra identificar a origem disso [dos
atos de vandalismo], e devem ressarcir ao erário público, pois
isso é patrimônio de todos.”
OFF- Fábio Turci (Repórter)
“Para a OAB, o que aconteceu ontem em São Paulo passou dos
limites.”
Sonora -Marcos da Costa (Presidente OAB)
“As pessoas se reúnem para mostrar uma indignação, no caso
do aumento de ônibus. Agora, tem um limite. Então, quando o
movimento passa a violar patrimônios [...] ou prejudicar os
direitos de ir e vir das pessoas, ele ultrapassou os limites dele.”
Santaella (2004, p.19) lembra que, em uma de suas
obras, Foucault arrematou a ideia de que o corpo não só recebe
sentido pelo discurso, mas é inteiramente constituído pelo
discurso. E é justamente o “modo de dizer” que constitui o
contorno do noticiário, influenciando inclusive na composição
do gênero jornalístico.
A seleção do(s) plano(s) da realidade sobre o(s)
qual (is) se vai (vão) operar, aliada ao regime de
crença proposto e ao tom, isto é, às inflexões
conferidas à realidade a ser enunciada –
seriedade, humor, ironia – etc., seriam os
elementos definidores da promessa que fala Jost
17. 17
(2003), veiculada pelo nome gênero. (DUARTE,
2007).
O tom em que se dá ao enunciado é carregado de
signos, responsáveis por dar sentido ao discurso. Em nenhum
momento da matéria foram ouvidos líderes do movimento.
Apesar de se mostrar imagens dos supostos “cabeças” do
“Passe Livre” em reuniões - durante a matéria de mais de três
minutos - as únicas referências aos manifestantes se limitaram
a imagens, e a maior parte retratava o confronto com a polícia.
As primeiras reportagens produzidas pelo JN
divulgaram as manifestações atreladas apenas ao aumento das
passagens, que subiram no início de junho de 2013 para R$
3,20 em São Paulo. Pouco depois, os jornalistas começavam a
divulgar que as reivindicações haviam se expandido, para áreas
temáticas como reforma política, Copa de 2014, educação,
saúde, etc., assim como outras cidades do país.
A maior parte das matérias exibidas pelo Jornal
Nacional sobre os protestos hostilizava os manifestantes,
muitas vezes atrelados aos atos de vandalismo, de forma
generalizada. E foi justamente a cobertura “distorcida”,
segundo os apoiadores dos protestos, que fez com que o
repúdio à emissora entrasse como uma nova pauta no
movimento que se chamou inicialmente de “Passe Livre”. Só
18. 18
após a edição do dia 17 de junho, objeto de pesquisa deste
artigo, é que o discurso do JN muda diante do tratamento dado
aos manifestantes.
A cobertura das manifestações que ocorriam no país foi
tão intensa, que o JN disponibilizou em seu site, uma “ala”
especial com o nome “Protestos pelo Brasil”, trazendo os
vídeos que fizeram parte da cobertura completa do noticiário.
O dia em que Patrícia Poeta saiu em defesa da Rede Globo
A edição do dia
De toda a cobertura que a Globo fez dos protestos pelo
Brasil, o do dia 17 de junho, segunda-feira, foi o mais intenso,
principalmente no que se refere à programação do Jornal
Nacional. Patrícia Poeta entrou no ar já no início da noite, logo
após “Malhação”, no “Globo Notícia” e seguiu até o horário
habitual do JN. Neste mesmo dia, a programação da emissora
sofreu mudanças que causaram estranheza ao telespectador
acostumado com o padrão da empresa. Além de não exibir o
jogo da Espanha x Taiti, pela Copa das Confederações, a Globo
cancelou os capítulos das novelas “Flor do Caribe” e “Sangue
19. 19
Bom”. Os jornais locais foram cancelados, só relatando os
protestos promovidos a nível local no dia posterior.
Trataremos a edição do JN da data em análise
juntamente com os fragmentos do Globo Notícia, por
entendermos que, nesta data em especial, o mininoticiário se
mostrou como extensão do Jornal Nacional.
A edição do Jornal Nacional do dia 17 de junho dedicou
um pouco mais de 51 minutos de seu noticiário para a
cobertura das manifestações. Dos 22VTs exibidos, 11
abordavam os protestos espalhados pelo país, os outros traziam
informações sobre a Copa das Confederações, Guerra Civil na
Síria, SISU, dentre outros temas - a maioria sobre protestos
fora do país. Além disso, a edição extrapolou na quantidade de
“ao vivo”. Ao todo, foram feitos 22links, um número bem
acima do que tradicionalmente acontece nas edições. Todos os
“vivos” traziam informações sobre os protestos e aconteciam
no cenário das manifestações. “[...] a gravação ao vivo, a
transmissão direta, em tempo real, sempre funcionam como
garantia [...] dos efeitos de autenticidade e veracidade”
(DUARTE, 2007, p.13).
A duração das matérias exibidas também saiu da rotina
jornalística do JN. Alguns VTs chegaram a durar cerca de 3
minutos, quando o habitual é 1 e meio, no máximo 2 minutos.
20. 20
A exaustão na cobertura do “Passe Livre” foi tal, que
Patrícia Poeta parecia estar perdida diante de tantas
informações sobre o mesmo tema, e Willian Bonner
desconfortado por estar longe da “bancada”, acompanhando
tudo de Fortaleza, onde entrava “ao vivo” trazendo
informações sobre a Copa das Confederações.
Segundo levantamento feito pela empresa Controle de
Concorrência3, entre os dias 17 e 26 de junho, o JN exibiu oito
horas de reportagens e transmissões dos protestos. Das 140
horas de exibição, somando as transmissões de todas as
emissoras abertas, 34 horas foram produzidas pela TV Globo.4
Diante da efervescência reivindicativa, a Globo se
sentiu obrigada a trazer de volta o âncora do JN. No dia
seguinte, 18 de junho, terça-feira, Bonner abria o JN trazendo
mais informações sobre a manifestação em São Paulo.
O foco da cobertura das manifestações se encontrava no
eixo Rio - São Paulo, além da capital Brasília. Porém, a edição
do dia 17 de junho trouxe uma nota coberta fazendo um
aparato geral dos protestos em outras cidades, como: Curitiba,
Belém, Porto Alegre, Fortaleza, Maceió e Vitória.
3Empresa que monitora inserções comerciais na TV para o mercado publicitário
4Cf. Blog Folha.com. Disponível em: http://migre.me/jCLO7. Acesso: 04.06.2014
21. 21
As palavras de protesto contra a Globo e o editorial do JN
Em artigo publicado no site Observatório da Imprensa5,
Sylvia Moretzsohn escreveu: “tanto os jornais paulistas quanto
O Globo e as redes de televisão carregavam nas tintas contra os
atos de vandalismo praticados por uma minoria que sempre se
infiltra em manifestações desse tipo”. O pensamento da
jornalista reflete bem o motivo de sentimento de revolta que os
manifestantes sentiram ao ouvir inúmeras vezes nos noticiários
a palavra “vandalismo”, em especial no Jornal Nacional.
Durante a cobertura das manifestações no país, os
noticiários em sua maioria hostilizavam os participantes em sua
totalidade, devido às ações de vandalismo praticadas por uma
minoria. Além disso, em seus discursos, repórteres e
apresentadores deixavam claro que a violência se dava
unilateralmente, e a polícia tentava apenas “manter a ordem”.
Esta situação causou revolta nos manifestantes, que
mostraram sua indignação dificultando o trabalho dos
repórteres de rua, levantando cartazes contra as emissoras e,
principalmente, disseminando na internet a imparcialidade das
empresas jornalísticas.
5 Cf. Site do Observatório da Imprensa, 15/06/2013, ed. 750. Disponível em:
http://migre.me/jCM5X
22. 22
A maior revolta se deu contra a TV Globo, por esta ser
uma empresa de maior força e disseminação da informação,
além de já carregar em sua história situações claras de
manipulação da informação6. O movimento de repúdio à TV
Globo, diante das manifestações que ocorriam, começou nas
redes sociais, principalmente no Twitter7e no Facebook8. As
hashtags #aglobonãomerepresenta e #abaixoaredeglobo
ficaram comuns nas twittadas de quem discordava da cobertura
da emissora. O mesmo aconteceu no facebook, em que
fanpages adjetivavam a Globo como manipuladora.
Imagem 1: Twitter, 17.06.2013 Imagem 2: Facebook, 17.06.2013
6 Para aprofundamentos, ver “A Síndrome da Antena Parabólica: Ética no
Jornalismo Brasileiro” (Kucinsk, 1998).
7 Cf. www.twitter.com
8 Cf. www.facebook.com
23. 23
Taxonomia no Twitter: #AGloboNãoMeRepresenta / FanPage
“Anti Globo” ganhou quase cinco mil curtidas no facebook
Como ressalta Alex Primo (2013, p.17) “não se pode
ignorar a força dos movimentos espontâneos em rede, cujos
efeitos não eram possíveis em uma sociedade caracterizada
pela mídia de massa”. Sendo assim, as manifestações contra a
TV Globo indexadas através das taxonomias nas redes sociais
migraram para o cotidiano, ocupando cartazes de manifestantes
que iam às ruas contestar a cobertura da emissora. A
atualização contínua das “postagens” nas redes, como propõe
Correia (2010), potencializa a circulação no ciberespaço,
circulação esta que se transporta do campo virtual para o real.
A onda de revolta contra a emissora se espalhou
também para outras empresas de comunicação, que tiveram
carros queimados, repórteres impedidos de fazer a livre
cobertura, prédios depredados, etc. Mas o foco das
manifestações se voltou especificamente para a TV Globo, que
ficou adjetivada de “manipuladora”. Nas ruas, cartazes com
inúmeras mensagens “anti-Globo” traziam um desafio ainda
maior para os cinegrafistas, que além de se preocuparem com a
troca de munições entre polícia e civis, deviam evitar mostrar
imagens abertas com mensagens denegrindo a emissora.
24. 24
Imagem 4: Imagem 3: Facebook, 17.06.2013 Facebook, 17.06.2013
Nas ruas, cartazes mostravam insatisfação com a cobertura da
TV Globo. / Manifestantes depredam o prédio da emissora no
Rio de Janeiro no dia 17 de julho.
A revolta com a cobertura que a Globo estava fazendo
diante das manifestações tomou proporções cada vez maiores.
Se para a imprensa a violência entre manifestantes e policiais
dificultava o trabalho, a revolta do povo contra jornalistas
praticamente os impedia de trabalhar. Fazer links “ao vivo”
durante os protestos, no meio da multidão, era um ato de
coragem. Muitos repórteres tentaram, mas tiveram que ser
interrompidos pelos âncoras que, em sua maioria, teciam
comentários de reprovação, quase sempre fazendo alusão à
liberdade de imprensa.
25. 25
Durante o Jornal Nacional a cobertura foi feita, na
maior parte do tempo, longe da multidão, a bordo do GloboCop
- helicóptero da emissora dedicado à grandes coberturas. Em
terra, os repórteres faziam passagens em locais distantes do
aglomerado. E quando arriscavam a descer - em presença do
povo - retiravam a canopla do microfone, evitando assim,
mostrar o símbolo da emissora a que estavam subordinados.
Imagem 5: site Rede Globo Imagem Imagem 6: site Rede Globo 7: site Rede Globo
Para preservar a integridade de profissionais, repórteres fazem
cobertura à distância da multidão e sem canopla. O uso do
helicóptero da emissora, o GloboCop, ajudou nos links ao vivo.
3.3. A defesa da Globo por Patrícia Poeta
O movimento “anti-globo” nas redes sociais e nas ruas
tomou proporções cada vez maiores. “As palavras de ordem” -
como foram adjetivados os gritos de repúdio dos manifestantes
26. 26
pelos funcionários da empresa - eram cada vez mais freqüentes,
e se disseminavam com tal força e rapidez que barreira alguma
poderia impedir. Impossibilitada de “calar a boca” dos
manifestantes, a estratégia da TV Globo foi colocar no
principal telejornal do país, o JN, uma nota de esclarecimento,
que, em defesa dos interesses da empresa, tomou características
de editorial. O texto, lido por Patrícia Poeta, durou pouco mais
de 20 segundos e tentou esclarecer para a população que ali
existia um “mal-entendido” por parte dos manifestantes, e que
a Globo estava apenas “cumprindo seu papel”, o de informar.
Quem deu o “gancho” para que o editorial entrasse no
ar, foi o repórter que durante uma tomada “ao vivo”, a bordo
do “Globocop”, trouxe informações sobre as manifestações na
cidade de São Paulo:
Repórter
“[...] Um outro grupo que saiu do Largo da Batata, por volta
das 5 horas da tarde, percorreu a Avenida Faria Lima,e nesse
caminho eles seguiram até a Avenida Luiz Carlos Berrini, que
fica muito perto da TV Globo, e nesse caminho foram gritando
palavras de ordem contra a TV Globo. Patrícia.”
27. 27
Patrícia Poeta
“Olha, a TV Globo vem fazendo reportagens sobre as
manifestações desde seu início e sem nada a esconder. Os
excessos da polícia, as reivindicações do “Movimento Passe
Livre”, o caráter pacífico dos protestos e quando houve
depredações e destruição de ônibus. É nossa obrigação e dela
nós não nos afastaremos. O direito de protestar e de se
manifestar pacificamente é um direito dos cidadãos”.
Patrícia Poeta leu o editorial com ar de seriedade, e ao
citar os diversos ângulos abordados no telejornal - “excessos da
polícia, reivindicações do “Movimento Passe Livre”, caráter
pacífico dos protestos e depredações e destruição de ônibus” –
pontuou nos dedos a contagem dos temas, reforçando o sentido
de “diversificação” trazida pelo JN.
Imagem 8: site da Rede Globo
28. 28
Ao usar a interjeição “Olha”, no início do editorial, a
apresentadora tenta agir sobre o espectador, o convidando para
a “conversa”, que – como mostra o seu linguajar – seria mais
informal, por isto, ele poderia ficar à vontade para escutá-la.
Patrícia Poeta também se vale dos movimentos do
corpo em outros momentos do editorial, com o objetivo de
reiterar seu discurso. Ao falar do compromisso da emissora
com a informação - “É nossa obrigação e dela nós não nos
afastaremos” - a apresentadora gestua negativamente com a
cabeça, ao mesmo tempo em que pronuncia enfaticamente a
palavra “não”, reafirmando que a TV Globo não deixará de
informar os cidadãos, mesmo diante da pressão do público.
Mesmo que de forma sutil, a gesticulação da
apresentadora atua em consonância com seu discurso,
assegurando que o receptor entenda o que se quer dizer.
É esse corpo que se faz representar e que também
representa, não apenas como interpretação pura,
mas até mesmo como simulacro. A arma do
apresentador é a encenação da naturalidade, a
simulação do - falso - imprevisto: que o faz
parecer surpreso, agir como se não soubesse o
que vai acontecer, fingir que improvisa falas e
parentar intimidade com seus convidados
(ROSÁRIO; AGUIAR, p. 3).
29. 29
Assim como os signos corporais, o discurso de Patrícia
Poeta também tenta reconstruir a postura da emissora diante da
cobertura distorcida. A ênfase antes dada a palavras como
“vandalismo” e “confronto”, agora dão destaque a palavra
“pacífico”, e pela primeira vez, fala dos “excessos da polícia”.
Logo no início do texto, a apresentadora informa que a Globo
não tem “nada a esconder”, e reforça a informação ao dar
destaque à palavra “nada”.
Outra estratégia de defesa da Globo usada no editorial
do Jornal Nacional do dia 17 de junho diz respeito à ordem
dada as informações. Patrícia Poeta ao citar os diversos ângulos
trazidos no noticiário menciona em primeiro lugar os “excessos
da polícia”, algo pouco divulgado em outras edições e que
agora também ganha ênfase na fala da apresentadora. Só após
essa informação, ela cita as reivindicações do movimento e o
“caráter pacífico dos protestos”, que por sinal, foi usado de
maneira exaustiva nesta edição, contradizendo o que se
mostrava anteriormente no discurso usado pelo JN, ao atrelar
os manifestantes aos atos de vandalismo, e em confronto com a
polícia.
Só após pronunciar de maneira fatídica “os excessos da
polícia” e o “caráter pacífico dos protestos”, é que Patrícia
30. 30
afirma também ter noticiado no JN “quando houve depredações
e destruição de ônibus”, porém, de maneira bem mais sutil,
sem alterações na voz, e por isso, sem dar destaque a este
fragmento de texto.
A apresentadora finaliza o editorial dizendo que “O
direito de protestar e de se manifestar pacificamente é um
direito dos cidadãos”, mostrando que a Globo reconhece os
direitos dos manifestantes, e que em contrapartida, esses
mesmos manifestantes devem entender que a emissora também
tem o direito de se manifestar livremente, porém, - mais uma
vez – ambos os lados devem agir “pacificamente”.
A locução tem que emitir uma impressão
compatível com os conteúdos do que está sendo
dito. Nesse ponto, os personagens recorrem a
recursos teatrais, máscaras, modos de ser
empáticos com o outro que lhes vê e ouve. Para
tanto, há o recurso do uso da voz, da impostação,
da dicção, da entonação e das pausas conjugadas
à mímica facial e gestual. (BARRETO, 2011, p.
246).
Após ler o editorial, Patrícia Poeta lê a “cabeça” de
outra matéria sobre o movimento “Passe Livre” e outra vez traz
o caráter pacífico do movimento. Porém, ao falar sobre a
violência, destaca que esta ação diz respeito a um grupo
31. 31
específico de manifestantes, não generalizando os participantes
dos protestos como em edições anteriores do JN.
Patrícia Poeta
“[...] segundo especialistas [a manifestação] reuniu 100 mil
pessoas. No fim do protesto um pequeno grupo agiu com
violência e atacou a assembleia legislativa do estado.”
Para a TV Globo, quanto mais o seu principal telejornal
tentasse amenizar a discórdia com o público, através de
estratégias de reconstrução da imagem dirigidas aos
manifestantes, melhor para a imagem da empresa, e assim,
talvez acalmasse os ânimos dos que repudiavam a emissora.
Além de trazer de modo excessivo a palavra
“pacificamente”, a edição do JN do dia 17 de junho ouviu pela
primeira vez os manifestantes, abrindo espaços no noticiário
para entrevistas com os líderes do movimento. O JN também se
valeu de falas “amigáveis” aos protestos para mudar o seu
discurso, a exemplo do governador de São Paulo, Geraldo
Alckmin, que na edição do dia 12 de junho - já mostrada neste
trabalho - afirmou que os manifestantes deveriam arcar com as
despesas das violações ao patrimônio público e privado. Já na
32. 32
edição do dia 17 de junho, o JN traz uma entrevista com a
mesma fonte, onde o governador faz elogios aos manifestantes.
Sonora de Geraldo Alckmin
“Quero aqui publicamente elogiar também as lideranças do
movimento, a policia militar e a segurança pública.”
Conclusão
Verificamos durante a pesquisa que o noticiário se
estrutura, em sua dinâmica discursiva, a partir de
encadeamentos de dispositivos (FAUSTO NETO, 2012), sejam
físicos (gestos, vestes, cores, expressões faciais, etc.) ou
abstratos (o que se diz e como se diz). As construções tecno-discursivas
assumem um papel primordial na composição da
linha editorial de um telejornal. E foi se valendo dessas
construções que a TV Globo, através do JN, em especial na
figura de Patrícia Poeta – enunciadora aqui pesquisada – criou
estratégias de comunicação para mudar o composer de seu
discurso que, antes da pressão popular, mostrava em sua
cobertura noticiosa os vandalismos generalizados ligados ao
Movimento “Passe Livre”.
Após uma onda de protestos surgida nas redes sociais,
em especial no Facebook e Twitter, que migraram dessas
33. 33
taxonomias virtuais para o cotidiano, tornando-se conteúdos de
diversos cartazes nas ruas, a TV Globo se viu obrigada a
esclarecer para o público que sua cobertura estava pautada na
parcialidade. A atitude da emissora gerou um editorial, lido por
Patrícia Poeta, que se valeu do recurso de “atorização” e das
estratégias enunciativas para levar a mensagem até o local mais
próximo possível do campo real, da não-ficção televisiva.
Resultando das pressões populares ou não, o fato é que
o JN mudou seu discurso. Palavras como “vandalismo”,
“baderna” e “confronto”, usadas com exaustão durante edições
anteriores ao dia 17 de junho – dia em que o editorial foi ao ar
– foram substituídas bruscamente por “protesto pacifico” e por
frases tais como “um pequeno grupo agiu com brutalidade”. O
discurso dos entrevistados também ajudou a emissora nas
estratégias de conciliação com o público. O governador de São
Paulo, Geraldo Alckmin, após afirmar que os manifestantes
iriam ressarcir o Estado e as empresas privadas devido às
depredações - no JN do dia 12 de junho -, deu uma entrevista
elogiando os manifestantes na edição do dia 17. Foi neste dia
também, que foram divulgadas as primeiras entrevistas dos
líderes do movimento. Antes, os manifestantes não tinham voz,
e só eram retratados durante confrontos com a polícia.
34. 34
Então, verificou-se, como pensa Primo (2013), a
cibercultura transformou substancialmente a vida em vários
aspectos, e não podemos ignorar a força dos movimentos em
rede, pois foi o movimento de insatisfação com a TV Globo,
que fez a emissora mais importante do país mudar seu discurso.
Referências
BARRETO, Virgínia de Sá. A encenação no telejornalismo:
Jornalista ou ator? In: FAUSTO NETO, A. et. All. (Orgs.)
Interfaces Jornalísticas: Ambientes, tecnologias e linguagens. João
Pessoa: Editora da UFPB, 2011.
BUCCI, Eugênio. Sobre ética e imprensa. São Paulo, Companhia
das Letras, 2000.
CORREIA, Ben-Hur. A circulação da informação jornalística no
ciberespaço: conceitos e proposta de classificação de estruturas. In:
SCHWINGLE, Carla; ZANOTTI, Carlos A. Produção e
colaboração no Jornalismo Digital. Florianópolis: Insular, 2010.
DUARTE, Elizabeth B.; CASTRO, Maria Lilia de. Comunicação
Audiovisual: gêneros e formatos. Porto Alegre: Sulina, 2007.
FAUSTO NETO, Antônio. Cap. XIII – Transformações nos
discursos jornalísticos – a atorização do acontecimento. In:
MOULLIAUD, Maurice. O Jornal: da forma ao sentido. Brasília:
Editora Universidade de Brasília, 2012.
MARCONDES FILHO, Ciro. Televisão: A vida pelo vídeo. São
Paulo, Editora Moderna, 1988.
35. 35
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Observatório da Imprensa, 15/06/2013, ed. 750. Disponível em:
http://migre.me/jCOqA. Acesso em: 04.06.2014
PRIMO, A. Interações em rede. Porto Alegre, Editora Sulina, 2013.
ROSÁRIO, Nísia Martins do; AGUIAR, Lisiane Machado. Corpos
televisivos: artifício e naturalidade na compensação de sentidos entre
o masculino e o feminino. In: ATAS do Congresso da INTERCOM,
2005. Disponível em: http://migre.me/jCP3F. Acesso: 04.06.2014
SANTAELLA, Lúcia. Corpo e comunicação: Sintoma de cultura.
São Paulo, Paulus, 2004
TV ABERTA EXIBIU 140 horas de protestos em dez dias (Fabiana
Futema). In: Blog Folha, 01.07.2013. Disponível em:
http://migre.me/jCOBn Acesso em: 04.06.2014
36. 36
As rotinas produtivas e as experiências da TV Cabo Branco
na cobertura dos protestos em João Pessoa
Roberta Matias9
Virgínia SÁ BARRETO
Introdução
O Brasil tem vivido momentos de protesto e
mobilização, deste o início de junho deste ano, mês no qual as
festas juninas, normalmente, pautam os telejornais do Nordeste
e quando a mídia nacional deveria estar voltada para a
cobertura da Copa das Confederações10, o que ganhou destaque
nos jornais impressos, nos telejornais, nas rádios de todo o
Brasil e nas redes sociais foram as manifestações e protestos
realizados em várias cidades brasileiras.
Tudo começou na primeira semana de junho. No dia 6,
representantes do Movimento Passe Livre (MPL)11 foram às
ruas, inicialmente em São Paulo, reivindicar a reversão do
9 Jornalista, editora da TV Cabo Branco e discente do Programa de Mestrado em
Jornalismo Profissional da UFPB. Email: robertamatias10@hotmail.com
10 A Copa das Confederações ou Taça das Confederações é um torneio de futebol,
organizado pela Federação Internacional de Futebol – FIFA, entre seleções
nacionais. Antes de 2005 era realizada a cada dois anos e a partir dali, passou a ser
feita a cada quatro anos. Os participantes são os seis campeões continentais mais o
país-sede e o campeão mundial, com um total de oito países. Este ano o Brasil, a
sede da competição e os gastos com o evento foram motivos dos protestos do mês de
junho, pelo país.
11 MPL é formado por um grupo de pessoas para discutir e lutar por outro projeto
de transporte para a cidade. Cf. site Movimento Passe Livre - S. Paulo - Por uma
vida sem catacras. Disponível: http://saopaulo.mpl.org.br/. Acesso: 07.07.2013.
37. 37
aumento da tarifa de ônibus e do metrô de R$ 3,00 para R$
3,20. Cerca de 150 jovens manifestantes ocuparam parte da
Avenida Paulista, no horário de rush. Era o início de um
movimento que, nos dias seguintes, atraiu os holofotes da
imprensa e se espalhou pelas principais cidades brasileiras.
A cobertura da imprensa, inicialmente, foi contra as
manifestações. Entre os dias 12 e 13, os grandes jornais do
país, como Folha de São Paulo, Estadão e O Globo
praticamente convocavam a polícia para conter os
manifestantes. Os pedidos foram atendidos e, no mesmo dia, o
que se viu no Rio de Janeiro e em São Paulo foi a violência da
polícia contra os manifestantes, que atingiu inclusive
jornalistas, que trabalhavam na cobertura dos protestos. De
acordo com o site Observatório da Imprensa, estaria aí a
“virada na cobertura” 12.
A partir de então, os jornais nacionais começaram a
mostrar as manifestações de outra forma. Elas foram crescendo
nas redes sociais, tomaram corpo e se espalharam pelo país
com momentos de beleza e de tensão. O que passamos a
acompanhar pelas emissoras de televisão, pelos jornais e pelas
redes sociais, foram protestos reunindo multidões vestidas de
12 Cf. “Uma virada na cobertura” (Luciano Martins Costa). In: site do Observatório
da Imprensa, 04.06.2013, ed. 750. Acesso 08/07/2013
38. 38
branco pelas principais ruas do país pedindo melhorias nos
transportes coletivos, mudanças no sistema de saúde, educação
de qualidade, contra a corrupção, contra o comportamento
abusivo de políticos, etc. Em contraponto, eram mostrados
também pequenos grupos revoltados, que quebravam prédios
públicos, enfrentavam a polícia, machucavam até quem não
estava participando do protesto.
Em João Pessoa, esse movimento só chegou às ruas no
dia 20 de junho de 2013. Mas, a abordagem do tema na TV
Cabo Branco, emissora afiliada a Rede Globo na capital
paraibana, foi iniciada no dia 18 de junho de 2013 e o
planejamento da cobertura para o dia da mobilização, também,
passou a ser tratado, a partir do início da semana do evento,
mudando as rotinas produtivas da redação de emissora, como
veremos a seguir.
TV Cabo Branco: Planejamento e cobertura das
manifestações de junho
As manifestações em João Pessoa ocorreram no dia 20
de junho de 2013, uma quinta-feira. De acordo com a Polícia
Militar, mais de 22 mil pessoas foram às ruas da cidade
protestar de forma pacífica e pedir redução no valor da
39. 39
passagem dos ônibus, transporte público de qualidade, saúde e
educação para todos. Mas, o tema manifestações e os reclames
feitos pela comunidade, naquele momento, entraram em pauta
na TV Cabo Branco no início da semana.
O primeiro jornal do dia 18 de junho de 2013, o Bom
Dia Paraíba, trouxe em sua abertura um texto ilustrado com
imagens disponibilizadas numa rede social por Paola Janaína e
outras enviadas pela telespectadora Ângela Medeiros,
mostrando situações de descaso com portadores de deficiência
e com usuários do transporte coletivo da capital. As imagens
foram relacionadas com o momento de protestos, por melhorias
nos transportes coletivos e outros serviços. A apresentadora
Patrícia Rocha leu, no ar, o texto que segue abaixo:
A gente começa o Bom Dia Paraíba desta terça-feira
com cenas de um absurdo. No momento
histórico em que a população vai pras ruas, em
que o Brasil se manifesta contra tantos maus
serviços prestados, inclusive o transporte público,
a gente se depara com essas cenas... SOLTA
IMAGENS Essas imagens aí foram feitas na
principal avenida de João Pessoa, a Epitácio. Se
fala muito em acessibilidade, direitos iguais e
espaço para todo mundo, mas nessa imagem aí, o
deficiente precisou entrar no ônibus e o elevador
estava aparentemente quebrado. O jeito foi subir
os degraus sentado. Outro passageiro ajudou a
subir a cadeira de rodas. O vídeo foi divulgado
por Paola Janaína, em uma rede social. Ela relata
40. 40
ainda que o deficiente ficou muito nervoso
porque era o quarto ônibus que passava e ele não
conseguia entrar. Fazia mais de uma hora que ele
esperava no local, impedido de exercer o direito
de ir e vir. Se pra subir foi assim, pra descer no
local destinado deve ter sido uma situação
parecida.
A nossa telespectadora Ângela Medeiros também
nos mandou esse material... SOLTA IMAGENS e
disse que ela ontem esperou duas horas pelo
ônibus que pretendia pegar porque os três que
passaram estavam superlotados e ela estava com
uma criança de um ano no colo, não dava para
entrar. E mesmo diante dessas imagens ai, olha o
que diz o chefe de tráfego da empresa de ônibus
Marcos da Silva. Mailson Dantas informou que
nenhum dos veículos com acessibilidade está
quebrado ou com defeito. O problema é que
foram contratados novos cobradores e que eles
ainda estão em fase de treinamento para saber
operar o elevador, que permite que os cadeirantes
subam nos ônibus.
O telejornal seguinte, o JPB Primeira Edição, que vai ao
ar ao meio-dia de segunda a sábado, seguiu explorando o tema.
Na terça-feira, 18 de junho de 2013, o JPB abriu espaço para
discutir as manifestações, em curso no país com mais força
desde a semana anterior e para falar dos preparativos da
manifestação local, a ser realizada dois dias depois.
O JPB Primeira Edição tem, normalmente, 38 minutos
de produção, divididos em quatro blocos. De uma forma geral
41. 41
o programa é preparado, diariamente, com dois ou três links13,
seis reportagens ou matérias14, uma média de quatro notas
cobertas15, além de seis notas peladas16 e de uma a duas
entrevistas de estúdio, estas últimas com duração média de três
minutos cada. Neste dia 18, o JPB Primeira Edição teve 37'34”
e aproximadamente 14 minutos foram dedicados ao tema
“manifestação nacional e local”.
A pauta do início da semana foi sugerida pela editora-chefe
do telejornal, Cristina Dias, e discutida na redação, num
primeiro momento, com as editores adjuntas, Roberta Matias,
Débora Cristina e Mirela Vasconcellos, além da chefe de
produção do turno da manhã, Cláudia Richelle. A ideia era
levar para o telejornal uma discussão mais aprofundada sobre
os fatos ocorridos nas cidades do Sudeste do país e, além disso,
trazer o tema para a realidade local.
A produção logo trouxe a informação de que o prefeito
de João Pessoa, Luciano Cartaxo, anunciaria no meio da manhã
a redução no valor da passagem de ônibus. A pauta chegou via
13 Quando o repórter mostra imagens em tempo real de determinado pondo da
cidade e dá informações sobre um tema definido pelos editores do telejornal.
14 Forma como os jornalistas de televisão costumam chamar as reportagens mais
longas com passagem e entrevistas, feitas pelos repórteres e que passam por edição
de imagens e texto.
15 Textos lidos pelo apresentador e que são ilustrados na ilha de edição, com
imagens ou arte, ou durante a exibição do telejornal.
16 Texto lido pelo apresentador e que não recebe ilustração com imagens nem arte.
42. 42
e-mail, através da assessoria da Prefeitura de João Pessoa. Num
primeiro momento foi definido que uma equipe de externa17,
acompanhada do estagiário, Gilmar Lima, se deslocaria para
acompanhar a coletiva, marcada para 10h da manhã, e que essa
equipe gravaria sonora18 com o prefeito, explicando a decisão.
Também ficou definido que, para o estúdio, seriam
convidados um representante da Polícia Militar, um cientista
político e um especialista em segurança pública. Com eles
ficaria a discussão sobre as manifestações no Sudeste do país e,
também, os comentários sobre situações locais de descaso
público, mostradas com freqüência pelo telejornal do meio-dia
e que se encaixavam perfeitamente nos temas reclamados pela
população durante as manifestações.
Vale salientar que o estúdio da TV Cabo Branco
comporta, atualmente, no máximo três convidados para
entrevista, ao mesmo tempo. Normalmente, só se utiliza esse
número máximo de entrevistados no estúdio quando o tema é
muito relevante. Isso gera mais riscos de erros durante a
exibição do telejornal, considerando-se os microfones que
17 Equipe de televisão que vai à rua gravar imagens. Geralmente, é composta por
cinegrafista, assistente e um repórter. Na TV Cabo Branco, em alguns casos, o
repórter é substituído por um produtor ou por um estagiário da redação.
18 Entrevista gravada fora do estúdio.
43. 43
precisam ser utilizados e os cortes de câmeras a serem feitos
em tais situações.
Para dar mais dinamismo à entrevista e agregar
conteúdo, foi decidido pela editora-chefe que, pouco antes e
durante a conversa no estúdio, seriam exibidas algumas
sonoras e imagens sobre temas, como: saúde, problemas com
transportes públicos e acessibilidade para usuários cadeirantes.
No caso foram selecionados para exibição o vídeo
disponibilizado por Paola Janaína, na rede social, exibido pela
manhã no Bom Dia Paraíba e as imagens enviadas pela
telespectadora Ângela Medeiros, que também tinham ganho
destaque no primeiro jornal daquele dia na emissora. A escolha
desse material foi planejada levando em conta a força das
imagens, naquele momento de mobilização por melhoria no
transporte público, e o fato delas terem sido usadas na rede
social e enviadas por uma telespectadora, via e-mail.
Em determinado momento da manhã foi sugerida a
possibilidade de colocar o prefeito ao vivo, no link19 do
telejornal, anunciando a redução no valor da tarifa de ônibus. A
ideia da editora-chefe era oferecer um material diferenciado
das outras emissoras. Uma entrevista ao vivo certamente
19 É quando o repórter entra ao vivo no telejornal, no momento exato que a
entrevista está sendo feita, por exemplo.
44. 44
renderia muito mais informações, teria mais qualidade técnica
e se destacaria do material que seria exibido pelas
concorrentes, a coletiva, com imagens e áudio poluídos. A
chefe de redação, Giulliana Costa, passou a buscar esse ao
vivo, entrando em contato com a assessoria do prefeito e com o
secretário de Comunicação da Prefeitura de João Pessoa.
A partir dessas definições, editores assistentes20
passaram a trabalhar nas ilhas de edição21 com materiais sem
ligação com as manifestações, mas que faziam parte do
telejornal, para evitar congestionamento de edição, nos
momentos finais de preparação do telejornal. Enquanto isso, as
informações iam chegando à redação e, dentro do que foi
planejado e do que ia se modificando a cada momento, a
editora-chefe do telejornal fechou o prelim22, definindo uma
ordem para exibição de todo o material que iria ao ar no JPB
Primeira Edição daquele início de tarde.
20 São os editores que auxiliam os editores-chefes de cada telejornal. Eles são
responsáveis pela edição das reportagens nas ilhas de edição, pela correção dos
textos dos repórteres e pelos textos que são lidos pelos apresentadores durante o
telejornal. Além disso, auxiliam na indicação de pautas e definição de temas que
serão abordados.
21 Local da emissora de televisão onde as reportagens são editadas e todas as
imagens são preparadas para exibição nos telejornais. Atualmente a TV Cabo
Branco possui quatro ilha de edição.
22 Prelim ou espelho do telejornal é a lista numerada das reportagens, notas cobertas
e notas peladas, com tudo que será exibido dentro de uma ordem definida pela
editora-chefe e sua equipe. É a capa do roteiro do telejornal.
45. 45
O telejornal do meio-dia da TV Cabo Branco de 18 de
junho de 2013 começou com uma entrada ao vivo, com
participação do prefeito de João Pessoa, Luciano Cartaxo. Uma
das perguntas mais importantes naquele momento era se o
prefeito tinha tomado a decisão de reduzir o valor das
passagens para conter o movimento, previsto para o dia 20. A
indagação foi feita no vivo no JPB Primeira Edição, mas
Luciano Cartaxo negou. Disse que a redução já vinha sendo
pensada e que tinha relação com o corte de alguns impostos,
feito dias antes, pelo Governo Federal.
A entrada ao vivo do prefeito foi seguida por um outro
link com os estudantes, que estavam organizando a
mobilização do dia 20, imagens dos vídeos da internauta Paola
Janaína e da telespectadora Ângela Medeiros e com as
entrevistas de estúdio com o cientista político, Jaldes Menezes;
o coronel Euller Chaves, comandante da Polícia Militar e
Deusimar Guedes, especialista em segurança pública,
discutindo as manifestações ocorridas no Sudeste do país e a
expectativa para o movimento do dia 20, em João Pessoa. O
tema foi abordado durante 14 minutos, o que representou
37,83% do tempo total do programa jornalístico.
No mesmo dia, no jornal da noite, o JPB Segunda
Edição, que foi ao ar às 19h15, o tema manifestações e redução
46. 46
das passagens de transportes coletivos teve três minutos dos 16,
abertos pela Rede Globo para o telejornal local. Ou seja,
18,75% do JPB. Para que possamos compreender melhor o
tempo dado por cada editor de telejornal ao tema manifestações
e redução da tarifa dos transportes coletivos no dia 18 de junho,
segue um quadro demonstrativo:
Tempo total Tempo para o
tema
% do tema no
telejornal
Bom Dia
Paraíba
48'07" 2'37" 5,00%
JPB 1 37'34” 14' 37,83%
JPB 2 16' 3' 18,75%
Mas, bem antes do jornal da noite do dia 18 ir ao ar,
ainda no início da tarde, ao final do JPB Primeira Edição, a
equipe de produtores e editores da TV Cabo Branco já
começou a pensar e a planejar a cobertura do dia 20 de junho
de 2013, como veremos em seguida.
Planejamento, véspera da manifestação e dia da cobertura
A tarde do dia 18 de junho foi de preocupação e início
do planejamento da cobertura do dia da mobilização. Durante a
47. 47
entrevista ao vivo dos estudantes envolvidos com o
movimento, no JPB Primeira Edição, eles garantiram que
participariam à tarde de uma reunião, com a Polícia Militar,
para definir as ruas por onde os manifestantes iriam passar.
Porém, pouco tempo depois do fim do jornal, os estudantes
decidiram não mais participar dessa reunião e não divulgaram
o percurso completo do protesto.
Sabia-se que iriam concentrar os grupos em frente ao
Lyceu Paraibano, seguiriam para o Parque Solon de Lucena,
passariam pelo Palácio da Redenção e de lá iriam para a orla da
capital. Mas, não se sabia quais ruas exatamente. Em uma rede
social foi postada a informação que um grupo passaria pela
porta da TV Cabo Branco e isso gerou preocupação.
No mesmo dia, em São Paulo, um carro de uma
emissora de TV23 foi queimado. Além disso, jornalistas já
tinham sido hostilizados por manifestantes, inclusive
profissionais da Rede Globo24. Era preciso cuidar da segurança
dos profissionais e da emissora. A partir daí várias decisões
foram tomadas.
23 Cf. “Manifestantes tentam invadir e apedrejam Prefeitura de S. Paulo”. In:
Globo.com, 18.06.2013. Disponível em: http://migre.me/jCWFv. Acesso em:
15/07/2013.
24 Cf. “Caco Barcellos é hostilizado por manifestantes em São Paulo”. In: Último
segundo. Portal ig.com.br. Disponível em: http://migre.me/jCXhv. Acesso em:
15/07/2013.
48. 48
Normalmente à tarde a TV Cabo Branco trabalha com
três equipes de externa e à noite com mais duas. No dia da
manifestação a chefe de redação, Giulliana Costa, e a editora
regional de jornalismo, Tatiana Ramos, decidiram colocar,
inicialmente, quatro equipes à tarde. Além disso, teríamos
também um cinegrafista de moto, para trabalhar mais próximo
da polícia, e um motoboy para recolher com mais agilidade as
fitas de cada repórter na rua.
Na manhã do dia 19 de junho, a Rede Globo mostrou
interesse em ter a cobertura da manifestação de João Pessoa,
pediu o repórter de Rede25 e decidiu manter aberto, durante
todo o dia, o canal para ao vivo26. Normalmente este canal é
aberto quando temos algum material para gerar, ou seja, por
tempo limitado. Só em casos excepcionais a Rede abre o sinal
de vivo durante todo o dia.
Pelas redes sociais se observava um crescimento do
movimento em João Pessoa e, a partir daí, a editora regional de
Jornalismo e a chefe de redação acharam importante termos
imagens aéreas do movimento. Foi decidido que teríamos um
25 São repórteres preparados pela Rede Globo para entrar nos telejornais nacionais
da emissora. No caso da TV Cabo Branco, Bruno Sakaue, Hildebrando Neto e
Laerte Cerqueira foram preparados para essa atividade, porém, cada telejornal da
Rede Globo pode solicitar o repórter que achar mais apropriado para ele e a
emissora local, em alguns casos, indica outros repórteres para entradas nos
telejornais da Rede.
26 Canal da Embratel para entradas ao vivo na Rede Globo.
49. 49
helicóptero na cobertura com mais uma equipe, a quinta, esta
com o repórter de Rede, Bruno Sakaue e o cinegrafista
Alexandre Frazão. A TV Cabo Branco não tem helicóptero e a
editora regional de jornalismo precisou convencer a direção da
empresa a alugar e conseguir uma aeronave, na véspera do
movimento. Deu certo. As equipes ficaram distribuídas como
mostra o quadro abaixo:
Repórter Cinegrafista/Assistente Cobertura
Larissa Pereira Wellington Campos/Jardel
Mangueira
Centro/Antes - Saída
do Lyceu
e acompanhamento
Zuila David Severino Ramos/ Raphael
Barbosa
Manifestação vista
dos prédios
do Centro e detalhes
Hildebrando Neto Sílvio Vieira Flashs ao vivo e
concentração no
Lyceu
Bruno Sakaue Alexandre Frazão/ Manifestação vista do
helicóptero
e ao vivo para a Rede
Antônio Vieira Edvaldo Júnior Geral/outras pautas
fora da
manifestação
Sem reporter Walter Paparazzo Manifestação ao lado
da Polícia
Os horários dos editores de texto e de imagens também
sofreram modificação no dia do protesto em João Pessoa. Foi
decidido que uma das editoras assistentes do JPB Primeira
50. 50
Edição, eu mesma, ao invés de entrar às 7h30 da manhã,
entraria às 13h. Na minha responsabilidade ficaram os flashs27
locais, que seriam ao vivo, e o apoio ao editor-chefe do JPB
Segunda Edição, Eisenhower Almeida. Giovana Rossini, outra
editora assistente do JPB Primeira Edição, que normalmente
trabalha a partir das 11h da manhã, no dia 20 foi deslocada
para trabalhar à noite. O objetivo era adiantar a edição das
reportagens do telejornal de meio-dia de 21 de junho. Dois
editores de imagens tiveram seus horários modificados para
atender a essas editoras.
Além de definir as equipes e as mudanças nos horários
do pessoal do jornalismo, a chefe de Redação, Giulliana Costa,
e a editora regional de Jornalismo, Tatiana Ramos, decidiram
pedir segurança para a equipe que ficaria no carro de ao vivo,
fazendo os flashes, em frente ao ponto de concentração.
Também ficou definido que as equipes trabalhariam em carros
alugados, sem a marca da emissora. Inicialmente, todos foram
para a rua com fardamento e canopla28 nos microfones. A Rede
Paraíba de Comunicação também contratou seguranças para
trabalhar na frente do prédio, onde funcionam a TV Cabo
27 Entrada do repórter, neste caso ao vivo, dando informações do local da
manifestação.
28 É a parte do microfone, geralmente em formato de cubo, que recebe a marca da
emissora de televisão.
51. 51
Branco, o Jornal da Paraíba, o G1 Paraíba e as emissoras de
rádio FM Cabo Branco e CBN.
Ainda na tarde do dia 18 de junho, a editora regional de
Jornalismo da TV Cabo Branco recebeu um e-mail da Rede
Globo reforçando a recomendação sobre a abordagem do tema
manifestações. A partir daquele momento, era importante mais
cautela. Deveríamos informar o que iria mudar na rotina da
cidade, no dia da manifestação, mas tendo o cuidado para não
convocar o cidadão. A orientação da Rede fazia sentido, pois,
nas redes sociais muitos acusavam a Globo de instigar o
movimento e a violência no Sudeste.
Na realidade, em nenhum momento a afiliada de João
Pessoa recebeu orientação da Rede Globo para incentivar nem
para boicotar o movimento. O que deveríamos fazer era
informar o que fosse importante para o cidadão naquele
momento. Se ele iria ficar sem ônibus, quais as vias que seriam
interditadas e se haveria policiamento nas ruas, ou seja,
serviço, se havia quebra-quebra, e como a maioria dos
manifestantes tinha participado do protesto. No dia da
manifestação a cobertura deveria mostrar todos os lados e
assim foi feito.
Um fato curioso e inédito nessa cobertura: as emissoras
de televisão de João Pessoa (TV Tambaú, TV Correio da
52. 52
Paraíba, TV Arapuan e TV Cabo Branco) decidiram concentrar
as Unidades de link29, num mesmo ponto, por receio de
represália dos manifestantes. A sugestão veio do editor de
jornalismo da TV Tambaú, que ligou para as outras emissoras.
A ideia foi aceita, como mostra a imagem:
Imagem postada no Facebook do jornalista Renato Félix
O comentário de um internauta chamou a atenção
naquele momento. Daslei Emerson Ribeiro Bandeira insinuou,
claramente, que os carros de link das emissoras seriam
queimados. Isso, aparentemente, gerou inquietação em quem
comanda as emissoras de comunicação na capital paraibana. Os
carros foram disponibilizados no Lyceu só durante as primeiras
29 Veículos preparados com antenas e equipamentos especiais para geração do sinal
de ao vivo. Os repórteres que entram ao vivo nos telejornais ficam sempre próximos
a essas unidades. No caso da TV Cabo Branco, além do cinegrafista, do assistente de
externa e do repórter, mais um técnico de manutenção trabalha na unidade para
garantir a exibição do ao vivo.
53. 53
horas da manhã. Mas, durante a manifestação, apenas o carro
da TV Cabo Branco se manteve no ponto próximo ao local de
concentração dos manifestantes.
Outra informação curiosa: a postagem acima foi
retirada da página do Facebook do jornalista Renato Félix. Só
conseguimos a imagem porque a jornalista Giulliana Costa tem
como hábito fazer print das páginas que chamam a atenção
dela nas redes sociais.
No dia 19, o Bom Dia Paraíba, o JPB Primeira Edição e
o JPB Segunda Edição abriram espaços para os serviços e as
orientações sobre os protestos. Ao todo, foram cinco minutos
de informações nos três telejornais da TV Cabo Branco.
Já no dia 20, dos 45'47” do Bom Dia Paraíba apenas
dois minutos foram dedicados aos serviços da manifestação. Já
o JPB Primeira Edição, abriu pouco mais de seis minutos dos
40'10” do telejornal. Entre as notícias sobre o movimento
estava a pichação do Lyceu Paraibano. A escola estadual mais
antiga da cidade, ponto de concentração dos manifestantes no
protesto marcado para as 14h deste dia, amanheceu pichada.
Na manhã do dia 20 foram preparadas as pautas para
cada repórter e definido o que seria produzido para o JPB
Segunda Edição, o primeiro telejornal após a manifestação. Na
produção também houve mudança de horário neste dia. A chefe
54. 54
de produção da manhã, Cláudia Richelle, que normalmente
trabalha até às 14h, ficou na redação até às 17h, para coordenar
a saída das equipes e acompanhar o que estava sendo feito e
acontecendo na rua. Já a chefe de produção da tarde, Keli
Farias, entrou às 17h, para dar seguimento ao trabalho de
Richelle e ficar até mais tarde na redação, dando cobertura às
equipes de externa.
Também estavam programadas para o mesmo dia
manifestações em Campina Grande, Patos e Sousa, no interior
do Estado. Essa cobertura foi organizada pela equipe da TV
Paraíba, sobre o comando da editora regional de jornalismo,
Tatiana Ramos. Tudo estava preparado para garantir uma boa
cobertura estadual das manifestações no telejornal da noite e do
dia seguinte.
Manifestação, hostilidade à imprensa, sem cobertura local
A tarde da manifestação começou com ligações falsas
para a redação dando informações sobre vandalismo, em uma
praça no bairro dos Bancários. Nada se confirmou. As
primeiras imagens que chegaram à redação dos manifestantes
foram feitas pelo cinegrafista Walter Paparazzo, no bairro de
Jaguaribe. Estudantes com faixas e gritando palavras de ordem
55. 55
saíram desse, que é um dos bairros mais antigos da capital
paraibana, em direção ao local da concentração.
As imagens foram exibidas durante o primeiro flash ao
vivo do repórter Hildebrando Neto. Nesse ao vivo, que foi ao
ar dentro do primeiro intervalo comercial do Vídeo Show,
também foram exibidas imagens da câmera instalada no alto da
torre da TV Cabo Branco, que mostravam os primeiros
manifestantes chegando ao Lyceu Paraibano e a interdição do
trânsito de veículos na área próxima à escola.
Depois deste flash o mesmo repórter fez mais dois
flashes locais, um Nacional para o Globo Notícia e outros dois
para a Globo News. Hildebrando Neto ficou no carro do vivo,
numa plataforma montada especialmente para essas entradas. A
Unidade de ao Vivo, que durante toda a manhã estava bem em
frente a calçada do Lyceu, foi deslocada para o outro lado da
rua, para facilitar uma saída de emergência, caso houvesse
necessidade. Mas, nesse ponto tudo ocorreu tranquilamente. O
repórter e a equipe de técnicos trabalharam sem imprevistos.
Porém, pela quantidade de entradas ao vivo foi necessário
repassar a pauta do repórter, a matéria sobre a concentração,
para outro profissional. Esta foi apenas a primeira mudança no
planejamento para a cobertura daquele dia.
56. 56
Quem assumiu a pauta de Hildebrando Neto foi a
repórter Zuila David, que inicialmente faria uma matéria do
alto dos prédios e dos detalhes da manifestação. Ela acabou
entregando para o JPB Segunda Edição uma reportagem sobre
a concentração e a saída dos manifestantes do Lyceu.
Larissa Pereira conseguiu concluir a matéria sobre o
fechamento das lojas do Centro da cidade, pouco antes da
manifestação, e seguiu para fazer o material sobre a
concentração. Só que esta pauta ela não conseguiu fazer. Desde
os primeiros momentos da chegada da equipe ao Lyceu
Paraibano, um pequeno grupo de manifestantes começou a
insultar a equipe da TV Cabo Branco. Por várias vezes, Larissa
Pereira, Wellington Campos e Jardel Mangueira tentaram
gravar entrevistas e fazer passagens30, mas foram impedidos.
No mesmo instante a repórter entrou em contato com a redação
e a chefia recomendou que ela fosse para outro ponto do
protesto e fizesse um pré-gravado31. O tempo exíguo não
permitia que fosse feita uma reportagem mais completa.
De nada adiantou a equipe mudar de lugar, pois, o
pequeno grupo de manifestantes seguiu e impediu os
profissionais de trabalhar, gritando insultos durante as
30 Parte da reportagem quando o repórter aparece no vídeo com alguma informação.
31 Quando o repórter faz uma passagem maior, resumindo o que aconteceu no local.
Eventualmente, na hora da edição, são inseridas imagens e sonoras no material.
57. 57
tentativas de gravações. Segundo Larissa, a equipe chegou a
ser encurralada, em frente ao Palácio da Redenção, por mais de
500 pessoas, que foram incentivadas pelo pequeno grupo
inicial a insultar e agredir os profissionais.
O cinegrafista e o assistente de externa receberam socos
nas costas e foram atingidos por garrafas plásticas, a repórter
escapou dessas agressões porque foi protegida pelos colegas.
“Naquele momento o meu sentimento era de terror. Temia que
eles estivessem com pedras, facas ou armas de fogo”, lembra
Larissa Pereira. Mesmo com muito medo, a equipe conseguiu
registrar parte da hostilidade sofrida e foi esse material que
acabou sendo levado para exibir no telejornal da noite.
A equipe de Larissa Pereira só conseguiu sair da
manifestação depois que a polícia interveio. Por segurança, os
profissionais voltaram para a emissora dentro de um carro da
Polícia Militar. Muito assustada e nervosa, a repórter precisou
ser retirada da cobertura. O cinegrafista e o assistente foram
orientados a tirar a canopla e a farda da empresa, e voltaram
para a rua com uma jornalista/produtora, que não costuma
aparecer no vídeo, para garantir a cobertura do protesto.
A mesma estratégia teve que ser usada com a equipe da
repórter Zuìla David, que também sofreu agressões verbais e
empurrões, durante o protesto. No momento que esses
58. 58
profissionais desceram do prédio de onde acompanhavam a
manifestação, para fazer a cobertura no chão, um pequeno
grupo de manifestantes tentou impedir o trabalho deles, com
faixas contra a Globo e gritando insultos contra os
trabalhadores da TV Cabo Branco.
Zuila David ainda conseguiu fechar a reportagem sobre
a concentração dos manifestantes e outra, sobre a passagem
deles por ruas do centro até a chegada ao Palácio da Redenção.
Esta última matéria mostrava pequenos grupos quebrando
vidraças de um estabelecimento comercial e manifestantes
destruindo lixeiras públicas. As imagens da violência no
Centro foram registradas pelos cinegrafistas Severino Ramos e
Walter Paparazzo.
“Já vivi muita coisa nesses anos trabalhando nas ruas
como cinegrafista, mas nunca vi nada igual. Fomos agredidos
num momento que estávamos fazendo a nossa parte, a nossa
obrigação profissional”, relatou o cinegrafista Severino Ramos
que, junto com o assistente Raphael Barbosa e a repórter Zuila
David precisou da ajuda da polícia para sair da manifestação e
voltou para a sede da TV Cabo Branco dentro de um carro da
Polícia Militar. Por volta das 17h30 a equipe estava na
emissora. A repórter foi trocada por uma jornalista/produtora e
59. 59
o cinegrafista junto com o assistente voltaram à rua sem farda e
sem a canopla.
Pelo que acompanhamos nas redes sociais e nos jornais
das outras emissoras, profissionais da imprensa de outros
veículos também foram hostilizados. Alguns foram xingados
com palavras de baixo calão, mas não tivemos notícia de
agressões físicas graves.
Neste momento, a chefe de redação decidiu mudar,
também, a pauta do repórter Antônio Vieira. Este, inicialmente,
estava designado para cobrir o cotidiano da cidade fora da
manifestação. Diante dos novos fatos, a equipe de Antônio
Vieira foi relocada para o Busto de Tamandaré, ponto da orla
da capital para onde os manifestantes estavam seguindo e
terminariam a manifestação.
Do alto, no helicóptero, o repórter de Rede Bruno
Sakaue e o cinegrafista Alexandre Frazão conseguiram
registrar a multidão que foi às ruas na capital paraibana, em 20
de junho de 2013. O vôo foi feito entre às 16h e às 17h30, para
garantir a segurança do pouso da aeronave. As imagens foram
um diferencial na cobertura da manifestação em João Pessoa, a
TV Cabo Branco foi a única a publicar essas imagens.
No início da tarde, a concorrência chegou a fazer uma
“brincadeira” ao vivo, no estúdio, garantindo que era a
60. 60
primeira emissora a mostrar imagens aéreas da concentração da
manifestação. Enquanto o apresentador falava no estúdio e
mostrava imagens do alto, um áudio da hélice de um
helicóptero, em funcionamento, era ouvido ao fundo. Uma
terceira emissora mostrou o cinegrafista forjando as imagens
“aéreas” do alto de um prédio próximo à concentração, como
se estivesse em um helicóptero. Quando desfeita a farsa, a cena
ocupou as redes sociais chegando ao topo do twitter nacional,
naquele dia, e ganhando o Top Five de um programa de humor
na TV32, que premia os maiores absurdos dos programas de
televisão do país durante a semana, sempre às segundas-feiras.
Enquanto as equipes estavam nas ruas, na TV Cabo
Branco, tudo era acompanhado pelos editores, pelos produtores
e pela chefia de redação. As reportagens só começaram a
chegar depois das 17h e o editor-chefe do telejornal ia
modificando o prelim a cada nova mudança que a ocasião
exigia. Foi uma tarde tensa, todos preocupados com os colegas
nas ruas e com a qualidade do conteúdo que iria ao ar nos
flashs ao vivo e no telejornal. Além disso, outras manifestações
ocorriam pelo país naquela mesma tarde do dia 20 de junho e,
em alguns locais, houve violência.
32 Cf. “Helicóptero fajuto é o campeão do Top Five”. In: TV UOL.com.br.
Disponível em: http://migre.me/jCZoj. Acesso em 15/07/2013.
61. 61
O horário do telejornal da noite ia se aproximando e, a
cada momento, a Rede exibia mais imagens dos protestos pelo
país. Em um determinado momento, o coordenador de exibição
da TV Cabo Branco foi informado que a Rede Globo não iria
mais exibir a novela das seis horas, Flor do Caribe, para
continuar com a cobertura nacional dos protestos. Isso poderia
mudar o tempo do telejornal local e o editor-chefe do JPB
Segunda Edição foi avisado que tanto poderia haver um
aumento quanto uma redução desse tempo.
A partir daí os editores e as chefias da redação e do
jornalismo ficaram em alerta. Diante das imagens mostradas,
em várias cidades do país, todos compreenderam que a
exibição do telejornal local estava em risco e poderia ficar
comprometida, com um tempo bastante reduzido. Além disso,
a produtora de rede, Jô Vital, foi orientada pela editora regional
de Jornalismo a conseguir uma entrada ao vivo da Paraíba,
dentro da cobertura nacional das manifestações, que tinha
tomado conta da Globo33. Isso não aconteceu. A Rede não
abriu espaço para João Pessoa nesse horário.
33 Cf. “Globo abandona grade do horário nobre” (Nelson de Sá). In: Observatório
da Imprensa, 25/06/2013, ed. 752.
62. 62
O Editor-Chefe do JPB Segunda Edição fechou o
prelim, imprimiu o script34 e seguiu para a produção35 para
colocar o jornal no ar. A cada segundo chegava uma
informação nova da Rede Globo e a última delas surpreendeu
todos os envolvidos naquela operação de exibição do
telejornal. A Globo decidiu ocupar o tempo dos telejornais
locais de todo o país com a cobertura nacional da manifestação
e, excepcionalmente, numa situação que nunca se viu na
emissora, seguiu com essa cobertura até o Jornal Nacional
deixando de exibir, também, a novela das 19h, Sangue Bom.
Tudo, inclusive a comercialização da emissora, foi substituído
pela transmissão ao vivo.
O que segue abaixo é o depoimento do editor-chefe do
JPB Segunda Edição, Eisenhower Almeida, e que certamente
representa o sentimento dos editores-chefes dos telejornais
locais de todo o país que, naquele dia, prepararam um
telejornal local que não foi ao ar, em uma noite que os
telespectadores das cidades onde havia manifestações
esperavam ansiosos pela cobertura local:
34 Roteiro do telejornal que é impresso e entregue a todos os técnicos envolvidos na
exibição do telejornal e ao apresentador.
35 Sala da TV Cabo Branco de onde o jornal é cortado e exibido para chegar à casa
do telespectador.
63. 63
“Todo editor de fechamento sente um friozinho
na barriga quando prepara um telejornal. E no dia
das manifestações a preocupação era maior.
Todas as pautas estavam voltadas para o evento.
E não sabíamos ao certo o que iria acontecer nas
ruas. Depois das capitais do Sudeste, era a vez
dos paraibanos protestarem.
Montamos um esquema para garantir a cobertura
total. Foi um corre-corre daqueles que muitos
jornalistas gostam nas redações. Sempre em
contato com os repórteres por telefone. A pressa
em querer o off36. Repórter gravando texto num
canto da rua para evitar ruídos (não tinha
condições logísticas de voltar para a redação). A
expectativa de que Bruno Sakaue conseguiria
mesmo gravar um stand up37 do helicóptero.
Bem... a tarde foi passando e tudo foi se
encaixando. Aí soubemos que a repórter Larissa
Pereira foi hostilizada por manifestantes. Ela não
tinha condições psicológicas de fechar mais um
material para o jornal (ela já havia fechado um
primeiro VT). E rapidamente encontrou-se a
solução para dar o caso no jornal.
Estava tudo certo até dentro do prazo, sem muitos
atropelos. Eis que recebemos a notícia de que a
novela das 6h havia sido interrompida para a
transmissão das manifestações pela Globo. E que
da transmissão ia direto para o jornal. Isso iria
aumentar o tempo do jornal.
Tínhamos material dos protestos em Campina
Grande e em outras cidades do Estado para ajudar
a preencher o fade38. Estávamos com a cobertura
36 Texto do repórter que faz parte da reportagem e que é revisado pelos editores
antes de ser gravado.
37 Quando o repórter grava o texto aparecendo a maior parte do tempo no vídeo.
Assim, passa todas as informações sem necessidade de gravar off.
38 É o espaço aberto pela Rede para exibição do telejornal e dos comerciais locais.
64. 64
estadualizada do movimento. Aí, fomos
informados que o fade havia diminuído, mas
ainda ficamos com um bom tempo para dar a
cobertura de João Pessoa. Os minutos foram
passando e nada de a Globo abrir o fade, até que
veio a notícia de que o jornal poderia não ser
exibido. Pouco tempo depois a confirmação.
Se aquele dia era histórico para o Brasil, também
era para nós. Não havia JPB Segunda Edição
naquela noite. Saí desolado do Controle Mestre,39
quando recebi a notícia. Confesso que até com
vergonha de dar a notícia aos meu colegas. Pelo
que me lembro, na verdade nem dei. Foi o
coordenador da exibição quem confirmou para
eles.” Eisenhower Almeida – Editor-Chefe do
JPB Segunda Edição.
O sentimento de desolação do editor-chefe já tinha
tomado conta dos jornalistas que estavam na redação da TV
Cabo Branco, naquela noite. Ninguém queria acreditar no que
estava acontecendo. Uma grande operação foi montada durante
dias e, em um segundo, descobriu-se que nada iria ao ar no
telejornal de maior audiência da emissora.
Os telefones da redação não paravam. A cada instante
um telespectador ligava perguntando pelo telejornal, querendo
saber o que estava acontecendo. Coube a quem estava na
39 Local onde é feito o controle de tudo que é exibido pela emissora e no qual
ocorre a comunicação entre a emissora local e o Controle Mestre Rede Globo.
65. 65
redação explicar a decisão da Rede Globo e garantir que toda a
cobertura estaria nos telejornais do dia seguinte.
E foi exatamente isso que aconteceu. O Bom Dia
Paraíba do dia 21 de junho de 2013 trouxe a cobertura
completa da manifestação na capital e nos municípios
paraibanos. Dos 46'56” do tempo do telejornal, 24' foram
dedicados à cobertura das manifestações locais. Nos telejornais
seguintes a cobertura se repetiu com destaque.
No JPB Primeira Edição aquela era uma sexta-feira
especial, pois o jornal deveria ser totalmente transmitido de
Campina Grande, com atrações juninas e, unicamente, os fatos
mais relevantes da manhã. Era dia do “JPB São João”40, mas,
os fatos da quinta-feira, 20 de junho de 2013, superaram o que
estava programado e planejado para o dia 21. Dos 34'22”
abertos pela Rede para o JPB Primeira Edição, 17' reportaram
as manifestações da tarde do dia anterior.
E o JPB Segunda Edição encontrou uma forma
diferente de destacar a manifestação. O editor-chefe optou por
exibir clips41 com pouco mais de um minuto, cada, antes das
40 No mês de junho, todas as sextas-feiras o JPB Primeira Edição é transmitido de
Campina Grande. São programas especiais, programados com antecedência e que
valorizam as festas juninas dessa época.
41 Edição que reúne áudio e imagens, sem texto. O áudio pode ser o da imagem ou
uma música e junto com as imagens transmitem uma mensagem determinada. No
caso em questão, a participação dos paraibanos na manifestação em 20/13/2013.
66. 66
duas passagens de bloco42, com imagens e áudios das
manifestações em João Pessoa. Antes da entrada dos clips foi
dada uma explicação ao telespectador. O texto antes da
primeira entrada foi o que segue abaixo.
Ontem, por causa da transmissão nacional das
manifestações em várias capitais e cidades
brasileiras, o JPB Segunda Edição não foi
exibido. Para o jornal desta sexta-feira, nós
separamos as melhores imagens e depoimentos
gravados pelas equipes da TV Cabo Branco,
desde o início da tarde até o término da
caminhada, no Busto de Tamandaré. Veja a
primeira parte agora.
E esta foi a forma encontrada pelos profissionais da TV
Cabo Branco para levar aos paraibanos as imagens e os fatos
daquele dia 20 de junho de 2013.
No dia seguinte, a gerência de Programação da Rede
Globo entrou em contato com a direção do jornalismo local e
pediu uma avaliação do que tinha ocorrido, como as pessoas
tinham recebido aquela decisão de exibir a cobertura nacional e
não deixar espaço para o telejornal local, para balizar futuras
decisões. A editora regional de jornalismo informou que a
repercussão tinha sido muito negativa e lembrou o grande
42 Momento em que o apresentador diz quais os destaques do bloco seguinte e
entram os comerciais.
67. 67
número de ligações e reclamações recebidas pela redação,
naquela noite, além da frustração dos profissionais envolvidos
na cobertura.
Conclusões
Como funcionária da TV Cabo Branco, com mais de 20
anos de casa, afirmo que a afiliada mobilizou-se, envolveu
vários departamentos e deu todo o apoio ao jornalismo para
que, no dia 20 de junho de 2013, fosse feita uma grande
cobertura das manifestações por melhorias no sistema de
transporte público e outros serviços. Recebemos tudo que
pedimos: do motoboy ao helicóptero.
Cada profissional chamado para trabalhar estava lá,
disposto a fazer o melhor e em alguns casos, arriscar a vida
para garantir uma cobertura de qualidade. Até quem não foi
chamado não se furtou ao trabalho, como o caso da
apresentadora e repórter Patrícia Rocha. Ela não foi convocada,
mas passou a tarde na empresa adiantando o prelim do
telejornal, a ser apresentado no dia seguinte, o Bom Dia
Paraíba, e ajudando a produção nos contatos com as equipes
que estavam na rua.
68. 68
Na verdade era lá fora que Patrícia queria estar. Em
determinado momento da tarde ela virou para mim e disse
“Não sei como vocês aguentam ficar aqui dentro, enquanto
tudo está acontecendo lá fora. Eu quero ir pra rua!” Eu sorri e
disse: “Amiga, esta é nossa agonia diária. Sabemos que tudo
está acontecendo lá fora, há momentos em que desejamos ir lá
fora, mas compreendemos que é preciso ter alguém aqui
dentro, para organizar o que vem da rua e levar o melhor para
os telespectadores, em tempo e no prazo que temos, durante a
manhã ou à tarde, para deixar tudo pronto. Cada um faz a sua
parte e precisa administrar suas agonias. Acalme seu coração”.
Não consigo esquecer os rostinhos dos jornalistas mais
novos da redação, que em nenhum momento imaginavam que o
jornal poderia não ir ao ar. Para quem estava ali há muito
tempo, essa possibilidade passou a ser real quando observamos
o movimento de exibição da Rede Globo. Porém, mesmo os
mais antigos, diante dos fatos locais daquele dia, tinham a
esperança de que a Programação da Rede deixaria pelo menos
alguns minutos para as emissoras mostrarem os protestos das
suas cidades. Não foi o que aconteceu.
Como jornalista só pensava nos telespectadores fiéis,
naqueles que não paravam de ligar querendo uma explicação e
reclamando. Procurei dar ainda mais atenção a cada um que
69. 69
atendi naquele dia. Como cidadã paraibana compreendia todos
eles. Era um momento histórico, a Paraíba tinha demorado para
entrar no processo das manifestações, mas entrou, e, naquele
dia, todos queriam ver como nosso povo tinha se comportado,
o que tinha acontecido naquela tarde, em cada canto da cidade
e do Estado onde houve protesto.
Confesso que, como jornalista e cidadã, me emocionei
ao ver na ilha de edição aquelas imagens. E foi lindo ver as
pessoas na rua de forma civilizada, pedindo o que é direito e
deveríamos ter desde sempre: saúde, educação, transporte
público. Além disso, observar que aquela multidão também
queria algo que acho fundamental para o país: mudanças no
comportamento dos políticos. Acredito que o recado das ruas
foi simples: se vocês não mudam, nós mudamos vocês. Claro
que não aceitamos, nem gostamos de ver as agressões físicas e
verbais aos nossos colegas, mas compreendemos que esse foi
um comportamento isolado e de uma minoria.
De maneira geral, a Paraíba deu exemplo de bom
comportamento na manifestação de 20 de junho de 2013. Uma
imagem marcante do que falamos aqui foi a de cidadão
distribuindo rosas com os policiais que trabalhavam, para dar
segurança a todos. Segundo balanço da Polícia Militar, nenhum
incidente grave foi registrado durante os protestos.
70. 70
Enquanto funcionária, não posso julgar a decisão da
Rede Globo de mudar toda a grade de programação e não
deixar espaço para as emissoras locais exibirem seus telejornais
naquele dia, mas, como cidadã, posso afirmar que o sentimento
da maioria dos paraibanos, naquele dia, foi de desrespeito. A
jornalista compreende o peso da cobertura nacional da
manifestação e a decisão tomada, por quem comanda a Globo,
mas, a paraibana gostaria muito de ter tido o direito de assistir
a cobertura local, com as imagens da minha cidade, no JPB
Segunda Edição, naquele dia histórico.
71. 71
O Radiojornalismo da CBN nos Protestos em João Pessoa:
Relatos de Cobertura
Edileide Oliveira BEZERRA43
Olga TAVARES
Introdução
Quando os protestos começaram em São Paulo,
acompanhamos as notícias principalmente pela televisão.
Inicialmente, causou certo estranhamento o fato de o motivo
divulgado pelos telejornais ser somente o preço das tarifas de
transporte público na capital.
É verdade que, meses antes, Porto Alegre tinha vivido
uma série de protestos violentos por conta do aumento das
tarifas, mas, no caso de São Paulo, o fato se prolongou e, como
um rastilho de pólvora, se espalhou para o Rio de Janeiro e
outras capitais, à medida que os dias passavam, tornando
algumas questões mais claras.
As manifestações tinham um quartel general nas redes
sociais. Assim, como quase tudo na internet, a matriz de
pensamento era completamente heterogênea. As tarifas foram
apenas o motivo inicial para a eclosão de uma série de
43 Mestranda do PPJ/UFPB; email: edileidejp@gmail.com;
olgatavares@hotmail.com (orientadora)
72. 72
insatisfações. Corrupção, cura gay, saúde, educação,
mobilidade, PEC 37, PEC 33, enfim, tudo aquilo que parecia
injusto aos olhos da população. Esta diversidade, sim,
justificava a proporção das manifestações.
O fato é que a onda de protestos nas ruas e avenidas
importantes das principais cidades brasileiras, organizada pelo
Movimento Passe Livre, com o lema “não é por centavos, mas
por direitos”, entrou para a história da democracia brasileira no
século XXI. Transformou-se em um marco histórico para a
ciberdemocracia ao levar às ruas, quase que simultaneamente,
milhares de brasileiros, especialmente jovens estudantes,
inquestionavelmente mobilizados nacionalmente, por meio da
computação social e suas redes de mídias sociais.
Levy (2010) afirma que, no tocante aos efeitos sobre a
democracia, essa nova realidade, metamorfose da esfera
pública, afeta positivamente a capacidade de aquisição de
informação, de expressão, de associações e de deliberação dos
cidadãos.
Segundo este autor,
A computação social aumenta as possibilidades
da inteligência coletiva e, por sua vez, a potência
do “povo”. Outro efeito notável dessa mutação da
esfera pública é a pressão que ela exerce sobre os
administradores estatais e sobre os governos para
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mais transparência, abertura e diálogo. (LÉVY,
2010, p.14) (grifo do autor)
Corroborando com essa linha de raciocínio, Primo
(2013, p.17) ressalta que, com a “emergência das tecnologias
de comunicação e informação a liberdade de expressão dos
cidadãos pode ser potencializada via mídias digitais”. Um
exemplo são esses protestos que ganharam proporções
gigantescas em nível nacional, a partir de práticas de
ciberativismo, sendo assim uma verdadeira prova da força dos
meios digitais, no aspecto de articulação, mobilização e ações
políticas, como bem coloca este autor.
A rigor, não há como deixar de reconhecer a
importância política da liberdade de expressão
promovida pelas interfaces fáceis e baratas (ou
gratuitas) dos meios digitais. Nem tampouco
pode-se ignorar a força dos movimentos
espontâneos em rede, cujos efeitos antes não
eram possíveis em uma sociedade caracterizada
pela mídia de massa. (PRIMO, 2013, p.17)
Por outro lado, vale lembrar que nem mesmo o
imediatismo da rede mundial de computadores superou a
agilidade do rádio no que se refere à cobertura jornalística.
O rádio brasileiro, principalmente as estações que
dispõem de departamentos de jornalismo, um exemplo disso,
são as rádios All News, emissoras 100% notícias, utilizando-se
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também da praticidade das tecnologias móveis, possibilitou
acompanhar de perto os protestos ocorridos nas principais
cidades do país, exercendo, plenamente, uma das principais
características no fazer jornalístico em rádio: o imediatismo.
Este artigo tem por objetivo relatar a experiência dos
jornalistas da CBN na cobertura dos protestos de rua
acontecidos em João Pessoa.
Emoção nas ondas do rádio
Um episódio que pode comprovar a presença marcante
dos repórteres das rádios nas manifestações, direto dos locais
das passeatas, foi vivido por Genilson Araújo, da CBN Rio,
quando narrou, ao vivo, os confrontos entre a polícia e
manifestantes no entorno do Maracanã, na tarde do domingo,
16 de junho de 2013, com entradas durante a transmissão do
jogo México e Itália, pela Copa das Confederações. De acordo
com o radialista, a manifestação seguia de forma pacífica até a
ação do batalhão de choque, que tentou dispersar cerca de 500
pessoas, com bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo. Na
CBN João Pessoa, nos momentos de análises dos protestos,
esse relato foi reprisado e pudemos perceber a emoção e até o
choro do repórter:
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Não houve, por parte, pelo menos dos estudantes,
qualquer ato de agressividade. Eles paravam
quando a polícia fazia bloqueio e tentavam por
outra via e assim faziam. Quando, de repente,
apareceu um grupo do batalhão de choque,
disparando bombas de efeito moral, com
cachorros e bombas de gás lacrimogêneo,
dispersando essas pessoas.3
A narrativa de Genilson Araújo ganhou clima de tensão
no momento em que ele tentava convencer os policiais a
pararem com a investida porque havia crianças no local. Sem
perceber que estava no ar, o radialista discutiu com a polícia e,
rapidamente, foi parada a transmissão. Pouco tempo depois,
ainda na zona de conflito, o repórter voltou ao vivo para
explicar a situação.
Estamos aqui em uma batalha que só tem um lado
atacando, que é o lado do batalhão de choque.
Não satisfeitos em afastar os manifestantes do
entorno do Maracanã, alguns pelotões
permanecem acompanhando os manifestantes que
buscaram refúgio na Quinta da Boa Vista,
tradicional área de lazer aqui no Rio de Janeiro.
Muitas crianças, muitas pessoas idosas. Os
policiais ameaçaram entrar com bombas de gás
lacrimogêneo quando receberam apelos dos
jornalistas para que não entrassem. Eles acabaram
acatando.44
44 Cf. Reporter da CBN chorando ao vivo. In: [Audio CBN/RJ]. Disponível em:
http://migre.me/jD2BO. Acesso: 04.06.2014
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O relato de Genilson, por meio das tecnologias móveis,
com a utilização do celular, ampliou a sua presença no palco
dos acontecimentos, mostrando o quanto o repórter é
imprescindível na emissão da mensagem radiofônica.
No que se refere ao imediatismo no campo jornalístico,
Traquina (2013, p. 35) considera as notícias um ‘bem
altamente perecível’, e que, por isso, necessitam de velocidade,
evitando a deterioração do valor da informação. Para tanto,
“em termos logísticos, o valor do imediatismo leva ao reforço
da importância da capacidade performativa dos jornalistas de
uma empresa na montagem da cobertura”.
As redes nacionais de rádio tiveram papéis importantes
na cobertura dos protestos, em algumas cidades do Brasil,
realizando giros de notícias ao vivo, entre as praças que
compõem essas cadeias, repassando informações de todos os
locais com manifestações, como foi o caso da Central
Brasileira de Notícias (CBN) que, em vários momentos,
acionou, durante os protestos, as equipes que, por telefone
celular, relataram os episódios. Mas antes de prosseguir com
narrativa dos relatos de cobertura dos protestos, é importante
entender a estrutura básica da rádio CBN João Pessoa.
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CBN João Pessoa
Intercalados com os programas nacionais, a CBN João
Pessoa tem dois programas de produção jornalística local, o
CBN João Pessoa, de segunda à sexta-feira, das 9h às 12h,
abordando os principais assuntos da atualidade, em áreas
diversas, como política, saúde, economia e cultura. O programa
apresenta, diariamente, reportagens externas e entrevistas em
estúdio, além de colunas e quadros com temas variados.
Já o programa CBN Cotidiano, de segunda à sexta-feira,
das 15h às 17h, aborda, como o próprio nome sugere, assuntos
que se relacionam ao cotidiano do ouvinte, por meio de
entrevistas e colunas. Nesses dois programas, a CBN João
Pessoa procurou fazer um trabalho com informação e prestação
de serviço, abordando assuntos relacionados ao protesto, na
cidade de João Pessoa, desde o início da semana de
mobilização, do período de 17 a 20 de junho de 2013.
Entre as pautas, inserem-se:
Registro do anúncio do Prefeito de João Pessoa, Luciano
Cartaxo, sobre a redução da tarifa do transporte público da
capital. Esta medida repercutiu nacionalmente com entrada
ao vivo da repórter local na CBN nacional;
Participação do presidente da Associação das Empresas de
Transporte Coletivo de João Pessoa (AETC-JP), Mário
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Tourinho, que falou sobre a redução da tarifa de ônibus,
provocada pela onda de protestos;
Entrevista, por telefone, com um dos estudantes da comissão
organizadora do movimento Passe Livre em João Pessoa,
Israel Lucena;
Cobertura na reunião entre representantes de Secretarias dos
governos estadual e municipal, para discutir e traçar,
conjuntamente, estratégias e plano de ação para garantir a
segurança e a mobilidade dos cidadãos e dos integrantes do
movimento, durante protestos;
Entrevista com o representante da Polícia Militar da Paraíba,
que apresentou detalhes sobre o plano de ação da PM,
previsto para o dia da manifestação;
Mesa redonda sobre os protestos desencadeados pelo
Movimento pelo Passe Livre (MPL) paulista, que ganharam
uma dimensão nacional e internacional. Para conversar sobre
essa verdadeira “revolução” social, nós recebemos, no
estúdio, o antropólogo Wallace Ferreira; o cientista político
Ítalo Fittipaldi; coordenador de mídias digitais da Rede
Paraíba de Comunicação, Ricardo Oliveira, e o advogado e
coordenador do Movimento nas Ruas, de combate à
corrupção, advogado Marcos Pires.
Participação do presidente do PT em João Pessoa, Antônio
Barbosa, analisando os protestos;
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Entrevista com o especialista em mídias digitais e redes
sociais, Xhico Raimerson, que analisou a força das redes
sociais, principais ferramentas utilizadas na divulgação dos
protestos pelo país;
Análises diárias dos principais assuntos que constavam na
agenda midiática referente aos protestos, com os jornalistas
comentaristas do quadro da CBN JP;
Entrevista com o professor universitário, doutor em
sociologia, Adriano de León, que analisou os protestos.
Estrutura de cobertura
No dia da mobilização, 20 de junho de 2013, a
reportagem da rádio CBN João Pessoa, ao vivo, entrevistou o
diretor de Operações da Secretaria de Mobilidade Urbana
(SEMOB), Cristiano Nóbrega, que anunciou o esquema de
trânsito e o suposto trajeto dos manifestantes.
Nesta data, também ao vivo, entrevistou o Presidente da
Ordem dos Advogados do Brasil, na Paraíba, Dr. Odon
Bezerra, que anunciou o apoio da OAB-PB ao protesto.
Acrescentou que disponibilizaria um plantão extraordinário
com, pelo menos, vinte advogados, para fazer a defesa de
algum participante do protesto, caso fosse necessário, mas
nunca, dos vândalos.