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EDIÇÃO ESPECIAL COMEMORATIVA Outubro 2011




       ESPAÇO
       EM
       AÇÃO




         Assim se passaram
dez anos                             2001 - 2011
Foto: Adriano Costa




Em seus 30 anos de carreira o artista plástico
   Marcelus Bob homenageia os 10 anos de
            existência do Espaço Solidário.
Índice
02 - EDITORIAL
03 - APRESENTAÇÃO                                                   03
04 - CAPA: Espaço Solidário
    04 - Dez por mil
                                                                              04
          O Projeto Amigos da Comunidade, reduziu o nível de
          mortalidade infantil, que era na ordem de 60 por mil.

    06 - 10 anos de muita história


                                                                         14
           Desde 2001, o centro acolhe, idosos moradores, alguns
           que passam o dia, de segunda a sexta-feira, e outros
           que frequentam a casa para participar de atividades
           específicas.

    07 - Os conceitos de velhice
          Compreender melhor essa etapa da vida e refletir a
          nossa relação com ela.

    08 - As casas que habitam
          A relação intrínseca entre os idosos, suas moradas e as
          marcas deixadas ao longo do tempo.

    12 - Ensinamentos
           O legado dos idosos para a nossa formação humana.



14 - VELHICE EM VERSOS
                                                                    16
16 - FATOS E FOTOS
20 - GENTE DO ESPAÇO                                                20
22 - VISÕES SOBRE O ESPAÇO
23 - ESPAÇO & CIA
24 - DESPEDIDA
          A casa que abriga a nossa velhice.


                                                                    22
                                                          24
EDITORIAL                                                                                     Casa de taipa, o marco das
                                                                                                            lembranças dos nossos idosos.
                                                                                                            Cheiro de barro molhado, fumaça
                                                                                                            do candeeiro, retrato de santos
       Comecei a fazer parte da história do                                                                 na parede, criançada sentada no
ESPAÇO SOLIDÁRIO no dia 09 de outubro                                                                       chão batido esperando a




                                               Foto: Adriano Costa
                                                                                                            comida...
de 2008, quando fui nomeado pároco da                                                                       Um passado vivo nos olhares dos
Paróquia Nossa Senhora de Lourdes pelo                                                                      idosos!
Arcebispo D. Matias Patrício de Macedo.                                                                     Obrigado pelo presente!
Comigo chegou também o Pe. Marcelo
Cezarino, que havia sido ordenado dois dias
antes, ou seja, no dia 07. Passamos a morar
em Mãe Luiza, na casa do Padre Sabino.
       No meu primeiro contato com o           EXPEDIENTE
ambiente do Espaço Solidário, logo me
                                               Diretoria do Centro Sócio Pastoral
chamou a atenção a alegria dos moradores,       Presidente
o carinho dos funcionários e a arrumação do       Pe. Robério Camilo da Silva
ambiente. Aos poucos fui compreendendo o        Vice presidente                            Idosos Diaristas
                                                  Ion de Andrade                              Abílio Soares da Silva
nível de humanização alcançado pelo             Equipe                                        Alice Bezerra da Silva Rodrigues
conjunto todo. Chamou a atenção a grande          Josélia Silva dos Santos                   Ana Maria de Araújo Caetano
vontade de viver de todos os moradores,           Edilsa Gadelha do Nascimento               Carmelita Alves de Lima
                                                  Loyse M. R. M. de Andrade                  Damião Francisco dos S.
expressa na filosofia de vida da dona             Francisca Etelvina de Araújo               Elino Galvão do Nascimento
Nenen, que dizia que matava a morte todos                                                    Francisca da Silva
                                               Diretor de Redação                            Francisco Alves Sobrinho
os dias. Ela tem razão. Cada dia vivido é         Luiz Marinho Júnior                        Hilda C. da Silva
uma vitória. Aprendi a olhar para o Espaço                                                   Idalina Leite da Silva
Solidário como sendo um oásis, um espaço       Diretor de Arte e Diagramação                 João Felix da Silva
                                                  Adriano Costa da Silva                     José Ribamar Simplício
da esperança, da vida. O tempo foi                                                           Josefa Leonardo de Moura
passando e, na convivência com o bairro, fui   Projeto Gráfico                               Josefa Matias da Silva
me surpreendendo com o aumento da                 Adriano Costa da Silva                     Maria Emilia do Nascimento
                                                                                             Maria Dias Santos da Silva
violência, principalmente entre a juventude.   Revisão                                       Maria da Paz Assunção
Fui refletindo sobre o contraste visível:         Aparecida Fernandes                        Maria do Carmo da Silva
enquanto o idoso quer viver, parte da                                                        Maria da Cruz Euflazino
                                               Revisão Final                                 Maria Dias Santos da Silva
juventude está se matando, seja com o             Luiz Marinho Júnior                        Maria Juraci Rodrigues
alarmante índice de assassinatos entre os                                                    Maria Julia de Moura
jovens com menos de 25 anos ou pelo            Entrevistas                                   Maria Olivia Santos Gomes
                                                  Luiz Marinho Júnior                        Maria das Dores Ciriaco
grande envolvimento com as drogas. Outro          Rosimere Vasconcelos (DRT/RN 590)          Maria de Lourdes Aparecida
dia, depois do assassinato de dois jovens,                                                   Maria de Lourdes Costa da Silva
                                               Fotografias                                   Maria de Lourdes Ferreira
uma idosa me disse: “Padre, eu acho que           Adriano Costa da Silva                     Maria de Lourdes Silvestre
daqui a pouco só vai ter gente velha no           Frank Swatman                              Maria Madalena de Jesus
nosso bairro, pois os jovens estão se             Loyse M. R. M. de Andrade                  Maria Nazaré da Silva
                                                  Luiz Marinho Júnior                        Maria Mercedes da Silva
matando”. Tenho refletido muito sobre isso.       Nicole Miesher                             Marina Vital da Silva
Nossa luta continua para que todos tenham                                                    Neuza Ferreira da Silva
vida em abundância como pede Jesus.            Capa                                          Odete Silva de Farias
                                                 Adriano Costa da Silva                      Pascoal Barracho de Medeiros
                                                                                             Pedro Matias do Nascimento
               Pe Robério Camilo da Silva      Impressão                                     Regina Felipe de Santana
               Pároco                             Edú Gráfica                                Renato Batista de Oliveira
                                                                                             Severina Dantas da Silva
                                               Colaboradores                                 Severina Luiza
                                                  Márcio Ribeiro da Silva                    Tereza Rodrigues da Costa
                                                  Silvania Maria da Conceição
                                                                                           Funcionários do Espaço Solidário
                                               Tiragem                                       Adriana de Queiroz Xavier
                                                   1.000 exemplares                          Aildo Saraiva Peixoto
                                                                                             Anísio Roberto de Assis
                                               Idosos Moradores                              Célia Maria Oliveira da Silva
                                                  Ana Maria da Silva, 64                     Dayana do Nascimento Vieira de Assis
                                                  Ana Hilda Pereira da Silva, 77             Deygreson Rodrigo Soares da Silva
                                                  Alaíde Maria da Silva, 87                  Francisca Darc Bezerra
                                                  Cornélia Otacília da Silva, 82             Gilson da Cruz
                                                  Damião Domingos da Silva, 71               Ieda Maria de Souza
                                                  Edite Dantas Correia, 80                   Iraneide de França Borges
                                                  Francisca Maria da Silva, 77               José Carlos Euflausino
                                                  Jorge Moreira, 75                          Joseane Costa da Silva
                                                  João da Cruz de Souza, 76                  Joseane Domingos da Silva Gomes
                                                  Jovelina Severiano da Silva, 80            Luana Cibely Leandro dos Santos
Padre Robério é pároco da Paróquia                Josefa Cardoso da Silva, 98                Luciene Santos da Rocha
                                                  José Alves de Farias, 77                   Lucileide Barbosa da Silva
Nossa Senhora de Lourdes,                         José Carvalho, 82                          Luiza Belarmino de Oliveira
presidente do Centro Sócio Pastoral               Luiz Silvestre, 72                         Maria de Fátima da Silva
                                                  Luiz dos Santos, 62                        Maria Elizabeth de Sousa
Nossa Senhora da Conceição e                      Maria Auxiliadora Saraiva de Brito, 87     Marly do Nascimento
coordenador do setor das Pastorais                Maria Francisca Quirino da Costa, 64       Nágma Lima de Oliveira
                                                  Maria de Lourdes Rodrigues, 74             Nailda Soares Ferreira
Sociais da Arquidiocese de Natal/RN.              Maria Gasparina da Costa, 72               Patrícia Rodrigues da Silva
                                                  Paulo Germano, 89                          Quitéria Maria de Jesus
                                                  Rita Felipe Dantas, 81                     Rosileide Maria de Jesus Costa
                                                  Sebastiana de Pontes, 89                   Simone Kelly Gomes
                                                  Vicência Maria do Nascimento, 85


   02         ESPAÇO EM AÇÃO - 2011
APRESENTAÇÃO
                                                                   Celebrar a vida

                                                                           Dez anos de solidariedade contínua.
                                                                   Cada minuto preenchido do mesmo conteúdo:
                                                                   solidariedade. É verdade. No Espaço que o
                                                                   Padre Sabino idealizou e viabilizou em Mãe
                                                                   Luiza, para responder às necessidades dos
                                                                   idosos, existe algo diferente. Não se trata
                                                                   apenas de mais uma casa de longa
                                                                   permanência, nem tão pouco um abrigo para
                                                                   idosos. É um espaço para a vivência da
                                                                   Solidariedade. É um verdadeiro espaço de

  Centro Sócio                                                     convivência. Lá, o cuidador também é
                                                                   cuidado. Tudo é celebração, porque a vida é
                                                                   vivida com muita intensidade. Seguindo a
                                                                   metodologia da participação, os moradores
      Centro Sócio Pastoral Nossa Senhora da Conceição,            são parte ativa, grandes colaboradores; tudo
situado em Mãe Luiza, existe desde 1983 e foi fundado pelo         é resolvido na famosa roda de conversa,
Pe. Sabino Gentili. Iniciou suas atividades com cursos             quando a vida é partilhada e respeitada.
                                                                   Dignidade acima de tudo, gerando qualidade,
profissionalizantes e uma escolinha de alfabetização para          e tudo isso alimentado pela força
crianças, a Escola Espaço Livre, e com cursos de                   transformadora do Evangelho, que é o amor.
alfabetização para adultos. Seguiu seu caminho com ações           Por isso, nestes dez anos de existência,
na área da saúde da criança, com o Projeto Amigos da               celebramos a vida, na sua maturidade
Comunidade, com a construção da Casa Crescer, de segundo           carregada de experiências enriquecidas na
                                                                   partilha, descarregadas nas lembranças;
turno para jovens, com a urbanização da favela do Sopapo e,        celebramos a vida não como um peso, mas
finalmente, com o Espaço Solidário                                 com muita intensidade, alimentada pela
      Ao longo destes vinte e oito anos, o Centro esteve à         alegria da vitória cotidiana. Parabéns, Padre
frente da organização de diversos seminários comunitários          Sabino, pela bonita atitude de amar o próximo;
                                                                   esta festa chega ao céu e daqui escutamos
em Mãe Luiza. Os vários seminários discutiram a infância, a        sua gargalhada de satisfação; escutamos
saúde, a adolescência, a mobilização política e o                  você dizer não mais: “tá compreendendo?”
desenvolvimento do bairro. Cada vez que um seminário era           mas, vocês compreenderam. Parabéns a
organizado, uma nova atividade do Centro surgia.                   todos os que fazem O ESPAÇO; à
      Dizia o Pe. Sabino que o Centro deveria cumprir a            administração, aos funcionários, voluntários,
                                                                   moradores e diaristas por mostrarem a beleza
missão e ser a instituição meio, através da qual a credibilidade   da convivência na diversidade. Não basta
da Igreja Católica poderia ser oferecida à comunidade para         deixar a vida me levar. Tenho que viver e não
levantar os caídos e ser fermento para a organização do povo;      ter a vergonha de ser feliz.
um espaço instituído para ajudar a resolver os problemas da
comunidade.
      A história do Centro continua e, atualmente, na gestão
                                                                   Dedicatória
do Pe. Robério, temos novos desafios. O espírito de ação e
trabalho, entretanto, continua o mesmo. Hoje comemoramos             Ao padre Sabino (In Memorian),
os 10 anos do Espaço Solidário e, logo, logo,                            pela eterna presença.
comemoraremos a concretização do Ginásio Poliesportivo da               Aos idosos, pela vivência
Escola Dinarte Mariz, que trará mais espaços de esporte,                     compartilhada.
lazer e cultura para a comunidade.
      O Centro Sócio-Pastoral continua presente na
comunidade e vai onde há maiores necessidades.
                                                                                                             Foto: Nicole Miesher




                                                                   ESPAÇO EM AÇÃO - 2011               03
CAPA: Espaço Solidário




                   Assim se passaram
  dez anos
   Não me pergunte pela minha idade, porque tenho todas as idades. Eu tenho
       a idade da infância, da adolescência, da maturidade e da velhice”.
                                                               Cora Coralina.




Projeto Amigos da Comunidade
| Ion de Andrade



A
       s ações na área da saúde do Centro Sócio   pensar em saídas possíveis. A partir do projeto, a
       Pastoral se iniciaram de maneira mais      mortalidade no bairro passou a cair, alcançando
       sistematizada com o Projeto Amigos da      números que passaram a girar entre 10 e 14 por mil.
Comunidade, no início dos anos 90. Este montado   O principal grupo de causas reduzido foi o das
projeto foi montado para en-                                      diarréias, que correspondiam à
frentar os níveis muito elevados                                  época a praticamente metade dos
de mortalidade infantil no bairro,                                óbitos, seguidos das pneumonias.
da ordem de 60 por mil.                “O Projeto Amigos                Ao longo dos dez anos de
      No projeto, um grupo de 10        da Comunidade,            funcionamento do projeto,
visitadoras de saúde visitava          reduziu o nível de         assistimos a uma redução
todas as gestantes e crianças                                     progressiva dos problemas
com menos de um ano, com
                                      mortalidade infantil,       relacionados à saúde materno-
visitas temáticas mensais. Elas       que era na ordem de         infantil e, simultaneamente,
discutiam com as mães sobre            60 por mil para 10         fomos acompanhando o
aleitamento materno, diarreias e            por mil”              crescimento dos problemas na
reidratação, pneumonias,                                          área da saúde dos idosos. Por
vacinas, alimentação no primeiro                                  esta época, o programa de
ano de vida, dentre outras e se                                   agentes comunitários de saúde foi
dentre outras e se tornavam referência para as      agentes comunitários de saúde foi implantado no
mães no que toca às questões de orientação à        bairro, o que representou, embora não com os
saúde.                                              mesmos métodos, uma responsabilização do poder
      No grupo, tínhamos reuniões semanais para     público pela atenção à saúde neste nível.
discutir cada caso mais preocupante e pensar em           A análise dos fatos e o diálogo com a


   04       ESPAÇO EM AÇÃO - 2011
O encontro com
                                                                 idosos e famílias
                                                                 em dificuldade
                                                                     | VISITADORAS: Elizabeth Sousa,
                                                                               Francisca Darc de Assis,
                                                                        Joseane Gomes, Nailda Ferreira,
                                                                                 Marli do Nascimento e
                                                                                  Simone Kelly Gomes




                                                                 R
                                                                         efletindo sobre a situação dos
                                                                         idosos em nossa comunidade, nós
                                                                         visitadoras que trabalha-mos
                                                                 hoje no Espaço Solidário, con-cluimos: a
                                                                 maioria dos idosos morava em casa e
                                                                 eram bem cuidados, mas tínhamos que
                                                                 ter um olhar para os que estavam em
                                                                 dificuldades.
                                                                        Passamos a visitar os idosos em
                                                                 situação de risco. Começamos a escutá-
                                                                 los e prestar atenção a cada situação.
                                                                        Alguns idosos se queixavam de
                                                                 que, quando se ficava velho, não se tinha
                                                                 mais nem ouvidos nem voz. Outros
                                                                 moravam sozinhos. Muitos tinham que
                                                                 cuidar de netos sem a menor condição de
                                                                 fazê-lo.
                                                                        Nós começamos a nos tornar
                                                                 confidentes, ouvindo queixas e lamentos.
                                                                 Muitos idosos reclamavam que ninguém
                                                                 conversava com eles. Um senhor chegou
                                                                 a perguntar: “será que idoso é
                                                                 contagioso?”
                                                                        Observamos que alguns idosos
                                                                 passavam a dormir na sala ou no corredor
comunidade foi demonstrando à equipe a necessidade de            para deixar o espaço para filhos ou netos.
mudarmos o foco e de termos uma ação focada na atenção ao               Passamos também a escutar as
idoso. O envelhecimento da população em Mãe Luiza foi            famílias. Muitas com preocupações por
revelando problemas diversos como solidão, ausência de           não poder dar toda atenção ao idoso.
famílias ou de relações sociais e afetivas e até mesmo caos de   Outras com mágoas de um passado de
exploração e violência contra idosos.                            relações difíceis. Uma visitadora lembra
                                                                 que a filha de uma idosa perguntou: “Só
       Este conjunto                                             porque mãe tem cabelos brancos que
de coisas foi o motor                                            tenho que esquecer o que me fez
da criação do Espa-                                              passar?!”
ço Solidário, e a                                                       Nessa convivência de partilha e
maioria das visitado-                                            aconselhamento, foi preciso, em alguns
ras de saúde do pro-                                             momentos, tomar medidas, colocar
jeto Amigos da                                                   alguns idosos em Instituição fora de Mãe
Comunidade foi                                                   Luiza, sabendo que isso representava
incorporada à nova                                               uma ruptura e um distanciamento da terra
iniciativa do Centro,                                            que eles tinham conquistado a duras
                                                                 penas.
que antecipou, na                                                       Foi por essas problemáticas que,
leitura sobre os                                                 aos poucos, o sonho foi nascendo! Mãe
                            Dr. Ion Andrade é pediatra e
problemas de Mãe                                                 Luiza precisava de um espaço que
                            sanitarista por vocação, geriatra
Luiza, a necessida-                                              pudesse acolher o seu idoso, um espaço
                            por destino. Acompanha as
de de cuidados para                                              que pudesse ajudar a fortalecer relações.
                            atividades do Centro há mais de
os nossos idosos.
                            vinte anos.



                                                                   ESPAÇO EM AÇÃO - 2011             05
CAPA: Espaço Solidário

    Espaço Solidário
                                                                         O
                                                                                 Espaço Solidário foi se




   10 anos
                                                                               construindo na urgência
                                                                               de dar uma resposta aos
                                                                       idosos da comunidade. Ele
                                                                       pretende proporcionar qualidade
                                                                       de vida, assegurando direitos,
                                                                       quer ser um espaço de
                      de muita história!
                      de muita história!                               aprendizagem permanente de
                                                2001 - 2011            reflexão sobre questões do
 | Loyse de Andrade                                                    envelhecimento e aspira a ser um
                                                                       elo entre idosos, familiares,


N
        o Brasil, como no mundo, a população idosa vem                 comunidade e sociedade.
        crescendo. Nos anos 70, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro          Desde 2001, o centro fun-
        de Geografia e Estatística ela correspondia a                         ciona nas modalidades de
3,1% da população. Em 1995, o número                                          Instituição de Longa Per-
subiu para 4,9% e hoje chega a 10,4 %.                                        manência, Centro Dia e
Os cálculos indicam que até 2050, 30 %                                        Centro de Convivência. Ele
das pessoas no país terão 60 anos ou                  “Os cuidados e          acolhe, hoje, 24 idosos
mais. Proporção quase 3 vezes maior                 carinhos inspiram         moradores, 15 a 20 idosos
que a dos dias de hoje.                          segurança; a inserção        que passam o dia, de se-
       Em Mãe Luiza, a realidade não é                                        gunda a sexta, e mais uma
diferente. Em 2000, as pessoas a cima                    nas tarefas          média de 30 idosos que
de 60 anos representava 6,9% da popu-            domésticas favorece a        frequentam a casa para
lação (1117 idosos). A média na época,                  sensação de           participar de atividades es-
era bem inferior a média nacional, pro-                                       pecíficas. Entre eles, 12%
vavelmente devido à situação de exclu-
                                                      pertencimento”
                                                                              têm menos de 60 anos,
são social sofrida pelos moradores do                                         30% têm entre 60 e 70
bairro. Hoje a situação mudou. Os da-                                         anos, 32% entre 71 e 80
dos do IBGE 2010 apontam para uma                                             anos e 26% têm acima de
dos do IBGE 2010 apontam para uma média acima da média                 80 anos.
nacional. Os idosos do bairro representam 10,8% da população                   Hoje contamos com uma
(1622 idosos). Esses novos dados revelam a permanência dos             equipe de trabalho de 27 pessoas,
idosos na comunidade e aponta para um exílio dos mais jovens.          cuja maioria consta de moradores
       A expectativa de vida no país aumentou e passou de 70 anos      do bairro.
em 1999 a uma média de 73,1de vida no país aumentou e passou de               O idoso que freqüenta diária
70 anos em 1999 a uma média de 73,1 anos em 2009. As mulheres          ou ocasionalmente o Espaço
têm quase 10 anos a mais de mulheres têm quase 10 anos a mais de       Solidário busca ampliar os seus
esperança de vida que os homens (elas vivem em media até 77            espaços de convivência. Os
anos, enquanto eles, até 69,4 anos).
                                                                       cuidados e carinhos inspiram
       O Brasil avançou muito nas políticas públicas voltadas para as
                                                                       segurança; a inserção nas tarefas
questões da velhice, porém ainda há muito a fazer. O Estatuto do
                                                                       domésticas favorece a sensação
Idoso, Título I, Artigo 3, afirma: É obrigação da família, da
                                                                       de pertencimento; as reuniões e
comunidade, da sociedade e do poder publico assegurar ao idoso
                                                                       passeios semanais incentivam a
com absoluta prioridade, a efetivação do direito a vida, à saúde, à
alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, participação e a cidadania; a fisio-
à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência     terapia, terapia ocupacional, pis-
familiar e comunitária.                                                cina, massagem e cuidados
       Sabemos também quantas famílias são vulneráveis e               individuais fortalecem a auto esti-
privadas de direitos. Compartilhamos com as famílias e os idosos as    ma; o acompanhamento à saúde
alegrias da convivência e as angústias que o envelhecimento pode       previne e ajuda a viver com digni-
provocar numa estrutura familiar já fragilizada.                       dade; as festas e encontros inte-
       Sabemos que, hoje, menos de 1% da população de idosos           gram; as missas e celebrações
mora em Instituição de Longa Permanência.                              confortam.




   06       ESPAÇO EM AÇÃO - 2011
Os conceitos de velhice
        que permeiam o Espaço Solidário
| Idosos e equipe




O
          Espaço Solidário está            Observou-se que por ser             otimista do seu passado,
       sempre buscando com-          uma fase perto do fim da vida, a          relatando, aos poucos, também
       preender melhor essa          velhice nos remete à morte e              as alegrias dos bons momentos
etapa da vida que é a velhice. Em    constatamos o medo que certos             lembrados.
reunião, tentamos refletir sobre a   idosos sentem, principalmente ao                 Ao refletir sobre esse fato,
nossa relação com a velhice.         anoitecer. Percebemos também              pensamos que quando pessoas
                                     como nós, cuidadores,                     têm um espaço de carinho,
Breve relato:                        precisamos lidar com esse                 acolhida e participação, quando
                                                                               se tornam confiantes e seguras
       Lembramos do Padre                                                      por se sentirem amparadas, elas
Sabino que nos dizia que                                                       têm maiores condições de
trabalhávamos antes de tudo,               “ A velhice é                       repensar (reconstruir) o seu pas-
com pessoas, com gente cuja                 somente a                          sado de forma mais leve.
trajetória de vida os fez chegar à                                                    Pensando a própria velhice,
velhice. Trabalhamos com                 continuação de                        os idosos acreditam que é um
cidadãos de direitos.                     uma vida que                         privilégio ter se chegado a essa
       O nosso trabalho visa ao                                                idade, mesmo se, às vezes,
bem estar do idoso, queremos            durou, ela é a vida                    queriam poder voltar no tempo.
que ele possa continuar no que                 toda”                           Comentam sobre os aspectos
gosta e no que quer na medida do                                               difíceis da velhice, como as
possível.                                                                      limitações e perdas de toda
       A equipe se coloca como                                                 ordem que chegam com maior
sensível às necessidades do                                                    intensidade nessa fase.
idoso, tentando atender suas         precisamos lidar com esse                        Os idosos lembram o
demandas numa troca de               sentimento.                               quanto as alegrias e o sofri-mento
relações (pensar o idoso como               Sentimos às vezes o desejo         da vida fizeram deles o que são
sujeito). O nosso trabalho está      de ver uma vida se terminar por           hoje. Relatam a impor-tância das
todo voltado para que o idoso        ter se tornada difícil e sofrida. Um      relações de afeto e carinho
possa ter uma vida digna e plena.    desejo que nos remete ao                  colocadas como indis-pensáveis
       As dificuldades que en-       sentimento de compaixão, de               para se viver bem.
contramos ao lidar com a velhice     querer saber o outro em paz.                     Segundo toda equipe do
é, às vezes, o descompasso que              10 anos de história permite        Espaço Solidário: A velhice é
existe entre os desejos de inde-     fazer algumas consta-tações:              somente a continuação de uma
pendência e as possibilidades               Moradores do Espaço                vida que durou, ela é a vida toda.
reais que têm certos idosos. Fa-to   Solidário que vieram amargos,             É a vida inteira! Feita de expe-
que faz com que os cuidados          contando histórias de vida duras          riências positivas e negativas que
sejam interpretados como             e sofridas, passaram ao longo do          muito ensinaram.
imposição ou autoritarismo.          tempo de convivência, a fazer
       Observou-se que por ser       uma leitura mais positiva, mais
uma fase perto do fim da vida, a     otimista do seu passado,
velhice nos remete à morte e         relatando, aos poucos, também




                                                                            ESPAÇO EM AÇÃO - 2011         07
CAPA: Espaço Solidário




A
       o pensar os 10
       anos do Espaço
       Solidário, casa
que ampara a velhice,
imaginamos resgatar as
casas que abrigaram
toda a trajetória de vida
dos idosos.

      Acabamos nos
encantando com os
relatos dos idosos sobre
as casas       de    sua
infância. E foi ao longo
das conversas que
surgiu a ideia de cons-
truir um marco que
pudesse fazer a ponte
entre passado e pre-
sente.

      “(Re) construímos
juntos em mutirão a casa
da nossa infân-cia!”
       Ela devia ser de
taipa, com um teto de
palha, porta e janela.
      Muitos idosos vi-
giaram a construção,
alguns pisaram o barro!
Discutimos o que não
podia faltar na casa!

     Aqui está ela! “A
casa da nossa infância
dentro da casa da nos-
sa velhice! Símbolo de
nossa raiz e identida-
de.”
                                      Foto: Luiz Marinho




     Fecha –se o ciclo!




   08       ESPAÇO EM AÇÃO - 2011
Revista Espaço em Ação
CAPA: Espaço Solidário

            As casas que habitam nossas lembranças e corações
de vara ou madeira com um col-                        saco bem limpo.                                        cer ou num buraco a céu aberto,
chão (feito de junco) e um penico de                         Atrás das casas, tinha sem-pre                  feito no fundo do quintal, prote-gido
barro ou de ágata, debaixo da cama.                   uma latada (puxado coberto com                         apenas por alguns pedaços de
Havia também um cabide de parede                      palhas de coqueiro, sobre duas                         madeira para a acomodação de
para pendurar as rou-pas em uso e                     forquilhas e três linhas) feita para                   quem precisasse usar.
uma mala grande ou um baú de                          proteger o jirau de varas onde se                            Na maioria das casas, cos-
madeira, para as roupas limpas e                      lavava toda a louça, numa bacia de                     tumavam criar um cachorro vira-
reservadas para as ocasiões                           alumínio ou aguidá² de barro. Um                       lata, que era como da família. Este
distintas (feira, missa ou festa). E                  torno (uma espécie de suporte de                       ajudava nas caçadas e tomava
em algumas casas, quando suas                         madeira enfiado na parede) para                        conta da casa, dando conta de
donas eram mais vaidosas, o baú                       pendurar todo tipo de tralha (corda,                   quem chegava ou saía. Geralmen-
servia para guar-dar os enfeites e                    arreios, cangalha...). A jarra com                     te, tinham nomes de peixes
cuidados femini-nos, tais como                        água para lavar a louça da casa e os                   (Tubarão, Tainha, Baleia), salvo
brincos, trancelim¹, pulseira                         pés de todos, antes de dormir.                         apenas Duke para os machos e
(folheados a ouro, vindos do                                   O banheiro – quando tinha –                   Tuninha para as fêmeas.
Juazeiro e Canindé), colar e                          era de palhas de coqueiro no meio do                         “Na casa de nossa infância”
diadema. E também vaselina Zezé,                      quintal. Em algumas casas, era uma                     pouco se brincava. Nestas as
água de cheiro, baton, ruge e pó de                                                                          brincadeiras aconteciam junto com
arroz (tudo comprado na feira) para                                                                          as obrigações. No roçado, ajudando
o embelezamento das patroas                                                                                  o pai no cuidado da la-voura, na
(como os homens se refe-riam as                                                                              mata, juntando a lenha para fazer os
suas mulheres respei-tosamente) e                         “ Cheirava a barro                                 feixes, no rio ou ca-cimba,
das mocinhas.                                                                                                buscando água para abas-tecer os
       O último vão da casa era a                        molhado no inverno,                                 potes e jarras da casa. Dormia-se e
cozinha e um reservado, uma es-                          quando chovia; a flor                               acordava-se cedo, daí não se tinha
pécie de despensa, munida de um                                                                              tempo para brin-cadeiras. Salvo
jirau pendurado no teto para guar-                           de Benedita,                                    quando se ia a alguma quermesse
dar a mistura (todo e qualquer tipo                       maracujá e jasmim                                  ou para um grupo escolar da cidade
de carnes). Nesta se achava o fo-                                                                            em que se morava (o que só alguns
gão, que quando não era no chão,                            na primavera ”                                   puderam frequentar).
feito com três pedras e uma trem-pe
em cima para por as panelas de                                                                               O cheiro da nossa infância
barro, era feito em cima de um jirau


                                                                                                             P
onde podia se colocar até três bocas                                                                                ara finalizar, lembraram-se
com trempes. Embaixo destes                           era uma peça única (um retângulo ou                           do cheiro “da casa de nossa
guardava-se a lenha para o uso                        um quadrado também de chão de                                 infância”. Cheirava a barro
diário. A lenha para abastecer o fogo                 areia onde se colocava madeira ou                      molhado no inverno, quando chovia;
era pega no mato. Os pais iam para                    então algumas pedras que resolviam                     a flor de Benedita, maracu-já e
as matas, cortavam a lenha com                        o problema); em outras, era dividido                   jasmim na primavera; a chá de
foice e transportavam-na em feixe                     em duas partes. Uma para o banho,                      alecrim, capim santo, louro e ci-
sobre a cabeça, em carroça ou no                      onde eram coloca-dos uma jarra e                       dreira no outono; a mangaba,
lombo dos burros (jegue), arrumado                    um caneco e, na outra, uma latrina                     maçaranduba, canjarana, araçá,
nos cambitos. Os mantimentos                          (espécie de bojo sanitário feito de                    manga, goiti, jaca e cambuí no ve-
menos perecíveis eram guardados                       barro). Esta era a realidade das                       rão; a mingau de araruta, ave de
num caixote amarrado com corda ou                     casas mais urbanas. Nas casas do                       arribação, nambu e piaba assada na
com peia de couro, e o cadeado era                    i n t e r i o r, p r i n c i p a l - m e n t e a s     brasa, galinha caipira torrada na
um nó. A louça de barro ou de ágata                   ribeirinhas, o banho acon-tecia no rio                 panela de barro, feijão verde com
era acomodada numa tábua grande                       ou lagoa, onde também era lavada                       maxixe e coentro cozido na água e
do lado oposto, um pouco acima do                     toda a roupa da casa. E quando não                     no sal, café torrado no caco, cocada
fogão, ao alcance da mão. E um                        existia latrina, as necessidades eram                  e    bala de coco em todas as
pote com água limpa para beber e                      feitas no mato, durante o dia, e, à                    estações...
cozinhar, coberto com um pano de                      noite, num pinico de barro ou ágata
saco bem limpo.                                       cujos dejetos se atiravam no mato,
         Atrás das casas, tinha                       logo ao amanhe-cer ou num buraco a
sempre uma latada (puxado coberto
¹Trancinha. Fio ou cordão delgado de ouro.
²Alguidar: vasilha de barro ou metal, rasa, em forma de tronco ou cone invertido, muito usada em cerimônias religiosas de origem africana.



    10            ESPAÇO EM AÇÃO - 2011
Foto: Adriano Costa




ESPAÇO EM AÇÃO - 2011   11
CAPA: Espaço Solidário




| relato da equipe




N
         ós, da equipe do Espaço         sos. Todos nós colocamos que
         Solidário, refletimos, em       aprendemos a enfrentar e lutar
         reuniões, sobre o legado        pela vida com toda sua dificulda-
dos idosos para a nossa forma-ção        de. Que não devemos nos abater e
humana.                                  que, mesmo com toda a adver-
        Alguns falam da admiração        sidade, temos que compartilhar o
que sentem por certos idosos             que temos de bom com as outras
quando observam a vontade que            pessoas. Aprendemos a ter mais
eles têm de viver. Às vezes, mes-        paciência com as debilidades dos
mo muito debilitados, curtem mo-         outros, a ter mais paciência
mentos como um banho, um                 conosco também.
simples pentear de cabelo, um                  A nossa convivência com os
cheiro de comida, uma demons-            idosos alargou nossa percepção
tração de carinho, superando as-         da vida, aprendemos a nos alegrar
sim limitações.                          mais.
        Outros falam da agressi-               Somos muito gratos a cada
vidade de certos idosos, forma de        um dos idosos pela contribuição a
expressão que motivou a equipe a         nossa formação humana.
aprender a interagir sem medo e
com respeito.
        Temos certa satisfação ao
                                         Nossos desafios
ver idosos que não aceitam tudo e



                                         O
revidam quando se sentem agre-
didos. Gostamos de ver idosos                    s desafios são muitos, pois
buscando ao máximo sua inde-                     manter a Casa na direção
pendência, mesmo com importan-                   que pretendemos, exige
tes dificuldades visuais.                dedicação permanente.
        Gostamos de ver idosas que             O Espaço Solidário, com
dividem com outros o que têm de          seus inúmeros atores (equipe,
melhor (poesia, cordel, canto,           idosos, colaboradores variados,
receita, mas também carinho,             comunidade, etc.), vive em relação
preocupação, cuidado...)                 permanente com a diversidade
        A relação com os idosos da       humana em todos os seus
casa é tão intensa que há momen-         espaços. Nós não queremos
tos em que não sabemos se so-            somente aprender a tolerância e
mos nós que cuidamos deles ou se         respeitar as diferenças, queremos:
são eles que cuidam de nós.                    Incorporar as diferenças,
        Quando temos dificuldades        fazer delas novas possibilidades
em lidar com um idoso, tentamos          para que possamos crescer na
transformar a experiência negati-        diversidade, pois segundo
va em aprendizagem.                      Taramarca (2005), é somente na
        Muito se poderia dizer so-bre    diversidade que se constrói a
o que aprendemos com os ido-sos.         nossa humanidade!
To d o s n ó s c o l o c a m o s q u e




   12         ESPAÇO EM AÇÃO - 2011
ESPAÇO EM AÇÃO - 2011   13
VELHICE EM VERSOS



Poemas
Um lugar bom de viver                   Um lindo cantinho                             O Dia do Idoso                 Uma mãe macho
| ALUNOS DA CASA CRESCER | ALUNOS DA CASA CRESCER | Mª de Lourdes C. da Silva                                        | Mª de Lourdes C. da Silva
 Giovanna Michele Santos, 13 anos          Francisco Bartolomeu Lopes, 14 anos
 Jonathan Cardoso Ferreira, 13 anos        Leandro José do Nascimento, 14 anos                                       Peço ao Espírito Santo
 Sayonara Gomes da Silva, 14 anos          Marcel Mendes, 14 anos
                                           Thiago Alexandre, 15 anos                  Como é boa a nossa velhice     Ele me dá guia e luz
                                                                                      Na nossa terceira idade        Com a força de Jesus
                                                                                                                     Ajudar no meu trabalho
                                                                                      Depois de coroa achada
O Espaço Solidário                                                                                                   O bem eu procuro e acho
                                                                                      Com essa vida avançada         Os filhos pra mãe é tudo
Se encontra em Mãe Luiza                Nos dias de hoje                              Para nós elas fazem festa      Só penso no seu futuro
Fundado em 2001                         Os idosos têm que merecer                     Foi embora todo estresse       Porque sou uma mãe macho
Para abrigar nossa bisa                 Um lindo cantinho                             Nós sentimos mais segurança
                                        Para se fortalecer                            Pra chegar lá não tem pressa   Onze filhos pra criar
Lá vivem muitos idosos                                                                                               Pelo o pai abandonados
Porém alguns não moram lá               Esse cantinho tem coisas                                                     A mãe estava presente
                                                                                                                     Vivendo sempre ao seu lado
Alguns passam o dia                     Para se admirar                                                              As vezes eu falava alto
E sua família vão lhes buscar           Piscina e um jardim                           Como foi bom este estatuto     Era o meu desabafo
                                        E amigos a encantar                           O idoso vive melhor            Exausta e com sofrimento
O ambiente é muito rico                                                               Francisca já fez 80            Sempre sendo uma mãe macho
Fresco e arejado                        Os idosos à espera                            É uma tataravó
                                                                                      Gosta de viajar só             Eu faço o que estou dizendo
Pois de natureza                        De amigos, familiar                                                          E digo o que estou fazendo
Ele está rodeado                        No pátio do Espaço                            É lúcida que admira
                                                                                      Dá inveja pra família          Filho tu siga meus passos
                                        A conversar e descansar                                                      Sempre o que prometo eu faço
                                                                                      Como é forte a minha avó
Sua comida é variada                                                                                                 Digo a Deus muito abrigado
Peixe, frango ou carne                  Essa imagem                                                                  Nós nunca passamos fome
assada                                                                                                               Também nunca fomos errado
                                        Nos chamou muita atenção
                                                                                                                     Porque sou uma mãe macho
Feita com carinho                       Ao irmos visitar                              Viva nós da terceira idade
Pelas pessoas da casa                   Essa instituição                              Viva quem criou esse dia       Ô meu Deus muito obrigado
                                                                                      Viva a nós de Mãe Luiza        Por tudo que tens nos dado
Um lugar bom de viver                   Chama-se Espaço Solidário                     Vivendo com alegria            Por Jesus fomos criado
E também de se morar                    Esse grande coração                                                          Os filhos podem entender
                                                                                      Viva nossa superiora
                                                                                                                     E toda hora agradecer
Os idosos passam boa parte              Um cantinho especial                          Muita paz pra elas todas       A Lourdes que estava ao lado
do tempo                                Na nossa memória e na do                      Deus anda em nossa guia        O melhor que eles merecem
No pátio a descansar                    ancião.                                       Será que somos vencedoras?     Porque tem uma mãe macho



Com a Altura da Idade a Casa se Acrescenta
| Fernando Echevarría, in “Figuras”



                                                                                                                                                    Foto: Adriano Costa
Com a altura da idade a casa se acrescenta.
Não é que aumente a quantidade ao espaço.
Mas, sendo mais longínquos, o desapego pensa
maior distância quando se fica a olhá-lo.
Ou, se quiserem, uma realeza
se instala à volta dessa altura de anos,
de forma a que os objectos apareçam
na luz de quase já nem os amarmos.
Então a casa distende-se na intensa
inteligência de estarmos
a ver as coisas amarem-se a si mesmas.
Ou com a forma a difundir seu espaço.




                FOTO: http://www.babelmatrix.org/works/hu/Echevarr%C3%ADa,_Fernando




    14          ESPAÇO EM AÇÃO - 2011
Cordel
Alice de nossas vidas        A comadre não sabia
                             Um detalhe importante:
                                                          No exercito brasileiro
                                                          Procurou o capitão
                                                                                       A marinha brasileira
                                                                                       Não gostou do visual
| Wilson Palá
                             O danado do peru             Pedindo-lhe sem rodeio       Remanejou as famílias
                             Mancava a todo instante      A ordem de permissão         Do habitat natural
                             E a sua perna torta          Para poder se mudar          Vindo pra Mãe Luiza
Em mil novecentos e trinta   Era a prova relevante.       Usando o caminhão.           Como destino final.
Alice Palá nasceu.
Eram 04 de agosto            A perna do tal peru          E no dia combinado           Alice comprou uma casa
Quanto o fato aconteceu.     Já estava enterrada          E como foi prometido         Com a indenização.
Nas terras de Goianinha      Misturada com as penas       A gurizada embarcou          Da beira do mar saiu
Essa menina cresceu.         Num buraco na estrada.       Pro destino decidido         Não por sua decisão.
                             Alice, porém provou          Sabendo que em Natal         E veio subir o morro
Uma criança sapeca,          Que a comadre foi a ladra.   Nada estava garantido.       Pra completar a missão.
Resolvida e animada
Falava com todo mundo,       E da sua esperteza           Na praia de areia preta      A entrada em Mãe Luiza
Não tinha medo de nada       Zé Bernardo já sabia         Chegou a família inteira     Foi um tanto triunfal
E quando moça, mostrava      Pois vivia a visitá-la       Construíram um casebre       Parecia comitiva
Que era determinada.         No local de moradia          Em uma vila praieira         De um dia especial
                             Sendo o Zé bonitinho         Feito de vara e barro        Treze filhos era o legado
De exemplo, vou contar:      Seu companheiro e guia.      E pedaços de madeira.        Daquele jovem casal.
Quando sua mãe, Chiquinha,
Sentiu falta de um peru      Zé Bonitinho ficou           E bem na praia do pinto      No bairro de Mãe Luiza
Só duvidou da vizinha        Por Alice apaixonado.        Ergueram o novo lar          Wilton, porém chegou
Mas não podia provar         Quando ia visitá-la          Zé Bernardo já estava        Fechando a procriação
A certeza ela não tinha.     Levava José de lado          No instituto a trabalhar     Daquela mãe que gerou
                             E o coração de Alice         Ajudando o pedreiro          Catorze filhos legítimos
Quando que D. Alice          Por José foi despertado.     Erguer o museu do mar.       Onde só um não vingou.
Com a sua esperteza
Foi procurar no lixo         Casaram em quarenta e nove   Alice dentro de casa         Zé Bernardo e Alice
Para provar com certeza      Começando a nova vida.       Cuidava dos seus rebentos:   Com muita simplicidade
Que a comadre vizinha        Com poucos bens e recursos   Em primeiro a saúde;         Ajudaram a construir
Estava com safadeza.         E só a certeza da ida        Segundo o alimento           Partes da sociedade
                             Pra uma nova geração         Em seguida ela insistia      Com 82 parentes
                             Ainda não concebida.         Buscar o conhecimento.       Com suas diversidades.

                             Os primeiros nove filhos     Nessa rotina diária          Nasceram 14 filhos,
                             Nasceram em Goianinha:       Tentavam sobreviver.         33 netos geraram
                             Severino, Lourdes e Neco,    A família ia crescendo       28 os bisnetos
                             Dorinha, Cacau e Sinha,      Com vontade de viver.        Logo se apresentaram
                             Lindalva, Lúcia e Peta       No bairro de Areia Preta     E 07 tataranetos
                             Formavam a primeira linha.   04 filhos iam crescer.       As gerações completaram.

                             No ano sessenta e cinco      Veio Manoel Maria            Alice determinou
                             O destino era Natal.         Chamado de Severino.         Até as forças perder
                             Foram quase retirantes       Logo depois vem Antonio      E a cada um que gerou
                             Em busca da capital          Fuçando o seu destino        Nunca deixou de atender
                             Para melhorar de vida        E Betinha aparece            Até o último dia
                             Como meta principal.         Com o lado feminino.         Que veio a falecer.

                             Zé Bernardo vem na frente    Inda da praia do pinto       Em 21 de agosto
                             Pro trabalho garantir.       Wilson vem encarnar          Desse ano corrente
                             A família ficou lá           Foi o último a nascer        D. Alice desencarna
                             Sem como poder partir.       Naquele belo lugar           Frágil mas consciente
                             Alice bem decidida           De dunas altas e brancas
Alice Palá de Souza          A solução foi provir.        Entre a mata e o mar.
                                                                                       Dizendo no seu olhar
                                                                                       Que sempre estará presente.
04/08/1930 - 21/08/2011



                                                                           ESPAÇO EM AÇÃO - 2011            15
FATOS E FOTOS



                       RASTROS DE


        Conhecendo o Parque da Cidade




                                         Na praia da Redinha “velha”




            Visita ao Parque das Dunas



16   ESPAÇO EM AÇÃO - 2011
CONVIVÊNCIA


                  Iate Clube Natal




                                        Reunião semanal no Espaço Solidário




 Apreciando a vista no Norte Shopping




                                              ESPAÇO EM AÇÃO - 2011           17
FATOS E FOTOS



                         RASTROS DE


               Vista do Iate Clube




                                           Passeio em Ponta Negra




          Aquário de Natal em Santa Rita



18   ESPAÇO EM AÇÃO - 2011
CONVIVÊNCIA


            Mirante da Redinha




                                 Pôr-do-sol na Pedra do Rosário




  Entardecer no Potengi



                                 ESPAÇO EM AÇÃO - 2011            19
GENTE DO ESPAÇO

Parafraseando o quadro de entrevistas Gente do Morro, presente no jornal Fala Mãe Luiza,
periódico de responsabilidade do Centro Sócio que também compartilhou com a comunidade
esses 10 anos de Espaço Solidário, apresentamos o Gente do Espaço. Emprestamos do Fala
duas entrevistas, uma de Maria da Conceição Varela, já falecida, e outra de Jovelina da Silva,
80. Ambas moradoras do centro de convivência compartilharam conosco suas experiências
de vida e vivência comunitária.

“Eu nasci na era 18 no dia de Nossa               lá bem mocinha... Sempre gostei muito de              com menino nos braços logo cedo. Acho que a
Senhora. Já sabe o dia, não é?” É a resposta      criança. Quando morei no Rio de Janeiro               bagunça nas ruas é maior, tem muita gente
que dona Nenê tem pra quem deseja saber           trabalhei numa creche uns nove meses e lá me          fazendo besteira a noite na rua. Mas o povo
suas origens. Maria da Conceição Varela,          perguntaram. – Você prefere cuidar de nênia ou        hoje é mais sabido.
conhecida como Nenê desde criança, tem 82         menino? Aí eu respondi: – O que vier eu tomo
anos. Ela nasceu em Pedro Velho-RN, mas           conta! A freira chefe riu e disse: – Ah! Você é das
morou em Várzea e Nova Cruz, também na            terras de Lampião, por isso é tão valente! É...       Futuro
região Agreste.                                   quem chegava lá no sul, vindo do Norte era
Apesar de muita lucidez, ela não tem certeza      chamado assim. Perdi minha mãe cedo, eu não           MVC: É ter confiança em Deus e trabalhar que
de quando veio morar em Mãe Luíza, conta          me lembro dela, sei que chamava-se Joana e            a gente vence. Hoje é tudo mais fácil. Quando
que morou na Rua Oeste, no Alecrim e de           morreu de parto no 25º filho. Eu sou uma das          eu era criança a gente tinha que plantar e
acordo com as contas, faz mais de 30 anos         derradeiras e fui criada por 3 gênios, primeiro       arrancar batata, milho, arroz e feijão na roça, e
que está em Mãe Luiza, na casa que divide         pelo irmão mais velho, Severino, bebia e batia        a gente via onça pintada bem pertinho...
com o sobrinho Eduardo – 38 anos, o qual          na gente, depois por Pedro (irmão) e por último       naquele tempo não tinha nem energia elétrica.
cuida desde os quatro meses de idade.             por Chico que era Cabo da Polícia.                    Uma vez estava com meus irmãos assando
Com muito bom humor ela cativa todos que a        Nunca fui à escola e as rimas que sei foi meu         castanha e brincando no mato, aí o fogo tomou
visitam contando suas histórias da juventude      irmão Pedro que lia pra mim e eu decorei. Ele         conta de um canavial, saímos correndo
junto aos irmãos e nas casas onde trabalhou.      aprendeu a ler com mamãe.                             aperreados e um dos irmãos nem foi pra casa,
Além dos serviços domésticos fazia mandado,                                                             fugiu com medo de apanhar. O dono das canas
                                                                                                        foi lá em casa reclamar a papai, que lhe
levava encomendas. ”Eu gostava de sair,           Deus                                                  respondeu: - Agora já queimou, o senhor
andava ligeiro, num instante eu ia e voltava.”
Há cerca de um ano, depois de sofrer uma                                                                manda cortar e levar pra o engenho e ta
                                                  MVC: Deus é tudo, é meu pai, é tudo... Uma            resolvido. Dessa vez a gente não apanhou.
queda D. Nenê sente dificuldades para andar,      ocasião estava numa casa de pessoas crentes
porque uma perna ainda dói muito, mas                                                                   Mas eu sempre fui muito medonha.
                                                  fazendo aquela ladainha. Eles me cercaram pra
movimenta-se dentro de casa com a ajuda de        tentar me converter e aceitar Jesus, ai eu disse
alguém.                                                                                                 D. Nenê passa a maior parte do tempo
                                                  bem atrevida, empurrando eles... – Chega pra          sentada. Segundo ela sua maior distração
                                                  lá, eu estou aqui porque Jesus consentiu que eu       atualmente é contar histórias.
As histórias                                      viesse, se ele não quisesse eu não existia!
                                                                                                        MVC: “Me distraio assim, contando história,
MCV: Ah! Tem tantas... mas vou contar                                                                   passo mais o tempo. Sou aposentada, não
umas... Eu trabalhei 16 anos na casa de uma       Os dias atuais
                                                                                                        faço quase nada... mas já trabalhei muito em
família muito conhecida aqui, os Farache.                                                               casa de gente grande, como os Alves, Marinho
Cheguei lá pra ser babá, depois a cozinheira      MVC: De uns tempos pra cá tudo mudou, as
                                                  meninas hoje crescem mais rápido e é tudo com         e Farache... mas hoje eles nem dão conta da
foi embora, ai eu fiquei cozinhando. Cheguei lá                                                         gente.”
bem mocinha... Sempre gostei muito de             menino nos braços logo cedo. Acho que a
criança. Quando morei no Rio de Janeiro           bagunça nas ruas é maior, tem muita gente
trabalhei numa creche uns nove meses e lá me      fazendo besteira a noite na rua. Mas o povo hoje




                                                                                            Conceição Varela




    20           ESPAÇO EM AÇÃO - 2011
Jovelina Severiano da Silva, 77,            Cacimba do Pinto na praia para buscar     Melhorias
conhe-cida na comunidade como “Maria        água doce. Eu vinha com duas latas de
                                            água no lombo ou trazia nos barris em     “Depois de muito tempo, quando já
Bala-bá”, moradora do Espaço Solidário,     cima de um burro, ficávamos lá até as     havia chegado muita gente por aqui,
fala sobre a sua caminhada no processo      dez horas da noite. Quando chegava        colocaram uma caixa d'água e mais
de construção do bairro.                    em casa bebia, dava ao burrinho,          tarde a luz elétrica. Então, começou a
                                            tomávamos banho e então, botava o         melhorar por que foram botando
                                            animal para dormir”.                      escola, igreja e o posto. Não tem um pé
Chegada                                     “Eu vendia água para o povo que vivia     de castanholas perto do posto da
                                            morrendo de sede. Uma carga de água       Guanabara? Fui eu que plantei”.
“Eu vim da minha terra (Picuí/PB) pra cá    valia dois mirreis, e não era só eu que   “Hoje apesar de ter muita gente que
em 1942, só tinha mato e dois barracos      vendia não, tinha outras pessoas que já   não presta, Mãe Luiza é bom e melhor
de palha. Na época não tinha posto de       morreram como Galego, Geraldo e           do que antes. Eu tenho um filho e
saúde, escola, energia elétrica e nem       Miguel. Vendia muita água, e foi com      netos, quero que eles trabalhem e todo
água encanada. As casas eram muito                                                    dia encomendo eles a Deus”.
                                            esse dinheiro que eu fiz uma casinha.
distantes, era só a mata virgem. A casa
                                            Também tinha seu Zé Verdureiro que
que eu morei onde hoje é a Atalaia é a                                                BATE-BOLA
                                            ainda está vivo, o povo chamava ele
casa de “Galego” que foi amigo do meu
                                            assim porque ele vendia verdura”.
marido”.                                                                              AMOR:
“Luiza era a moradora mais velha, ela       “Quando alguém adoecia ia para o             Casamento
criava cabra e morava perto da Cacimba      Hospital dos Pescadores na Ribeira, lá    ALEGRIA:
do Pinto, fazia os partos das mulheres da   também pegávamos o remédio, se não          Trabalhar
época. Era uma pessoa muito boa, por        tivesse a gente usava remédio caseiro.    PASSADO:
                                            Eu sei fazer remédio caseiro. Durante a     Viagem a Brasília
isso aqui se chama Mãe Luiza”.                                                        CONQUISTA:
                                            noite era tudo escuro, não tinha luz
                                                                                        Ser conhecida no bairro
Luta e resistência                          elétrica. Na época não tinha segurança    PRESENTE:
                                            nem soldado, mas tinha o juizado de         É bom
“A maior dificuldade sempre foi             menores que vinha pegar as crianças       TRISTEZA:
conseguir água. Nós íamos até a             que ficavam pela rua”.                      A morte de minha irmã
Cacimba do Pinto na praia para buscar                                                 CANTINHO BOM:
                                            Melhorias                                   Espaço Solidário
água doce. Eu vinha com duas latas de




                                                           Jovelina
                                                          Severiano




                                                                                ESPAÇO EM AÇÃO - 2011              21
VISÕES SOBRE O ESPAÇO


  Descortinando a Convivência
   | Luiz Marinho Júnior

   “Deixa de manha de noite e de dia, toda criança diz que tudo é seu
   Hei, menino! Hei, menina! Larga disso, lagartixa
   Que nessa ciranda o mundo inteiro é meu, é seu, é meu, é seu...”
                                                      Palavra cantada



R
       efletir sobre a velhice junto com as crianças e adolescentes da Casa Crescer e da Escola
       Espaço Livre, está sendo um transpor de estereótipos, um quebrar de paradigmas
       construídos por nossa sociedade altamente focada na ilusão da juventude eterna.
Promover esse debate e troca de experiências, contribuirá sem dúvidas para a construção de um
novo olhar e percepção por parte dessa geração que já percebemos mais aberta ao diferente.
       Ao longo desses dez anos de Espaço Solidário, vários foram os momentos em que as
escolas se fizeram presentes no convívio dos idosos. Seja em saraus preparados especialmente
pelas crianças com mamulengos, poesias e músicas, apresentados no pátio do Espaço Solidário,
ou em visitas dos próprios idosos a Casa durante os festejos juninos, aberturas das olimpíadas e
mostras culturais, esse relacionamento se estreita e fortalece laços.
       Transformar conceitos, repensar, não é algo fácil. Em certa discussão, percebemos que a
idéia de um abrigo de idosos ainda assusta muitos dos nossos jovens. Para alguns, esses locais
seriam espaços de abandono, lugar de morte e esquecimento. Contudo, após uma longa visita as
dependências do Espaço Solidário e conhecimento de sua rotina, várias percepções mudaram.



        “Gostei de conhecer o Espaço Solidário.
limpo, agradável e bem organizado. Quero morar lá
quando for idoso. É um lugar de paz e muito amor”.
Carlos Eduardo Bezerra, 13, aluno da Casa
Crescer.
        Para a Casa Crescer e Escola Espaço Livre,
não basta discutir ou visualizar o idoso como algo
distante da realidade jovem. É preciso oportunizar
esse encontro. Promover as sensações visuais,
táteis e auditivas. Descortinar uma convivência que
se faz necessária. Afinal, os índices mostrados pelo
IBGE demonstram que a população idosa no Brasil
só aumenta, e em Mãe Luiza não é diferente.
Aprender a encarar a velhice, na atualidade, como
parte constituinte de um ciclo de vida deve ser algo
natural e dialético.
        Ter feito parte desses 10 anos de Espaço
Solidário nos deixa muito orgulhosos, pois sentimos
fazer parte dessa grande construção humana
desenvolvida pelo Centro Sócio em busca de uma
comunidade mais digna e igualitária em todos os
                                                           Ilustração produzida por Ivo Gabriel, 6, aluno
sentidos.                                                  da Escola Espaço Livre.




  22       ESPAÇO EM AÇÃO - 2011
ESPAÇO & CIA


Amigos & Parceiros
                                  Como falar do Espaço Solidário sem lembrar da equipe,
                                  amigos e parceiros?



                            N
                                    ossa equipe é uma turma dedicada e comprometida que ao longo dos anos vêm
 THE AMEROPA FOUNDATION             crescendo e se aperfeiçoando. Participou ativamente da construção do Espaço
                                    Solidário, refletindo e repensando suas práticas, procurando se apropriar
           BASEL - SUIÇA
                            melhor das questões do envelhecimento. Um grupo que busca superar suas limitações
                            no cotidiano e sem o qual não seria possível uma comemoração tão bonita e
                            significativa.      Lembramos das famílias que apóiam, questionam e se fazem
                            presente nos cuidados com os idosos.            Pensamos com carinho em seu Martins
                            (Marcos Antonio Martins) que há anos trabalha como voluntário consertando quase
                            que semanalmente nossas “cansadas” máquinas de lavar, em dona Dadá (Idalina Leite
                            da Silva) e dona Hilda (Hilda C. da Silva) costureiras da comunidade que ajustam,
                            costuram e transformam as roupas dos idosos e em Neide (Edneide Batista de Lima)
                            que confecciona os bolos (diet e ligth) deliciosos e lindos das nossas festas.
                                      Não podemos esquecer Iracy Garcia, que durante vários anos cuidou das
                            idosas da comunidade com exercícios e alongamento, de Iara Lopes que alegrava as
                            nossas reuniões semanais e da profª Maria do Socorro Nunes que promove até hoje
                            ensaios para embelezar nossas festas
                                      Como seria o Espaço Solidário sem os nossos médicos que nos
                            acompanham há tanto tempo: Dr. Ion Andrade, Dr. Francisco de Assis, Dra Fátima
                            Jorge, Dr. Hilton Vilas Bôas, Dr. Iedson Marques do Nascimento, Dr. João Luiz Câmara
                            da Silva, Dra Lígia Cerqueira, Dra Denise Dantas e, mais recentemente, Dra Lucia
                            Milena Coelho, Dra Célia Maria de Souza, e Dra Regina Maria Oliveira de Miranda, nos
                            dando segurança e tranquilidade para lidar com a saúde do nosso idoso.
         Association des              Recordamos com carinho da família de dona Crinaura Cavalcanti, e da família
        Amis de Mãe Luiza
              Suisse        do Dr. Álvaro Pires, sempre por perto, atentos às nossas necessidades, Grupo de
                            Oração Peregrinas de Nossa Senhora na pessoa de Nina Rosa Câmara de Macedo
                            com os bingos anuais que já ajudaram tanto o Espaço Solidário com portas novas,
                            colchões, ventiladores, e recentemente, as calhas.
                                      Somos gratos a Rede Mais DaTerra na pessoa de Eugênio Pacelli de
                            Medeiros que diariamente, há anos, vem deixar o nosso pão de cada dia e a Kitanda do
                            Lucas na pessoa de Luiz Antonio Bentes que também vem deixar semanalmente frutas
                            e verduras de qualidade!
                                      Agradecemos as inúmeras pessoas anônimas que vêm deixar pão, fraldas,
                            cestas básicas, produtos de higiene pessoal, dentre outros, apoiando o trabalho e
                            atendendo concretamente as necessidades da casa e a Margarida Maria Medeiros que
                            presenteie sempre os idosos com colônias e perfumes.
                                      Que bom que nos fins de semana diversos grupos religiosos e outros vêm
                            viver e compartilhar momentos com os idosos do Espaço Solidário!
                                      E os nossos convênios e parcerias com as Universidades FARN (Faculdade
                            para Desenvolvimento do Rio Grande do Norte), UNP (Universidade Potiguar) e UFRN
                            (Universidade Federal do Rio Grande do Norte, além do IFRN (Instituto Federal do Rio
                            Grande do Norte), que contribuem de muitas maneiras, inclusive com estudantes de
                            fisioterapia e enfermagem, interagindo de maneira positiva com os idosos.
                                      Lembramos também da nossa parceria com a Prefeitura Municipal do Natal,
                            pois o Espaço Solidário está prestando serviço de proteção social especial de alta
                            complexidade, sendo reconhecido como política de assistência na modalidade de
                            serviço de acolhimento institucional.
                                      E os nosso amigos da Suíça, Alemanha e Itália. Quantos jovens e adultos já
                            passaram em Mãe Luiza se encantando e deixando suas marcas? Ao longo de toda
                            trajetória do Centro Sócio Pastoral se juntaram a nós contribuindo ativamente na
                            concretização dos nossos sonhos, colaborando na construção de um mundo mais
                            justo, mais humano.




                                                                  ESPAÇO EM AÇÃO - 2011                 23
DESPEDIDA



           A casa que abriga
| Loyse de Andrade
                                                                      A NOSSA VELHICE


E
       m várias reuniões, refletimos sobre o significado que o
       Espaço Solidário tem para todos nós, tanto os moradores
       quanto para os que aqui passam o dia.
        Vimos o quanto gostamos desta casa, dos idosos
presentes e de todos que aqui trabalham.
        Alguns, de nós, falaram que não tinham mais como
continuar morando sozinhos. Outros, que estavam doentes e que
não tinham ninguém que pudesse cuidar deles.
        Comentamos: “aqui é melhor que lá na minha casa!”
        Falamos da comida e do tratamento. “Quando me
chamam para tomar banho, eu saio toda cheirosa, perfumada e a
pele toda encerada!” comentou Vivência.
        Seu José conta: “É o seguinte, ela (a casa) está na vida da
gente. Eu vivia andando pra lá e pra cá, aqui eu descanso as
pernas.”
        Para a maioria de nós, pensamos o Espaço Solidário
como sendo nossa casa.
        Foi aqui, que encontramos carinho e apoio.
        Outros, que passam o dia no ES, dizem ter duas casas, e
para um Damião, o Espaço é melhor, porque ele não briga com
ninguém.
        Carmelita comenta que quando vê a Kombi chegar
passando para pegá-la, já fica feliz.
        Ao nos perguntarmos: Essa é a casa da nossa velhice?
Rita respondeu: “aqui é muito bom, mas eu vou levando a vida,
deixando a velhice pra lá ! Não penso na velhice.”
        Lurdes relata: “cheguei morrendo e estou viva!”
        Jorge, olhando para todos nós, disse: “a velhice está aqui!
Um andando, outro caindo e a gente vai vivendo! A gente se sente
no meio de uma família!”
        José Carvalho brinca: “não me sinto velho, sou um garoto
usado!”
        Claro que falamos de nossas desavenças, das brigas
entre nós e com a equipe, do nosso sofrimento de, às vezes, não
poder fazer as coisas sozinhos.
        Falamos também que a casa nem sempre corresponde às
nossas expectativas. Alguns queriam que se fizesse mais para se
poder voltar a andar, para se poder comer o que se quer, sem
sempre pensar em dieta!
        Ao passar esses anos todos compartilhando a
realidade da casa, podemos dizer que aos poucos a casa foi
entrando “na vida da gente.” Hoje muitos entre nós a
percebemos como nossa.
        Quando se fala que o Espaço Solidário é a casa aonde
terminaremos os nossos dias, comentamos que preferimos ver a
casa como sendo um espaço de celebração da vida.
        Peçamos a Deus para abençoar a todos nós.




   24        ESPAÇO EM AÇÃO - 2011
Foto: Adriano Costa




                   Mural grafitado por
       Carlos Augusto da Silva Dantas
para a área verde do Espaço Solidário.
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Revista Espaço em Ação

  • 1. EDIÇÃO ESPECIAL COMEMORATIVA Outubro 2011 ESPAÇO EM AÇÃO Assim se passaram dez anos 2001 - 2011
  • 2. Foto: Adriano Costa Em seus 30 anos de carreira o artista plástico Marcelus Bob homenageia os 10 anos de existência do Espaço Solidário.
  • 3. Índice 02 - EDITORIAL 03 - APRESENTAÇÃO 03 04 - CAPA: Espaço Solidário 04 - Dez por mil 04 O Projeto Amigos da Comunidade, reduziu o nível de mortalidade infantil, que era na ordem de 60 por mil. 06 - 10 anos de muita história 14 Desde 2001, o centro acolhe, idosos moradores, alguns que passam o dia, de segunda a sexta-feira, e outros que frequentam a casa para participar de atividades específicas. 07 - Os conceitos de velhice Compreender melhor essa etapa da vida e refletir a nossa relação com ela. 08 - As casas que habitam A relação intrínseca entre os idosos, suas moradas e as marcas deixadas ao longo do tempo. 12 - Ensinamentos O legado dos idosos para a nossa formação humana. 14 - VELHICE EM VERSOS 16 16 - FATOS E FOTOS 20 - GENTE DO ESPAÇO 20 22 - VISÕES SOBRE O ESPAÇO 23 - ESPAÇO & CIA 24 - DESPEDIDA A casa que abriga a nossa velhice. 22 24
  • 4. EDITORIAL Casa de taipa, o marco das lembranças dos nossos idosos. Cheiro de barro molhado, fumaça do candeeiro, retrato de santos Comecei a fazer parte da história do na parede, criançada sentada no ESPAÇO SOLIDÁRIO no dia 09 de outubro chão batido esperando a Foto: Adriano Costa comida... de 2008, quando fui nomeado pároco da Um passado vivo nos olhares dos Paróquia Nossa Senhora de Lourdes pelo idosos! Arcebispo D. Matias Patrício de Macedo. Obrigado pelo presente! Comigo chegou também o Pe. Marcelo Cezarino, que havia sido ordenado dois dias antes, ou seja, no dia 07. Passamos a morar em Mãe Luiza, na casa do Padre Sabino. No meu primeiro contato com o EXPEDIENTE ambiente do Espaço Solidário, logo me Diretoria do Centro Sócio Pastoral chamou a atenção a alegria dos moradores, Presidente o carinho dos funcionários e a arrumação do Pe. Robério Camilo da Silva ambiente. Aos poucos fui compreendendo o Vice presidente Idosos Diaristas Ion de Andrade Abílio Soares da Silva nível de humanização alcançado pelo Equipe Alice Bezerra da Silva Rodrigues conjunto todo. Chamou a atenção a grande Josélia Silva dos Santos Ana Maria de Araújo Caetano vontade de viver de todos os moradores, Edilsa Gadelha do Nascimento Carmelita Alves de Lima Loyse M. R. M. de Andrade Damião Francisco dos S. expressa na filosofia de vida da dona Francisca Etelvina de Araújo Elino Galvão do Nascimento Nenen, que dizia que matava a morte todos Francisca da Silva Diretor de Redação Francisco Alves Sobrinho os dias. Ela tem razão. Cada dia vivido é Luiz Marinho Júnior Hilda C. da Silva uma vitória. Aprendi a olhar para o Espaço Idalina Leite da Silva Solidário como sendo um oásis, um espaço Diretor de Arte e Diagramação João Felix da Silva Adriano Costa da Silva José Ribamar Simplício da esperança, da vida. O tempo foi Josefa Leonardo de Moura passando e, na convivência com o bairro, fui Projeto Gráfico Josefa Matias da Silva me surpreendendo com o aumento da Adriano Costa da Silva Maria Emilia do Nascimento Maria Dias Santos da Silva violência, principalmente entre a juventude. Revisão Maria da Paz Assunção Fui refletindo sobre o contraste visível: Aparecida Fernandes Maria do Carmo da Silva enquanto o idoso quer viver, parte da Maria da Cruz Euflazino Revisão Final Maria Dias Santos da Silva juventude está se matando, seja com o Luiz Marinho Júnior Maria Juraci Rodrigues alarmante índice de assassinatos entre os Maria Julia de Moura jovens com menos de 25 anos ou pelo Entrevistas Maria Olivia Santos Gomes Luiz Marinho Júnior Maria das Dores Ciriaco grande envolvimento com as drogas. Outro Rosimere Vasconcelos (DRT/RN 590) Maria de Lourdes Aparecida dia, depois do assassinato de dois jovens, Maria de Lourdes Costa da Silva Fotografias Maria de Lourdes Ferreira uma idosa me disse: “Padre, eu acho que Adriano Costa da Silva Maria de Lourdes Silvestre daqui a pouco só vai ter gente velha no Frank Swatman Maria Madalena de Jesus nosso bairro, pois os jovens estão se Loyse M. R. M. de Andrade Maria Nazaré da Silva Luiz Marinho Júnior Maria Mercedes da Silva matando”. Tenho refletido muito sobre isso. Nicole Miesher Marina Vital da Silva Nossa luta continua para que todos tenham Neuza Ferreira da Silva vida em abundância como pede Jesus. Capa Odete Silva de Farias Adriano Costa da Silva Pascoal Barracho de Medeiros Pedro Matias do Nascimento Pe Robério Camilo da Silva Impressão Regina Felipe de Santana Pároco Edú Gráfica Renato Batista de Oliveira Severina Dantas da Silva Colaboradores Severina Luiza Márcio Ribeiro da Silva Tereza Rodrigues da Costa Silvania Maria da Conceição Funcionários do Espaço Solidário Tiragem Adriana de Queiroz Xavier 1.000 exemplares Aildo Saraiva Peixoto Anísio Roberto de Assis Idosos Moradores Célia Maria Oliveira da Silva Ana Maria da Silva, 64 Dayana do Nascimento Vieira de Assis Ana Hilda Pereira da Silva, 77 Deygreson Rodrigo Soares da Silva Alaíde Maria da Silva, 87 Francisca Darc Bezerra Cornélia Otacília da Silva, 82 Gilson da Cruz Damião Domingos da Silva, 71 Ieda Maria de Souza Edite Dantas Correia, 80 Iraneide de França Borges Francisca Maria da Silva, 77 José Carlos Euflausino Jorge Moreira, 75 Joseane Costa da Silva João da Cruz de Souza, 76 Joseane Domingos da Silva Gomes Jovelina Severiano da Silva, 80 Luana Cibely Leandro dos Santos Padre Robério é pároco da Paróquia Josefa Cardoso da Silva, 98 Luciene Santos da Rocha José Alves de Farias, 77 Lucileide Barbosa da Silva Nossa Senhora de Lourdes, José Carvalho, 82 Luiza Belarmino de Oliveira presidente do Centro Sócio Pastoral Luiz Silvestre, 72 Maria de Fátima da Silva Luiz dos Santos, 62 Maria Elizabeth de Sousa Nossa Senhora da Conceição e Maria Auxiliadora Saraiva de Brito, 87 Marly do Nascimento coordenador do setor das Pastorais Maria Francisca Quirino da Costa, 64 Nágma Lima de Oliveira Maria de Lourdes Rodrigues, 74 Nailda Soares Ferreira Sociais da Arquidiocese de Natal/RN. Maria Gasparina da Costa, 72 Patrícia Rodrigues da Silva Paulo Germano, 89 Quitéria Maria de Jesus Rita Felipe Dantas, 81 Rosileide Maria de Jesus Costa Sebastiana de Pontes, 89 Simone Kelly Gomes Vicência Maria do Nascimento, 85 02 ESPAÇO EM AÇÃO - 2011
  • 5. APRESENTAÇÃO Celebrar a vida Dez anos de solidariedade contínua. Cada minuto preenchido do mesmo conteúdo: solidariedade. É verdade. No Espaço que o Padre Sabino idealizou e viabilizou em Mãe Luiza, para responder às necessidades dos idosos, existe algo diferente. Não se trata apenas de mais uma casa de longa permanência, nem tão pouco um abrigo para idosos. É um espaço para a vivência da Solidariedade. É um verdadeiro espaço de Centro Sócio convivência. Lá, o cuidador também é cuidado. Tudo é celebração, porque a vida é vivida com muita intensidade. Seguindo a metodologia da participação, os moradores Centro Sócio Pastoral Nossa Senhora da Conceição, são parte ativa, grandes colaboradores; tudo situado em Mãe Luiza, existe desde 1983 e foi fundado pelo é resolvido na famosa roda de conversa, Pe. Sabino Gentili. Iniciou suas atividades com cursos quando a vida é partilhada e respeitada. Dignidade acima de tudo, gerando qualidade, profissionalizantes e uma escolinha de alfabetização para e tudo isso alimentado pela força crianças, a Escola Espaço Livre, e com cursos de transformadora do Evangelho, que é o amor. alfabetização para adultos. Seguiu seu caminho com ações Por isso, nestes dez anos de existência, na área da saúde da criança, com o Projeto Amigos da celebramos a vida, na sua maturidade Comunidade, com a construção da Casa Crescer, de segundo carregada de experiências enriquecidas na partilha, descarregadas nas lembranças; turno para jovens, com a urbanização da favela do Sopapo e, celebramos a vida não como um peso, mas finalmente, com o Espaço Solidário com muita intensidade, alimentada pela Ao longo destes vinte e oito anos, o Centro esteve à alegria da vitória cotidiana. Parabéns, Padre frente da organização de diversos seminários comunitários Sabino, pela bonita atitude de amar o próximo; esta festa chega ao céu e daqui escutamos em Mãe Luiza. Os vários seminários discutiram a infância, a sua gargalhada de satisfação; escutamos saúde, a adolescência, a mobilização política e o você dizer não mais: “tá compreendendo?” desenvolvimento do bairro. Cada vez que um seminário era mas, vocês compreenderam. Parabéns a organizado, uma nova atividade do Centro surgia. todos os que fazem O ESPAÇO; à Dizia o Pe. Sabino que o Centro deveria cumprir a administração, aos funcionários, voluntários, moradores e diaristas por mostrarem a beleza missão e ser a instituição meio, através da qual a credibilidade da convivência na diversidade. Não basta da Igreja Católica poderia ser oferecida à comunidade para deixar a vida me levar. Tenho que viver e não levantar os caídos e ser fermento para a organização do povo; ter a vergonha de ser feliz. um espaço instituído para ajudar a resolver os problemas da comunidade. A história do Centro continua e, atualmente, na gestão Dedicatória do Pe. Robério, temos novos desafios. O espírito de ação e trabalho, entretanto, continua o mesmo. Hoje comemoramos Ao padre Sabino (In Memorian), os 10 anos do Espaço Solidário e, logo, logo, pela eterna presença. comemoraremos a concretização do Ginásio Poliesportivo da Aos idosos, pela vivência Escola Dinarte Mariz, que trará mais espaços de esporte, compartilhada. lazer e cultura para a comunidade. O Centro Sócio-Pastoral continua presente na comunidade e vai onde há maiores necessidades. Foto: Nicole Miesher ESPAÇO EM AÇÃO - 2011 03
  • 6. CAPA: Espaço Solidário Assim se passaram dez anos Não me pergunte pela minha idade, porque tenho todas as idades. Eu tenho a idade da infância, da adolescência, da maturidade e da velhice”. Cora Coralina. Projeto Amigos da Comunidade | Ion de Andrade A s ações na área da saúde do Centro Sócio pensar em saídas possíveis. A partir do projeto, a Pastoral se iniciaram de maneira mais mortalidade no bairro passou a cair, alcançando sistematizada com o Projeto Amigos da números que passaram a girar entre 10 e 14 por mil. Comunidade, no início dos anos 90. Este montado O principal grupo de causas reduzido foi o das projeto foi montado para en- diarréias, que correspondiam à frentar os níveis muito elevados época a praticamente metade dos de mortalidade infantil no bairro, óbitos, seguidos das pneumonias. da ordem de 60 por mil. “O Projeto Amigos Ao longo dos dez anos de No projeto, um grupo de 10 da Comunidade, funcionamento do projeto, visitadoras de saúde visitava reduziu o nível de assistimos a uma redução todas as gestantes e crianças progressiva dos problemas com menos de um ano, com mortalidade infantil, relacionados à saúde materno- visitas temáticas mensais. Elas que era na ordem de infantil e, simultaneamente, discutiam com as mães sobre 60 por mil para 10 fomos acompanhando o aleitamento materno, diarreias e por mil” crescimento dos problemas na reidratação, pneumonias, área da saúde dos idosos. Por vacinas, alimentação no primeiro esta época, o programa de ano de vida, dentre outras e se agentes comunitários de saúde foi dentre outras e se tornavam referência para as agentes comunitários de saúde foi implantado no mães no que toca às questões de orientação à bairro, o que representou, embora não com os saúde. mesmos métodos, uma responsabilização do poder No grupo, tínhamos reuniões semanais para público pela atenção à saúde neste nível. discutir cada caso mais preocupante e pensar em A análise dos fatos e o diálogo com a 04 ESPAÇO EM AÇÃO - 2011
  • 7. O encontro com idosos e famílias em dificuldade | VISITADORAS: Elizabeth Sousa, Francisca Darc de Assis, Joseane Gomes, Nailda Ferreira, Marli do Nascimento e Simone Kelly Gomes R efletindo sobre a situação dos idosos em nossa comunidade, nós visitadoras que trabalha-mos hoje no Espaço Solidário, con-cluimos: a maioria dos idosos morava em casa e eram bem cuidados, mas tínhamos que ter um olhar para os que estavam em dificuldades. Passamos a visitar os idosos em situação de risco. Começamos a escutá- los e prestar atenção a cada situação. Alguns idosos se queixavam de que, quando se ficava velho, não se tinha mais nem ouvidos nem voz. Outros moravam sozinhos. Muitos tinham que cuidar de netos sem a menor condição de fazê-lo. Nós começamos a nos tornar confidentes, ouvindo queixas e lamentos. Muitos idosos reclamavam que ninguém conversava com eles. Um senhor chegou a perguntar: “será que idoso é contagioso?” Observamos que alguns idosos passavam a dormir na sala ou no corredor comunidade foi demonstrando à equipe a necessidade de para deixar o espaço para filhos ou netos. mudarmos o foco e de termos uma ação focada na atenção ao Passamos também a escutar as idoso. O envelhecimento da população em Mãe Luiza foi famílias. Muitas com preocupações por revelando problemas diversos como solidão, ausência de não poder dar toda atenção ao idoso. famílias ou de relações sociais e afetivas e até mesmo caos de Outras com mágoas de um passado de exploração e violência contra idosos. relações difíceis. Uma visitadora lembra que a filha de uma idosa perguntou: “Só Este conjunto porque mãe tem cabelos brancos que de coisas foi o motor tenho que esquecer o que me fez da criação do Espa- passar?!” ço Solidário, e a Nessa convivência de partilha e maioria das visitado- aconselhamento, foi preciso, em alguns ras de saúde do pro- momentos, tomar medidas, colocar jeto Amigos da alguns idosos em Instituição fora de Mãe Comunidade foi Luiza, sabendo que isso representava incorporada à nova uma ruptura e um distanciamento da terra iniciativa do Centro, que eles tinham conquistado a duras penas. que antecipou, na Foi por essas problemáticas que, leitura sobre os aos poucos, o sonho foi nascendo! Mãe Dr. Ion Andrade é pediatra e problemas de Mãe Luiza precisava de um espaço que sanitarista por vocação, geriatra Luiza, a necessida- pudesse acolher o seu idoso, um espaço por destino. Acompanha as de de cuidados para que pudesse ajudar a fortalecer relações. atividades do Centro há mais de os nossos idosos. vinte anos. ESPAÇO EM AÇÃO - 2011 05
  • 8. CAPA: Espaço Solidário Espaço Solidário O Espaço Solidário foi se 10 anos construindo na urgência de dar uma resposta aos idosos da comunidade. Ele pretende proporcionar qualidade de vida, assegurando direitos, quer ser um espaço de de muita história! de muita história! aprendizagem permanente de 2001 - 2011 reflexão sobre questões do | Loyse de Andrade envelhecimento e aspira a ser um elo entre idosos, familiares, N o Brasil, como no mundo, a população idosa vem comunidade e sociedade. crescendo. Nos anos 70, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro Desde 2001, o centro fun- de Geografia e Estatística ela correspondia a ciona nas modalidades de 3,1% da população. Em 1995, o número Instituição de Longa Per- subiu para 4,9% e hoje chega a 10,4 %. manência, Centro Dia e Os cálculos indicam que até 2050, 30 % Centro de Convivência. Ele das pessoas no país terão 60 anos ou “Os cuidados e acolhe, hoje, 24 idosos mais. Proporção quase 3 vezes maior carinhos inspiram moradores, 15 a 20 idosos que a dos dias de hoje. segurança; a inserção que passam o dia, de se- Em Mãe Luiza, a realidade não é gunda a sexta, e mais uma diferente. Em 2000, as pessoas a cima nas tarefas média de 30 idosos que de 60 anos representava 6,9% da popu- domésticas favorece a frequentam a casa para lação (1117 idosos). A média na época, sensação de participar de atividades es- era bem inferior a média nacional, pro- pecíficas. Entre eles, 12% vavelmente devido à situação de exclu- pertencimento” têm menos de 60 anos, são social sofrida pelos moradores do 30% têm entre 60 e 70 bairro. Hoje a situação mudou. Os da- anos, 32% entre 71 e 80 dos do IBGE 2010 apontam para uma anos e 26% têm acima de dos do IBGE 2010 apontam para uma média acima da média 80 anos. nacional. Os idosos do bairro representam 10,8% da população Hoje contamos com uma (1622 idosos). Esses novos dados revelam a permanência dos equipe de trabalho de 27 pessoas, idosos na comunidade e aponta para um exílio dos mais jovens. cuja maioria consta de moradores A expectativa de vida no país aumentou e passou de 70 anos do bairro. em 1999 a uma média de 73,1de vida no país aumentou e passou de O idoso que freqüenta diária 70 anos em 1999 a uma média de 73,1 anos em 2009. As mulheres ou ocasionalmente o Espaço têm quase 10 anos a mais de mulheres têm quase 10 anos a mais de Solidário busca ampliar os seus esperança de vida que os homens (elas vivem em media até 77 espaços de convivência. Os anos, enquanto eles, até 69,4 anos). cuidados e carinhos inspiram O Brasil avançou muito nas políticas públicas voltadas para as segurança; a inserção nas tarefas questões da velhice, porém ainda há muito a fazer. O Estatuto do domésticas favorece a sensação Idoso, Título I, Artigo 3, afirma: É obrigação da família, da de pertencimento; as reuniões e comunidade, da sociedade e do poder publico assegurar ao idoso passeios semanais incentivam a com absoluta prioridade, a efetivação do direito a vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, participação e a cidadania; a fisio- à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência terapia, terapia ocupacional, pis- familiar e comunitária. cina, massagem e cuidados Sabemos também quantas famílias são vulneráveis e individuais fortalecem a auto esti- privadas de direitos. Compartilhamos com as famílias e os idosos as ma; o acompanhamento à saúde alegrias da convivência e as angústias que o envelhecimento pode previne e ajuda a viver com digni- provocar numa estrutura familiar já fragilizada. dade; as festas e encontros inte- Sabemos que, hoje, menos de 1% da população de idosos gram; as missas e celebrações mora em Instituição de Longa Permanência. confortam. 06 ESPAÇO EM AÇÃO - 2011
  • 9. Os conceitos de velhice que permeiam o Espaço Solidário | Idosos e equipe O Espaço Solidário está Observou-se que por ser otimista do seu passado, sempre buscando com- uma fase perto do fim da vida, a relatando, aos poucos, também preender melhor essa velhice nos remete à morte e as alegrias dos bons momentos etapa da vida que é a velhice. Em constatamos o medo que certos lembrados. reunião, tentamos refletir sobre a idosos sentem, principalmente ao Ao refletir sobre esse fato, nossa relação com a velhice. anoitecer. Percebemos também pensamos que quando pessoas como nós, cuidadores, têm um espaço de carinho, Breve relato: precisamos lidar com esse acolhida e participação, quando se tornam confiantes e seguras Lembramos do Padre por se sentirem amparadas, elas Sabino que nos dizia que têm maiores condições de trabalhávamos antes de tudo, “ A velhice é repensar (reconstruir) o seu pas- com pessoas, com gente cuja somente a sado de forma mais leve. trajetória de vida os fez chegar à Pensando a própria velhice, velhice. Trabalhamos com continuação de os idosos acreditam que é um cidadãos de direitos. uma vida que privilégio ter se chegado a essa O nosso trabalho visa ao idade, mesmo se, às vezes, bem estar do idoso, queremos durou, ela é a vida queriam poder voltar no tempo. que ele possa continuar no que toda” Comentam sobre os aspectos gosta e no que quer na medida do difíceis da velhice, como as possível. limitações e perdas de toda A equipe se coloca como ordem que chegam com maior sensível às necessidades do intensidade nessa fase. idoso, tentando atender suas precisamos lidar com esse Os idosos lembram o demandas numa troca de sentimento. quanto as alegrias e o sofri-mento relações (pensar o idoso como Sentimos às vezes o desejo da vida fizeram deles o que são sujeito). O nosso trabalho está de ver uma vida se terminar por hoje. Relatam a impor-tância das todo voltado para que o idoso ter se tornada difícil e sofrida. Um relações de afeto e carinho possa ter uma vida digna e plena. desejo que nos remete ao colocadas como indis-pensáveis As dificuldades que en- sentimento de compaixão, de para se viver bem. contramos ao lidar com a velhice querer saber o outro em paz. Segundo toda equipe do é, às vezes, o descompasso que 10 anos de história permite Espaço Solidário: A velhice é existe entre os desejos de inde- fazer algumas consta-tações: somente a continuação de uma pendência e as possibilidades Moradores do Espaço vida que durou, ela é a vida toda. reais que têm certos idosos. Fa-to Solidário que vieram amargos, É a vida inteira! Feita de expe- que faz com que os cuidados contando histórias de vida duras riências positivas e negativas que sejam interpretados como e sofridas, passaram ao longo do muito ensinaram. imposição ou autoritarismo. tempo de convivência, a fazer Observou-se que por ser uma leitura mais positiva, mais uma fase perto do fim da vida, a otimista do seu passado, velhice nos remete à morte e relatando, aos poucos, também ESPAÇO EM AÇÃO - 2011 07
  • 10. CAPA: Espaço Solidário A o pensar os 10 anos do Espaço Solidário, casa que ampara a velhice, imaginamos resgatar as casas que abrigaram toda a trajetória de vida dos idosos. Acabamos nos encantando com os relatos dos idosos sobre as casas de sua infância. E foi ao longo das conversas que surgiu a ideia de cons- truir um marco que pudesse fazer a ponte entre passado e pre- sente. “(Re) construímos juntos em mutirão a casa da nossa infân-cia!” Ela devia ser de taipa, com um teto de palha, porta e janela. Muitos idosos vi- giaram a construção, alguns pisaram o barro! Discutimos o que não podia faltar na casa! Aqui está ela! “A casa da nossa infância dentro da casa da nos- sa velhice! Símbolo de nossa raiz e identida- de.” Foto: Luiz Marinho Fecha –se o ciclo! 08 ESPAÇO EM AÇÃO - 2011
  • 12. CAPA: Espaço Solidário As casas que habitam nossas lembranças e corações de vara ou madeira com um col- saco bem limpo. cer ou num buraco a céu aberto, chão (feito de junco) e um penico de Atrás das casas, tinha sem-pre feito no fundo do quintal, prote-gido barro ou de ágata, debaixo da cama. uma latada (puxado coberto com apenas por alguns pedaços de Havia também um cabide de parede palhas de coqueiro, sobre duas madeira para a acomodação de para pendurar as rou-pas em uso e forquilhas e três linhas) feita para quem precisasse usar. uma mala grande ou um baú de proteger o jirau de varas onde se Na maioria das casas, cos- madeira, para as roupas limpas e lavava toda a louça, numa bacia de tumavam criar um cachorro vira- reservadas para as ocasiões alumínio ou aguidá² de barro. Um lata, que era como da família. Este distintas (feira, missa ou festa). E torno (uma espécie de suporte de ajudava nas caçadas e tomava em algumas casas, quando suas madeira enfiado na parede) para conta da casa, dando conta de donas eram mais vaidosas, o baú pendurar todo tipo de tralha (corda, quem chegava ou saía. Geralmen- servia para guar-dar os enfeites e arreios, cangalha...). A jarra com te, tinham nomes de peixes cuidados femini-nos, tais como água para lavar a louça da casa e os (Tubarão, Tainha, Baleia), salvo brincos, trancelim¹, pulseira pés de todos, antes de dormir. apenas Duke para os machos e (folheados a ouro, vindos do O banheiro – quando tinha – Tuninha para as fêmeas. Juazeiro e Canindé), colar e era de palhas de coqueiro no meio do “Na casa de nossa infância” diadema. E também vaselina Zezé, quintal. Em algumas casas, era uma pouco se brincava. Nestas as água de cheiro, baton, ruge e pó de brincadeiras aconteciam junto com arroz (tudo comprado na feira) para as obrigações. No roçado, ajudando o embelezamento das patroas o pai no cuidado da la-voura, na (como os homens se refe-riam as mata, juntando a lenha para fazer os suas mulheres respei-tosamente) e “ Cheirava a barro feixes, no rio ou ca-cimba, das mocinhas. buscando água para abas-tecer os O último vão da casa era a molhado no inverno, potes e jarras da casa. Dormia-se e cozinha e um reservado, uma es- quando chovia; a flor acordava-se cedo, daí não se tinha pécie de despensa, munida de um tempo para brin-cadeiras. Salvo jirau pendurado no teto para guar- de Benedita, quando se ia a alguma quermesse dar a mistura (todo e qualquer tipo maracujá e jasmim ou para um grupo escolar da cidade de carnes). Nesta se achava o fo- em que se morava (o que só alguns gão, que quando não era no chão, na primavera ” puderam frequentar). feito com três pedras e uma trem-pe em cima para por as panelas de O cheiro da nossa infância barro, era feito em cima de um jirau P onde podia se colocar até três bocas ara finalizar, lembraram-se com trempes. Embaixo destes era uma peça única (um retângulo ou do cheiro “da casa de nossa guardava-se a lenha para o uso um quadrado também de chão de infância”. Cheirava a barro diário. A lenha para abastecer o fogo areia onde se colocava madeira ou molhado no inverno, quando chovia; era pega no mato. Os pais iam para então algumas pedras que resolviam a flor de Benedita, maracu-já e as matas, cortavam a lenha com o problema); em outras, era dividido jasmim na primavera; a chá de foice e transportavam-na em feixe em duas partes. Uma para o banho, alecrim, capim santo, louro e ci- sobre a cabeça, em carroça ou no onde eram coloca-dos uma jarra e dreira no outono; a mangaba, lombo dos burros (jegue), arrumado um caneco e, na outra, uma latrina maçaranduba, canjarana, araçá, nos cambitos. Os mantimentos (espécie de bojo sanitário feito de manga, goiti, jaca e cambuí no ve- menos perecíveis eram guardados barro). Esta era a realidade das rão; a mingau de araruta, ave de num caixote amarrado com corda ou casas mais urbanas. Nas casas do arribação, nambu e piaba assada na com peia de couro, e o cadeado era i n t e r i o r, p r i n c i p a l - m e n t e a s brasa, galinha caipira torrada na um nó. A louça de barro ou de ágata ribeirinhas, o banho acon-tecia no rio panela de barro, feijão verde com era acomodada numa tábua grande ou lagoa, onde também era lavada maxixe e coentro cozido na água e do lado oposto, um pouco acima do toda a roupa da casa. E quando não no sal, café torrado no caco, cocada fogão, ao alcance da mão. E um existia latrina, as necessidades eram e bala de coco em todas as pote com água limpa para beber e feitas no mato, durante o dia, e, à estações... cozinhar, coberto com um pano de noite, num pinico de barro ou ágata saco bem limpo. cujos dejetos se atiravam no mato, Atrás das casas, tinha logo ao amanhe-cer ou num buraco a sempre uma latada (puxado coberto ¹Trancinha. Fio ou cordão delgado de ouro. ²Alguidar: vasilha de barro ou metal, rasa, em forma de tronco ou cone invertido, muito usada em cerimônias religiosas de origem africana. 10 ESPAÇO EM AÇÃO - 2011
  • 13. Foto: Adriano Costa ESPAÇO EM AÇÃO - 2011 11
  • 14. CAPA: Espaço Solidário | relato da equipe N ós, da equipe do Espaço sos. Todos nós colocamos que Solidário, refletimos, em aprendemos a enfrentar e lutar reuniões, sobre o legado pela vida com toda sua dificulda- dos idosos para a nossa forma-ção de. Que não devemos nos abater e humana. que, mesmo com toda a adver- Alguns falam da admiração sidade, temos que compartilhar o que sentem por certos idosos que temos de bom com as outras quando observam a vontade que pessoas. Aprendemos a ter mais eles têm de viver. Às vezes, mes- paciência com as debilidades dos mo muito debilitados, curtem mo- outros, a ter mais paciência mentos como um banho, um conosco também. simples pentear de cabelo, um A nossa convivência com os cheiro de comida, uma demons- idosos alargou nossa percepção tração de carinho, superando as- da vida, aprendemos a nos alegrar sim limitações. mais. Outros falam da agressi- Somos muito gratos a cada vidade de certos idosos, forma de um dos idosos pela contribuição a expressão que motivou a equipe a nossa formação humana. aprender a interagir sem medo e com respeito. Temos certa satisfação ao Nossos desafios ver idosos que não aceitam tudo e O revidam quando se sentem agre- didos. Gostamos de ver idosos s desafios são muitos, pois buscando ao máximo sua inde- manter a Casa na direção pendência, mesmo com importan- que pretendemos, exige tes dificuldades visuais. dedicação permanente. Gostamos de ver idosas que O Espaço Solidário, com dividem com outros o que têm de seus inúmeros atores (equipe, melhor (poesia, cordel, canto, idosos, colaboradores variados, receita, mas também carinho, comunidade, etc.), vive em relação preocupação, cuidado...) permanente com a diversidade A relação com os idosos da humana em todos os seus casa é tão intensa que há momen- espaços. Nós não queremos tos em que não sabemos se so- somente aprender a tolerância e mos nós que cuidamos deles ou se respeitar as diferenças, queremos: são eles que cuidam de nós. Incorporar as diferenças, Quando temos dificuldades fazer delas novas possibilidades em lidar com um idoso, tentamos para que possamos crescer na transformar a experiência negati- diversidade, pois segundo va em aprendizagem. Taramarca (2005), é somente na Muito se poderia dizer so-bre diversidade que se constrói a o que aprendemos com os ido-sos. nossa humanidade! To d o s n ó s c o l o c a m o s q u e 12 ESPAÇO EM AÇÃO - 2011
  • 15. ESPAÇO EM AÇÃO - 2011 13
  • 16. VELHICE EM VERSOS Poemas Um lugar bom de viver Um lindo cantinho O Dia do Idoso Uma mãe macho | ALUNOS DA CASA CRESCER | ALUNOS DA CASA CRESCER | Mª de Lourdes C. da Silva | Mª de Lourdes C. da Silva Giovanna Michele Santos, 13 anos Francisco Bartolomeu Lopes, 14 anos Jonathan Cardoso Ferreira, 13 anos Leandro José do Nascimento, 14 anos Peço ao Espírito Santo Sayonara Gomes da Silva, 14 anos Marcel Mendes, 14 anos Thiago Alexandre, 15 anos Como é boa a nossa velhice Ele me dá guia e luz Na nossa terceira idade Com a força de Jesus Ajudar no meu trabalho Depois de coroa achada O Espaço Solidário O bem eu procuro e acho Com essa vida avançada Os filhos pra mãe é tudo Se encontra em Mãe Luiza Nos dias de hoje Para nós elas fazem festa Só penso no seu futuro Fundado em 2001 Os idosos têm que merecer Foi embora todo estresse Porque sou uma mãe macho Para abrigar nossa bisa Um lindo cantinho Nós sentimos mais segurança Para se fortalecer Pra chegar lá não tem pressa Onze filhos pra criar Lá vivem muitos idosos Pelo o pai abandonados Porém alguns não moram lá Esse cantinho tem coisas A mãe estava presente Vivendo sempre ao seu lado Alguns passam o dia Para se admirar As vezes eu falava alto E sua família vão lhes buscar Piscina e um jardim Como foi bom este estatuto Era o meu desabafo E amigos a encantar O idoso vive melhor Exausta e com sofrimento O ambiente é muito rico Francisca já fez 80 Sempre sendo uma mãe macho Fresco e arejado Os idosos à espera É uma tataravó Gosta de viajar só Eu faço o que estou dizendo Pois de natureza De amigos, familiar E digo o que estou fazendo Ele está rodeado No pátio do Espaço É lúcida que admira Dá inveja pra família Filho tu siga meus passos A conversar e descansar Sempre o que prometo eu faço Como é forte a minha avó Sua comida é variada Digo a Deus muito abrigado Peixe, frango ou carne Essa imagem Nós nunca passamos fome assada Também nunca fomos errado Nos chamou muita atenção Porque sou uma mãe macho Feita com carinho Ao irmos visitar Viva nós da terceira idade Pelas pessoas da casa Essa instituição Viva quem criou esse dia Ô meu Deus muito obrigado Viva a nós de Mãe Luiza Por tudo que tens nos dado Um lugar bom de viver Chama-se Espaço Solidário Vivendo com alegria Por Jesus fomos criado E também de se morar Esse grande coração Os filhos podem entender Viva nossa superiora E toda hora agradecer Os idosos passam boa parte Um cantinho especial Muita paz pra elas todas A Lourdes que estava ao lado do tempo Na nossa memória e na do Deus anda em nossa guia O melhor que eles merecem No pátio a descansar ancião. Será que somos vencedoras? Porque tem uma mãe macho Com a Altura da Idade a Casa se Acrescenta | Fernando Echevarría, in “Figuras” Foto: Adriano Costa Com a altura da idade a casa se acrescenta. Não é que aumente a quantidade ao espaço. Mas, sendo mais longínquos, o desapego pensa maior distância quando se fica a olhá-lo. Ou, se quiserem, uma realeza se instala à volta dessa altura de anos, de forma a que os objectos apareçam na luz de quase já nem os amarmos. Então a casa distende-se na intensa inteligência de estarmos a ver as coisas amarem-se a si mesmas. Ou com a forma a difundir seu espaço. FOTO: http://www.babelmatrix.org/works/hu/Echevarr%C3%ADa,_Fernando 14 ESPAÇO EM AÇÃO - 2011
  • 17. Cordel Alice de nossas vidas A comadre não sabia Um detalhe importante: No exercito brasileiro Procurou o capitão A marinha brasileira Não gostou do visual | Wilson Palá O danado do peru Pedindo-lhe sem rodeio Remanejou as famílias Mancava a todo instante A ordem de permissão Do habitat natural E a sua perna torta Para poder se mudar Vindo pra Mãe Luiza Em mil novecentos e trinta Era a prova relevante. Usando o caminhão. Como destino final. Alice Palá nasceu. Eram 04 de agosto A perna do tal peru E no dia combinado Alice comprou uma casa Quanto o fato aconteceu. Já estava enterrada E como foi prometido Com a indenização. Nas terras de Goianinha Misturada com as penas A gurizada embarcou Da beira do mar saiu Essa menina cresceu. Num buraco na estrada. Pro destino decidido Não por sua decisão. Alice, porém provou Sabendo que em Natal E veio subir o morro Uma criança sapeca, Que a comadre foi a ladra. Nada estava garantido. Pra completar a missão. Resolvida e animada Falava com todo mundo, E da sua esperteza Na praia de areia preta A entrada em Mãe Luiza Não tinha medo de nada Zé Bernardo já sabia Chegou a família inteira Foi um tanto triunfal E quando moça, mostrava Pois vivia a visitá-la Construíram um casebre Parecia comitiva Que era determinada. No local de moradia Em uma vila praieira De um dia especial Sendo o Zé bonitinho Feito de vara e barro Treze filhos era o legado De exemplo, vou contar: Seu companheiro e guia. E pedaços de madeira. Daquele jovem casal. Quando sua mãe, Chiquinha, Sentiu falta de um peru Zé Bonitinho ficou E bem na praia do pinto No bairro de Mãe Luiza Só duvidou da vizinha Por Alice apaixonado. Ergueram o novo lar Wilton, porém chegou Mas não podia provar Quando ia visitá-la Zé Bernardo já estava Fechando a procriação A certeza ela não tinha. Levava José de lado No instituto a trabalhar Daquela mãe que gerou E o coração de Alice Ajudando o pedreiro Catorze filhos legítimos Quando que D. Alice Por José foi despertado. Erguer o museu do mar. Onde só um não vingou. Com a sua esperteza Foi procurar no lixo Casaram em quarenta e nove Alice dentro de casa Zé Bernardo e Alice Para provar com certeza Começando a nova vida. Cuidava dos seus rebentos: Com muita simplicidade Que a comadre vizinha Com poucos bens e recursos Em primeiro a saúde; Ajudaram a construir Estava com safadeza. E só a certeza da ida Segundo o alimento Partes da sociedade Pra uma nova geração Em seguida ela insistia Com 82 parentes Ainda não concebida. Buscar o conhecimento. Com suas diversidades. Os primeiros nove filhos Nessa rotina diária Nasceram 14 filhos, Nasceram em Goianinha: Tentavam sobreviver. 33 netos geraram Severino, Lourdes e Neco, A família ia crescendo 28 os bisnetos Dorinha, Cacau e Sinha, Com vontade de viver. Logo se apresentaram Lindalva, Lúcia e Peta No bairro de Areia Preta E 07 tataranetos Formavam a primeira linha. 04 filhos iam crescer. As gerações completaram. No ano sessenta e cinco Veio Manoel Maria Alice determinou O destino era Natal. Chamado de Severino. Até as forças perder Foram quase retirantes Logo depois vem Antonio E a cada um que gerou Em busca da capital Fuçando o seu destino Nunca deixou de atender Para melhorar de vida E Betinha aparece Até o último dia Como meta principal. Com o lado feminino. Que veio a falecer. Zé Bernardo vem na frente Inda da praia do pinto Em 21 de agosto Pro trabalho garantir. Wilson vem encarnar Desse ano corrente A família ficou lá Foi o último a nascer D. Alice desencarna Sem como poder partir. Naquele belo lugar Frágil mas consciente Alice bem decidida De dunas altas e brancas Alice Palá de Souza A solução foi provir. Entre a mata e o mar. Dizendo no seu olhar Que sempre estará presente. 04/08/1930 - 21/08/2011 ESPAÇO EM AÇÃO - 2011 15
  • 18. FATOS E FOTOS RASTROS DE Conhecendo o Parque da Cidade Na praia da Redinha “velha” Visita ao Parque das Dunas 16 ESPAÇO EM AÇÃO - 2011
  • 19. CONVIVÊNCIA Iate Clube Natal Reunião semanal no Espaço Solidário Apreciando a vista no Norte Shopping ESPAÇO EM AÇÃO - 2011 17
  • 20. FATOS E FOTOS RASTROS DE Vista do Iate Clube Passeio em Ponta Negra Aquário de Natal em Santa Rita 18 ESPAÇO EM AÇÃO - 2011
  • 21. CONVIVÊNCIA Mirante da Redinha Pôr-do-sol na Pedra do Rosário Entardecer no Potengi ESPAÇO EM AÇÃO - 2011 19
  • 22. GENTE DO ESPAÇO Parafraseando o quadro de entrevistas Gente do Morro, presente no jornal Fala Mãe Luiza, periódico de responsabilidade do Centro Sócio que também compartilhou com a comunidade esses 10 anos de Espaço Solidário, apresentamos o Gente do Espaço. Emprestamos do Fala duas entrevistas, uma de Maria da Conceição Varela, já falecida, e outra de Jovelina da Silva, 80. Ambas moradoras do centro de convivência compartilharam conosco suas experiências de vida e vivência comunitária. “Eu nasci na era 18 no dia de Nossa lá bem mocinha... Sempre gostei muito de com menino nos braços logo cedo. Acho que a Senhora. Já sabe o dia, não é?” É a resposta criança. Quando morei no Rio de Janeiro bagunça nas ruas é maior, tem muita gente que dona Nenê tem pra quem deseja saber trabalhei numa creche uns nove meses e lá me fazendo besteira a noite na rua. Mas o povo suas origens. Maria da Conceição Varela, perguntaram. – Você prefere cuidar de nênia ou hoje é mais sabido. conhecida como Nenê desde criança, tem 82 menino? Aí eu respondi: – O que vier eu tomo anos. Ela nasceu em Pedro Velho-RN, mas conta! A freira chefe riu e disse: – Ah! Você é das morou em Várzea e Nova Cruz, também na terras de Lampião, por isso é tão valente! É... Futuro região Agreste. quem chegava lá no sul, vindo do Norte era Apesar de muita lucidez, ela não tem certeza chamado assim. Perdi minha mãe cedo, eu não MVC: É ter confiança em Deus e trabalhar que de quando veio morar em Mãe Luíza, conta me lembro dela, sei que chamava-se Joana e a gente vence. Hoje é tudo mais fácil. Quando que morou na Rua Oeste, no Alecrim e de morreu de parto no 25º filho. Eu sou uma das eu era criança a gente tinha que plantar e acordo com as contas, faz mais de 30 anos derradeiras e fui criada por 3 gênios, primeiro arrancar batata, milho, arroz e feijão na roça, e que está em Mãe Luiza, na casa que divide pelo irmão mais velho, Severino, bebia e batia a gente via onça pintada bem pertinho... com o sobrinho Eduardo – 38 anos, o qual na gente, depois por Pedro (irmão) e por último naquele tempo não tinha nem energia elétrica. cuida desde os quatro meses de idade. por Chico que era Cabo da Polícia. Uma vez estava com meus irmãos assando Com muito bom humor ela cativa todos que a Nunca fui à escola e as rimas que sei foi meu castanha e brincando no mato, aí o fogo tomou visitam contando suas histórias da juventude irmão Pedro que lia pra mim e eu decorei. Ele conta de um canavial, saímos correndo junto aos irmãos e nas casas onde trabalhou. aprendeu a ler com mamãe. aperreados e um dos irmãos nem foi pra casa, Além dos serviços domésticos fazia mandado, fugiu com medo de apanhar. O dono das canas foi lá em casa reclamar a papai, que lhe levava encomendas. ”Eu gostava de sair, Deus respondeu: - Agora já queimou, o senhor andava ligeiro, num instante eu ia e voltava.” Há cerca de um ano, depois de sofrer uma manda cortar e levar pra o engenho e ta MVC: Deus é tudo, é meu pai, é tudo... Uma resolvido. Dessa vez a gente não apanhou. queda D. Nenê sente dificuldades para andar, ocasião estava numa casa de pessoas crentes porque uma perna ainda dói muito, mas Mas eu sempre fui muito medonha. fazendo aquela ladainha. Eles me cercaram pra movimenta-se dentro de casa com a ajuda de tentar me converter e aceitar Jesus, ai eu disse alguém. D. Nenê passa a maior parte do tempo bem atrevida, empurrando eles... – Chega pra sentada. Segundo ela sua maior distração lá, eu estou aqui porque Jesus consentiu que eu atualmente é contar histórias. As histórias viesse, se ele não quisesse eu não existia! MVC: “Me distraio assim, contando história, MCV: Ah! Tem tantas... mas vou contar passo mais o tempo. Sou aposentada, não umas... Eu trabalhei 16 anos na casa de uma Os dias atuais faço quase nada... mas já trabalhei muito em família muito conhecida aqui, os Farache. casa de gente grande, como os Alves, Marinho Cheguei lá pra ser babá, depois a cozinheira MVC: De uns tempos pra cá tudo mudou, as meninas hoje crescem mais rápido e é tudo com e Farache... mas hoje eles nem dão conta da foi embora, ai eu fiquei cozinhando. Cheguei lá gente.” bem mocinha... Sempre gostei muito de menino nos braços logo cedo. Acho que a criança. Quando morei no Rio de Janeiro bagunça nas ruas é maior, tem muita gente trabalhei numa creche uns nove meses e lá me fazendo besteira a noite na rua. Mas o povo hoje Conceição Varela 20 ESPAÇO EM AÇÃO - 2011
  • 23. Jovelina Severiano da Silva, 77, Cacimba do Pinto na praia para buscar Melhorias conhe-cida na comunidade como “Maria água doce. Eu vinha com duas latas de água no lombo ou trazia nos barris em “Depois de muito tempo, quando já Bala-bá”, moradora do Espaço Solidário, cima de um burro, ficávamos lá até as havia chegado muita gente por aqui, fala sobre a sua caminhada no processo dez horas da noite. Quando chegava colocaram uma caixa d'água e mais de construção do bairro. em casa bebia, dava ao burrinho, tarde a luz elétrica. Então, começou a tomávamos banho e então, botava o melhorar por que foram botando animal para dormir”. escola, igreja e o posto. Não tem um pé Chegada “Eu vendia água para o povo que vivia de castanholas perto do posto da morrendo de sede. Uma carga de água Guanabara? Fui eu que plantei”. “Eu vim da minha terra (Picuí/PB) pra cá valia dois mirreis, e não era só eu que “Hoje apesar de ter muita gente que em 1942, só tinha mato e dois barracos vendia não, tinha outras pessoas que já não presta, Mãe Luiza é bom e melhor de palha. Na época não tinha posto de morreram como Galego, Geraldo e do que antes. Eu tenho um filho e saúde, escola, energia elétrica e nem Miguel. Vendia muita água, e foi com netos, quero que eles trabalhem e todo água encanada. As casas eram muito dia encomendo eles a Deus”. esse dinheiro que eu fiz uma casinha. distantes, era só a mata virgem. A casa Também tinha seu Zé Verdureiro que que eu morei onde hoje é a Atalaia é a BATE-BOLA ainda está vivo, o povo chamava ele casa de “Galego” que foi amigo do meu assim porque ele vendia verdura”. marido”. AMOR: “Luiza era a moradora mais velha, ela “Quando alguém adoecia ia para o Casamento criava cabra e morava perto da Cacimba Hospital dos Pescadores na Ribeira, lá ALEGRIA: do Pinto, fazia os partos das mulheres da também pegávamos o remédio, se não Trabalhar época. Era uma pessoa muito boa, por tivesse a gente usava remédio caseiro. PASSADO: Eu sei fazer remédio caseiro. Durante a Viagem a Brasília isso aqui se chama Mãe Luiza”. CONQUISTA: noite era tudo escuro, não tinha luz Ser conhecida no bairro Luta e resistência elétrica. Na época não tinha segurança PRESENTE: nem soldado, mas tinha o juizado de É bom “A maior dificuldade sempre foi menores que vinha pegar as crianças TRISTEZA: conseguir água. Nós íamos até a que ficavam pela rua”. A morte de minha irmã Cacimba do Pinto na praia para buscar CANTINHO BOM: Melhorias Espaço Solidário água doce. Eu vinha com duas latas de Jovelina Severiano ESPAÇO EM AÇÃO - 2011 21
  • 24. VISÕES SOBRE O ESPAÇO Descortinando a Convivência | Luiz Marinho Júnior “Deixa de manha de noite e de dia, toda criança diz que tudo é seu Hei, menino! Hei, menina! Larga disso, lagartixa Que nessa ciranda o mundo inteiro é meu, é seu, é meu, é seu...” Palavra cantada R efletir sobre a velhice junto com as crianças e adolescentes da Casa Crescer e da Escola Espaço Livre, está sendo um transpor de estereótipos, um quebrar de paradigmas construídos por nossa sociedade altamente focada na ilusão da juventude eterna. Promover esse debate e troca de experiências, contribuirá sem dúvidas para a construção de um novo olhar e percepção por parte dessa geração que já percebemos mais aberta ao diferente. Ao longo desses dez anos de Espaço Solidário, vários foram os momentos em que as escolas se fizeram presentes no convívio dos idosos. Seja em saraus preparados especialmente pelas crianças com mamulengos, poesias e músicas, apresentados no pátio do Espaço Solidário, ou em visitas dos próprios idosos a Casa durante os festejos juninos, aberturas das olimpíadas e mostras culturais, esse relacionamento se estreita e fortalece laços. Transformar conceitos, repensar, não é algo fácil. Em certa discussão, percebemos que a idéia de um abrigo de idosos ainda assusta muitos dos nossos jovens. Para alguns, esses locais seriam espaços de abandono, lugar de morte e esquecimento. Contudo, após uma longa visita as dependências do Espaço Solidário e conhecimento de sua rotina, várias percepções mudaram. “Gostei de conhecer o Espaço Solidário. limpo, agradável e bem organizado. Quero morar lá quando for idoso. É um lugar de paz e muito amor”. Carlos Eduardo Bezerra, 13, aluno da Casa Crescer. Para a Casa Crescer e Escola Espaço Livre, não basta discutir ou visualizar o idoso como algo distante da realidade jovem. É preciso oportunizar esse encontro. Promover as sensações visuais, táteis e auditivas. Descortinar uma convivência que se faz necessária. Afinal, os índices mostrados pelo IBGE demonstram que a população idosa no Brasil só aumenta, e em Mãe Luiza não é diferente. Aprender a encarar a velhice, na atualidade, como parte constituinte de um ciclo de vida deve ser algo natural e dialético. Ter feito parte desses 10 anos de Espaço Solidário nos deixa muito orgulhosos, pois sentimos fazer parte dessa grande construção humana desenvolvida pelo Centro Sócio em busca de uma comunidade mais digna e igualitária em todos os Ilustração produzida por Ivo Gabriel, 6, aluno sentidos. da Escola Espaço Livre. 22 ESPAÇO EM AÇÃO - 2011
  • 25. ESPAÇO & CIA Amigos & Parceiros Como falar do Espaço Solidário sem lembrar da equipe, amigos e parceiros? N ossa equipe é uma turma dedicada e comprometida que ao longo dos anos vêm THE AMEROPA FOUNDATION crescendo e se aperfeiçoando. Participou ativamente da construção do Espaço Solidário, refletindo e repensando suas práticas, procurando se apropriar BASEL - SUIÇA melhor das questões do envelhecimento. Um grupo que busca superar suas limitações no cotidiano e sem o qual não seria possível uma comemoração tão bonita e significativa. Lembramos das famílias que apóiam, questionam e se fazem presente nos cuidados com os idosos. Pensamos com carinho em seu Martins (Marcos Antonio Martins) que há anos trabalha como voluntário consertando quase que semanalmente nossas “cansadas” máquinas de lavar, em dona Dadá (Idalina Leite da Silva) e dona Hilda (Hilda C. da Silva) costureiras da comunidade que ajustam, costuram e transformam as roupas dos idosos e em Neide (Edneide Batista de Lima) que confecciona os bolos (diet e ligth) deliciosos e lindos das nossas festas. Não podemos esquecer Iracy Garcia, que durante vários anos cuidou das idosas da comunidade com exercícios e alongamento, de Iara Lopes que alegrava as nossas reuniões semanais e da profª Maria do Socorro Nunes que promove até hoje ensaios para embelezar nossas festas Como seria o Espaço Solidário sem os nossos médicos que nos acompanham há tanto tempo: Dr. Ion Andrade, Dr. Francisco de Assis, Dra Fátima Jorge, Dr. Hilton Vilas Bôas, Dr. Iedson Marques do Nascimento, Dr. João Luiz Câmara da Silva, Dra Lígia Cerqueira, Dra Denise Dantas e, mais recentemente, Dra Lucia Milena Coelho, Dra Célia Maria de Souza, e Dra Regina Maria Oliveira de Miranda, nos dando segurança e tranquilidade para lidar com a saúde do nosso idoso. Association des Recordamos com carinho da família de dona Crinaura Cavalcanti, e da família Amis de Mãe Luiza Suisse do Dr. Álvaro Pires, sempre por perto, atentos às nossas necessidades, Grupo de Oração Peregrinas de Nossa Senhora na pessoa de Nina Rosa Câmara de Macedo com os bingos anuais que já ajudaram tanto o Espaço Solidário com portas novas, colchões, ventiladores, e recentemente, as calhas. Somos gratos a Rede Mais DaTerra na pessoa de Eugênio Pacelli de Medeiros que diariamente, há anos, vem deixar o nosso pão de cada dia e a Kitanda do Lucas na pessoa de Luiz Antonio Bentes que também vem deixar semanalmente frutas e verduras de qualidade! Agradecemos as inúmeras pessoas anônimas que vêm deixar pão, fraldas, cestas básicas, produtos de higiene pessoal, dentre outros, apoiando o trabalho e atendendo concretamente as necessidades da casa e a Margarida Maria Medeiros que presenteie sempre os idosos com colônias e perfumes. Que bom que nos fins de semana diversos grupos religiosos e outros vêm viver e compartilhar momentos com os idosos do Espaço Solidário! E os nossos convênios e parcerias com as Universidades FARN (Faculdade para Desenvolvimento do Rio Grande do Norte), UNP (Universidade Potiguar) e UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte, além do IFRN (Instituto Federal do Rio Grande do Norte), que contribuem de muitas maneiras, inclusive com estudantes de fisioterapia e enfermagem, interagindo de maneira positiva com os idosos. Lembramos também da nossa parceria com a Prefeitura Municipal do Natal, pois o Espaço Solidário está prestando serviço de proteção social especial de alta complexidade, sendo reconhecido como política de assistência na modalidade de serviço de acolhimento institucional. E os nosso amigos da Suíça, Alemanha e Itália. Quantos jovens e adultos já passaram em Mãe Luiza se encantando e deixando suas marcas? Ao longo de toda trajetória do Centro Sócio Pastoral se juntaram a nós contribuindo ativamente na concretização dos nossos sonhos, colaborando na construção de um mundo mais justo, mais humano. ESPAÇO EM AÇÃO - 2011 23
  • 26. DESPEDIDA A casa que abriga | Loyse de Andrade A NOSSA VELHICE E m várias reuniões, refletimos sobre o significado que o Espaço Solidário tem para todos nós, tanto os moradores quanto para os que aqui passam o dia. Vimos o quanto gostamos desta casa, dos idosos presentes e de todos que aqui trabalham. Alguns, de nós, falaram que não tinham mais como continuar morando sozinhos. Outros, que estavam doentes e que não tinham ninguém que pudesse cuidar deles. Comentamos: “aqui é melhor que lá na minha casa!” Falamos da comida e do tratamento. “Quando me chamam para tomar banho, eu saio toda cheirosa, perfumada e a pele toda encerada!” comentou Vivência. Seu José conta: “É o seguinte, ela (a casa) está na vida da gente. Eu vivia andando pra lá e pra cá, aqui eu descanso as pernas.” Para a maioria de nós, pensamos o Espaço Solidário como sendo nossa casa. Foi aqui, que encontramos carinho e apoio. Outros, que passam o dia no ES, dizem ter duas casas, e para um Damião, o Espaço é melhor, porque ele não briga com ninguém. Carmelita comenta que quando vê a Kombi chegar passando para pegá-la, já fica feliz. Ao nos perguntarmos: Essa é a casa da nossa velhice? Rita respondeu: “aqui é muito bom, mas eu vou levando a vida, deixando a velhice pra lá ! Não penso na velhice.” Lurdes relata: “cheguei morrendo e estou viva!” Jorge, olhando para todos nós, disse: “a velhice está aqui! Um andando, outro caindo e a gente vai vivendo! A gente se sente no meio de uma família!” José Carvalho brinca: “não me sinto velho, sou um garoto usado!” Claro que falamos de nossas desavenças, das brigas entre nós e com a equipe, do nosso sofrimento de, às vezes, não poder fazer as coisas sozinhos. Falamos também que a casa nem sempre corresponde às nossas expectativas. Alguns queriam que se fizesse mais para se poder voltar a andar, para se poder comer o que se quer, sem sempre pensar em dieta! Ao passar esses anos todos compartilhando a realidade da casa, podemos dizer que aos poucos a casa foi entrando “na vida da gente.” Hoje muitos entre nós a percebemos como nossa. Quando se fala que o Espaço Solidário é a casa aonde terminaremos os nossos dias, comentamos que preferimos ver a casa como sendo um espaço de celebração da vida. Peçamos a Deus para abençoar a todos nós. 24 ESPAÇO EM AÇÃO - 2011
  • 27. Foto: Adriano Costa Mural grafitado por Carlos Augusto da Silva Dantas para a área verde do Espaço Solidário.