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Literatas
                       Não conhecemos o preço da palavra. Envie esta revista a um amigo
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Sai às Terças-feiras


                                                                                          literatas.blogs.sapo.mz
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                                Revista de Literatura Moçambicana e Lusófona
Director editorial: Eduardo Quive * Maputo * 01 de Novembro de 2011 * Ano 01 * Nº 16 * E-Mail: kuphaluxa@sapo.mz

                                                                                          “Escrevo para
                                                                                          extravasar
                                                                                          sentimentos” -
                                                                                          fátima porto,
                                                                                          em discurso
                                                                                          directo na
                                                                                          literatas




Basta de
ser gente
                                                                      PArtIDA SeM
                       O FIM DAS                                      regreSSO PArA
                       cArtAS                                         uMA terrA
                                                                      IncógnItA
                                                          Pág. 3                                              Pág. 2
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    Terça-feira, 01 de Novembro de 2011                                            https://literatas.blogs.sapo.mz                                                                         2

Em primEira
Dos Frutos do Amor e Desamores até à Partida de Adelino Timóteo:

Partida sem regresso para uma terra incógnita
    EDuARDO QuivE - MAPuTO
    FOTO: FRANciScO JúNiOR                                   dura realidade, mas que não faz parte deveria fazer parte desafios manter intercâmbios com outros grupos de outras

Era para ser uma
viagem temporária,
com ida e volta. Está-
vamos a caminho
de uma cidade, cuja
chegada estava pre-
vista para o mesmo
dia e a partida de
regresso, para o dia
seguinte. Essa cidade
chama-se Xai-xai, a
capital da provín-
cia de Gaza, terras
que avizinham-se
de Maputo, de onde
vinha o Movimento
Literário Kuphaluxa.
O propósito dessa
partida programada
era um e único –
“dizer, fazer e sentir
a literatura” com os
irmãos da Associa-
ção Cultural Xitende
daquela província.
E foi cumprido o
objectivo. Contudo,
ouve imprevistos –
tivemos um acolhi-
mento acima das nossas expectativas, fomos vítimas de deste artigo.                                                             províncias e juntos “dizer, fazer e sentir a literatura”
um magnífico atendimento, tivemos ataques cardíacos e Ah! Xai-xai também é tranquila, outra diferença com a cidade
ficamos por lá.                                             que ainda é das acácias (Maputo).
                                                            E o sarau vai começar. Anuncia-se a nossa presença no local.        VIAJEM A XAI XAI
No princípio da tarde do dia 29, chegava-mos nas terras E volto a repetir, éramos sete: Eu, Amosse Mucavele, Amélia
que os nativos designam por Ka Ntxai-ntxai (designação Matavele, Francisco Celestino Júnior, Izidine Jaime Japone
em Changana), antes chamadas por João Belo, em hom- Arijuane e Nelson Lineu.                                                    O ar misturado de vozes
enagem a um administrador português, na era colonial. O Xinyamukwasa e Deusa D´África apresentam o evento e nos
Sarau Cultural em que íamos participar, intitulado “Versos glorificam. Acima de tudo glorificam o dom de amizade que            calava os nossos murmúrios da alma.
ensanguentados” tinha o seu início as 18 horas e para os dois combinados têm.
além desse intercâmbio Cultural entre a Xitende e Kupha- Estavam presentes o director da Casa Provincial da Cultura             Os corpos em seus assentos
luxa, era a final de um concurso de poesia entre escolas de Gaza e o delegado de Gaza do Arquivo do Património
secundárias locais.                                         Cultural (ARPAC) e oferecem ao Kuphaluxa uma lembrança              viam-se abraçados aos apertos do outro.
Mas antes disso, há algo por relatar. A viagem. Da Junta, – um livro, e o Xitende ofereceu um Diploma de Honra, pelo
terminal de transportes inter-provinciais em Maputo até nosso contributo na promoção e criação de uma identidade                Meus olhos apalpavam o mundo fora.
a cidade de Xai-xai foram vários os momentos marcantes. própria no ramo das artes e cultura.
Durante a viagem, nasceram versos, cresceram amizades, Mas não se pode oferecer a quem não dá. Por isso demos.                  A natureza caia na minha vista em jeito de verde.
alojaram-se conhecimentos, repousaram os ares da liber- Não imitando o gesto, mas incumbindo outras responsabili-
dade e a imensidão logrou os seus intentos: Francisco dades à aquele grupo que torna Xai-xai representativa a nível             Um espaço aberto ao vento
Júnior tinha saudade do além que vive e a loucura voltou nacional. O Movimento Literário Kuphaluxa, retirou do seu
a apoderar-se do seu corpo e pariram-se seus versos.        acervo bibliográfico, livros e revistas que ofereceu a Associa-     Fingia condicionar o ar daquele ombro que nos carre-
Outros apuros surgiram, gritaram outros versos perversos ção Cultural Xitende e a Casa Provincial da Cultura de Gaza.           gava.
e dispersos.                                                Livros de literatura Moçambicana e Brasileira (livros brasileiros
Era Izidine Jaime, despido de si, para um outro ele. Não oferecidos ao Kuphaluxa pela Ana Rusche e Rubervam Du                  Conversávamos para espantar o silêncio.
evitou dizer palavras, estas que comoveram Amosse Nascimento, escritores daquele país latino-americano) e a
Mucavele, o ensaísta do movimento, considerado extra- Revista Proler, carinhosamente fornecida ao Kuphaluxa pela                Uma voz ecoando ao som da música
terrestre pela espontaneidade da sua criatividade. Um direcção da mesma.
autêntico atirador de verdades em chãos ardentes das Com esta oferta, o propósito era único. Levar a leitura para               Há quem seguia o rítmo num balançar da cabeça.
letras. Comovido, disse poesia “Até então Xai-xai é uma aquele ponto do País e fazer conhecer as novas tendências
incógnita”.                                                 literárias.                                                         Sai de mim por um momento.
E não eram apenas estes, Japone Arijuane, se expressou Xai-xai foi muito naquele sábado datado de 29 de Outubro.
de óculos escuros, Nelson Lineu, agora assimilado para Descrever tais momentos seria uma missão impossível. Uma                 Meus olhos conversavam com as árvores
secretário-geral deste movimento que ainda se faz bebé e noite em que “versos ensanguentados” untaram a todos nós
Amélia Matavele também suspiravam ares do destino que de sangue. O sangue da vida. O sangue de amor as artes. Amor              Sem muito afecto com o tempo.
se procurava atingir com demasiada ânsia. Eu também a literatura. O sangue que catalisa corpos celestes que formam
estava lá. Eu também Eduardo Quive.                         o horizonte desconhecido. Algo inatingível. A supremetudo           Havia gente naquele espaço
Agora sim. Chegamos a Xai-xai. Começamos pelo edifí- do amor que revelamos a este enigma que se chama leitura
cio do Conselho Municipal Local. Tiramos fotos. Depois e escrita. E tudo isto, devemos ao Calane da Silva que ajudou-           Contemplavam o mapa do abandono.
chegara uma autoridade que nos expulsou do local. Era nos financeiramente para esta viagem. Xai-xai nos conheceu
proibido usar aquela vista para ilustrar fotografias. Isso pelas suas mãos homens. Viva para nós e por nós. Que vivam           O suor dos campos transbordando as culturas,
não sabíamos. Na verdade, chegávamos a uma cidade também os membros do movimento Kuphaluxa que não
que em tão-pouco se difere de Maputo. Maputo é cidade hesitam em contribuir do seu próprio bolso para o andamento               casas vestidas de capim
de lixo e Xai-xai não e o mais curioso, há latas de lixo em deste grande sonho.
qualquer lugar, as mesmas não tem aderência e a cidade Que vivam os membros do Xitende que proporcionaram-nos                   Nos desejavam boa viajem.
continua limpa. Diferentemente de Maputo onde são momentos de glória e fizeram-nos acreditar que Moçambique
contentores tão grandes, cheios e a cidade ainda a levar é pequeno, apesar dos 799.380 quilómetros quadrados que                Viajávamos a Xai-Xai
moscas e cheiro nauseabundo no seu seio. Em fim… ocupam. Estava previsto que de lá voltássemos, mas três dias
                                                            depois, nos demos conta ainda lá presentes. E são próximos                                 Dizeres De Izidine Jaime
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 Terça-feira, 01 de Novembro de 2011                                                      https://literatas.blogs.sapo.mz                                                                         3

Em primEira

 Hoje já não se escrevem cartas
Hoje já não se escrevem cartas como acontecia no antigamente. Ou se quisermos, as cartas são
agora escritas duma outra forma : através do insubstituível “electronic-mail” e das mensagens por
telefones celulares. A linguagem é obviamente clara, sintética, breve. Não há lugar para divagações
mais ou menos longas capazes de oferecer àquele que escreve momentos de particular prazer...
                                                                                                                                                       Ao Compadre Adérito Silveira
                                                                                                                                 tentativa de estender o seu pensamento até às proximidades
                                                                 esperou pacientemente, ao longos de anos, por uma               da sabedoria. Recordo-me, por exemplo, das maravilhosas car-
 MARcELO PANguANA - MAPuTO                                                                    carta do governo que traria        tas que o “mestre” David Mestre escreveu para o escritor baiano
                                                                                                 a reforma que ele tinha         Jorge Amado, enaltecendo a sua arte, a beleza da sua escrita,
                                                                                                 direito, como recompensa        falando sobretudo do mundo dos afectos e desafectos em que
                                                                                                 de muitos anos de guerra.       os dois viviam. Da correspondência entre Goethe e Schiller,
                                                                                                 Mas todos, naquela cida-        cada um actuando para o outro como um tipo de interlocutor,
                                                                                                 dezinha, sabem que essa         aprumando assim a sua imaginação e a sua escrita. Entre Cas-
                                                                                                 carta nunca mais chegará,       tilho e Camilo. Ou entre Tchékov e Górki. Todos eles escreventes
                                                                                                 incluindo ele próprio. Mas      de cartas que resistem ao tempo e que correm o risco de se
                                                                                                 o velho coronel não se can-     tornarem legados eternos da nossa civilização.
                                                                                                 sa de esperar. A esperança      No bairro onde vivo existe um senhor que vive de fazer cartas.
                                                                                                 não é, afinal, a última coisa   Para isso montou um modesto escritório no mercado do lugar:
                                                                                                 que morre ? Bonita história,    uma pequena mesa onde ficava instalada uma velha máquina
                                                                                                 esta do Gabriel!                de dactilografia, uma cadeira de jambire que dava costas a um
                                                                                                 Hoje já não se escrevem         calendário que ostentava a figura de Nelson Mandela. Chegava
                                                                                                 cartas como acontecia no        no seu escritório logo de manhã, sempre de fato escuro, sem-
                                                                                                 antigamente. Ou se quiser-      blante carregado, ombros curvados, como se estivesse a carre-
                                                                                                 mos, as cartas são agora        gar nos ombros toda a sabedoria do mundo. Trazia os sapatos
                                                                                                 escritas duma outra forma       iguais àqueles que usavam os dançarinos de “twist” na famosa
                                                                                                 : através do insubstituível     época do Chube Checker, e um desses chapéus escuros que
                                                                                                 “electronic-mail” e das         me faziam lembrar os conhecidos chapéus do poeta Fernan-
                                                                                                 mensagens por telefones         do Pessoa. O senhor Lampião, que é assim que se chamava o
                                                                                                 celulares. A linguagem é        fazedor de cartas, escreve muitas todos os dias, encomendadas
                                                                                                 obviamente clara, sinté-        por gente que de manhã à noite lhe batiam a porta da casa,
                                                                                                 tica, breve. Não há lugar       desde cartas para familiares a viver numa localidade ou alde-
                                                                                                 para divagações mais ou         ia longíquas, a informar que uma tia qualquer que podemos
                                                                                                 menos longas capazes de         chamar Maria acabava de trazer mais um filho ao mundo, cartas
                                                                                                 oferecer àquele que es-         dizendo, por exemplo, que um tal Ngomane acabara abando-
                                                                                                 creve momentos de partic-       nando as minas da terra do rand e agora estava na cidade de
                                                                                                 ular prazer. As mensagens       Maputo, o corpo terrivelmente debilitado, uma tosse produtiva
                                                                                                 telefónicas empobreceram        a se ouvir constamente no silêncio dos becos. Cartas para pedir
                                                                                                 a escrita e a própria língua.   emprego ou para acabar com ele. Outras de um amante zeloso
                                                                                                 Com o desaparecimento           a desculpar-se a uma amante pela mesada do mês passado que
                                                                                                do hábito de escrever car-       não chegou de ser enviada. Se tornara enfim o senhor Lampião,
Hoje já ninguém escreve cartas como acontecia no an-             tas quase que também desapareceu uma profissão que              por via do seu ofício, uma figura de prestígio. De modo que pas-
tigamente. Já ninguém pega uma caneta de tinta per-              noutros tempos teve muito prestígio : a de “carteiro”.          sando pela rua, toda a gente o cumprimentava com o devido
manente ou uma esferográfica para enfrentar uma folha            Um carteiro era aquele que batia a porta da nossa casa          respeito e dizia : “Lá vai o escritor de cartas”. E o senhor Lampião,
em branco. Já ninguém faz isso. Nos tempos que correm            para nos trazer notícias vindas de perto ou de longe. As        com o seu passo lento, como se todo o tempo do mundo lhe
as cartas deixaram se substituir por meios mais rápidos          cartas que depunha em nossas mãos podiam nos tornar             pertencesse, respondia com um vagaroso e distraído aceno, se
de comunicação, provavelmente mais eficazes, como os             muito felizes ou nos deixarem muito tristes. O carteiro         calhar a escrever naquele preciso momento mais uma carta.
telefones celulares e o famoso correio electrónico. Eu           era uma espécie de um novo membro da família. Um                Quem sabe ?
que sou de um outro tempo, lembro-me das cartas que              disfarçado conselheiro. Conversava connosco. Com a
escrevia quando na década de setenta, durante a guerra           nossa mulher. Com os nossos filhos.
colonial, cumpria o serviço militar obrigatório. Afastado        Escutava as estórias das nossas vidas.
de tudo e de todos, escrevia cartas para amainar a solidão       Oferecia o seu ombro amigo e deixava
e sentir-me mais próximo daqueles que mais gostava.              ficar a sua opinião à quem precisasse.
Escrevia em longos blocos de papel, tão longos como a            Como as cartas deixaram de existir, os
minha saudade, ou em aerogramas que nos isentavam                carteiros agora se contam aos dedos,
de qualquer taxa dos correios, fazia isso durante “a hora        ou melhor, já não se contam.
maconde“, que é a designação que algures, em Cabo Del-           Sabe-se lá se é pelo facto de não se
gado, se dava ao espaço de tempo em que os “turras” não          escreverem cartas como no antiga-
atacavam. Escrevíamos à namorada cartas inflamados               mente que os nossos filhos deixaram
de amor inspirados nas revistas de Corin Telado, cartas          de escrever bem. Quem sabe se o
para os amigos, os velhotes, ou para a zelosa madrinha           facto de passarem o tempo a redigir
de guerra. Lembro-me das cartas que alguém escrevia e            mensagens nos telefones celulares
em seguida enviava à si próprio, cansado de esperar por          não terá reduzido a sua capacidade
uma correspondência que nunca mais chegava.                      discursiva, a imaginação, a criativi-
Naqueles tempos as pessoas gostavam de escrever cartas,          dade e obviamente a escrita ? Não é
mesmo que o domínio da língua portuguesa não fosse lá            verdade que todo aquele que tem por
grande coisa e tivesse alguma semelhança com os dis-             hábito escrever cartas se torna um
cursos do Mestre Tamoda, famosa personagem fictícia              conhecedor de todas as coisas ? Não é
buscada nos escritos do meu confrade Uanhenga Xitu.              verdade que se transforma num poeta
Estou a lembrar-me das cartas que comecei a escrever             ou um pequeno filósofo da vida ?
nos bancos da escola para conquistar o amor e o sorriso          Sei de cartas que ficaram conhecidas
da rapariga por quem me apaixonara perdidamente. E               na história da cultura universal, desde
das cartas que os nossos pais nos mandavam entregar ao           os tempos do antanho até aos nossos
senhor “cantineiro”, a solicitar alguns litros de vinho tinto,   dias. De correspondência entre filóso-
algumas latas de sardinha, uns quilos de arroz e petróleo        fos, escritores, cientistas e outros que
que bastasse. Sobre cartas recordo-me, agora, daquela            tais. Essa correspondência permitiu
outra famosa que serviria de pretexto para o escritor co-        não apenas a discussão dos proble-
lombiano Gabriel Garcia Marquez, Prémio Nobel da Lit-            mas do seu tempo, como também
eratura, criar em 1958 o famoso conto “Ninguém escreve           permitiu a possibilidade de os inter-
ao Coronel”, onde numa cidadezinha anónima e desola-             vientes ensaiarem a sua capacidade
da, um velho coronel e antigo combatente da revolução            especulativa, a sua imaginação, nessa
4    BLA BLA BLA   Exero 01, 5555
    Terça-feira, 01 de Novembro de 2011                                                     LiTERATuRA ANgOLANA                                                                        4


Basta de ser Gente, vou emigrar para
coisalidades, como uma onda no prédio
Uma leitura do livro “Quem me dera ser Onda” de Manuel Rui
                                                                                                                      identidade nunca avistada, fresca de notícias e coisas novas, lhe
                                                                                                                      prendem só que o recebem.... De onde vem, chegou bem, a família
                                                                                                                      lá em casa está de saúde?
                                                                                                                      o CHeFe de família, todo ele realizado nos seus pensamentos,
                                                                                                                      salivava a cada olhar que cruzava com a imagem do animal que
                                                                                                                      virou caseiro, todo ele carrancudo, em gestos de domador de
                                                                                                                      touros, ensaiava perante a hora do peixe frito no arroz, seus planos
                                                                                                                      mortíferos ao pobre bicho.
                                                                                                                      (...) “ - Mas vamos comer leitão, não é? ”
                                                                                                                      - NADA, Zeca. Plano, sempre o plano. Vamos criar. Engordar. Depois
                                                                                                                      é muita carne. Pág. 10.
                                                                                                                      ComeNTAvA Diogo, os seus ensaios na aniquilação daquele grande
                                                                                                                      amigo que se viria a descobrir, do Zeca, Beto e Ruca, os pionei-
                                                                                                                      ros.
                                                                                                                      e DALi para frente educações surgiram para o animal, um novo
                                                                                                                      animal burguês, de modo a que não gritasse ao gesto de Zeca e
                                                                                                                      Ruca, de puxar, em modos de brincadeira, a cauda de Carnaval da
                                                                                                                      Vitória, restos de Hotel, música o dia todo, que vinha dos sons do
                                                                                                                      único rádio que existia na pequena sala daquela flat de um sétimo
                                                                                                                      andar clandestino.
                                                                                                                       “e Com panquê1, nem um porco grita. É lei da vida”- provérbio da
                                                                                                                      dona Liloca
                                                                                                                      Num prÉDio onde vive gente, escriturários, secretários, funcionários
                                                                                                                      de ministérios, um assessor popular, até um segurança, não podem
                                                                                                                      duma forma assumida compartilhar o mesmo espaço com bichos,
                                                                                                                      ainda mais em estado vivo, de saúde e arfaras, animais com animais,
                                                                                                                      pessoas com pessoas. “Pois segundo o responsável da assembleia
                                                                                                                      dos moradores ficou votado por unanimidade, no elevador só pes-
                                                                                                                      soas, coisas no monta-cargas, quanto aos bichos ficou combinado
                                                                                                                      cão, gato ou passarinho, se for galinha ou cabrito, morto, limpo e
                                                                                                                      embrulhado, passa como carne.”
                                                                                                                      os pioNeiros, Zeca e Ruca, com tamanhas espertezas, demon-
                                                                                                                      straram duma forma inteligente as suas habilidades em enganar o
                                                                                                                      camarada Fiscal, de não permitir que o mesmo descobrisse o porco
                                                                                                                      que ali já residia; visto que tinham acabado de se meter numa saia
                                                                                                                      justa. Não podiam deixar de venerar Carnaval da Vitória, antes de
                                                                                                                      se deitarem fizeram questão de deixar alguns cumprimentos; nos
                                                                                                                      seus sonhos, Carnaval da Vitória era a principal figura de cartaz,
                                                                                                                      talvez porque nas aulas sobre os animais, só terem ouvido falar de
    MAuRO bRiTO - MAPuTO                                  não vale nada, como prego, ferro, papel, palavras, essas    animais domésticos por estes conhecidos virtualmente, até aquele
ApreseNTAção Do novo inquilino do prédio: Esta é uma coisas, ar, discursos, esse tipo de coisas, sim onda é boa       momento nunca antes tiveram a sorte de trocar intimidades com
onda que responde pelo nome de Carnaval, depois           coisa, onda, vou ser onda como nunca, essa ninguém          bichos, servia como que uma aula prática. Os pioneiros, na escola
mudaram-lhe o nome para Carnaval da Vitória, isto à       amarra. Ali por cima da água, nem precisa nadar. Pode       no tempo do intervalo, com os lábios sorvidos de saliva e sorriso
propósito da abastada algazarra que causou a presença     alguém agarrar uma onda, prende-la?                         brilhante, narravam a cena do dia anterior, com tanta paixão, sem
do animal, quando um dos vizinhos da família criadora     NesTA oBrA, de dimensão física, pequeníssima, mas no        desdém.
do bicho, tratou logo de alertar o fiscal da zona, que    sentido real e morfológico da palavra, a obra “ Quem        CArNAvAL DA Vitoria, no seu novo lar, merecia tratamentos carís-
havia qualquer coisa de estranho no sétimo andar.         me dera ser Onda” de Manuel Rui , é uma grandíssima         simos, que nenhum outro animal antes tivera, era já membro da
Apercebendo-se da ausência dos donos da flat, do          viagem aos tempos já idos, da burguesia portuguesa.         família, com direito a banho, comida de primeira que vinha das
mesmo, decidiu ganhar satisfações da razão de ter um      Tempos de escassez, tempos de poucas condições, de          sobras do Hotel trópico, e habituado ao som do rádio, quando
porco no prédio só para GENTE sem que os restantes        pouco açúcar, pouco arroz, pouca farinha, peixe as vezes,   assim berrasse, para que a vizinhança não se apercebe-se da pre-
dos moradores tomassem conhecimento do assunto;           pouca voz e por ai em diante.                               sença do novo inquilino. Era comer, dormir e ouvir musica, original
o Zeca e o Ruca após terem vencido a estonteante          NesTA oBrA, Manuel Rui, faz-nos mergulhar num uni-          exemplo de vida de Lorde.
batalha de impedir a inspecção ao famoso porco, por       verso socialmente habitável, por todos, tanto seres         NuNCA mAis os dias foram os mesmos desde o dia em que o pai
unanimidade lhe atribuíram por mérito de nome             humanos como seres animais. Por outro lado quão             Diogo, depois de afiar as facas, preparar a fogueira, ter aniquilado
completo, Carnaval da Vitória.                            fértil o coração dos animais, e de como os animais são      Carnaval da Vitória sem escrúpulos, nem pena; na casa os pioneiros
ANTes eLA queria ser um ser vivo, mergulhou na tentati-   mais humanos do que nós (homens), correspondendo            assistiam a azafama que anunciava o matadouro de seu amigo.
va de ser pessoa mas viu que os homens ainda não são      amorosamente ao pequeno gesto de carinho e afeição,         Em todas as estórias existem heróis, Carnaval da Vitória não foi
pessoas, ainda aprisionam-se uns aos outros, matando-     mostrando o quão forte e intenso é o amor verdadeiro,       excepção, virou herói da família, e dos pioneiros da comarca. Na
se modernamente, olha que nem gente sonhou ser, ser       que cinge-se simplesmente na troca de verdadeiro            fogueira em forma de febras, costeletas, toucinho, gordura, refeição
gente requer grandes investimentos, muito dinheiro        afecto e protecção, um amigo do outro, todos irmãos         para todos ate serem convidados os anteriores inimigos da família
em jogo, ter família, ter cargo político, contudo nem     no arroz com peixe frito e as sobras do hotel Trópico.      Diogo, Faustino, o camarada Nazario e os membros da comissão
gente conseguiu ser, que pena dela! Disse novamente,      (...) - Olha só, ronca que chega - Ruca aproximava-se       dos moradores, viraram todos excelentes amigos por causa de
vou tentar ser animal, mas também os animais não, os      tentando a familiaridade com o bicho. pág 8.                Carnaval da Vitória, e por fim o sonho dos pioneiros, em ter sempre
homens tratam-nos mal e porcamente, vejam os jardins      A CHegADA do novo inquilino ao novo lar (o porco),          a imagem do porco, em suas mentes, nas correrias do intervalo, no
zoológicos por aí, desfilados em porquices e tolices, a   deixava todos os viventes, de bocas secas, de saliva        trópico. Se pudessem voltar atrás para mudar o curso da estória,
própria pobreza da local apodrecida parecem autên-        por não ter que lamber os beiços, os miúdos na pressa       escolheria que Carnaval da Vitória tivesse nascido cão ou gato, mas
ticas pocilgas; animal não, vale a pena ser algo que      de seduzir amizades para com o bicho, não esperaram         não, queriam mesmo ser onda.
                                                          que este se acomodasse devidamente, como que uma
FiCHA TÉCNiCA
                                                       Propriedade do Movimento Literário Kuphaluxa
  Sede: Centro Cultural Brasil-Moçambique* AV. 25 de Setembro nº 1728, Maputo, Caixa Postal nº 1167 * Celulares: (+258) 82 27 17 645 e (+258) 84 57 78 117 *
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Director Editorial: Eduardo Quive (eduardoquive@gmail.com)
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Redacção: David Bamo, Nelson Lineu, Mauro Brito, Izidine Jaime, Japone Arijuane.
Colaboradores: Maputo: Osório Chembene Júnior * Xai-Xai: Deusa D´África * Tete: Ruth Boane * Nampula: Jessemusse Cacinda * Lichinga: Mukurruza*
Brasil:Balneário Camboriú - Pedro Du Bois * Santa Catarina: Samuel da Costa * Nilton Pavin * Marcelo Soriano * Portugal: Victor Eustaquio e Joana Ruas.
Design e páginação: Eduardo Quive
Exero 01, 5555    BLA BLA BLA       5
 Terça-feira, 01 de Novembro de 2011                                                                         cRÓNicA / cONTO                                                                          5
                                                                                                                     FiLosoFonias                               rapsódicas
                                                       Atxaga e a
                                                                                                        MARcELO SORiANO - bRASiL
                                                       profecia de                                     m.m.soriano@gmail.com

                                                                                                       Nota preliminar: Antes de
                                                       Nadeau                                          prosseguir com este artigo,
                                                                                                       lembro ao leitor que me
                                                                                                       dirijo à CPLP (Comunidade
                                                       LuíS cARMELO* - ÉvORA                           dos Países de Língua
                                                                                                       Portuguesa),       portanto,
                                              Num encontro realizado em 1965, sub-                     podemos            encontrar
ordinado ao tema “Que peut la Littérature?”, Jean-Pierre Faye, na sua comunicação,                     gerúndios, futuros do pretérito, expressões etnocêntricas,
escrevia: “Foi no fim de um artigo publicado em 1957 que, pela primeira vez, surgiu                    familiares a certos leitores, porém, inusitadas a outros. Oxalá,
pela pena de Maurice Nadeau, a expressão legendária ‘Nouveau Roman’. O autor
afirmou nesse texto que era a partir de um mundo subitamente ‘lisible’ que as                          que esta peculiaridade não seja pretexto para correções, mas
tomadas de consciência tinham lugar e que as revoluções poderiam florescer”*. O                        para integrações e enriquecimentos léxicos e culturais entre
tom do encontro era meio épico e carregado de certezas e ideologemas próprios da                       nós. Marcelo Soriano. Santa Maria - RS - BR. 14/07/2011.
época (basta ler o início das comunicações de Sartre, Semprun ou Ricardou para que
a efígie irónica da actualidade possa desbragadamente sorrir). Ao fim e ao cabo, neste
encontro de 1965 debatia-se a (dir-se-ia necessária) irredutibilidade entre a escala do
‘Nouveau Roman’ e a chamada literatura ‘comprometida’ (enfim, comprometida com                         [v e r - s Ó i s]
as fantasias de quem a teorizava com botas de chumbo e tambores exaltados).

 No entanto, a alegação de Nadeau, citada por Faye, não deixa de ser interessante, até                 introdução
porque vinca a ideia de uma possível ‘tabula rasa’ como suspensão do mundo que
acabaria por convidar ao descomprometimento ficcional (seria essa, afinal, a mais                      Numa noite acordei para o dia. E outro dia. Outro dia. Sol a sol,
do que sadia “lisibilité”). Creio que Alain Robbe-Grillet deu corpo a esse espírito de
renovação e convidou, em muitas outras latitudes, a experiência literária a interrogar-                fui tecendo o manto da vida, enquanto esperava a morte, que não
se. No início dos anos noventa, mais de meio século depois do artigo de Maurice                        veio...
Nadeau, ainda me lembro de Fernando Dacosta ter considerado, numa crítica no JL,
que o romance Na tua face de Vergílio Ferreira (1993) era um fruto emblemático do
‘Nouveau Roman’.

Esta breve reflexão leva-me a um conto de Bernardo Atxaga que li dois anos após
                                                                                                       5º [ver-sÓ]
a saída a público do penúltimo romance o autor da Aparição. O conto de Atxaga
– editado num volume de narrativas curtas intitulado Relatos Urbanos (Alfaguara                        versiDADe
Hispânica, 1995) – espelhava com imensa nitidez a atitude ‘lisible’ desencantada                       vi A CiDADe
por Nadeau. O autor imaginou no seu conto uma “Vuelapluma”, espécie de aparo
miraculoso que, na sua forma de artefacto original, sobrevoaria a cidade de Bilbao. O                  mi’A CiDADe
dispositivo (meio físico meio imaginário) evitava locais onde as histórias avolumadas                  viverei
seriam excessivas e evitava também as periferias, isto é, os lugares de mero trânsito                  vivACiDADe
ou passagem, sobretudo porque aí as narrativas latentes esfumariam a criatividade                      vir-Te-vAis
da invenção literária.
                                                                                                       sAuDADe
Ataxaga preferiu conduzir a sua “Vuelapluma” entre a nuvem incerta do puro acidente                    Aversão
e da contingência. E foi desse modo que, a dada altura, o olhar narrativo se fixou                     Ave voA
numa pessoa de idade que, solitária, vagueava através de um parque, embalada                           vÊ e voA
pelos encantos do lazer desportivo. É evidente que o personagem em causa não
exercitava os músculos para “convertirse en un viking de los que viajaban en la proa                   Nu ver-sÓ
de su embarcación desafiando a las olas, al viento y a los cormoranes”. Contudo, este
homem com um pouco mais de setenta anos, entre muitos outros dotes, também
sabia tocar acordeão (confessou-o, a dada altura, a pluma voadora em diálogo directo (CoNTiNuA NA prÓximA eDição...)
com o narrador).
                                                                                                       .........................................................................
 Talvez devido aos muitos dotes do personagem e a outros motivos para os quais a
ficção não desejou – e bem – encontrar explicações, o certo é que o ‘jogger’ tinha,
                                                                                                       ..
há menos de uma hora, colocado um anúncio num jornal onde se candidatava a
acompanhar um aventureiro que só já desejava partir no seu barco à vela, de Bilbao
                                                                                                       Homem-mãe
para os Açores, passando pela Finisterra e pela costa portuguesa. Terá esse sido, ao
fim e ao cabo, o desvendado segredo da pluma voadora.                                                  O poeta-homem é mãe no poema.
                                                                                                       É mão pesada a carregar seus filhos,
 Nesse dia, o mundo tornou-se branco, nítido, legível. Tudo começou e acabou e a
“Vuelapluma” de Atxaga cumpriu como ninguém a profecia aventurosa de Nadeau.                           como se a pena fosse brisa.
Sem que Robbe-Grillet desse por isso.
                                                                                                       .....................................................................................

___________________________________________________________________                                    FrAse TAmANHo FAmíLiA soBre A esperA
*Jean-Pierre Faye Que peut la Littérature? em Que peut la Littérature?, L´Inedit, Paris, 1965          Pessoas me esperam no Porto. Também me esperam em
(pp. 63-72)                                                                                            Lisboa. São Paulo. Curitiba. Maputo. Porto Alegre. Fortaleza...
________________________________________
                                                                                                       Pessoas me esperam, inclusive, em Santa Maria, a minha Terra
exTrAíDo Do portal: PNETLITERATURA. www.pnetliteratura.pt                                              Natal. Esperariam “por” mim, ou esperariam “de” mim? Não
                                                                                                       sei o que esperam. Não sou quem esperam. Ou sei... Ou
* Luís Carmelo (Évora, 1954) é autor de uma vasta obra literária e ensaística, de                      sou... Sinto muito, de coração, ter de frustrá-los. E, o que eu
onde se destacam dez romances (com destaque para A Falha, adaptado ao cinema
por João Mário Grilo em 2002) e quinze livros de ensaio (incluindo o Prémio A.P.E. de
                                                                                                       esperaria, seria, que não sentissem muito. Que não sentissem
1988) sobre semiótica, teoria da cultura, literatura e o cruzamento multidisciplinar                   falta antecipada. Que não sentissem falta posterior. Queria que
de expressões contemporâneas.                                                                          fôssemos uma família de irmãos que ainda não se conhecem.
                                                                                                       Amaríamo-nos mesmo sem sabermo-nos... Família é isso...
DouTorADo peLA Universidade de Utreque (Holanda), o autor é professor na
Escola Superior de Design (IADE), membro da Associação Portuguesa de Escritores
                                                                                                       Família são todos aqueles que sabem a verdade sobre nós e,
(A.P.E.) e da Associação Internacional de Semiótica (I.A.S.S.-A.I.S.).                                 apesar disso, continuam nos querendo muito bem. Isto é o que
                                                                                                       eu espero!
pArA ALÉm de autor de diversos manuais de escrita criativa, actividade que coordena ....................................................................
em diversas instituições, entre elas o Instituto Camões, é ainda colunista do jornal
Expresso (edição online), autor do blogue “Miniscente” e editor do site PNETlitera- FrAse CAixA ALTA:
tura.                                                                                se ToDo muNDo ACreDiTA,                                                É verDADe. se NiNguÉm
                                                                                                       ACreDiTA, TAmBÉm
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    Terça-feira, 01 de Novembro de 2011                     https://literatas.blogs.sapo.mz                                                          6


- discurso dirEcto
Escrever para extravasar sentimentos
     Por vezes, começo a escrever, e as palavras fluem com tal ligeireza, que quando me apercebo, já estou na parte final.
    EDuARDO QuivE - MAPuTO




                                            poesia, podemos encontrar o grito
                                                                                     eDuArDo Quive: Que espaço ocupa a literatura na sua
O seu processo de criação não ultra-        de saudades da mãe África “quem vida?
                                                                                     FáTimA porTo: A literatura tem um espaço muito impor-
passa os meios humanos comandados           os ler, vê a saudade, a tristeza, a dor, tante, desde a leitura de obras de autores nacionais e inter-
                                                                                     nacionais, como até a minha própria escrita.
pelos sentimentos, mas o produto            até mesmo a revolta de ter visto os
                                                                                     eDuArDo Quive: O que a leva a escrever?
final, que é a sua poesia, ultrapassa       seus filhos partirem… “Mas have- FáTimA porTo:
continentes e forma um horizonte            mos de voltar!”, já assim dizia Alda
                                                                                            Extravasar todos os meus
que cujo alcance é sempre o mesmo           Lara!” é bancária de profissão e Por-
para o leitor – a insatisfação. Lemos       tugal a acolhe desde a tenra idade, sentimentos, sejam eles de dor,
sempre, mas sempre, queremos mais.          mas o seu berço, é aquele que é da
                                                                                        alegria, até mesmo de Amor.
Na sua poética forma de “extravasar         humanidade – África, mais concre-
                                                                                     eDuArDo Quive: Quando é que escreve?
sentimentos”, navega o Atlântico            tamente, em Angola, terra de Pep- FáTimA porTo: Sempre que sinto necessidade para tal, o que
                                                                                     posso mesmo dizer, que é uma constante diária.
que banha os trópicos da África, ne-        etela e Agualusa, exímios escritores
                                                                                     eDuArDo Quive: A quanto tempo escreve?
gra terra que a viu nascer, mas neste       dos tempos de hoje. Quem sabe ela FáTimA porTo: Desde muito cedo que comecei a escrever,
                                                                                     desde pensamentos poéticos a pequenos textos poéticos
mesmo oceano, embrulha-se um                também será! … Falo-vos de uma que mais tarde se transformariam na minha grande paixão
                                                                                     literária.
outro continente que a acolhe tem-          mulher que ostenta o nome de Fáti-
                                                                                     eDuArDo Quive: Que passos obedece o seu processo de
porariamente, como declara nesta            ma Porto.                                criação? Fátima Porto: Essencialmente a minha vivência
                                                                                               do quotidiano; por vezes uma fotografia pode traduzir em
entrevista. Aliás, segundo ela, na sua
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 Terça-feira, 01 de Novembro de 2011                                                https://literatas.blogs.sapo.mz                                                                 7
mim, a essência “forte” para “entrar” dentro do contexto e de TV onde o escritor, na sua intervenção, dissertou,
transformar em letras tudo aquilo que sinto.               sobre o tema “Ter medo que o medo acabe”.                     um pouco, mas cabe aos
eDuArDo Quive: Escreve só poesia?
FáTimA porTo: Sim, apenas poesia.                              eDuArDo Quive: Acha que há uma interacção literária
                                                               entre esses países?
                                                                                                                       Pais e aos Professores voltar
eDuArDo Quive: Porque razão?
FáTimA porTo:
                                                               FáTimA porTo: Sim, acho que há, mas a meu ver, deveria
                                                               haver interligação através de Congressos, abrangendo
                                                               também os que estão a dar os primeiros passos na lit-
                                                                                                                       a incutir esse gosto de LER!
    A poesia É o estilo de                                     eratura.                                               eDuArDo Quive: Que palavras diria a um iniciante da escrita?

                                                               eDuArDo Quive: Quer mencionar a sua lista de escritor FáTimA porTo: Muito simplesmente: “Leiam muito, aprendam

     escrita que mais se
    coaduna com o meu
  “EU”, e por outro lado,
  eu costumo dizer que “a
  poesia não se aprende, já
      nasce connosco”.
eDuArDo Quive: Que influências literárias você tem?
FáTimA porTo: Influências, não direi, mas gosto da obra
completa de Florbela Espanca, Alda Lara, Fernando Pessoa,
António Nobre no seu livro “Só”.

eDuArDo Quive: Estarão (as influências literárias) iminentes
no que escreve?
FáTimA porTo: Inconscientemente, acredito que estejam, no
caso de Alda Lara, pelo facto de ela ter morado em Portugal
enquanto estudante, e nessa altura escreveu muito sobre
Angola e as suas saudades, por outro lado, quem conhece
a obra de Florbela, compara-me um pouco a ela, mas no lusófonos?                                                       a gostar de ler para serem bons escritores”!
essencial, é a minha Alma que “fala”, que “grita” a dor nela
contida, e de mais ninguém.                                   FáTimA porTo: Milton Gama, Carlos Drummond de            eDuArDo Quive: Angola está presente nos seus escritos?
                                                              Andrade, Mário de Miranda Quintana (ambos brasil-        FáTimA porTo:
eDuArDo Quive: Qual é a sua maior preocupação quando eiros) Agostinho Neto, Alda Lara, José Eduardo Agualusa,
escreve?                                                      Pepetela, (angolanos) Mia Couto, Ruy Guerra (moçam-
FáTimA porTo: Conseguir transmitir o que sinto, passar bicanos) Yara Tavares, Eugénio Santos (cabo-verdianos)
através das letras os sentimentos, por vezes dolorosos, que Alda do Espírito Santo, Conceição Lima (São-tomenses),
                                                                                                                           Claro que sim, Angola
me vão na alma.                                               Luís Cardoso de Noronha, Fernando Sylvan (timorenses),
                                                              Fernando Pessoa, Florbela Espanca, Luís de Camões,
eDuArDo Quive: Que dificuldade tem encarado na criação António Nobre (antigos escritores portugueses, mas
                                                                                                                          minha terra natal, está e
de um texto?                                                  imortais) Agustina Bessa Luís, José Saramago – Prémio
FáTimA porTo: Pouca dificuldade. Sou sincera, por vezes, Nobel da Literatura, Miguel Esteves Cardoso, Miguel
começo a escrever, e as palavras fluem com tal ligeireza, que Torga e tantos outros…
                                                                                                                           estará sempre presente.
quando me apercebo, já estou na parte final.                                                                           eDuArDo Quive: Como?
                                                                                                                       FáTimA porTo: Em vários poemas, desde “Menino””África I”,
eDuArDo Quive: E qual é o espaço que tem para gritar os eDuArDo Quive: Sei que está no sector bancário, mas “África II”, “Para lá do mar”,”Mãe Preta África”… quem os ler, vê
seus sentimentos expostos no que escreve?                sente que há cultura de leitura no seio de estudantes?        a saudade, a tristeza, a dor, até mesmo a revolta de ter visto
FáTimA porTo: Neste momento, tenho um blog (http:// FáTimA porTo:                                                      os seus filhos partirem… “Mas havemos de voltar!”, já assim
portodefatima.blogspot.com) onde por vezes dou gritos                                                                  dizia Alda Lara!
abafados, choro lágrimas secas, e olho o horizonte vazio
de nada!                                                         Com as novas tecnolo- BiogrAFiA:
eDuArDo Quive: Está nos seus planos lançar um livro? Sim,
graças a um amigo, também poeta Ângelo Vaz, muito breve-
mente iremos editar um livro, em parceria, “CAPAS”.
                                                               gias informáticas, o gosto                              Nome: mAriA de Fátima de Carvalho Oliveira da Cunha Porto
                                                                                                                       DATA De nascimento: 23 de Janeiro de 1959

eDuArDo Quive: Tem publicado os seus textos no Brasil
(jornal O REBATE) isso por falta de espaço no seu País?
                                                                pela leitura dispersou-se                              NATurALiDADe: CATumBeLA, Benguela, Angola
                                                                                                                       ACTiviDADe proFissioNAL: Bancária
                                                                                                                       Fez os seus estudos primários na Catumbela, continuando os
FáTimA porTo: Essa pergunta é pertinente, mas infelizmente,                                                            mesmos em Novo Redondo (Sumbe). Concluiu o 5ºAno do
apesar de sermos observados por todos os lados,                                                                        Liceu em Benguela.
foi do Brasil, e mais propriamente do Jornal O                                                                         veio pArA Portugal em 1975 onde continuou os estudos em
REBATE, que recebi o convite para ser colunista                                                                        Coimbra e Oliveira do Bairro.
diária do mesmo, que aceitei, claro.                                                                                   FáTimA porTo, fez parte da Rádio Voz da Bairrada em Oliveira
                                                                                                                       do Bairro.
eDuArDo Quive: Quer comentar sobre a situação                                                                          NessA ráDio foi responsável pelos seguintes programas:
em que situação está a Angola em termos de                                                                             progrAmA iNFANTiL semanal, “ Bola de Sabão”, (sábados à
divulgação de novos autores?                                                                                           tarde).
FáTimA porTo: Angola, como todos os novos                                                                              revisTA semANAL, Nacional e Internacional incluindo desporto,
Países Lusófonos, está a dar uma grande evolução                                                                       (programa semanal, aos sábados).
na divulgação dos novos autores.                                                                                       voz De África, (programa semanal).
                                                                                                                       peNsAmeNTo Diário (temas generalizados).
eDuArDo Quive: Tem contacto com as literaturas                                                                         progrAmA DesporTivo, como pivô (programa semanal aos
de outros países Lusófonos?                                                                                            domingos)
FáTimA porTo: Sim, é uma grande preocupação                                                                            muiTo CeDo que a escrita poética é uma busca constante até
minha ter contacto com a literatura de todos os                                                                        os dias de hoje.
Países, principalmente Lusófonos.                                                                                      FAz pArTe da redacção poética de jornal O REBATE de Macaé-
                                                                                                                       Rio de Janeiro, Brasil
eDuArDo Quive: E de Moçambique?
FáTimA porTo: Também, claro. Mia Couto, por
exemplo, esteve recentemente em Portugal, e
segui com muita atenção, inclusive, o programa
8   BLA BLA BLA      Exero 01, 5555
 Terça-feira, 01 de Novembro de 2011                                                                   https://literatas.blogs.sapo.mz                                                                        8


O dia do casamento de Matiangola
 NÉLiO NhAMPOSSE - MAPuTO                                         aconselho. E eu não sou uma excepção. Quero, minha perdição sem           o luto e o amor; a desgraça e a graça. Desta maneira, distintos
o CHiAr das aves anuncia a nobreza e pureza da alma. A            eleição, tu que fazes o verbo levitar flores, que provocas vapor e gás    convidados e excelências, imortalizamos quer a morte quer a vida.
poesia e os versos métricos poluíam o ambiente. As sonori-        mesmo sem perplexia, casar-me contigo. Tu serás o elo entre a vida e      Não nos enganemos, clarividentes, a partir de agora viveremos
dades do blues evocam os deuses da morte à vida. Era um           a morte; entre o falecido e o morto; entre o caixão e o covil; entre as   nesse vácuo entre a vida e a morte. Nesse espaço onde teremos,
dia igual ao dos selenitas. O calor intensificava a cada para-    trevas e a mágoa; entre o sepulcro e o enterro.                           em simultâneo, falecidos e vivos. Por isso, saudosos irmãos, cel-
gem brusca de um movimento. O jazz emergia entre a ida                                                                                      ebramos esta união aqui neste sítio. E meus ente queridos, vos
e o regresso da morte. Matiangola, pelo mais sagrado que       - esTrANHo!                                                                  conjuro, a lua-de-mel para os nubentes será num caixão, exacta-
existe, era um homem que vivia entre a vida e a morte; entre                                                                                mente neste cemitério, onde começou a Matiangola Company,
as trevas e a angústia; entre a dor e mágoa. E nesse vácuo,    - e quem disse que os mortos não se casam. Já combinei com o bispo. obra-prima que ora e faz os discursos fúnebres para os falecidos.
encontrava espaço para amar. E não demorou muito para          Vamos casar no sábado. Casaremos mortos e até já pensei na lua-de- As sementes devem ser lançadas aqui. Hoje, Julieta, o verbo vai
dar o nó.                                                      mel. Será no cemitério, claro, num caixão. Vamos fazer, nessa noite, as perplexar. O mergulho vai carbonizar o parnaso. Os campos vão
- JuLieTA, a minha vida tem sido incaracterística.             letras cantarem afro ao brilho das estrelas; as aves cintilarem até ao ficar verdes como as tuas plantações. As aves Maria vão nascer.
                                                               alvorecer; a álgebra suar até à região central do hemisfério; as águas Senhor de todas as coisas, Deus de Deus, luz da luz, santifique
- porQuÊ?                                                      do oceano fervilharem até encontrarem a nascente. O leito do rio vai este matrimónio. Que a paz e a morte sejam o dia-a-dia do casal;
                                                               nascer.                                                                      que as trevas e a felicidade transbordem neste lar; que a dor e a
- vivo entre o abismo e a escuridão. Entre a morte e o caixão.                                                                              mágoa unam-se ao amor e espalhem o avesso; que os falecidos e
Sou uma espécie de cemitério ambulante. Por onde passo, - voCÊ é um louco.                                                                  os mortos sejam o vosso lar; que Deus vos abençoe. Amen!
atraio a morte. E as pessoas, quando me vêem, só vêem
morte, choros, angústia. Talvez eu seja a própria morte. Sabe, - Há uma coisa que devias saber, amor. A loucura é para os eleitos. É NAQueLA NoiTe, de núpcias, ao som do vento, carreguei uma
em tempos, até pensei em mudar de nome. Sim, mudar para o estágio mais avançado da sabedoria. Só é louco quem não é com- carta de amor, que com a profundeza da secreção esperneou
Morte.                                                         preendido. E tu me compreendes.                                              nos óvulos de Julieta e com o cintilar das aves, suspirámos nessa
                                                                                                                                            aurora infinita, como se de hipotipose se tratasse. Quase que a mil,
- e por que não mudaste?                                       umA semANA depois, a agitação era desusada no cemitério. A suspiramos novamente, numa penetração que dilacerou o nosso
                                                               algazarra era tal que o casal não precisou de convidados, tudo porque o ego e, nesse frenesim, amargámos os nossos lábios congelados de
- porQue também tenho medo de morrer, apesar de já viver cemitério estava abarrotado de mortos e, por tabela, dos familiares dos saliva, num balbuceamento azedo. E quando a alvorada cessou,
como um falecido.                                              mesmos. Tudo havia sido preparado ao detalhe. às 15h00 de sábado, com o nascer do covil, Julieta estava grávida.
                                                               com a presença dos padrinhos Jonh Mabalend e Suzana Gazetão,
- Deixe-Te de estórias. Como é que uma pessoa que ama a falecidos de primeira, o bispo Quim Selex iniciou a cerimónia.                      ps: A Matiangola Company e sua filial de malopa comunicam,
morte pode ter medo de morrer?                                                                                                              com pesar profundo, a não realização de enterros esta semana,
                                                               - CAríssimos irmãos, hoje, celebramos a união em Cristo de Matian- em virtude da realização do matrimónio do seu presidente do
- poDe até parecer estranho, mas mesmo o próprio morto gola e Julieta. A partir de hoje, em diante, o que Deus unir ninguém Conselho de Administração. Pelos transtornos causados, as nossas
tem medo do seu estado de morto e, pior ainda, da ideia de separa. Matiangola é um morto e Julieta uma vivente. Pelo que unimos sinceras desculpas. Paz às vossas almas.
falecer. Não te engane Julieta, é difícil ser falecido. Não te a morte e a vida; a treva e a paz; a dor e a felicidade; a mágoa e a trégua;




 Halaca-vuma     Malês
também é sagrado
                                                                                                                                            gERALDO LiMA - SãO PAuLO
                                                                                                                                            peLAs ruAs De são pAuLo, seguiNDo-A. um Negro
                                                                                                                                            em seu eNCALço. AssusTADA? pAssos LÉpiDos,
                                                                                                                                            ANCAs eNvoLveNTes: umA priNCesA NAgô, sem
                                                                                                                                            DúviDA ALgumA.
 DANy wAMbiRE - bEiRA                                                   céptica assustava os polícias e deixava-os assoberbados de
                                                                        dúvida. O Tapera vincava que não tinha apanhado nenhum
 ArmADos, os polícias tradicionais tomaram, de assalto, a casa          animal sagrado.                                                     — LuízA mAHim. seNHorA LuízA mAHim!
do Tapera. Vestiam-se de roupas rotas com a acção do trabalho           CoNFiNADos Com o posicionamento do Tapera, os polícias
policial. E entraram de forma abusiva e desrespeitosa, para tirar       tradicionais chamaram pelo régulo, para ele os ajudar a achar o
algum animal sacro, que o Tapera tivesse apanhado, na sua longín-       procurado. E o régulo apareceu.                                     AproveiTou A muLTiDão e esTACou. umA priNCesA
qua viagem a Maropanhe, na caça de todo o tipo de animal, para           CHegou e insistiu:                                                 NAgô, Não TeNHo DúviDA.
a sua difícil sobrevivência.                                             ― TAperA, concede-nos o halaca-vuma, que achaste, algures,
 e A gente, ante aquela agitação dos polícias, ladeou-os, para          na mata. Tu apanhaste um animal na mata, tenho a certeza.
junto deles perceber as razões daquele rebuliço e da prisão do           De CerTezA os polícias e o régulo tinham tido informações de       — Que merDA É essA! Não me CHAmo LuízA...
velho Tapera. Alguns não compreendiam as motivações daquela             pessoas críveis, que tinham visto o pangolim achado pelo Tapera.
tristonha cena.                                                         E essas mesmas pessoas temiam pela eclosão duma estiagem
 e Não tardou que os interessados desvendassem a causa da               com causas humanas.                                                 — mAHim... LuízA mAHim, mãe De Luiz gAmA...
prisão de Tapera. Era a Teresinha, de quem se conjecturava que          por ForçA das palavras assustadoras do régulo, teve o Tapera
fosse a informante furtiva do régulo. Ela é que tinha assistido dubi-   que desobrigar o pangolim e acompanhá-lo ao Regulado, à sede
amente ao Tapera a recolher um pangolim, num trilho poeirento,          do mandante da ordem.                                               perpLexA. QuereNDo eNTeNDer e Não poDeNDo.
quando ela regressava da labuta na sua modesta machamba.
 Ao seu lado, ouvia-se um jovem vindo da Beira a dizer as moti-          e o régulo não demorou a chamar os anciãos do Regulado, para
vações daquela peripécia, o que logo ridicularizou:                     lhes apresentar o animal sagrado, halaca-vuma, que facilita as      — LemBrA-se Dos mALÊs? o reCôNCAvo BAiANo, o
  - esTes polícias, não estão bem... Não têm nada que fazer...!         preces da vinda da chuva ao Regulado, e também as impede.           QuiNTAL DA suA CAsA...
Estão a prender alguém, só porque apanhou um animal, um
pangolim!                                                                 ToCArAm A trombeta. Os populares dirigiram-se às pressas
 esTe Jovem beirense criou, involuntariamente, uma aberra-              à sede do Regulado. Queriam ver aquele animal, de que muito         Já HAviA virADo As CosTAs, ABorreCiDA. Fez
ção, para um velho, que assistia, apreensivo, à peripécia, e que        se falava na região, o animal do bem e do mal.                      Assim Com umA DAs mãos, Como se Dissesse:
conhecia bem a real perigosidade do halaca-vuma, os poderes                                                                                 CADA mALuCo Que me ApAreCe.
sobrenaturais deste animal.                                               mAs sÓ se consegue ver a cabeça do halaca-vuma, em troca
 o ANCião retorquiu para o miúdo:                                       de dinheiro, de porcelanas e de cânticos. Halaca-vuma idola-
 ― oH cala-te, ó jovem da cidade. Tu não sabes perfeitamente dos        tra dinheiro ou porcelanas acompanhadas de súplicas com             Não A segui mAis. Que se Fosse, DesCoNHeCeNDo
poderes de que o pangolim dispõe. O pangolim atalha a chuva.            cânticos. Mexe a cabeça e a pequena cauda, num movimento            Quem reALmeNTe erA. HAviA ouTrAs. mAis DiA
 o Jovem ficou cada vez mais perplexo, e interessado com a              extraordinário e espectacular. Mas embrenha-se, quando apare-       meNos DiA, umA se ApreseNTAriA DiANTe De NÓs,
declaração. Necessitava de mais detalhes, e perguntou:                  cem pessoas que não lhe endereçaram súplicas com dinheiro e         umA priNCesA NAgô:
 ― Como é que um animal tão pequeno como o pangolim pode                porcelanas.
estrangular a chuva?
 e Do velho veio-lhe a resposta, que o manteve mudo e sem mais            o DiNHeiro amealhado à custa do pangolim ultrapassou as           — seNHores, É por AQui. eis o meu QuiNTAL...
querença de perguntar algo.                                             expectativas. Foram novecentos meticais. Com este dinheiro,         vAmos ComeçAr TuDo De Novo.
 ― DeixA-Te estar, ó jovem da cidade, e deixa o povo do Regulado        adquiriram os anciãos a utchema, e também fizeram dhoro.
fazer o que bem sabe.                                                   Depois mataram o pangolim, para uma pequena festa metafóri-
 eNQuANTo As pessoas espectadoras se digladiavam em comen-              ca, no Regulado. E estiveram lá os mais cotados do Regulado. É
tários diferenciados, o Tapera, lá dentro da palhota, sofria vários     que esta festa só admite essas pessoas: os anciãos, os régulos, e
golpes de coação, para a outorga do pangolim. Mas continuava            os seus súbditos, e outros distintos convidados.
a não mostrar o esconderijo do animal sagrado. A sua teima
Exero 01, 5555   BLA BLA BLA   9
 Terça-feira, 01 de Novembro de 2011                                             https://literatas.blogs.sapo.mz                                                              9

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                                                                     dos brancos lá da Fazenda                           filha eterna de quanta rebeldia
                                                                     chegou um dia de terras distantes                   me sagrou.
 PEDRO DO bOiS - bRASiL                                              com seu pedaço de pano na cintura                   Mãe-África!
                                                                     e ficou.                                            Mãe forte da floresta e do deserto,
                                                                     Ficou a Avó Mariana                                 ainda sou,
 Numero acontecimentos                                               lavando, lavando, lá na roça                        a irmã-mulher
 desordenadamente. Capitulo                                          pitando seu jessu1                                  de tudo o que em ti vibra
 ao extremo desgosto                                                 à porta da sanzala                                  puro e incerto!...
 das arrumações: a cama                                              lembrando a viagem dos seus campos de sisal.
                 os objetos                                                                                              - A dos coqueiros,
                 a comida                                            Num dia sinistro                                    de cabeleiras verdes
                 o banho                                             p’ra ilha distante                                  e corpos arrojados
 retiro da estante o livro                                           onde a faina de trabalho                            sobre o azul...
 instantaneamente convertido                                         apagou a lembrança                                  A do dendém
 em acompanhante: desarrumo os fatos                                 dos bois, nos óbitos                                nascendo dos abraços
               e os distribuo pela casa:                             lá no Cubal distante.                               das palmeiras...
        a história forjada                                                                                               A do sol bom,
        de reis e reinos:                                            Avó Mariana chegou                                  mordendo
             a desabilitação das fábulas                             e sentou-se à porta da sanzala2                     o chão das Ingombotas...
             moralizam o animal que teima                            e pitou seu jessu1                                  A das acácias rubras,
             sua liberdade.                                          lavando, lavando                                    salpicando de sangue as avenidas,
                                                                     numa barreira de silêncio.                          longas e floridas...


 Amor Platônico                                                      Os anos escoaram
                                                                     lá na terra calcinante.
                                                                                                                         Sim!, ainda sou a mesma.
                                                                                                                         - A do amor transbordando
cÁSSiO ubiRAJAR -iTAJAí                                              - “Avó Mariana, Avó Mariana
                                                                                                                         pelos carregadores do cais
                                                                                                                         suados e confusos,
Nem é mais tão cedo                                                  é a hora de partir.                                 pelos bairros imundos e dormentes
nem há mais tanto amor                                               Vai rever teus campos extensos                      (Rua 11...Rua 11...)
por fim é isso que resta                                             de plantações sem fim”.                             pelos negros meninos
uma manhã chuvosa                                                                                                        de barriga inchada
mal sei se de maio ou abril                                          - “Onde é terra di gente?                           e olhos fundos...
                                                                     Velha vem, não volta mais...
Ela já não mais a mesma                                              Cheguei de muito longe,                             Sem dores nem alegrias,
o encanto já não me encanta mais                                     anos e mais anos aqui no terreiro...                de tronco nu e musculoso,
não por palavras                                                     Velha tonta, já não tem terra                       a raça escreve a prumo,
não por atitudes                                                     Vou ficar aqui, minino tonto”.                      a força destes dias...
a simples falta é onde o amor se esvai
                                                                     Avó Mariana, pitando seu jessu1                     E eu revendo ainda
Hoje só continuo seguindo                                            na soleira do seu beco escuro,                      e sempre, nela,
por entre os dedos deixei escapar                                    conta Avó Velhinha                                  aquela
ah amor!! Continua vivo!!                                            teu fado inglório.                                  longa historia inconseqüente...
                                                                     Viver, vegetar
Lindo era sol da manhã                                               à sombra dum terreiro                               Terra!
hoje está nublado                                                    tu mesmo Avó minha                                  Minha, eternamente...
lindo era teu sorriso sobre meu peito                                não contarás a tua história.                        Terra das acácias,
hoje não consigo lembrar                                                                                                 dos dongos,
                                                                     Avó Mariana, velhinha minha,                        dos cólios baloiçando,
Vem Sol vem iluminar novamente                                       pitando seu jessu1                                  mansamente... mansamente!...
vem trazer teu calor                                                 na soleira da senzala                               Terra!
vem acender meu caminho                                              nada dirás do teu destino...                        Ainda sou a mesma!
vem Sol astro Rei                                                    Porque cruzaste mares, avó velhinha,                Ainda sou
vem reinar pra tua amada Lua                                         e te quedaste sozinha                               a que num canto novo,
      costuras                                                       pitando teu jessu1?                                 pura e livre,
                                                                                                                         me levanto,
                                                                                     (É nosso o solo sagrado da terra)   ao aceno do teu Povo!...
 DORiANA - ANgOLA                                                    1 - Jessu: cachimbo de barro;
  A vida bordou surpresas em ponto agrilhão
  Tecias auroras carsidas.                                           2 - Sanzala: aldeia.
  Desfiaste o tecido para o crivo; esqueceste chulear as baínhas.
  Não pudeste atingir a perfeição dos deuses,
  gostei do passajado feito quando tudo se desmanchou                                                                        Algo mais
  Continuo trajando o vestido da tua oferta.

  baloiça o tempo na folha da goiabeira
                                                                    vem, desespero                                              MAuRO bRiTO -MAPuTO
  baloiça oh folha!                                                 JOFRE ROchA - ANgOLA
  que o silêncio geométrico multiplica a esfera:
  a noite aleita o traçado dos morcegos                             vem, desespero                                               Sinto mais que tudo
  sombras mudas enamoram açucenas                                   mata em minhas veias o brilho desta lua                      Invadido por marés
  a memória afaga paralelos idos                                    a enfeitar com simulacros de prata                           Entrei e vi uma cidade
  e o corpo se desfaz em loiras labaredas.                          a miséria de vidas sem destino.                              em estado de mar
  balança o tempo nas folhas da minha terra,                                                                                     Pés acotovelam-se
  balança oh terra!                                                 vem, desespero                                               Milhões de coisas
  já o meu corpo se desfaz na geografia da espera.                  gela nas bocas o murmúrio de conformismo                     Sem ressentimento
                                                                    esse ópio de vontades                                        Aqui nunca houve razão para algo
  nômada                                                            a sabotar a flor única de esperança                          Deliram pórticos
  o adiante veste incógnitas de cristal                             na planície dos homens de rastos.                            E em nada que te sei
  balança oh folha!
  balança oh terra                                                  vem, oh! vem desespero,
  queria ainda beijar-lhe a era.                                    e cria nos homens o ímpeto dos tornados.                      Quando em suor ganha-se o nada



  Espaço para divulgação de poetas dos países LUSÓFONOS. Envie os seus textos para: kuphaluxa@sapo.mz
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 Terça-feira, 01 de Novembro de 2011                                 https://literatas.blogs.sapo.mz                                                         10

                   Noites d ´Álma                           Em outras paLavras
          https://noitesdalma.blogspot.com
                                                            VII Prêmio Literário Valdeck
                                                            Almeida de Jesus – CRÔNICAS
                                                           eDição em HomeNAgem A esCriTores BAiANos


Outro Olho da Carla                                          1 - O Prêmio Literário Valdeck Almeida de Jesus visa estimular novas produções literárias e é dirigido
                                                           a candidatos de qualquer nacionalidade, residentes no Brasil ou no exterior, desde que seus trabalhos
                                                           sejam escritos em língua portuguesa.

 XiguiANA DA LuZ                                             2 – As inscrições acontecem de 01 de janeiro a até 30 de novembro, através do e-mail valdeck2007@
                                                           gmail.com (CRÔNICAS de até 20 linhas, minibiografia de até cinco, endereço completo, com CEP e fone
            A dor se espalha pelas veias do meu corpo      de contato, com DDD). Os textos devem vir DENTRO do corpo do e-mail. Inscrições incompletas serão
        O seu cheiro se invoca entre os meus pensamentos   desclassificadas. Vale a data de postagem no e-mail. Não serão aceitas inscrições pelos correios.
               A sua imagem se faz na minha face,
                                                             3 - A crônica deve ser inédita, versando sobre qualquer tema (exceto apologia ao uso de drogas,
          Mas apenas se torna realidade na imaginação!     conteúdo racista, preconceituoso, propaganda política ou intolerância religiosa ou de culto). Terão
                                                           preferências os textos sobre escritores baianos da contemporaneidade. Entende-se como escritores
                                                           contemporâneos aqueles cuja obra ainda não foi lançada por grandes editoras e que não são con-
                                                           hecidos do grande público. Cada autor responderá perante a lei por plágio, cópia indevida ou outro
                            Tenho medo…                    crime relacionado ao direito autoral. A inscrição implica concordância com o regulamento e cessão
                                                           dos direitos autorais apenas para a primeira edição do livro.
                           Sinto tanto medo.
                                                             4 - Uma equipe de escritores faz a seleção de apenas um texto por autor. A premiação é a publica-
                                                           ção do texto selecionado em livro, em até seis meses do encerramento das inscrições. Os escritores
                         O sono se esconde,                selecionados devem criar um blog gratuito, após a divulgação do resultado do concurso, para dar
                          O coração exige,                 visibilidade ao trabalho de todos os participantes. Os casos omissos serão decididos soberanamente
                        As ideias se trancam,              pela equipe promotora.
                        E nada fica no espaço.
                                                              5 - O autor que desejar adquirir exemplares do livro deverá fazê-lo diretamente com a editora ou
                                                           com o organizador do prêmio. Os primeiros dez classificados receberão um exemplar gratuitamente.
                       Sinto muita dor…                    Os demais podem receber, a critério da organização do evento e da disponibilidade de recursos
                 Misturada com ardor e medo,               financeiros.
                      Angústia e remorsos,
              Aterrorizo-me nos passos do silêncio         moDeLo De FiCHA De iNsCrição:

                   E o caos se instala no meu corpo.         Paulo Pereira dos Santos
                                                             Rua Santo André, 40 – Edf. Pedra – Apt. 201
                                                             35985-999 – Portão
                            Tenho medo…                      Belo Horizonte-MG
                                                             (31) 3366-9988, 8877-8999
               Mas a vida me veda possibilidades,
                                                           moDeLo De miNiBiogrAFiA:

                          Me dá a sua voz,                   Paulo Pereira dos Santos é natural de Santana-PB. Escritor, poeta e jornalista, tem dois livros
                            O seu rosto,                   publicados: “Antes de tudo” e “Até amanhã”. Paticipa de cinco antologias de poesias. Graduado em
                           A sua imagem,                   comunicação social. Menção honrosa em diversos concursos de poesia, tem dois livros no prelo e
                        Mas nunca o seu corpo              pretende lançá-los em 2012.
                          Nem o seu amor.

                                                           proJeTo puBLiCADo No siTe Do pNLL Do miNisTÉrio DA CuLTurA

                               Escrevo…                    mAis iNFormAçÕes:

                              Alivio a dor,                  Valdeck Almeida de Jesus
                                                             Tel: (71) 8805-4708
                    Mais um dia fiquei historiador,          E-mail: valdeck2007@gmail.com
                                                             Site do Organizador: www.galinhapulando.com
                       Mas as forças se acabam,

                      Nem se quer amanheceu,
                                                            NOTA: NESTE cONcuRSO PODEM TAMbÉM PARTiciPAR PESSOAS DE OuTROS
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                         Para tiver novamente!              iMPOSSíbiLiDADE DESTES EM FALAR DE EScRiTORES bAiANOS, PODEM FALAR
                                                            DOS cONTEMPORâNiOS DOS SEuS PAíSES.
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  • 1. Literatas Não conhecemos o preço da palavra. Envie esta revista a um amigo Literatas agora é no SAPO Sai às Terças-feiras literatas.blogs.sapo.mz Encontre-nos no facebook Literatas Revista de Literatura Moçambicana e Lusófona Director editorial: Eduardo Quive * Maputo * 01 de Novembro de 2011 * Ano 01 * Nº 16 * E-Mail: kuphaluxa@sapo.mz “Escrevo para extravasar sentimentos” - fátima porto, em discurso directo na literatas Basta de ser gente PArtIDA SeM O FIM DAS regreSSO PArA cArtAS uMA terrA IncógnItA Pág. 3 Pág. 2
  • 2. 2 BLA BLA BLA Exero 01, 5555 Terça-feira, 01 de Novembro de 2011 https://literatas.blogs.sapo.mz 2 Em primEira Dos Frutos do Amor e Desamores até à Partida de Adelino Timóteo: Partida sem regresso para uma terra incógnita EDuARDO QuivE - MAPuTO FOTO: FRANciScO JúNiOR dura realidade, mas que não faz parte deveria fazer parte desafios manter intercâmbios com outros grupos de outras Era para ser uma viagem temporária, com ida e volta. Está- vamos a caminho de uma cidade, cuja chegada estava pre- vista para o mesmo dia e a partida de regresso, para o dia seguinte. Essa cidade chama-se Xai-xai, a capital da provín- cia de Gaza, terras que avizinham-se de Maputo, de onde vinha o Movimento Literário Kuphaluxa. O propósito dessa partida programada era um e único – “dizer, fazer e sentir a literatura” com os irmãos da Associa- ção Cultural Xitende daquela província. E foi cumprido o objectivo. Contudo, ouve imprevistos – tivemos um acolhi- mento acima das nossas expectativas, fomos vítimas de deste artigo. províncias e juntos “dizer, fazer e sentir a literatura” um magnífico atendimento, tivemos ataques cardíacos e Ah! Xai-xai também é tranquila, outra diferença com a cidade ficamos por lá. que ainda é das acácias (Maputo). E o sarau vai começar. Anuncia-se a nossa presença no local. VIAJEM A XAI XAI No princípio da tarde do dia 29, chegava-mos nas terras E volto a repetir, éramos sete: Eu, Amosse Mucavele, Amélia que os nativos designam por Ka Ntxai-ntxai (designação Matavele, Francisco Celestino Júnior, Izidine Jaime Japone em Changana), antes chamadas por João Belo, em hom- Arijuane e Nelson Lineu. O ar misturado de vozes enagem a um administrador português, na era colonial. O Xinyamukwasa e Deusa D´África apresentam o evento e nos Sarau Cultural em que íamos participar, intitulado “Versos glorificam. Acima de tudo glorificam o dom de amizade que calava os nossos murmúrios da alma. ensanguentados” tinha o seu início as 18 horas e para os dois combinados têm. além desse intercâmbio Cultural entre a Xitende e Kupha- Estavam presentes o director da Casa Provincial da Cultura Os corpos em seus assentos luxa, era a final de um concurso de poesia entre escolas de Gaza e o delegado de Gaza do Arquivo do Património secundárias locais. Cultural (ARPAC) e oferecem ao Kuphaluxa uma lembrança viam-se abraçados aos apertos do outro. Mas antes disso, há algo por relatar. A viagem. Da Junta, – um livro, e o Xitende ofereceu um Diploma de Honra, pelo terminal de transportes inter-provinciais em Maputo até nosso contributo na promoção e criação de uma identidade Meus olhos apalpavam o mundo fora. a cidade de Xai-xai foram vários os momentos marcantes. própria no ramo das artes e cultura. Durante a viagem, nasceram versos, cresceram amizades, Mas não se pode oferecer a quem não dá. Por isso demos. A natureza caia na minha vista em jeito de verde. alojaram-se conhecimentos, repousaram os ares da liber- Não imitando o gesto, mas incumbindo outras responsabili- dade e a imensidão logrou os seus intentos: Francisco dades à aquele grupo que torna Xai-xai representativa a nível Um espaço aberto ao vento Júnior tinha saudade do além que vive e a loucura voltou nacional. O Movimento Literário Kuphaluxa, retirou do seu a apoderar-se do seu corpo e pariram-se seus versos. acervo bibliográfico, livros e revistas que ofereceu a Associa- Fingia condicionar o ar daquele ombro que nos carre- Outros apuros surgiram, gritaram outros versos perversos ção Cultural Xitende e a Casa Provincial da Cultura de Gaza. gava. e dispersos. Livros de literatura Moçambicana e Brasileira (livros brasileiros Era Izidine Jaime, despido de si, para um outro ele. Não oferecidos ao Kuphaluxa pela Ana Rusche e Rubervam Du Conversávamos para espantar o silêncio. evitou dizer palavras, estas que comoveram Amosse Nascimento, escritores daquele país latino-americano) e a Mucavele, o ensaísta do movimento, considerado extra- Revista Proler, carinhosamente fornecida ao Kuphaluxa pela Uma voz ecoando ao som da música terrestre pela espontaneidade da sua criatividade. Um direcção da mesma. autêntico atirador de verdades em chãos ardentes das Com esta oferta, o propósito era único. Levar a leitura para Há quem seguia o rítmo num balançar da cabeça. letras. Comovido, disse poesia “Até então Xai-xai é uma aquele ponto do País e fazer conhecer as novas tendências incógnita”. literárias. Sai de mim por um momento. E não eram apenas estes, Japone Arijuane, se expressou Xai-xai foi muito naquele sábado datado de 29 de Outubro. de óculos escuros, Nelson Lineu, agora assimilado para Descrever tais momentos seria uma missão impossível. Uma Meus olhos conversavam com as árvores secretário-geral deste movimento que ainda se faz bebé e noite em que “versos ensanguentados” untaram a todos nós Amélia Matavele também suspiravam ares do destino que de sangue. O sangue da vida. O sangue de amor as artes. Amor Sem muito afecto com o tempo. se procurava atingir com demasiada ânsia. Eu também a literatura. O sangue que catalisa corpos celestes que formam estava lá. Eu também Eduardo Quive. o horizonte desconhecido. Algo inatingível. A supremetudo Havia gente naquele espaço Agora sim. Chegamos a Xai-xai. Começamos pelo edifí- do amor que revelamos a este enigma que se chama leitura cio do Conselho Municipal Local. Tiramos fotos. Depois e escrita. E tudo isto, devemos ao Calane da Silva que ajudou- Contemplavam o mapa do abandono. chegara uma autoridade que nos expulsou do local. Era nos financeiramente para esta viagem. Xai-xai nos conheceu proibido usar aquela vista para ilustrar fotografias. Isso pelas suas mãos homens. Viva para nós e por nós. Que vivam O suor dos campos transbordando as culturas, não sabíamos. Na verdade, chegávamos a uma cidade também os membros do movimento Kuphaluxa que não que em tão-pouco se difere de Maputo. Maputo é cidade hesitam em contribuir do seu próprio bolso para o andamento casas vestidas de capim de lixo e Xai-xai não e o mais curioso, há latas de lixo em deste grande sonho. qualquer lugar, as mesmas não tem aderência e a cidade Que vivam os membros do Xitende que proporcionaram-nos Nos desejavam boa viajem. continua limpa. Diferentemente de Maputo onde são momentos de glória e fizeram-nos acreditar que Moçambique contentores tão grandes, cheios e a cidade ainda a levar é pequeno, apesar dos 799.380 quilómetros quadrados que Viajávamos a Xai-Xai moscas e cheiro nauseabundo no seu seio. Em fim… ocupam. Estava previsto que de lá voltássemos, mas três dias depois, nos demos conta ainda lá presentes. E são próximos Dizeres De Izidine Jaime
  • 3. Exero 01, 5555 BLA BLA BLA 3 Terça-feira, 01 de Novembro de 2011 https://literatas.blogs.sapo.mz 3 Em primEira Hoje já não se escrevem cartas Hoje já não se escrevem cartas como acontecia no antigamente. Ou se quisermos, as cartas são agora escritas duma outra forma : através do insubstituível “electronic-mail” e das mensagens por telefones celulares. A linguagem é obviamente clara, sintética, breve. Não há lugar para divagações mais ou menos longas capazes de oferecer àquele que escreve momentos de particular prazer... Ao Compadre Adérito Silveira tentativa de estender o seu pensamento até às proximidades esperou pacientemente, ao longos de anos, por uma da sabedoria. Recordo-me, por exemplo, das maravilhosas car- MARcELO PANguANA - MAPuTO carta do governo que traria tas que o “mestre” David Mestre escreveu para o escritor baiano a reforma que ele tinha Jorge Amado, enaltecendo a sua arte, a beleza da sua escrita, direito, como recompensa falando sobretudo do mundo dos afectos e desafectos em que de muitos anos de guerra. os dois viviam. Da correspondência entre Goethe e Schiller, Mas todos, naquela cida- cada um actuando para o outro como um tipo de interlocutor, dezinha, sabem que essa aprumando assim a sua imaginação e a sua escrita. Entre Cas- carta nunca mais chegará, tilho e Camilo. Ou entre Tchékov e Górki. Todos eles escreventes incluindo ele próprio. Mas de cartas que resistem ao tempo e que correm o risco de se o velho coronel não se can- tornarem legados eternos da nossa civilização. sa de esperar. A esperança No bairro onde vivo existe um senhor que vive de fazer cartas. não é, afinal, a última coisa Para isso montou um modesto escritório no mercado do lugar: que morre ? Bonita história, uma pequena mesa onde ficava instalada uma velha máquina esta do Gabriel! de dactilografia, uma cadeira de jambire que dava costas a um Hoje já não se escrevem calendário que ostentava a figura de Nelson Mandela. Chegava cartas como acontecia no no seu escritório logo de manhã, sempre de fato escuro, sem- antigamente. Ou se quiser- blante carregado, ombros curvados, como se estivesse a carre- mos, as cartas são agora gar nos ombros toda a sabedoria do mundo. Trazia os sapatos escritas duma outra forma iguais àqueles que usavam os dançarinos de “twist” na famosa : através do insubstituível época do Chube Checker, e um desses chapéus escuros que “electronic-mail” e das me faziam lembrar os conhecidos chapéus do poeta Fernan- mensagens por telefones do Pessoa. O senhor Lampião, que é assim que se chamava o celulares. A linguagem é fazedor de cartas, escreve muitas todos os dias, encomendadas obviamente clara, sinté- por gente que de manhã à noite lhe batiam a porta da casa, tica, breve. Não há lugar desde cartas para familiares a viver numa localidade ou alde- para divagações mais ou ia longíquas, a informar que uma tia qualquer que podemos menos longas capazes de chamar Maria acabava de trazer mais um filho ao mundo, cartas oferecer àquele que es- dizendo, por exemplo, que um tal Ngomane acabara abando- creve momentos de partic- nando as minas da terra do rand e agora estava na cidade de ular prazer. As mensagens Maputo, o corpo terrivelmente debilitado, uma tosse produtiva telefónicas empobreceram a se ouvir constamente no silêncio dos becos. Cartas para pedir a escrita e a própria língua. emprego ou para acabar com ele. Outras de um amante zeloso Com o desaparecimento a desculpar-se a uma amante pela mesada do mês passado que do hábito de escrever car- não chegou de ser enviada. Se tornara enfim o senhor Lampião, Hoje já ninguém escreve cartas como acontecia no an- tas quase que também desapareceu uma profissão que por via do seu ofício, uma figura de prestígio. De modo que pas- tigamente. Já ninguém pega uma caneta de tinta per- noutros tempos teve muito prestígio : a de “carteiro”. sando pela rua, toda a gente o cumprimentava com o devido manente ou uma esferográfica para enfrentar uma folha Um carteiro era aquele que batia a porta da nossa casa respeito e dizia : “Lá vai o escritor de cartas”. E o senhor Lampião, em branco. Já ninguém faz isso. Nos tempos que correm para nos trazer notícias vindas de perto ou de longe. As com o seu passo lento, como se todo o tempo do mundo lhe as cartas deixaram se substituir por meios mais rápidos cartas que depunha em nossas mãos podiam nos tornar pertencesse, respondia com um vagaroso e distraído aceno, se de comunicação, provavelmente mais eficazes, como os muito felizes ou nos deixarem muito tristes. O carteiro calhar a escrever naquele preciso momento mais uma carta. telefones celulares e o famoso correio electrónico. Eu era uma espécie de um novo membro da família. Um Quem sabe ? que sou de um outro tempo, lembro-me das cartas que disfarçado conselheiro. Conversava connosco. Com a escrevia quando na década de setenta, durante a guerra nossa mulher. Com os nossos filhos. colonial, cumpria o serviço militar obrigatório. Afastado Escutava as estórias das nossas vidas. de tudo e de todos, escrevia cartas para amainar a solidão Oferecia o seu ombro amigo e deixava e sentir-me mais próximo daqueles que mais gostava. ficar a sua opinião à quem precisasse. Escrevia em longos blocos de papel, tão longos como a Como as cartas deixaram de existir, os minha saudade, ou em aerogramas que nos isentavam carteiros agora se contam aos dedos, de qualquer taxa dos correios, fazia isso durante “a hora ou melhor, já não se contam. maconde“, que é a designação que algures, em Cabo Del- Sabe-se lá se é pelo facto de não se gado, se dava ao espaço de tempo em que os “turras” não escreverem cartas como no antiga- atacavam. Escrevíamos à namorada cartas inflamados mente que os nossos filhos deixaram de amor inspirados nas revistas de Corin Telado, cartas de escrever bem. Quem sabe se o para os amigos, os velhotes, ou para a zelosa madrinha facto de passarem o tempo a redigir de guerra. Lembro-me das cartas que alguém escrevia e mensagens nos telefones celulares em seguida enviava à si próprio, cansado de esperar por não terá reduzido a sua capacidade uma correspondência que nunca mais chegava. discursiva, a imaginação, a criativi- Naqueles tempos as pessoas gostavam de escrever cartas, dade e obviamente a escrita ? Não é mesmo que o domínio da língua portuguesa não fosse lá verdade que todo aquele que tem por grande coisa e tivesse alguma semelhança com os dis- hábito escrever cartas se torna um cursos do Mestre Tamoda, famosa personagem fictícia conhecedor de todas as coisas ? Não é buscada nos escritos do meu confrade Uanhenga Xitu. verdade que se transforma num poeta Estou a lembrar-me das cartas que comecei a escrever ou um pequeno filósofo da vida ? nos bancos da escola para conquistar o amor e o sorriso Sei de cartas que ficaram conhecidas da rapariga por quem me apaixonara perdidamente. E na história da cultura universal, desde das cartas que os nossos pais nos mandavam entregar ao os tempos do antanho até aos nossos senhor “cantineiro”, a solicitar alguns litros de vinho tinto, dias. De correspondência entre filóso- algumas latas de sardinha, uns quilos de arroz e petróleo fos, escritores, cientistas e outros que que bastasse. Sobre cartas recordo-me, agora, daquela tais. Essa correspondência permitiu outra famosa que serviria de pretexto para o escritor co- não apenas a discussão dos proble- lombiano Gabriel Garcia Marquez, Prémio Nobel da Lit- mas do seu tempo, como também eratura, criar em 1958 o famoso conto “Ninguém escreve permitiu a possibilidade de os inter- ao Coronel”, onde numa cidadezinha anónima e desola- vientes ensaiarem a sua capacidade da, um velho coronel e antigo combatente da revolução especulativa, a sua imaginação, nessa
  • 4. 4 BLA BLA BLA Exero 01, 5555 Terça-feira, 01 de Novembro de 2011 LiTERATuRA ANgOLANA 4 Basta de ser Gente, vou emigrar para coisalidades, como uma onda no prédio Uma leitura do livro “Quem me dera ser Onda” de Manuel Rui identidade nunca avistada, fresca de notícias e coisas novas, lhe prendem só que o recebem.... De onde vem, chegou bem, a família lá em casa está de saúde? o CHeFe de família, todo ele realizado nos seus pensamentos, salivava a cada olhar que cruzava com a imagem do animal que virou caseiro, todo ele carrancudo, em gestos de domador de touros, ensaiava perante a hora do peixe frito no arroz, seus planos mortíferos ao pobre bicho. (...) “ - Mas vamos comer leitão, não é? ” - NADA, Zeca. Plano, sempre o plano. Vamos criar. Engordar. Depois é muita carne. Pág. 10. ComeNTAvA Diogo, os seus ensaios na aniquilação daquele grande amigo que se viria a descobrir, do Zeca, Beto e Ruca, os pionei- ros. e DALi para frente educações surgiram para o animal, um novo animal burguês, de modo a que não gritasse ao gesto de Zeca e Ruca, de puxar, em modos de brincadeira, a cauda de Carnaval da Vitória, restos de Hotel, música o dia todo, que vinha dos sons do único rádio que existia na pequena sala daquela flat de um sétimo andar clandestino. “e Com panquê1, nem um porco grita. É lei da vida”- provérbio da dona Liloca Num prÉDio onde vive gente, escriturários, secretários, funcionários de ministérios, um assessor popular, até um segurança, não podem duma forma assumida compartilhar o mesmo espaço com bichos, ainda mais em estado vivo, de saúde e arfaras, animais com animais, pessoas com pessoas. “Pois segundo o responsável da assembleia dos moradores ficou votado por unanimidade, no elevador só pes- soas, coisas no monta-cargas, quanto aos bichos ficou combinado cão, gato ou passarinho, se for galinha ou cabrito, morto, limpo e embrulhado, passa como carne.” os pioNeiros, Zeca e Ruca, com tamanhas espertezas, demon- straram duma forma inteligente as suas habilidades em enganar o camarada Fiscal, de não permitir que o mesmo descobrisse o porco que ali já residia; visto que tinham acabado de se meter numa saia justa. Não podiam deixar de venerar Carnaval da Vitória, antes de se deitarem fizeram questão de deixar alguns cumprimentos; nos seus sonhos, Carnaval da Vitória era a principal figura de cartaz, talvez porque nas aulas sobre os animais, só terem ouvido falar de MAuRO bRiTO - MAPuTO não vale nada, como prego, ferro, papel, palavras, essas animais domésticos por estes conhecidos virtualmente, até aquele ApreseNTAção Do novo inquilino do prédio: Esta é uma coisas, ar, discursos, esse tipo de coisas, sim onda é boa momento nunca antes tiveram a sorte de trocar intimidades com onda que responde pelo nome de Carnaval, depois coisa, onda, vou ser onda como nunca, essa ninguém bichos, servia como que uma aula prática. Os pioneiros, na escola mudaram-lhe o nome para Carnaval da Vitória, isto à amarra. Ali por cima da água, nem precisa nadar. Pode no tempo do intervalo, com os lábios sorvidos de saliva e sorriso propósito da abastada algazarra que causou a presença alguém agarrar uma onda, prende-la? brilhante, narravam a cena do dia anterior, com tanta paixão, sem do animal, quando um dos vizinhos da família criadora NesTA oBrA, de dimensão física, pequeníssima, mas no desdém. do bicho, tratou logo de alertar o fiscal da zona, que sentido real e morfológico da palavra, a obra “ Quem CArNAvAL DA Vitoria, no seu novo lar, merecia tratamentos carís- havia qualquer coisa de estranho no sétimo andar. me dera ser Onda” de Manuel Rui , é uma grandíssima simos, que nenhum outro animal antes tivera, era já membro da Apercebendo-se da ausência dos donos da flat, do viagem aos tempos já idos, da burguesia portuguesa. família, com direito a banho, comida de primeira que vinha das mesmo, decidiu ganhar satisfações da razão de ter um Tempos de escassez, tempos de poucas condições, de sobras do Hotel trópico, e habituado ao som do rádio, quando porco no prédio só para GENTE sem que os restantes pouco açúcar, pouco arroz, pouca farinha, peixe as vezes, assim berrasse, para que a vizinhança não se apercebe-se da pre- dos moradores tomassem conhecimento do assunto; pouca voz e por ai em diante. sença do novo inquilino. Era comer, dormir e ouvir musica, original o Zeca e o Ruca após terem vencido a estonteante NesTA oBrA, Manuel Rui, faz-nos mergulhar num uni- exemplo de vida de Lorde. batalha de impedir a inspecção ao famoso porco, por verso socialmente habitável, por todos, tanto seres NuNCA mAis os dias foram os mesmos desde o dia em que o pai unanimidade lhe atribuíram por mérito de nome humanos como seres animais. Por outro lado quão Diogo, depois de afiar as facas, preparar a fogueira, ter aniquilado completo, Carnaval da Vitória. fértil o coração dos animais, e de como os animais são Carnaval da Vitória sem escrúpulos, nem pena; na casa os pioneiros ANTes eLA queria ser um ser vivo, mergulhou na tentati- mais humanos do que nós (homens), correspondendo assistiam a azafama que anunciava o matadouro de seu amigo. va de ser pessoa mas viu que os homens ainda não são amorosamente ao pequeno gesto de carinho e afeição, Em todas as estórias existem heróis, Carnaval da Vitória não foi pessoas, ainda aprisionam-se uns aos outros, matando- mostrando o quão forte e intenso é o amor verdadeiro, excepção, virou herói da família, e dos pioneiros da comarca. Na se modernamente, olha que nem gente sonhou ser, ser que cinge-se simplesmente na troca de verdadeiro fogueira em forma de febras, costeletas, toucinho, gordura, refeição gente requer grandes investimentos, muito dinheiro afecto e protecção, um amigo do outro, todos irmãos para todos ate serem convidados os anteriores inimigos da família em jogo, ter família, ter cargo político, contudo nem no arroz com peixe frito e as sobras do hotel Trópico. Diogo, Faustino, o camarada Nazario e os membros da comissão gente conseguiu ser, que pena dela! Disse novamente, (...) - Olha só, ronca que chega - Ruca aproximava-se dos moradores, viraram todos excelentes amigos por causa de vou tentar ser animal, mas também os animais não, os tentando a familiaridade com o bicho. pág 8. Carnaval da Vitória, e por fim o sonho dos pioneiros, em ter sempre homens tratam-nos mal e porcamente, vejam os jardins A CHegADA do novo inquilino ao novo lar (o porco), a imagem do porco, em suas mentes, nas correrias do intervalo, no zoológicos por aí, desfilados em porquices e tolices, a deixava todos os viventes, de bocas secas, de saliva trópico. Se pudessem voltar atrás para mudar o curso da estória, própria pobreza da local apodrecida parecem autên- por não ter que lamber os beiços, os miúdos na pressa escolheria que Carnaval da Vitória tivesse nascido cão ou gato, mas ticas pocilgas; animal não, vale a pena ser algo que de seduzir amizades para com o bicho, não esperaram não, queriam mesmo ser onda. que este se acomodasse devidamente, como que uma FiCHA TÉCNiCA Propriedade do Movimento Literário Kuphaluxa Sede: Centro Cultural Brasil-Moçambique* AV. 25 de Setembro nº 1728, Maputo, Caixa Postal nº 1167 * Celulares: (+258) 82 27 17 645 e (+258) 84 57 78 117 * Fax: (+258) 21 02 05 84 * E-mail: kuphaluxa@sapo.mz Director Editorial: Eduardo Quive (eduardoquive@gmail.com) Coordenação: Amosse Mucavele, Japone Matias e Mauro Brito Redacção: David Bamo, Nelson Lineu, Mauro Brito, Izidine Jaime, Japone Arijuane. Colaboradores: Maputo: Osório Chembene Júnior * Xai-Xai: Deusa D´África * Tete: Ruth Boane * Nampula: Jessemusse Cacinda * Lichinga: Mukurruza* Brasil:Balneário Camboriú - Pedro Du Bois * Santa Catarina: Samuel da Costa * Nilton Pavin * Marcelo Soriano * Portugal: Victor Eustaquio e Joana Ruas. Design e páginação: Eduardo Quive
  • 5. Exero 01, 5555 BLA BLA BLA 5 Terça-feira, 01 de Novembro de 2011 cRÓNicA / cONTO 5 FiLosoFonias rapsódicas Atxaga e a MARcELO SORiANO - bRASiL profecia de m.m.soriano@gmail.com Nota preliminar: Antes de Nadeau prosseguir com este artigo, lembro ao leitor que me dirijo à CPLP (Comunidade LuíS cARMELO* - ÉvORA dos Países de Língua Portuguesa), portanto, Num encontro realizado em 1965, sub- podemos encontrar ordinado ao tema “Que peut la Littérature?”, Jean-Pierre Faye, na sua comunicação, gerúndios, futuros do pretérito, expressões etnocêntricas, escrevia: “Foi no fim de um artigo publicado em 1957 que, pela primeira vez, surgiu familiares a certos leitores, porém, inusitadas a outros. Oxalá, pela pena de Maurice Nadeau, a expressão legendária ‘Nouveau Roman’. O autor afirmou nesse texto que era a partir de um mundo subitamente ‘lisible’ que as que esta peculiaridade não seja pretexto para correções, mas tomadas de consciência tinham lugar e que as revoluções poderiam florescer”*. O para integrações e enriquecimentos léxicos e culturais entre tom do encontro era meio épico e carregado de certezas e ideologemas próprios da nós. Marcelo Soriano. Santa Maria - RS - BR. 14/07/2011. época (basta ler o início das comunicações de Sartre, Semprun ou Ricardou para que a efígie irónica da actualidade possa desbragadamente sorrir). Ao fim e ao cabo, neste encontro de 1965 debatia-se a (dir-se-ia necessária) irredutibilidade entre a escala do ‘Nouveau Roman’ e a chamada literatura ‘comprometida’ (enfim, comprometida com [v e r - s Ó i s] as fantasias de quem a teorizava com botas de chumbo e tambores exaltados). No entanto, a alegação de Nadeau, citada por Faye, não deixa de ser interessante, até introdução porque vinca a ideia de uma possível ‘tabula rasa’ como suspensão do mundo que acabaria por convidar ao descomprometimento ficcional (seria essa, afinal, a mais Numa noite acordei para o dia. E outro dia. Outro dia. Sol a sol, do que sadia “lisibilité”). Creio que Alain Robbe-Grillet deu corpo a esse espírito de renovação e convidou, em muitas outras latitudes, a experiência literária a interrogar- fui tecendo o manto da vida, enquanto esperava a morte, que não se. No início dos anos noventa, mais de meio século depois do artigo de Maurice veio... Nadeau, ainda me lembro de Fernando Dacosta ter considerado, numa crítica no JL, que o romance Na tua face de Vergílio Ferreira (1993) era um fruto emblemático do ‘Nouveau Roman’. Esta breve reflexão leva-me a um conto de Bernardo Atxaga que li dois anos após 5º [ver-sÓ] a saída a público do penúltimo romance o autor da Aparição. O conto de Atxaga – editado num volume de narrativas curtas intitulado Relatos Urbanos (Alfaguara versiDADe Hispânica, 1995) – espelhava com imensa nitidez a atitude ‘lisible’ desencantada vi A CiDADe por Nadeau. O autor imaginou no seu conto uma “Vuelapluma”, espécie de aparo miraculoso que, na sua forma de artefacto original, sobrevoaria a cidade de Bilbao. O mi’A CiDADe dispositivo (meio físico meio imaginário) evitava locais onde as histórias avolumadas viverei seriam excessivas e evitava também as periferias, isto é, os lugares de mero trânsito vivACiDADe ou passagem, sobretudo porque aí as narrativas latentes esfumariam a criatividade vir-Te-vAis da invenção literária. sAuDADe Ataxaga preferiu conduzir a sua “Vuelapluma” entre a nuvem incerta do puro acidente Aversão e da contingência. E foi desse modo que, a dada altura, o olhar narrativo se fixou Ave voA numa pessoa de idade que, solitária, vagueava através de um parque, embalada vÊ e voA pelos encantos do lazer desportivo. É evidente que o personagem em causa não exercitava os músculos para “convertirse en un viking de los que viajaban en la proa Nu ver-sÓ de su embarcación desafiando a las olas, al viento y a los cormoranes”. Contudo, este homem com um pouco mais de setenta anos, entre muitos outros dotes, também sabia tocar acordeão (confessou-o, a dada altura, a pluma voadora em diálogo directo (CoNTiNuA NA prÓximA eDição...) com o narrador). ......................................................................... Talvez devido aos muitos dotes do personagem e a outros motivos para os quais a ficção não desejou – e bem – encontrar explicações, o certo é que o ‘jogger’ tinha, .. há menos de uma hora, colocado um anúncio num jornal onde se candidatava a acompanhar um aventureiro que só já desejava partir no seu barco à vela, de Bilbao Homem-mãe para os Açores, passando pela Finisterra e pela costa portuguesa. Terá esse sido, ao fim e ao cabo, o desvendado segredo da pluma voadora. O poeta-homem é mãe no poema. É mão pesada a carregar seus filhos, Nesse dia, o mundo tornou-se branco, nítido, legível. Tudo começou e acabou e a “Vuelapluma” de Atxaga cumpriu como ninguém a profecia aventurosa de Nadeau. como se a pena fosse brisa. Sem que Robbe-Grillet desse por isso. ..................................................................................... ___________________________________________________________________ FrAse TAmANHo FAmíLiA soBre A esperA *Jean-Pierre Faye Que peut la Littérature? em Que peut la Littérature?, L´Inedit, Paris, 1965 Pessoas me esperam no Porto. Também me esperam em (pp. 63-72) Lisboa. São Paulo. Curitiba. Maputo. Porto Alegre. Fortaleza... ________________________________________ Pessoas me esperam, inclusive, em Santa Maria, a minha Terra exTrAíDo Do portal: PNETLITERATURA. www.pnetliteratura.pt Natal. Esperariam “por” mim, ou esperariam “de” mim? Não sei o que esperam. Não sou quem esperam. Ou sei... Ou * Luís Carmelo (Évora, 1954) é autor de uma vasta obra literária e ensaística, de sou... Sinto muito, de coração, ter de frustrá-los. E, o que eu onde se destacam dez romances (com destaque para A Falha, adaptado ao cinema por João Mário Grilo em 2002) e quinze livros de ensaio (incluindo o Prémio A.P.E. de esperaria, seria, que não sentissem muito. Que não sentissem 1988) sobre semiótica, teoria da cultura, literatura e o cruzamento multidisciplinar falta antecipada. Que não sentissem falta posterior. Queria que de expressões contemporâneas. fôssemos uma família de irmãos que ainda não se conhecem. Amaríamo-nos mesmo sem sabermo-nos... Família é isso... DouTorADo peLA Universidade de Utreque (Holanda), o autor é professor na Escola Superior de Design (IADE), membro da Associação Portuguesa de Escritores Família são todos aqueles que sabem a verdade sobre nós e, (A.P.E.) e da Associação Internacional de Semiótica (I.A.S.S.-A.I.S.). apesar disso, continuam nos querendo muito bem. Isto é o que eu espero! pArA ALÉm de autor de diversos manuais de escrita criativa, actividade que coordena .................................................................... em diversas instituições, entre elas o Instituto Camões, é ainda colunista do jornal Expresso (edição online), autor do blogue “Miniscente” e editor do site PNETlitera- FrAse CAixA ALTA: tura. se ToDo muNDo ACreDiTA, É verDADe. se NiNguÉm ACreDiTA, TAmBÉm
  • 6. 6 BLA BLA BLA Exero 01, 5555 Terça-feira, 01 de Novembro de 2011 https://literatas.blogs.sapo.mz 6 - discurso dirEcto Escrever para extravasar sentimentos Por vezes, começo a escrever, e as palavras fluem com tal ligeireza, que quando me apercebo, já estou na parte final. EDuARDO QuivE - MAPuTO poesia, podemos encontrar o grito eDuArDo Quive: Que espaço ocupa a literatura na sua O seu processo de criação não ultra- de saudades da mãe África “quem vida? FáTimA porTo: A literatura tem um espaço muito impor- passa os meios humanos comandados os ler, vê a saudade, a tristeza, a dor, tante, desde a leitura de obras de autores nacionais e inter- nacionais, como até a minha própria escrita. pelos sentimentos, mas o produto até mesmo a revolta de ter visto os eDuArDo Quive: O que a leva a escrever? final, que é a sua poesia, ultrapassa seus filhos partirem… “Mas have- FáTimA porTo: continentes e forma um horizonte mos de voltar!”, já assim dizia Alda Extravasar todos os meus que cujo alcance é sempre o mesmo Lara!” é bancária de profissão e Por- para o leitor – a insatisfação. Lemos tugal a acolhe desde a tenra idade, sentimentos, sejam eles de dor, sempre, mas sempre, queremos mais. mas o seu berço, é aquele que é da alegria, até mesmo de Amor. Na sua poética forma de “extravasar humanidade – África, mais concre- eDuArDo Quive: Quando é que escreve? sentimentos”, navega o Atlântico tamente, em Angola, terra de Pep- FáTimA porTo: Sempre que sinto necessidade para tal, o que posso mesmo dizer, que é uma constante diária. que banha os trópicos da África, ne- etela e Agualusa, exímios escritores eDuArDo Quive: A quanto tempo escreve? gra terra que a viu nascer, mas neste dos tempos de hoje. Quem sabe ela FáTimA porTo: Desde muito cedo que comecei a escrever, desde pensamentos poéticos a pequenos textos poéticos mesmo oceano, embrulha-se um também será! … Falo-vos de uma que mais tarde se transformariam na minha grande paixão literária. outro continente que a acolhe tem- mulher que ostenta o nome de Fáti- eDuArDo Quive: Que passos obedece o seu processo de porariamente, como declara nesta ma Porto. criação? Fátima Porto: Essencialmente a minha vivência do quotidiano; por vezes uma fotografia pode traduzir em entrevista. Aliás, segundo ela, na sua
  • 7. Exero 01, 5555 BLA BLA BLA 7 Terça-feira, 01 de Novembro de 2011 https://literatas.blogs.sapo.mz 7 mim, a essência “forte” para “entrar” dentro do contexto e de TV onde o escritor, na sua intervenção, dissertou, transformar em letras tudo aquilo que sinto. sobre o tema “Ter medo que o medo acabe”. um pouco, mas cabe aos eDuArDo Quive: Escreve só poesia? FáTimA porTo: Sim, apenas poesia. eDuArDo Quive: Acha que há uma interacção literária entre esses países? Pais e aos Professores voltar eDuArDo Quive: Porque razão? FáTimA porTo: FáTimA porTo: Sim, acho que há, mas a meu ver, deveria haver interligação através de Congressos, abrangendo também os que estão a dar os primeiros passos na lit- a incutir esse gosto de LER! A poesia É o estilo de eratura. eDuArDo Quive: Que palavras diria a um iniciante da escrita? eDuArDo Quive: Quer mencionar a sua lista de escritor FáTimA porTo: Muito simplesmente: “Leiam muito, aprendam escrita que mais se coaduna com o meu “EU”, e por outro lado, eu costumo dizer que “a poesia não se aprende, já nasce connosco”. eDuArDo Quive: Que influências literárias você tem? FáTimA porTo: Influências, não direi, mas gosto da obra completa de Florbela Espanca, Alda Lara, Fernando Pessoa, António Nobre no seu livro “Só”. eDuArDo Quive: Estarão (as influências literárias) iminentes no que escreve? FáTimA porTo: Inconscientemente, acredito que estejam, no caso de Alda Lara, pelo facto de ela ter morado em Portugal enquanto estudante, e nessa altura escreveu muito sobre Angola e as suas saudades, por outro lado, quem conhece a obra de Florbela, compara-me um pouco a ela, mas no lusófonos? a gostar de ler para serem bons escritores”! essencial, é a minha Alma que “fala”, que “grita” a dor nela contida, e de mais ninguém. FáTimA porTo: Milton Gama, Carlos Drummond de eDuArDo Quive: Angola está presente nos seus escritos? Andrade, Mário de Miranda Quintana (ambos brasil- FáTimA porTo: eDuArDo Quive: Qual é a sua maior preocupação quando eiros) Agostinho Neto, Alda Lara, José Eduardo Agualusa, escreve? Pepetela, (angolanos) Mia Couto, Ruy Guerra (moçam- FáTimA porTo: Conseguir transmitir o que sinto, passar bicanos) Yara Tavares, Eugénio Santos (cabo-verdianos) através das letras os sentimentos, por vezes dolorosos, que Alda do Espírito Santo, Conceição Lima (São-tomenses), Claro que sim, Angola me vão na alma. Luís Cardoso de Noronha, Fernando Sylvan (timorenses), Fernando Pessoa, Florbela Espanca, Luís de Camões, eDuArDo Quive: Que dificuldade tem encarado na criação António Nobre (antigos escritores portugueses, mas minha terra natal, está e de um texto? imortais) Agustina Bessa Luís, José Saramago – Prémio FáTimA porTo: Pouca dificuldade. Sou sincera, por vezes, Nobel da Literatura, Miguel Esteves Cardoso, Miguel começo a escrever, e as palavras fluem com tal ligeireza, que Torga e tantos outros… estará sempre presente. quando me apercebo, já estou na parte final. eDuArDo Quive: Como? FáTimA porTo: Em vários poemas, desde “Menino””África I”, eDuArDo Quive: E qual é o espaço que tem para gritar os eDuArDo Quive: Sei que está no sector bancário, mas “África II”, “Para lá do mar”,”Mãe Preta África”… quem os ler, vê seus sentimentos expostos no que escreve? sente que há cultura de leitura no seio de estudantes? a saudade, a tristeza, a dor, até mesmo a revolta de ter visto FáTimA porTo: Neste momento, tenho um blog (http:// FáTimA porTo: os seus filhos partirem… “Mas havemos de voltar!”, já assim portodefatima.blogspot.com) onde por vezes dou gritos dizia Alda Lara! abafados, choro lágrimas secas, e olho o horizonte vazio de nada! Com as novas tecnolo- BiogrAFiA: eDuArDo Quive: Está nos seus planos lançar um livro? Sim, graças a um amigo, também poeta Ângelo Vaz, muito breve- mente iremos editar um livro, em parceria, “CAPAS”. gias informáticas, o gosto Nome: mAriA de Fátima de Carvalho Oliveira da Cunha Porto DATA De nascimento: 23 de Janeiro de 1959 eDuArDo Quive: Tem publicado os seus textos no Brasil (jornal O REBATE) isso por falta de espaço no seu País? pela leitura dispersou-se NATurALiDADe: CATumBeLA, Benguela, Angola ACTiviDADe proFissioNAL: Bancária Fez os seus estudos primários na Catumbela, continuando os FáTimA porTo: Essa pergunta é pertinente, mas infelizmente, mesmos em Novo Redondo (Sumbe). Concluiu o 5ºAno do apesar de sermos observados por todos os lados, Liceu em Benguela. foi do Brasil, e mais propriamente do Jornal O veio pArA Portugal em 1975 onde continuou os estudos em REBATE, que recebi o convite para ser colunista Coimbra e Oliveira do Bairro. diária do mesmo, que aceitei, claro. FáTimA porTo, fez parte da Rádio Voz da Bairrada em Oliveira do Bairro. eDuArDo Quive: Quer comentar sobre a situação NessA ráDio foi responsável pelos seguintes programas: em que situação está a Angola em termos de progrAmA iNFANTiL semanal, “ Bola de Sabão”, (sábados à divulgação de novos autores? tarde). FáTimA porTo: Angola, como todos os novos revisTA semANAL, Nacional e Internacional incluindo desporto, Países Lusófonos, está a dar uma grande evolução (programa semanal, aos sábados). na divulgação dos novos autores. voz De África, (programa semanal). peNsAmeNTo Diário (temas generalizados). eDuArDo Quive: Tem contacto com as literaturas progrAmA DesporTivo, como pivô (programa semanal aos de outros países Lusófonos? domingos) FáTimA porTo: Sim, é uma grande preocupação muiTo CeDo que a escrita poética é uma busca constante até minha ter contacto com a literatura de todos os os dias de hoje. Países, principalmente Lusófonos. FAz pArTe da redacção poética de jornal O REBATE de Macaé- Rio de Janeiro, Brasil eDuArDo Quive: E de Moçambique? FáTimA porTo: Também, claro. Mia Couto, por exemplo, esteve recentemente em Portugal, e segui com muita atenção, inclusive, o programa
  • 8. 8 BLA BLA BLA Exero 01, 5555 Terça-feira, 01 de Novembro de 2011 https://literatas.blogs.sapo.mz 8 O dia do casamento de Matiangola NÉLiO NhAMPOSSE - MAPuTO aconselho. E eu não sou uma excepção. Quero, minha perdição sem o luto e o amor; a desgraça e a graça. Desta maneira, distintos o CHiAr das aves anuncia a nobreza e pureza da alma. A eleição, tu que fazes o verbo levitar flores, que provocas vapor e gás convidados e excelências, imortalizamos quer a morte quer a vida. poesia e os versos métricos poluíam o ambiente. As sonori- mesmo sem perplexia, casar-me contigo. Tu serás o elo entre a vida e Não nos enganemos, clarividentes, a partir de agora viveremos dades do blues evocam os deuses da morte à vida. Era um a morte; entre o falecido e o morto; entre o caixão e o covil; entre as nesse vácuo entre a vida e a morte. Nesse espaço onde teremos, dia igual ao dos selenitas. O calor intensificava a cada para- trevas e a mágoa; entre o sepulcro e o enterro. em simultâneo, falecidos e vivos. Por isso, saudosos irmãos, cel- gem brusca de um movimento. O jazz emergia entre a ida ebramos esta união aqui neste sítio. E meus ente queridos, vos e o regresso da morte. Matiangola, pelo mais sagrado que - esTrANHo! conjuro, a lua-de-mel para os nubentes será num caixão, exacta- existe, era um homem que vivia entre a vida e a morte; entre mente neste cemitério, onde começou a Matiangola Company, as trevas e a angústia; entre a dor e mágoa. E nesse vácuo, - e quem disse que os mortos não se casam. Já combinei com o bispo. obra-prima que ora e faz os discursos fúnebres para os falecidos. encontrava espaço para amar. E não demorou muito para Vamos casar no sábado. Casaremos mortos e até já pensei na lua-de- As sementes devem ser lançadas aqui. Hoje, Julieta, o verbo vai dar o nó. mel. Será no cemitério, claro, num caixão. Vamos fazer, nessa noite, as perplexar. O mergulho vai carbonizar o parnaso. Os campos vão - JuLieTA, a minha vida tem sido incaracterística. letras cantarem afro ao brilho das estrelas; as aves cintilarem até ao ficar verdes como as tuas plantações. As aves Maria vão nascer. alvorecer; a álgebra suar até à região central do hemisfério; as águas Senhor de todas as coisas, Deus de Deus, luz da luz, santifique - porQuÊ? do oceano fervilharem até encontrarem a nascente. O leito do rio vai este matrimónio. Que a paz e a morte sejam o dia-a-dia do casal; nascer. que as trevas e a felicidade transbordem neste lar; que a dor e a - vivo entre o abismo e a escuridão. Entre a morte e o caixão. mágoa unam-se ao amor e espalhem o avesso; que os falecidos e Sou uma espécie de cemitério ambulante. Por onde passo, - voCÊ é um louco. os mortos sejam o vosso lar; que Deus vos abençoe. Amen! atraio a morte. E as pessoas, quando me vêem, só vêem morte, choros, angústia. Talvez eu seja a própria morte. Sabe, - Há uma coisa que devias saber, amor. A loucura é para os eleitos. É NAQueLA NoiTe, de núpcias, ao som do vento, carreguei uma em tempos, até pensei em mudar de nome. Sim, mudar para o estágio mais avançado da sabedoria. Só é louco quem não é com- carta de amor, que com a profundeza da secreção esperneou Morte. preendido. E tu me compreendes. nos óvulos de Julieta e com o cintilar das aves, suspirámos nessa aurora infinita, como se de hipotipose se tratasse. Quase que a mil, - e por que não mudaste? umA semANA depois, a agitação era desusada no cemitério. A suspiramos novamente, numa penetração que dilacerou o nosso algazarra era tal que o casal não precisou de convidados, tudo porque o ego e, nesse frenesim, amargámos os nossos lábios congelados de - porQue também tenho medo de morrer, apesar de já viver cemitério estava abarrotado de mortos e, por tabela, dos familiares dos saliva, num balbuceamento azedo. E quando a alvorada cessou, como um falecido. mesmos. Tudo havia sido preparado ao detalhe. às 15h00 de sábado, com o nascer do covil, Julieta estava grávida. com a presença dos padrinhos Jonh Mabalend e Suzana Gazetão, - Deixe-Te de estórias. Como é que uma pessoa que ama a falecidos de primeira, o bispo Quim Selex iniciou a cerimónia. ps: A Matiangola Company e sua filial de malopa comunicam, morte pode ter medo de morrer? com pesar profundo, a não realização de enterros esta semana, - CAríssimos irmãos, hoje, celebramos a união em Cristo de Matian- em virtude da realização do matrimónio do seu presidente do - poDe até parecer estranho, mas mesmo o próprio morto gola e Julieta. A partir de hoje, em diante, o que Deus unir ninguém Conselho de Administração. Pelos transtornos causados, as nossas tem medo do seu estado de morto e, pior ainda, da ideia de separa. Matiangola é um morto e Julieta uma vivente. Pelo que unimos sinceras desculpas. Paz às vossas almas. falecer. Não te engane Julieta, é difícil ser falecido. Não te a morte e a vida; a treva e a paz; a dor e a felicidade; a mágoa e a trégua; Halaca-vuma Malês também é sagrado gERALDO LiMA - SãO PAuLO peLAs ruAs De são pAuLo, seguiNDo-A. um Negro em seu eNCALço. AssusTADA? pAssos LÉpiDos, ANCAs eNvoLveNTes: umA priNCesA NAgô, sem DúviDA ALgumA. DANy wAMbiRE - bEiRA céptica assustava os polícias e deixava-os assoberbados de dúvida. O Tapera vincava que não tinha apanhado nenhum ArmADos, os polícias tradicionais tomaram, de assalto, a casa animal sagrado. — LuízA mAHim. seNHorA LuízA mAHim! do Tapera. Vestiam-se de roupas rotas com a acção do trabalho CoNFiNADos Com o posicionamento do Tapera, os polícias policial. E entraram de forma abusiva e desrespeitosa, para tirar tradicionais chamaram pelo régulo, para ele os ajudar a achar o algum animal sacro, que o Tapera tivesse apanhado, na sua longín- procurado. E o régulo apareceu. AproveiTou A muLTiDão e esTACou. umA priNCesA qua viagem a Maropanhe, na caça de todo o tipo de animal, para CHegou e insistiu: NAgô, Não TeNHo DúviDA. a sua difícil sobrevivência. ― TAperA, concede-nos o halaca-vuma, que achaste, algures, e A gente, ante aquela agitação dos polícias, ladeou-os, para na mata. Tu apanhaste um animal na mata, tenho a certeza. junto deles perceber as razões daquele rebuliço e da prisão do De CerTezA os polícias e o régulo tinham tido informações de — Que merDA É essA! Não me CHAmo LuízA... velho Tapera. Alguns não compreendiam as motivações daquela pessoas críveis, que tinham visto o pangolim achado pelo Tapera. tristonha cena. E essas mesmas pessoas temiam pela eclosão duma estiagem e Não tardou que os interessados desvendassem a causa da com causas humanas. — mAHim... LuízA mAHim, mãe De Luiz gAmA... prisão de Tapera. Era a Teresinha, de quem se conjecturava que por ForçA das palavras assustadoras do régulo, teve o Tapera fosse a informante furtiva do régulo. Ela é que tinha assistido dubi- que desobrigar o pangolim e acompanhá-lo ao Regulado, à sede amente ao Tapera a recolher um pangolim, num trilho poeirento, do mandante da ordem. perpLexA. QuereNDo eNTeNDer e Não poDeNDo. quando ela regressava da labuta na sua modesta machamba. Ao seu lado, ouvia-se um jovem vindo da Beira a dizer as moti- e o régulo não demorou a chamar os anciãos do Regulado, para vações daquela peripécia, o que logo ridicularizou: lhes apresentar o animal sagrado, halaca-vuma, que facilita as — LemBrA-se Dos mALÊs? o reCôNCAvo BAiANo, o - esTes polícias, não estão bem... Não têm nada que fazer...! preces da vinda da chuva ao Regulado, e também as impede. QuiNTAL DA suA CAsA... Estão a prender alguém, só porque apanhou um animal, um pangolim! ToCArAm A trombeta. Os populares dirigiram-se às pressas esTe Jovem beirense criou, involuntariamente, uma aberra- à sede do Regulado. Queriam ver aquele animal, de que muito Já HAviA virADo As CosTAs, ABorreCiDA. Fez ção, para um velho, que assistia, apreensivo, à peripécia, e que se falava na região, o animal do bem e do mal. Assim Com umA DAs mãos, Como se Dissesse: conhecia bem a real perigosidade do halaca-vuma, os poderes CADA mALuCo Que me ApAreCe. sobrenaturais deste animal. mAs sÓ se consegue ver a cabeça do halaca-vuma, em troca o ANCião retorquiu para o miúdo: de dinheiro, de porcelanas e de cânticos. Halaca-vuma idola- ― oH cala-te, ó jovem da cidade. Tu não sabes perfeitamente dos tra dinheiro ou porcelanas acompanhadas de súplicas com Não A segui mAis. Que se Fosse, DesCoNHeCeNDo poderes de que o pangolim dispõe. O pangolim atalha a chuva. cânticos. Mexe a cabeça e a pequena cauda, num movimento Quem reALmeNTe erA. HAviA ouTrAs. mAis DiA o Jovem ficou cada vez mais perplexo, e interessado com a extraordinário e espectacular. Mas embrenha-se, quando apare- meNos DiA, umA se ApreseNTAriA DiANTe De NÓs, declaração. Necessitava de mais detalhes, e perguntou: cem pessoas que não lhe endereçaram súplicas com dinheiro e umA priNCesA NAgô: ― Como é que um animal tão pequeno como o pangolim pode porcelanas. estrangular a chuva? e Do velho veio-lhe a resposta, que o manteve mudo e sem mais o DiNHeiro amealhado à custa do pangolim ultrapassou as — seNHores, É por AQui. eis o meu QuiNTAL... querença de perguntar algo. expectativas. Foram novecentos meticais. Com este dinheiro, vAmos ComeçAr TuDo De Novo. ― DeixA-Te estar, ó jovem da cidade, e deixa o povo do Regulado adquiriram os anciãos a utchema, e também fizeram dhoro. fazer o que bem sabe. Depois mataram o pangolim, para uma pequena festa metafóri- eNQuANTo As pessoas espectadoras se digladiavam em comen- ca, no Regulado. E estiveram lá os mais cotados do Regulado. É tários diferenciados, o Tapera, lá dentro da palhota, sofria vários que esta festa só admite essas pessoas: os anciãos, os régulos, e golpes de coação, para a outorga do pangolim. Mas continuava os seus súbditos, e outros distintos convidados. a não mostrar o esconderijo do animal sagrado. A sua teima
  • 9. Exero 01, 5555 BLA BLA BLA 9 Terça-feira, 01 de Novembro de 2011 https://literatas.blogs.sapo.mz 9 outras margEns Avó Mariana Presença Africana Desfazer ALDA LARA - ANgOLA ALDA ESPíRiTO SANTO - SãO TOMÉ E apesar de tudo, ainda sou a mesma! Avó Mariana, lavadeira Livre e esguia, dos brancos lá da Fazenda filha eterna de quanta rebeldia chegou um dia de terras distantes me sagrou. PEDRO DO bOiS - bRASiL com seu pedaço de pano na cintura Mãe-África! e ficou. Mãe forte da floresta e do deserto, Ficou a Avó Mariana ainda sou, Numero acontecimentos lavando, lavando, lá na roça a irmã-mulher desordenadamente. Capitulo pitando seu jessu1 de tudo o que em ti vibra ao extremo desgosto à porta da sanzala puro e incerto!... das arrumações: a cama lembrando a viagem dos seus campos de sisal. os objetos - A dos coqueiros, a comida Num dia sinistro de cabeleiras verdes o banho p’ra ilha distante e corpos arrojados retiro da estante o livro onde a faina de trabalho sobre o azul... instantaneamente convertido apagou a lembrança A do dendém em acompanhante: desarrumo os fatos dos bois, nos óbitos nascendo dos abraços e os distribuo pela casa: lá no Cubal distante. das palmeiras... a história forjada A do sol bom, de reis e reinos: Avó Mariana chegou mordendo a desabilitação das fábulas e sentou-se à porta da sanzala2 o chão das Ingombotas... moralizam o animal que teima e pitou seu jessu1 A das acácias rubras, sua liberdade. lavando, lavando salpicando de sangue as avenidas, numa barreira de silêncio. longas e floridas... Amor Platônico Os anos escoaram lá na terra calcinante. Sim!, ainda sou a mesma. - A do amor transbordando cÁSSiO ubiRAJAR -iTAJAí - “Avó Mariana, Avó Mariana pelos carregadores do cais suados e confusos, Nem é mais tão cedo é a hora de partir. pelos bairros imundos e dormentes nem há mais tanto amor Vai rever teus campos extensos (Rua 11...Rua 11...) por fim é isso que resta de plantações sem fim”. pelos negros meninos uma manhã chuvosa de barriga inchada mal sei se de maio ou abril - “Onde é terra di gente? e olhos fundos... Velha vem, não volta mais... Ela já não mais a mesma Cheguei de muito longe, Sem dores nem alegrias, o encanto já não me encanta mais anos e mais anos aqui no terreiro... de tronco nu e musculoso, não por palavras Velha tonta, já não tem terra a raça escreve a prumo, não por atitudes Vou ficar aqui, minino tonto”. a força destes dias... a simples falta é onde o amor se esvai Avó Mariana, pitando seu jessu1 E eu revendo ainda Hoje só continuo seguindo na soleira do seu beco escuro, e sempre, nela, por entre os dedos deixei escapar conta Avó Velhinha aquela ah amor!! Continua vivo!! teu fado inglório. longa historia inconseqüente... Viver, vegetar Lindo era sol da manhã à sombra dum terreiro Terra! hoje está nublado tu mesmo Avó minha Minha, eternamente... lindo era teu sorriso sobre meu peito não contarás a tua história. Terra das acácias, hoje não consigo lembrar dos dongos, Avó Mariana, velhinha minha, dos cólios baloiçando, Vem Sol vem iluminar novamente pitando seu jessu1 mansamente... mansamente!... vem trazer teu calor na soleira da senzala Terra! vem acender meu caminho nada dirás do teu destino... Ainda sou a mesma! vem Sol astro Rei Porque cruzaste mares, avó velhinha, Ainda sou vem reinar pra tua amada Lua e te quedaste sozinha a que num canto novo, costuras pitando teu jessu1? pura e livre, me levanto, (É nosso o solo sagrado da terra) ao aceno do teu Povo!... DORiANA - ANgOLA 1 - Jessu: cachimbo de barro; A vida bordou surpresas em ponto agrilhão Tecias auroras carsidas. 2 - Sanzala: aldeia. Desfiaste o tecido para o crivo; esqueceste chulear as baínhas. Não pudeste atingir a perfeição dos deuses, gostei do passajado feito quando tudo se desmanchou Algo mais Continuo trajando o vestido da tua oferta. baloiça o tempo na folha da goiabeira vem, desespero MAuRO bRiTO -MAPuTO baloiça oh folha! JOFRE ROchA - ANgOLA que o silêncio geométrico multiplica a esfera: a noite aleita o traçado dos morcegos vem, desespero Sinto mais que tudo sombras mudas enamoram açucenas mata em minhas veias o brilho desta lua Invadido por marés a memória afaga paralelos idos a enfeitar com simulacros de prata Entrei e vi uma cidade e o corpo se desfaz em loiras labaredas. a miséria de vidas sem destino. em estado de mar balança o tempo nas folhas da minha terra, Pés acotovelam-se balança oh terra! vem, desespero Milhões de coisas já o meu corpo se desfaz na geografia da espera. gela nas bocas o murmúrio de conformismo Sem ressentimento esse ópio de vontades Aqui nunca houve razão para algo nômada a sabotar a flor única de esperança Deliram pórticos o adiante veste incógnitas de cristal na planície dos homens de rastos. E em nada que te sei balança oh folha! balança oh terra vem, oh! vem desespero, queria ainda beijar-lhe a era. e cria nos homens o ímpeto dos tornados. Quando em suor ganha-se o nada Espaço para divulgação de poetas dos países LUSÓFONOS. Envie os seus textos para: kuphaluxa@sapo.mz
  • 10. 10 BLA BLA BLA Exero 01, 5555 Terça-feira, 01 de Novembro de 2011 https://literatas.blogs.sapo.mz 10 Noites d ´Álma Em outras paLavras https://noitesdalma.blogspot.com VII Prêmio Literário Valdeck Almeida de Jesus – CRÔNICAS eDição em HomeNAgem A esCriTores BAiANos Outro Olho da Carla 1 - O Prêmio Literário Valdeck Almeida de Jesus visa estimular novas produções literárias e é dirigido a candidatos de qualquer nacionalidade, residentes no Brasil ou no exterior, desde que seus trabalhos sejam escritos em língua portuguesa. XiguiANA DA LuZ 2 – As inscrições acontecem de 01 de janeiro a até 30 de novembro, através do e-mail valdeck2007@ gmail.com (CRÔNICAS de até 20 linhas, minibiografia de até cinco, endereço completo, com CEP e fone A dor se espalha pelas veias do meu corpo de contato, com DDD). Os textos devem vir DENTRO do corpo do e-mail. Inscrições incompletas serão O seu cheiro se invoca entre os meus pensamentos desclassificadas. Vale a data de postagem no e-mail. Não serão aceitas inscrições pelos correios. A sua imagem se faz na minha face, 3 - A crônica deve ser inédita, versando sobre qualquer tema (exceto apologia ao uso de drogas, Mas apenas se torna realidade na imaginação! conteúdo racista, preconceituoso, propaganda política ou intolerância religiosa ou de culto). Terão preferências os textos sobre escritores baianos da contemporaneidade. Entende-se como escritores contemporâneos aqueles cuja obra ainda não foi lançada por grandes editoras e que não são con- hecidos do grande público. Cada autor responderá perante a lei por plágio, cópia indevida ou outro Tenho medo… crime relacionado ao direito autoral. A inscrição implica concordância com o regulamento e cessão dos direitos autorais apenas para a primeira edição do livro. Sinto tanto medo. 4 - Uma equipe de escritores faz a seleção de apenas um texto por autor. A premiação é a publica- ção do texto selecionado em livro, em até seis meses do encerramento das inscrições. Os escritores O sono se esconde, selecionados devem criar um blog gratuito, após a divulgação do resultado do concurso, para dar O coração exige, visibilidade ao trabalho de todos os participantes. Os casos omissos serão decididos soberanamente As ideias se trancam, pela equipe promotora. E nada fica no espaço. 5 - O autor que desejar adquirir exemplares do livro deverá fazê-lo diretamente com a editora ou com o organizador do prêmio. Os primeiros dez classificados receberão um exemplar gratuitamente. Sinto muita dor… Os demais podem receber, a critério da organização do evento e da disponibilidade de recursos Misturada com ardor e medo, financeiros. Angústia e remorsos, Aterrorizo-me nos passos do silêncio moDeLo De FiCHA De iNsCrição: E o caos se instala no meu corpo. Paulo Pereira dos Santos Rua Santo André, 40 – Edf. Pedra – Apt. 201 35985-999 – Portão Tenho medo… Belo Horizonte-MG (31) 3366-9988, 8877-8999 Mas a vida me veda possibilidades, moDeLo De miNiBiogrAFiA: Me dá a sua voz, Paulo Pereira dos Santos é natural de Santana-PB. Escritor, poeta e jornalista, tem dois livros O seu rosto, publicados: “Antes de tudo” e “Até amanhã”. Paticipa de cinco antologias de poesias. Graduado em A sua imagem, comunicação social. Menção honrosa em diversos concursos de poesia, tem dois livros no prelo e Mas nunca o seu corpo pretende lançá-los em 2012. Nem o seu amor. proJeTo puBLiCADo No siTe Do pNLL Do miNisTÉrio DA CuLTurA Escrevo… mAis iNFormAçÕes: Alivio a dor, Valdeck Almeida de Jesus Tel: (71) 8805-4708 Mais um dia fiquei historiador, E-mail: valdeck2007@gmail.com Site do Organizador: www.galinhapulando.com Mas as forças se acabam, Nem se quer amanheceu, NOTA: NESTE cONcuRSO PODEM TAMbÉM PARTiciPAR PESSOAS DE OuTROS PAíSES DE LíNguA PORTuguESA, iNcLuiNDO MOçAMbiQuE, SENDO QuE NA Para tiver novamente! iMPOSSíbiLiDADE DESTES EM FALAR DE EScRiTORES bAiANOS, PODEM FALAR DOS cONTEMPORâNiOS DOS SEuS PAíSES.
  • 11. Exero 01, 5555 BLA BLA BLA 11 Terça-feira, 01 de Novembro de 2011 https://literatas.blogs.sapo.mz 11 agEndado