2. Objetivos
●
Retomar a discussão acerca do filme
“Impulsividade”
●
Introduzir alguns conceitos básicos sobre
obsessão e compulsão
●
Traçar a história dos conceitos de
obsessão e compulsão
4. “Impulsividade”
(Thumbsucker)
• Qual o sintoma central apresentado por Justin?
• Como esse sintoma influencia seu desenvolvimento psicossocial?
• Existem muitos hábitos de auto-gratificação; por que chupar o dedo atrai tanta atenção?
• A hipnose é um tratamento útil para chupar o dedo e outros hábitos infantis?
• Com que frequência crianças com TDAH abusam de estimulantes?
• Que percentual de crianças e adolescentes são incorretamente diagnosticados com
TDAH? Que percentual de crianças com TDAH não é diagnosticado?
• Como o psicólogo clínico pode diferenciar entre o desenvolvimento normal e um
transtorno psiquiátrico?
5. “Impulsividade”
(Thumbsucker)
• Qual o sintoma central apresentado por Justin?
• Como esse sintoma influencia seu desenvolvimento psicossocial?
• Existem muitos hábitos de auto-gratificação; por que chupar o dedo atrai tanta atenção?
• A hipnose é um tratamento útil para chupar o dedo e outros hábitos infantis?
• Com que frequência crianças com TDAH abusam de estimulantes?
• Que percentual de crianças e adolescentes são incorretamente diagnosticados com
TDAH? Que percentual de crianças com TDAH não é diagnosticado?
• Como o psicólogo clínico pode diferenciar entre o desenvolvimento normal e um
transtorno psiquiátrico?
6. Impulsividade vs.
compulsividade
• Impulsividade: ações mal planejadas, expressadas prematuramente,
indevidamente arriscadas, ou inapropriadas para a situação, e que
costumam resultar em desfechos indesejados
• Moeller et al.: “predisposição a respostas rápidas e não-planejadas a
estímulos internos ou externos, sem preocupação com as
consequências negativas dessas respostas ao indivíduo impulsivo ou
a outros”
• Nem toda ação impulsiva é não-planejada; p. ex., jogadores
patológicos podem planejar como irão acessar o jogo
• Característica central de transtornos de personalidade do grupo B,
transtornos de controle do impulso, e transtorno bipolar
7. Impulsividade vs.
compulsividade
• Compulsividade: comportamentos repetitivos que são realizados de acordo
com certas regras, ou de maneira estereotipada
• “Os quadros obsessivo-compulsivos caracterizam-se por idéias, fantasias e
imagens obsessivas e por atos, rituais ou comportamentos compulsivos.
Esses quadros são vividos como uma pressão sobre o indivíduo, como algo
que o obriga e submete.” (Dalgalarrondo, p. 321-322)
• Dificuldade de definir a fronteira entre a obsessão e a fobia (p. ex.,
obsessão por limpeza vs fobia de sujeira ou contaminação) ou entre ideia
delirante e obsessão (via de regra, na obsessão o insight é preservado)
8. A história das obsessões e
compulsões
• O termo “obsessão” tem raiz no latim obsessio, um termo bélico
– Obsessio e possessio são as duas etapas de um cerco
• O termo passa a ser usado em sentido semelhante, mas em contexto
religioso, a partir do séc. IV
– Obsessão: ataque do demônio, sem controle completo, e com consciência do alvo;
possessão: controle completo, sem consciência do alvo
• Assim, o termo implica que a pessoa está consciente dos sintomas e das
possíveis causas do comportamento, mas não tem controle sobre eles
10. Primeiras descrições em
categoria nosológica
• Pinel: categoria amorfa das “manias sem loucura”
– Descrição de alguns pacientes com pensamentos obsessivos
• Esquirol (1838), monomanie instinctive ou monomaine sans
délire
– “Por vezes há uma lesão da volição. […] Agindo anormalmente, o
paciente é levado a ações não ditadas pela razão ou pelo
sentimento, que sua consciência diz serem erradas mas que sua
força de vontade não mais tem forças para suprimir. As ações
são involuntárias, instintivas e irresistíveis”
11. Os delírios emocionais
de Morel
• Em 1866, Bénédict-Augustin Morel descreveu “delírios emocionais”
(délire émotif), uma categoria para pacientes que apresentavam
ansiedade, assim como obsessões e compulsões
• Um paciente havia “reduzido sua vida a hábitos de tolice estereotipada
e era conhecido por seus ridículos tiques […]. Esse homem não
ousava tocar moedas de cobre, e quando tomava sozinho um coche,
seus amigos tinham de pagar adiantado ao cocheiro ou enrolar o
dinheiro em um pedaço de papel. Ele nunca ousava abrir uma porta
ou janela sem antes cobrir sua mão com um pedaço de pano”
• Morel acreditava que esses pacientes sofriam de um “estado afetivo
elevado”
12. “Doença de dúvida”
• Jules Falret, 1866: Primeira descrição do transtorno obsessivo-compulsivo na
literatura
• Descrição “enterrada” em um discurso longo e pouco coerente sobre
“insanidade racional” (la folie raisonnante)
• Definida como uma “insanidade parcial com medo de contato com objetos
externos”, em estado de “perpétua hesitação interna”
– Descrição de ações compulsivas e pensamentos obsessivos cuja natureza patológica
é conhecida pelo paciente, mas dos quais este não consegue escapar
• “Esses pacientes tem perfeita consciência de seu estado; eles reconhecem o
absurdo de seus medos e procuram se distanciar deles, mas são incapazes
de fazê-lo e são, apesar de seus esforços, sempre forçados a voltar às
mesmas ideias e repetir as mesmas ações”
13. Os “pensamentos
obsessivos” de Krafft-Ebing
• Zwangsvorstellungen: “Na medida em que uma ideia [eine Vorstellung] se impõe mais
forte e frequentemente, obriga sua influência sobre a vontade, uma questão que
mesmo em indivíduos saudáveis essencialmente restringe a ação da escolha livre,
mas que na doença deve transformar o paciente em um puro autômato” (1867)
• 1872: as obsessões e compulsões são “primárias” (não resultam de outra doença), e
apresentam um potente componente constitutivo
– “Aqui, também, os pensamentos obsessivos são primários, significando que não tem uma base
afetiva, e surgem das profundezas da vida mental inconsciente” (“base afetiva” refere-se à
origem na mania ou na melancolia)
14. Os “pensamentos
obsessivos” de Krafft-Ebing
• Compartilham raiz comum com a neurastenia:
“Comparados aos delírios, em que o conteúdo do
pensamento é patológico, nos pensamentos obsessivos
é meramente a forma do pensamento que é patológica.
A justificativa para classificar essa forma de transtorno
sob os delírios é que a doença é genuinamente
constitutiva, e portanto de longa duração e [curso]
relativamente estável, e não é parte das condições que
progridem para a deterioração psíquica.
15. Legrand du Saulle: “insanidade
da dúvida” e “delírio de tocar”
• Henri Legrande du Saulle foi assistente de Morel em St. Yon; em 1873, tornou-se médico-
assistente na ala de emergências psiquiátricas do Departamento de Polícia de Paris
• Descreveu, em 1873, um conjunto de pacientes sujeitos a pensamentos irresistíveis e com
sentimentos psicóticos de incerteza sobre ter realizado algum ato específico (maladie du
doute) e medo de tocar objetos (délire du toucher)
• Insight adequado sobre os sintomas, mas, como os pacientes admitidos na ala de
emergência eram em sua maioria psicóticos, du Saulle interpretava seu diagnóstico como
de folie e délire (i.e., insanidade “plena”)
– Início da tradição francesa de ver transtornos obsessivo-compulsivos como delirantes
16. A diferenciação entre
neurastenia e obsessão
• Alguns autores descreviam a obsessão como característica constitutiva que poderia
transformar-se em loucura, enquanto outros a descreviam como uma forma de neurastenia
adquirida facilmente tratável
• Hans Kaan, anteriormente assistente de Krafft-Ebing, afirmava, em 1892, a distinção entre
duas formas
• Distingue entre fobias, impulsos obsessivos (Zwangsimpulse), e alterações formais do
pensamento; o mecanismo das obsessões seria uma “irritabilidade dos centros motores do
encéfalo”
• Baseando-se em Morel, define que essa “irritabilidade” surge de alterações dos gânglios
autonômicos, provendo uma plataforma somática para a obsessão
• “A sensação de inibição cortical diminuída produz medo do si mesmo, através da desconfiança
da própria capacidade de resistir a esse sentimento tóxico”. Essas associações psicológicas
resultariam em “pensamentos obsessivos obscenos e sacrílegos”
17. A diferenciação entre
neurastenia e obsessão
• Em relação à segunda forma, a descreve
como “ruminação obsessiva primária”
(primordialer Grübelzwang), diferente dos
impulsos obsessivos
• Essa forma primária representa a condição
hereditária de Krafft-Ebing, e Kaan sugere
que poderia transformar-se na folie du
doutede Legrand
18. A “reflexão obsessiva”
• Wilhelm Griesinger descreveu, em 1868, um pequeno número de
pacientes que “cismavam” com questões sem sentido
• Não encontrou nenhum desses pacientes em asilo, mas observou
diversos casos na comunidade
• Reconhecendo que esses sintomas eram similares à “maladie du
doute”, batizou-os de “Grübelsucht” quando um paciente
descreveu: “Eu não consigo me libertar da minha eterna reflexão
[Grübeleien]; os pensamentos me perseguem constantemente e
não me dão um minuto de descanso”
19. Zwangsvorstellungen como
transtorno do intelecto
• Carl Westphal (1877) definiu as ideias obsessivas como “ideias nas
quais, na presença de uma inteligência intacta e na ausência de
transtorno da vida emocional ou do afeto, intrometem-se no primeiro
plano da consciência contra a vontade do indivíduo que sofre; elas
não se permitem ser banidas, e obstruem e distraem o curso normal
das ideias. O paciente as vê como anormais e estrangeiras enquanto
as contempla com sua consciência saudável”
• Reconhece que o conceito de Grübelsucht representa uma subforma
desse conceito geral
• O alcance da publicação fez com que Westphal ganhasse fama como
o primeiro a descrever o TOC (incorretamente)
20. As ideias obsessivas na
psicastenia
• No contexto de uma teoria psicopatológica que enfatizava a abulia
e a “tensão psíquica diminuída”, Pierre Janet argumentou que as
ideias obsessivas eram sintomas centrais
• Les Obsessions et la psychasthénie (1902): As ideias obsessivas
que invadem involuntariamente a consciência representam um
estágio avançado da psicastenia
– Variedade da neurastenia cujo mecanismo postulado é abulia
• Identificava a doença, a culpa, o crime, e o sacrilégio como os
principais conteúdos das ideias obsessivas, e fazia uma análise
separada da “forma” das obsessões.
21. A interpretação freudiana
• Histeria, obsessão e compulsão formavam as principais psiconeuroses
• As formulações psicanalíticas se referem muito mais ao transtorno de
personalidade obsessiva do que aos transtornos do espectro obsessivo-
compulsivo!
• 1896: “Se alguém com uma disposição [para a neurose] não tem aptidão
para a conversão, mas se, ainda assim, para afastar uma ideia
incompatível, a separa do seu afeto, então o afeto é obrigado a permanecer
na esfera psíquica. A ideia, agora enfraquecida, ainda é mantida na
consciência, separada de toda associação. Mas esse afeto, que tornou-se
livre, liga-se a outras ideias que não são por si incompatíveis; e, graças a
essa ‘falsa conexão’, essas ideias tornam-se ideias obsessivas”
22. O caso do Homem dos Lobos
• Sergius Pankejeff, analisado por Freud entre 1910 e 1914, e depois em 1919 (para eliminar um resto
de “transferência” que não havia sido resolvida)
• Analisado duas vezes por Ruth Mack Brunswick e, até a sua morte em 1978, tratado por um número
razoável de psicanalistas
• Não se enquadra estritamente na categoria de neurose obsessiva: “Na miscelânea sintomática
descrita por Freud encontramos fobias, conversões histéricas, cerimoniais e ruminações obsessivas,
além de uma fixação fetichista bem singular” (Camargo e Santos, 2012)
• A reconstrução freudiana inicia a partir de um sonho que o paciente teve aos quatro anos: “Sonhei
que era noite e que estava deitado na cama. […] De repente, a janela abriu-se sozinha e fiquei
aterrorizado ao ver que alguns lobos brancos estavam sentados na grande nogueira em frente da
janela. […] Com grande terror, evidentemente de ser comido pelos lobos, gritei e acordei”
– Freud conclui que os lobos brancos simbolizavam as roupas de baixo (brancas) dos pais, e que a angústia de
castração do sonhador provia do fato de que ele havia assistido a um “coito por trás”, repetido três vezes, “o que
permitiu ao Homem dos Lobos constatar que sua mãe não tinha falo”.
23. Ressalvas
• A jornalista Karin Obholzer entrevistou
Pankejeff na década de 1970, e ele
considerava a interpretação de seu
famoso sonho “terrivelmente forçada”
• “Toda essa história é improvável porque
na Rússia as crianças dormem no quarto
da babá e não no dos pais”
24. A interpretação freudiana
• Em “Inibições, sintomas e angústia” (1926), Freud define os diferentes mecanismos de defesa
do ego contra a intrusão de sentimentos indesejados (principalmente ansiedade): “É talvez nos
casos obsessivos, mais do que nos casos normais ou histéricos, que podemos reconhecer mais
claramente que a força motriz da defesa é o complexo de castração, e o que está sendo
rechaçado são as tendências do complexo de Édipo”
• Assim, diferente da histeria, na neurose obsessiva a função da repressão é isolar os efeitos
tóxicos da consciência, ao invés de reprimi-los por amnésia total
• Otto Fenichel, “A teoria psicanalítica das neuroses” (1945): “Em todas as psiconeuroses, o
controle do ego tornou-se relativamente insuficiente […] Nas compulsões e obsessões, o fato de
que o ego governa a motilidade não mudou [diferentemente dos transtornos conversivos], mas o
ego não sente-se livre para usar essa potência governante. Ele têm de usá-la de acordo com o
estranho comando de uma agência mais poderosa, contradizendo seu julgamento. É compelido
a fazer ou pensar, ou a omitir certas coisas; de outra maneira, sente-se ameaçado por terríveis
ameaças”
25. A reação obsessivo-
compulsiva no DSM-I
• Descrição “associada com a persistência de ideias indesejáveis e
impulsos repetitivos de realizar atos que podem ser considerados
mórbidos pelo paciente. O próprio paciente pode reconhecer essas
ideias e comportamentos como irracionais, mas ainda assim é
compelido a realizar esses rituais”
– Inclui psicastenia, e especifica a expressão sintomática (tocar, contar,
cerimônias, lavar as mãos, ou pensamentos recorrentes)
• Nas alterações de traços de personalidade (000-x50), descreve uma
“personalidade compulsiva”: indivíduos “caracterizados por
preocupações crônicas, excessivas, ou obsessivas em aderir aos
padrões de consciência ou de conformidade. […] Tipicamente são
rígidos e lhes falta uma capacidade normal para relaxar”
26. Uma distinção entre estados
obsessivos e compulsivos
• Mayer-Gross, Slater, Roth (1954), Clinical Psychiatry: distinção entre “sintomas
compulsivos”, prevalentes em sujeitos saudáveis e pessoas com diversos
transtornos diferentes; e características “obsessivas” congênitas em pacientes
sujeitos a uma variedade de síndromes psiquiátricas
• Características compulsivas (personalidade): “As características excepcionais
desse tipo de personalidade são sua rigidez, inflexibilidade, e falta de
adaptabilidade; sua conscienciosidade e amor pela ordem e disciplina; e sua
persistência e resistência mesmo face a obstáculos”
• Em relação aos pacientes mais severos, com personalidades obsessivas no
limite das obsessões maiores: “Pode haver uma história anterior de colapso
nervoso, um estado de ansiedade, uma depressão menor, ou um estado
obsessivo”
27. A neurose obsessivo-
compulsiva do DSM-II (1968)
• Pouco muda em relação ao DSM-I, mudando o termo “reação”
para “neurose”
• Observação da ansiedade ou disforia quando o paciente é
impossibilitado de completar seu ritual compulsivo, ou quando
este se preocupa com sua incapacidade de se controlar
• A “personalidade compulsiva” passa a ser denominada
“personalidade obsessivo-compulsiva” ou “personalidade
anancástica”
– O termo deriva de Anancasmus, ou “compulsão psíquica”, cunhado em
1897 pelo professor Gyula Donath
28. O transtorno obsessivo-
compulsivo no DSM-III (1980)
• Passa a fazer parte da categoria dos transtornos de ansiedade
• Define obsessões como ideias, pensamentos, imagens, ou impulsos
recorrentes e persistentes que são ego-distônicos
• Define compulsões como comportamentos repetitivos e aparentemente
propositais que são realizados de acordo com certas regras ou de
maneira estereotipada; o comportamento é realizado para produzir ou
prevenir algum evento ou situação futura
• Poucas modificações no DSM-III-R e no DSM-IV
29. Yale-Brown Obsessive
Compulsive Scale (Y-BOCS)
• Primeira escala desenvolvida e validada
para avaliação da severidade dos
sintomas de TOC
• Mede obsessões separadamente das
compulsões
• Auto-aplicável
30. Judith Rapoport e a
neurobiologia do TOC
• 1970s: Ensaios clínicos com clomipramina em adolescentes
com TOC severo
• Dermatite acral por lambedura (~1992): alguns cães lambem
excessivamente as patas ou o flanco, produzindo ulcerações
e infecções; tratamento com TCAs ou SSRIs diminuem essa
resposta
• Swedo et al. (1992): Primeiro estudo com neuroimagem
(PET) demonstra, em uma amostra pequena, que o
tratamento com clomipramina normaliza a atividade no córtex
orbitofrontal
31. O DSM-5
• O capítulo sobre transtorno obsessivo-compulsivo e transtornos
relacionados junta transtornos anteriormente classificados como
– Transtornos de ansidade (TOC)
– Transtornos somatoformes (transtorno dismórfico corporal)
– Transtornos de controle de impulso não classificados em outro local (tricotilomania)
• A força-tarefa justificou esse movimento afirmando que esses transtornos
não eram similares aos que se agrupavam nos DSMs III e IV
• Fenomenologia compartilhada, padrões de agregação familiar, e
mecanismos etiológicos (compulsividade)
– Unificados pela presença de obsessões e/ou rituais compulsivos