SlideShare ist ein Scribd-Unternehmen logo
1 von 10
Análise de Crônica O gênero crônica é um texto vinculado essencialmente em jornais e tem como função produzir um relato do cotidiano. Geralmente  considerado como um gênero menor, a crônica vai dos detalhes do dia-a-dia aos dramas humanos Prof. Breno Deffanti - brenopontocom@gmail.com
O texto a seguir é uma das crônicas mais importantes da literatura brasileira: Complexo de vira-latas 1 (Nélson Rodrigues) Hoje vou fazer do escrete o meu numeroso personagem da semana. Os jogadores já partiram e o Brasil vacila entre o pessimismo mais obtuso e a esperança mais frenética. Nas esquinas, nos botecos, por toda parte, há quem esbraveje: - "O Brasil não vai nem se classificar!". E, aqui, eu pergunto: - não será esta atitude negativa o disfarce de um otimismo inconfesso e envergonhado?  Eis a verdade, amigos: - desde 50 que o nosso futebol tem pudor de acreditar em si mesmo. A derrota frente aos uruguaios, na última batalha, ainda faz sofrer, na cara e na alma, qualquer brasileiro. Foi uma humilhação nacional que nada, absolutamente nada, pode curar. Dizem que tudo passa, mas eu vos digo: menos a dor-de-cotovelo que nos ficou dos 2 x 1. E custa crer que um escore tão pequeno possa causar uma dor tão grande. O tempo em vão sobre a derrota. Dir-se-ia que foi ontem, e não há oito anos, que, aos berros, Obdulio arrancou, de nós, o título. Eu disse "arrancou" como poderia dizer: - "extraiu" de nós o título como se fosse um dente.  E, hoje, se negamos o escrete de 58, não tenhamos dúvidas: - é ainda a frustração de 50 que funciona. Gostaríamos talvez de acreditar na seleção. Mas o que nos trava é o seguinte: - o pânico de uma nova e irremediável desilusão. E guardamos, para nós mesmos, qualquer esperança. Só imagino uma coisa: - se o Brasil vence na Suécia, e volta campeão do mundo! Ah, a fé que escondemos, a fé que negamos, rebentaria todas as comportas e 60 milhões de brasileiros iam acabar no hospício.  Prof. Breno Deffanti - brenopontocom@gmail.com
Mas vejamos: - o escrete brasileiro tem, realmente, possibilidades concretas? Eu poderia responder, simplesmente, "não". Mas eis a verdade: - eu acredito no brasileiro, e pior do que isso: - sou de um patriotismo inatual e agressivo, digno de um granadeiro bigodudo. Tenho visto jogadores de outros países, inclusive os ex-fabulosos húngaros, que apanharam, aqui, do aspirante-enxertado Flamengo. Pois bem: - não vi ninguém que se comparasse aos nossos. Fala-se num Puskas. Eu contra-argumento com um Ademir, um Didi, um Leônidas, um Jair, um Zizinho. A pura, a santa verdade é a seguinte: - qualquer jogador brasileiro, quando se desamarra de suas inibições e se põe em estado de graça, é algo de único em matéria de fantasia, de improvisação, de invenção. Em suma: - temos dons em excesso. E só uma coisa nos atrapalha e, por vezes, invalida as nossas qualidades. Quero aludir ao que eu poderia chamar de "complexo de vira-latas". Estou a imaginar o espanto do leitor: - "O que vem a ser isso?". Eu explico. Por "complexo de vira-latas" entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol. Dizer que nós nos julgamos "os maiores" é uma cínica inverdade. Em Wembley, por que perdemos? Porque, diante do quadro inglês, louro e sardento, a equipe brasileira ganiu de humildade. Jamais foi tão evidente e, eu diria mesmo, espetacular o nosso vira-latismo. Na já citada vergonha de 50, éramos superiores aos adversários. Além disso, levávamos a vantagem do empate. Pois bem: - e perdemos da maneira mais abjeta. Por um motivo muito simples: - porque Obdulio nos tratou a pontapés, como se vira-latas fôssemos. Eu vos digo: - o problema do escrete não é mais de futebol, nem de técnica, nem de tática. Absolutamente. É um problema de fé em si mesmo. O brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-latas e que tem futebol para dar e vender, lá na Suécia. Uma vez que se convença disso, ponham-no para correr em campo e ele precisará de dez para segurar, como o chinês da anedota. Insisto: - para o escrete, ser ou não ser vira-latas, eis a questão  Prof. Breno Deffanti - brenopontocom@gmail.com
A crônica de Nélson Rodrigues pode ser dividida em três momentos: 1 – Introdução: um fato do cotidiano 2 – Ampliação: o fato do cotidiano é ampliado para a análise dos dramas humanos 3 – Redução / Conclusão: retorno ao fato cotidiano Prof. Breno Deffanti - brenopontocom@gmail.com
1 – Introdução: um fato do cotidiano O texto pode ser escrito em primeira pessoa Hoje vou fazer do escrete o meu numeroso personagem da semana. Os jogadores já partiram e o Brasil vacila entre o pessimismo mais obtuso e a esperança mais frenética. Nas esquinas, nos botecos, por toda parte, há quem esbraveje: - "O Brasil não vai nem se classificar!". E, aqui, eu pergunto: - não será esta atitude negativa o disfarce de um otimismo inconfesso e envergonhado?  Eis a verdade, amigos: - desde 50 que o nosso futebol tem pudor de acreditar em si mesmo. A derrota frente aos uruguaios, na última batalha, ainda faz sofrer, na cara e na alma, qualquer brasileiro. Foi uma humilhação nacional que nada, absolutamente nada, pode curar. Dizem que tudo passa, mas eu vos digo: menos a dor-de-cotovelo que nos ficou dos 2 x 1. E custa crer que um escore tão pequeno possa causar uma dor tão grande. O tempo em vão sobre a derrota. Dir-se-ia que foi ontem, e não há oito anos, que, aos berros, Obdulio arrancou, de nós, o título. Eu disse "arrancou" como poderia dizer: - "extraiu" de nós o título como se fosse um dente.  Nélson Rodrigues começa sua discussão a partir de um tema banal, quase irrelevante: jogos de futebol. Observar que o autor atribui as  discussões a lugares do cotidiano, como bares e botecos Perceba como o autor estabelece uma relação de proximidade com o leitor Prof. Breno Deffanti - brenopontocom@gmail.com
E, hoje, se negamos o escrete de 58, não tenhamos dúvidas: - é ainda a frustração de 50 que funciona. Gostaríamos talvez de acreditar na seleção. Mas o que nos trava é o seguinte: - o pânico de uma nova e irremediável desilusão. E guardamos, para nós mesmos, qualquer esperança. Só imagino uma coisa: - se o Brasil vence na Suécia, e volta campeão do mundo! Ah, a fé que escondemos, a fé que negamos, rebentaria todas as comportas e 60 milhões de brasileiros iam acabar no hospício Mas vejamos: - o escrete brasileiro tem, realmente, possibilidades concretas? Eu poderia responder, simplesmente, "não". Mas eis a verdade: - eu acredito no brasileiro, e pior do que isso: - sou de um patriotismo inatual e agressivo, digno de um granadeiro bigodudo. Tenho visto jogadores de outros países, inclusive os ex-fabulosos húngaros, que apanharam, aqui, do aspirante-enxertado Flamengo. Pois bem: - não vi ninguém que se comparasse aos nossos. Fala-se num Puskas. Eu contra-argumento com um Ademir, um Didi, um Leônidas, um Jair, um Zizinho. A crônica é um texto datado: ou seja, o autor constrói relações intertextuais que não se perpetuam através do tempo. Entretano, o texto continua compreensível Prof. Breno Deffanti - brenopontocom@gmail.com
2 – Ampliação: o fato do cotidiano é ampliado para a análise dos dramas humanos A pura, a santa verdade é a seguinte: - qualquer jogador brasileiro, quando se desamarra de suas inibições e se põe em estado de graça, é algo de único em matéria de fantasia, de improvisação, de invenção. Em suma: - temos dons em excesso. E só uma coisa nos atrapalha e, por vezes, invalida as nossas qualidades. Quero aludir ao que eu poderia chamar de "complexo de vira-latas". Estou a imaginar o espanto do leitor: - "O que vem a ser isso?". Eu explico. Por "complexo de vira-latas" entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol. Neste trecho, o autor amplia a discussão: de um mero campeonato de futebol, o autor disserta sobre o caráter do povo brasileiro Observe que o autor usa termos típicos da psicologia Prof. Breno Deffanti - brenopontocom@gmail.com
3 – Redução / Conclusão: retorno ao fato cotidiano Dizer que nós nos julgamos "os maiores" é uma cínica inverdade. Em Wembley, por que perdemos? Porque, diante do quadro inglês, louro e sardento, a equipe brasileira ganiu de humildade. Jamais foi tão evidente e, eu diria mesmo, espetacular o nosso vira-latismo. Na já citada vergonha de 50, éramos superiores aos adversários. Além disso, levávamos a vantagem do empate. Pois bem: - e perdemos da maneira mais abjeta. Por um motivo muito simples: - porque Obdulio nos tratou a pontapés, como se vira-latas fôssemos. Eu vos digo: - o problema do escrete não é mais de futebol, nem de técnica, nem de tática. Absolutamente. É um problema de fé em si mesmo. O brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-latas e que tem futebol para dar e vender, lá na Suécia. Uma vez que se convença disso, ponham-no para correr em campo e ele precisará de dez para segurar, como o chinês da anedota. Insisto: - para o escrete, ser ou não ser vira-latas, eis a questão  No final, o autor retorna à discussão sobre futebol Em uma crônica, ao invés de descrever a situação, o autor a analisa Prof. Breno Deffanti - brenopontocom@gmail.com
Ao escrever uma crônica, preste atenção aos seguintes critérios: ,[object Object]
Eleger uma situação do cotidiano como ponto de partida para suas discussões

Weitere ähnliche Inhalte

Was ist angesagt?

LÍNGUA PORTUGUESA | 1ª SÉRIE | HABILIDADE DA BNCC - (EM13LP02) D15
LÍNGUA PORTUGUESA | 1ª SÉRIE | HABILIDADE DA BNCC - (EM13LP02) D15LÍNGUA PORTUGUESA | 1ª SÉRIE | HABILIDADE DA BNCC - (EM13LP02) D15
LÍNGUA PORTUGUESA | 1ª SÉRIE | HABILIDADE DA BNCC - (EM13LP02) D15GernciadeProduodeMat
 
LÍNGUA PORTUGUESA | 3ª SÉRIE | HABILIDADE DA BNCC - (EM13LP04) D4
LÍNGUA PORTUGUESA | 3ª SÉRIE | HABILIDADE DA BNCC - (EM13LP04) D4LÍNGUA PORTUGUESA | 3ª SÉRIE | HABILIDADE DA BNCC - (EM13LP04) D4
LÍNGUA PORTUGUESA | 3ª SÉRIE | HABILIDADE DA BNCC - (EM13LP04) D4GernciadeProduodeMat
 
O índio na literatura brasileira
O índio na literatura brasileiraO índio na literatura brasileira
O índio na literatura brasileirama.no.el.ne.ves
 
Modificadores
ModificadoresModificadores
Modificadoresgracacruz
 
Conceitos básicos de Literatura
Conceitos básicos de LiteraturaConceitos básicos de Literatura
Conceitos básicos de Literaturaleliovr
 
Colocação pronominal
Colocação pronominal Colocação pronominal
Colocação pronominal Luciene Gomes
 
Literatura afro brasileira
Literatura afro brasileiraLiteratura afro brasileira
Literatura afro brasileiraangelamariagomes
 
Estrutura Das Palavras
Estrutura Das PalavrasEstrutura Das Palavras
Estrutura Das Palavrasguest0cbfe
 
Análise Literária do Livro "A Moreninha" de Joaquim Manuel Macedo
Análise Literária do Livro "A Moreninha" de Joaquim Manuel MacedoAnálise Literária do Livro "A Moreninha" de Joaquim Manuel Macedo
Análise Literária do Livro "A Moreninha" de Joaquim Manuel MacedoMarcely Duany Correa de Brito
 

Was ist angesagt? (20)

Formacao de palavras[1]
Formacao de palavras[1]Formacao de palavras[1]
Formacao de palavras[1]
 
LÍNGUA PORTUGUESA | 1ª SÉRIE | HABILIDADE DA BNCC - (EM13LP02) D15
LÍNGUA PORTUGUESA | 1ª SÉRIE | HABILIDADE DA BNCC - (EM13LP02) D15LÍNGUA PORTUGUESA | 1ª SÉRIE | HABILIDADE DA BNCC - (EM13LP02) D15
LÍNGUA PORTUGUESA | 1ª SÉRIE | HABILIDADE DA BNCC - (EM13LP02) D15
 
LÍNGUA PORTUGUESA | 3ª SÉRIE | HABILIDADE DA BNCC - (EM13LP04) D4
LÍNGUA PORTUGUESA | 3ª SÉRIE | HABILIDADE DA BNCC - (EM13LP04) D4LÍNGUA PORTUGUESA | 3ª SÉRIE | HABILIDADE DA BNCC - (EM13LP04) D4
LÍNGUA PORTUGUESA | 3ª SÉRIE | HABILIDADE DA BNCC - (EM13LP04) D4
 
O índio na literatura brasileira
O índio na literatura brasileiraO índio na literatura brasileira
O índio na literatura brasileira
 
A métrica e a rima
A métrica e a rimaA métrica e a rima
A métrica e a rima
 
Slide - aula fanfiction
Slide - aula fanfictionSlide - aula fanfiction
Slide - aula fanfiction
 
Trovadorismo I
Trovadorismo ITrovadorismo I
Trovadorismo I
 
Modificadores
ModificadoresModificadores
Modificadores
 
Categorias da narrativa
Categorias da narrativaCategorias da narrativa
Categorias da narrativa
 
Nota iii escansão poemas
Nota iii escansão poemasNota iii escansão poemas
Nota iii escansão poemas
 
Modernismo em Portugal
Modernismo em PortugalModernismo em Portugal
Modernismo em Portugal
 
Conceitos básicos de Literatura
Conceitos básicos de LiteraturaConceitos básicos de Literatura
Conceitos básicos de Literatura
 
História da língua portuguesa
História da língua portuguesaHistória da língua portuguesa
História da língua portuguesa
 
Quinhentismo
QuinhentismoQuinhentismo
Quinhentismo
 
Colocação pronominal
Colocação pronominal Colocação pronominal
Colocação pronominal
 
Genero textual charge
Genero textual chargeGenero textual charge
Genero textual charge
 
Literatura afro brasileira
Literatura afro brasileiraLiteratura afro brasileira
Literatura afro brasileira
 
Estrutura Das Palavras
Estrutura Das PalavrasEstrutura Das Palavras
Estrutura Das Palavras
 
Análise Literária do Livro "A Moreninha" de Joaquim Manuel Macedo
Análise Literária do Livro "A Moreninha" de Joaquim Manuel MacedoAnálise Literária do Livro "A Moreninha" de Joaquim Manuel Macedo
Análise Literária do Livro "A Moreninha" de Joaquim Manuel Macedo
 
O Realismo no Brasil
O Realismo no BrasilO Realismo no Brasil
O Realismo no Brasil
 

Ähnlich wie Análise de crônica

Minha Opinião do Jogo Brasil e Alemanha, Causas e consequências
Minha Opinião do Jogo Brasil e Alemanha, Causas e consequênciasMinha Opinião do Jogo Brasil e Alemanha, Causas e consequências
Minha Opinião do Jogo Brasil e Alemanha, Causas e consequênciasPedro Klein Garcia
 
AGRISSÊNIOR NOTÍCIAS - Nº 578 an 28 junho_2016.ok
AGRISSÊNIOR NOTÍCIAS - Nº 578 an  28 junho_2016.okAGRISSÊNIOR NOTÍCIAS - Nº 578 an  28 junho_2016.ok
AGRISSÊNIOR NOTÍCIAS - Nº 578 an 28 junho_2016.okRoberto Rabat Chame
 
CADERNO 101 TIPO 2 TECNICO DE APOIO LEGISLATIVO-20230130-090951.pdf
CADERNO 101 TIPO 2 TECNICO DE APOIO LEGISLATIVO-20230130-090951.pdfCADERNO 101 TIPO 2 TECNICO DE APOIO LEGISLATIVO-20230130-090951.pdf
CADERNO 101 TIPO 2 TECNICO DE APOIO LEGISLATIVO-20230130-090951.pdfWeverton Abreu
 
Prova 1ª fase CEFET 2016
Prova 1ª fase CEFET 2016Prova 1ª fase CEFET 2016
Prova 1ª fase CEFET 2016DayzeCampany
 
Atividade portugues. texto para falar e escrever bem (1)
Atividade portugues. texto para falar e escrever bem (1)Atividade portugues. texto para falar e escrever bem (1)
Atividade portugues. texto para falar e escrever bem (1)Atividades Diversas Cláudia
 
Atividade portugues. texto para falar e escrever bem
Atividade portugues. texto para falar e escrever bemAtividade portugues. texto para falar e escrever bem
Atividade portugues. texto para falar e escrever bemAtividades Diversas Cláudia
 

Ähnlich wie Análise de crônica (7)

Minha Opinião do Jogo Brasil e Alemanha, Causas e consequências
Minha Opinião do Jogo Brasil e Alemanha, Causas e consequênciasMinha Opinião do Jogo Brasil e Alemanha, Causas e consequências
Minha Opinião do Jogo Brasil e Alemanha, Causas e consequências
 
AGRISSÊNIOR NOTÍCIAS - Nº 578 an 28 junho_2016.ok
AGRISSÊNIOR NOTÍCIAS - Nº 578 an  28 junho_2016.okAGRISSÊNIOR NOTÍCIAS - Nº 578 an  28 junho_2016.ok
AGRISSÊNIOR NOTÍCIAS - Nº 578 an 28 junho_2016.ok
 
CADERNO 101 TIPO 2 TECNICO DE APOIO LEGISLATIVO-20230130-090951.pdf
CADERNO 101 TIPO 2 TECNICO DE APOIO LEGISLATIVO-20230130-090951.pdfCADERNO 101 TIPO 2 TECNICO DE APOIO LEGISLATIVO-20230130-090951.pdf
CADERNO 101 TIPO 2 TECNICO DE APOIO LEGISLATIVO-20230130-090951.pdf
 
Prova 1ª fase 2016
Prova 1ª fase 2016Prova 1ª fase 2016
Prova 1ª fase 2016
 
Prova 1ª fase CEFET 2016
Prova 1ª fase CEFET 2016Prova 1ª fase CEFET 2016
Prova 1ª fase CEFET 2016
 
Atividade portugues. texto para falar e escrever bem (1)
Atividade portugues. texto para falar e escrever bem (1)Atividade portugues. texto para falar e escrever bem (1)
Atividade portugues. texto para falar e escrever bem (1)
 
Atividade portugues. texto para falar e escrever bem
Atividade portugues. texto para falar e escrever bemAtividade portugues. texto para falar e escrever bem
Atividade portugues. texto para falar e escrever bem
 

Análise de crônica

  • 1. Análise de Crônica O gênero crônica é um texto vinculado essencialmente em jornais e tem como função produzir um relato do cotidiano. Geralmente considerado como um gênero menor, a crônica vai dos detalhes do dia-a-dia aos dramas humanos Prof. Breno Deffanti - brenopontocom@gmail.com
  • 2. O texto a seguir é uma das crônicas mais importantes da literatura brasileira: Complexo de vira-latas 1 (Nélson Rodrigues) Hoje vou fazer do escrete o meu numeroso personagem da semana. Os jogadores já partiram e o Brasil vacila entre o pessimismo mais obtuso e a esperança mais frenética. Nas esquinas, nos botecos, por toda parte, há quem esbraveje: - "O Brasil não vai nem se classificar!". E, aqui, eu pergunto: - não será esta atitude negativa o disfarce de um otimismo inconfesso e envergonhado? Eis a verdade, amigos: - desde 50 que o nosso futebol tem pudor de acreditar em si mesmo. A derrota frente aos uruguaios, na última batalha, ainda faz sofrer, na cara e na alma, qualquer brasileiro. Foi uma humilhação nacional que nada, absolutamente nada, pode curar. Dizem que tudo passa, mas eu vos digo: menos a dor-de-cotovelo que nos ficou dos 2 x 1. E custa crer que um escore tão pequeno possa causar uma dor tão grande. O tempo em vão sobre a derrota. Dir-se-ia que foi ontem, e não há oito anos, que, aos berros, Obdulio arrancou, de nós, o título. Eu disse "arrancou" como poderia dizer: - "extraiu" de nós o título como se fosse um dente. E, hoje, se negamos o escrete de 58, não tenhamos dúvidas: - é ainda a frustração de 50 que funciona. Gostaríamos talvez de acreditar na seleção. Mas o que nos trava é o seguinte: - o pânico de uma nova e irremediável desilusão. E guardamos, para nós mesmos, qualquer esperança. Só imagino uma coisa: - se o Brasil vence na Suécia, e volta campeão do mundo! Ah, a fé que escondemos, a fé que negamos, rebentaria todas as comportas e 60 milhões de brasileiros iam acabar no hospício. Prof. Breno Deffanti - brenopontocom@gmail.com
  • 3. Mas vejamos: - o escrete brasileiro tem, realmente, possibilidades concretas? Eu poderia responder, simplesmente, "não". Mas eis a verdade: - eu acredito no brasileiro, e pior do que isso: - sou de um patriotismo inatual e agressivo, digno de um granadeiro bigodudo. Tenho visto jogadores de outros países, inclusive os ex-fabulosos húngaros, que apanharam, aqui, do aspirante-enxertado Flamengo. Pois bem: - não vi ninguém que se comparasse aos nossos. Fala-se num Puskas. Eu contra-argumento com um Ademir, um Didi, um Leônidas, um Jair, um Zizinho. A pura, a santa verdade é a seguinte: - qualquer jogador brasileiro, quando se desamarra de suas inibições e se põe em estado de graça, é algo de único em matéria de fantasia, de improvisação, de invenção. Em suma: - temos dons em excesso. E só uma coisa nos atrapalha e, por vezes, invalida as nossas qualidades. Quero aludir ao que eu poderia chamar de "complexo de vira-latas". Estou a imaginar o espanto do leitor: - "O que vem a ser isso?". Eu explico. Por "complexo de vira-latas" entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol. Dizer que nós nos julgamos "os maiores" é uma cínica inverdade. Em Wembley, por que perdemos? Porque, diante do quadro inglês, louro e sardento, a equipe brasileira ganiu de humildade. Jamais foi tão evidente e, eu diria mesmo, espetacular o nosso vira-latismo. Na já citada vergonha de 50, éramos superiores aos adversários. Além disso, levávamos a vantagem do empate. Pois bem: - e perdemos da maneira mais abjeta. Por um motivo muito simples: - porque Obdulio nos tratou a pontapés, como se vira-latas fôssemos. Eu vos digo: - o problema do escrete não é mais de futebol, nem de técnica, nem de tática. Absolutamente. É um problema de fé em si mesmo. O brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-latas e que tem futebol para dar e vender, lá na Suécia. Uma vez que se convença disso, ponham-no para correr em campo e ele precisará de dez para segurar, como o chinês da anedota. Insisto: - para o escrete, ser ou não ser vira-latas, eis a questão Prof. Breno Deffanti - brenopontocom@gmail.com
  • 4. A crônica de Nélson Rodrigues pode ser dividida em três momentos: 1 – Introdução: um fato do cotidiano 2 – Ampliação: o fato do cotidiano é ampliado para a análise dos dramas humanos 3 – Redução / Conclusão: retorno ao fato cotidiano Prof. Breno Deffanti - brenopontocom@gmail.com
  • 5. 1 – Introdução: um fato do cotidiano O texto pode ser escrito em primeira pessoa Hoje vou fazer do escrete o meu numeroso personagem da semana. Os jogadores já partiram e o Brasil vacila entre o pessimismo mais obtuso e a esperança mais frenética. Nas esquinas, nos botecos, por toda parte, há quem esbraveje: - "O Brasil não vai nem se classificar!". E, aqui, eu pergunto: - não será esta atitude negativa o disfarce de um otimismo inconfesso e envergonhado? Eis a verdade, amigos: - desde 50 que o nosso futebol tem pudor de acreditar em si mesmo. A derrota frente aos uruguaios, na última batalha, ainda faz sofrer, na cara e na alma, qualquer brasileiro. Foi uma humilhação nacional que nada, absolutamente nada, pode curar. Dizem que tudo passa, mas eu vos digo: menos a dor-de-cotovelo que nos ficou dos 2 x 1. E custa crer que um escore tão pequeno possa causar uma dor tão grande. O tempo em vão sobre a derrota. Dir-se-ia que foi ontem, e não há oito anos, que, aos berros, Obdulio arrancou, de nós, o título. Eu disse "arrancou" como poderia dizer: - "extraiu" de nós o título como se fosse um dente. Nélson Rodrigues começa sua discussão a partir de um tema banal, quase irrelevante: jogos de futebol. Observar que o autor atribui as discussões a lugares do cotidiano, como bares e botecos Perceba como o autor estabelece uma relação de proximidade com o leitor Prof. Breno Deffanti - brenopontocom@gmail.com
  • 6. E, hoje, se negamos o escrete de 58, não tenhamos dúvidas: - é ainda a frustração de 50 que funciona. Gostaríamos talvez de acreditar na seleção. Mas o que nos trava é o seguinte: - o pânico de uma nova e irremediável desilusão. E guardamos, para nós mesmos, qualquer esperança. Só imagino uma coisa: - se o Brasil vence na Suécia, e volta campeão do mundo! Ah, a fé que escondemos, a fé que negamos, rebentaria todas as comportas e 60 milhões de brasileiros iam acabar no hospício Mas vejamos: - o escrete brasileiro tem, realmente, possibilidades concretas? Eu poderia responder, simplesmente, "não". Mas eis a verdade: - eu acredito no brasileiro, e pior do que isso: - sou de um patriotismo inatual e agressivo, digno de um granadeiro bigodudo. Tenho visto jogadores de outros países, inclusive os ex-fabulosos húngaros, que apanharam, aqui, do aspirante-enxertado Flamengo. Pois bem: - não vi ninguém que se comparasse aos nossos. Fala-se num Puskas. Eu contra-argumento com um Ademir, um Didi, um Leônidas, um Jair, um Zizinho. A crônica é um texto datado: ou seja, o autor constrói relações intertextuais que não se perpetuam através do tempo. Entretano, o texto continua compreensível Prof. Breno Deffanti - brenopontocom@gmail.com
  • 7. 2 – Ampliação: o fato do cotidiano é ampliado para a análise dos dramas humanos A pura, a santa verdade é a seguinte: - qualquer jogador brasileiro, quando se desamarra de suas inibições e se põe em estado de graça, é algo de único em matéria de fantasia, de improvisação, de invenção. Em suma: - temos dons em excesso. E só uma coisa nos atrapalha e, por vezes, invalida as nossas qualidades. Quero aludir ao que eu poderia chamar de "complexo de vira-latas". Estou a imaginar o espanto do leitor: - "O que vem a ser isso?". Eu explico. Por "complexo de vira-latas" entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol. Neste trecho, o autor amplia a discussão: de um mero campeonato de futebol, o autor disserta sobre o caráter do povo brasileiro Observe que o autor usa termos típicos da psicologia Prof. Breno Deffanti - brenopontocom@gmail.com
  • 8. 3 – Redução / Conclusão: retorno ao fato cotidiano Dizer que nós nos julgamos "os maiores" é uma cínica inverdade. Em Wembley, por que perdemos? Porque, diante do quadro inglês, louro e sardento, a equipe brasileira ganiu de humildade. Jamais foi tão evidente e, eu diria mesmo, espetacular o nosso vira-latismo. Na já citada vergonha de 50, éramos superiores aos adversários. Além disso, levávamos a vantagem do empate. Pois bem: - e perdemos da maneira mais abjeta. Por um motivo muito simples: - porque Obdulio nos tratou a pontapés, como se vira-latas fôssemos. Eu vos digo: - o problema do escrete não é mais de futebol, nem de técnica, nem de tática. Absolutamente. É um problema de fé em si mesmo. O brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-latas e que tem futebol para dar e vender, lá na Suécia. Uma vez que se convença disso, ponham-no para correr em campo e ele precisará de dez para segurar, como o chinês da anedota. Insisto: - para o escrete, ser ou não ser vira-latas, eis a questão No final, o autor retorna à discussão sobre futebol Em uma crônica, ao invés de descrever a situação, o autor a analisa Prof. Breno Deffanti - brenopontocom@gmail.com
  • 9.
  • 10. Eleger uma situação do cotidiano como ponto de partida para suas discussões
  • 11. Estabelecer uma relação de proximidade com o leitor
  • 12. Priorizar as análises às descriçõesProf. Breno Deffanti - brenopontocom@gmail.com
  • 13. 1Texto editado na revista Manchete esportiva, a 31 de maio de 1958, e republicado em À sombra das chuteiras imortais - crônicas de futebol (organização de Ruy Castro para a Cia. das Letras, São Paulo, 1993). Trata-se da última crônica antes da estréia do Brasil na Copa de 1958, que, como se sabe, foi a primeira vencida pela Seleção brasileira. Nelson mantinha, nesta publicação, uma coluna chamada "Personagem da semana", o que explica o começo do texto. Prof. Breno Deffanti - brenopontocom@gmail.com