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Tributo ao Poeta
Tributo ao Poeta
Biblioteca Nacional de Brasília
Organização




Brasília, 2008
Tributo ao Poeta
Autores Homenageados
Anderson Braga Horta
Carlos Vogt
Cassiano Nunes
Fernando Mendes Vianna
João Cabral de Melo Neto
Joaquim Cardozo
José Godoy Garcia
José Santiago Naud
Marly de Oliveira
Governo do Distrito Federal
José Roberto Arruda

Secretário de Estado de Cultura
José Silvestre Gorgulho

Conjunto Cultural da República
Biblioteca Nacional de Brasília
Antônio Miranda




Organizadora da Obra
Maria das Graças Pimentel
Salomão Sousa

Projeto gráfico
Wagner Alves

Revisão
João Carlos Taveira




                                      Ficha Catalográfica

B582b    Tributo ao Poeta / organizador, Biblioteca Nacional de Brasília ;
            autores, Anderson Braga Horta … [et al.] ; apresentação, José Roberto Arruda,
         Silvestre Gorgulho ; prefácio, Antonio Miranda. – Brasília : Biblioteca Nacional de
         Brasília, 2008.
            224 p. : 17 x 24 cm.

           Coletânea de ensaios e poesias apresentadas nas edições do programa Tributo
         ao Poeta da Biblioteca Nacional de Brasília – BNB.

            1.    Literatura brasileira. 2. Poesia brasileira. I.Biblioteca Nacional de Brasília
                  (Brasil) (BNB). II. Tributo ao Poeta. III. Arruda, José Roberto. IV. Miranda,
                  Antonio. V. Título.
                                                                       CDU 82-1


                                                                     ISBN 978857062778
Tributo ao Poeta
Conferencistas
Antonio Miranda
Anderson Braga Horta
João Carlos Taveira
José Jeronymo Rivera
Lauro Moreira
Maria de Jesús Evangelista (Majú)
Marisa Lajolo
Salomão Sousa
Sylvia Cyntrão
Sumário
Anderson Braga Horta                                   19
              por José Jeronymo Rivera


Carlos Vogt                                            51
              por Marisa Lajolo


Cassiano Nunes                                         64
              por Maria de Jesús Evangelista (Majú)


Fernando Mendes Vianna                                 83
              por Anderson Braga Horta


João Cabral de Melo Neto                              108
              por Antonio Miranda


Joaquim Cardozo                                       151
              por Sylvia Cyntrão


José Godoy Garcia                                     169
              por Salomão Sousa


José Santiago Naud                                    189
              por João Carlos Taveira


Marly de Oliveira                                     211
              por Lauro Moreira
Apresentação

José Roberto Arruda
Governador do Distrito
Federal
A cidadania por entre livros
É com orgulho que anuncio o início efetivo das atividades da
Biblioteca Nacional de Brasília, entregando à população da Capital
um prédio moderno, com instalações confortáveis e tecnologia da
informação de última geração.
     A Biblioteca Nacional já estava prevista no projeto original de Lu-
cio Costa, como parte do Conjunto Cultural da República. Projetada
pelo arquiteto Oscar Niemeyer, sua construção foi possível por meio
de uma parceira entre os governos Federal e do DF.
     Sua inauguração ocorreu no final de 2006. No entanto, so-
mente a partir de 2007, com a criação de uma Comissão Especial
criada pelo Governo do Distrito Federal – com representantes da
Secretaria de Cultura do DF, Universidade de Brasília e ministérios
da Cultura, Educação e da Ciência e Tecnologia – foi formulada
uma proposta de política efetiva para a instituição.
     Sua implantação obedeceu às exigências estabelecidas por esse
grupo de trabalho – entre elas áreas de acervo, salões de leitura e
tratamento técnico das coleções, além de programas de alfabetiza-
ção e inclusão digital, inclusive para portadores de deficiências.
     Brasília passa a contar agora com espaços diários para leitura,
pesquisa e recreação. A partir deste momento, começamos a cum-
prir a missão de dotar a cidade de um centro cultural e de apren-
dizagem.
     E a I Bienal Internacional de Poesia de Brasília faz parte deste
esforço. É um chamado à criatividade de nossos autores, por meio
de seminários, oficinas, exposições, projeções de filmes e rodas de
leituras – das expressões mais populares às que envolvam as mais
diversas formas de tecnologia.
     Esta primeira grande realização da Biblioteca Nacional exem-
plifica sua proposta de conquistar leitores, em estreita cooperação
com entidades públicas e privadas, organizações sociais e não-gov-
ernamentais.
     Quero ainda destacar o lançamento de um volume sobre os poe-
tas aqui homenageados – em 2007 e 2008 – em eventos realizados
ainda em meio às obras. Destaque para o poeta Joaquim Cardoso,
que como engenheiro participou da construção da nova capital.
     Nossa cidade, de afortunada história, abre as portas de sua prin-
cipal Biblioteca e descerra os caminhos das novas tecnologias da
informação.
Silvestre Gorgulho
Secretário de Cultura do
Distrito Federal
Passos de um novo tempo
“São tristes as coisas consideradas sem ênfase”, sentenciou
Carlos Drummond de Andrade. E foi com muita ênfase e poesia que
o governo Arruda resolveu ocupar, na confluência entre as estações
centrais do metrô e da rodoviária do Plano Piloto, a Biblioteca
Nacional de Brasília. A BNB cumpre, a partir de agora, sua vocação
maior de unir pessoas, democratizar a informação e formar novos
leitores.
     Brasília passa a usufruir – com a implementação efetiva do
Conjunto Cultural da República – de um espaço nobre e adequado
para as atividades de arte, ciência e cultura.
     Ao lado do Museu Nacional – consagrado como ponto de visitação
dos mais importantes da região Centro-Oeste – a instalação definitiva
da Biblioteca Nacional consolida o Setor Cultural Sul, um palco
adequado para o encontro do Brasil com sua palavra, sua imagem,
seus valores, seus ícones, seus acervos e sua capacidade criativa.
     A partir daí, formam-se acervos, promovem-se mostras nacionais
e internacionais, define-se um abrigo seguro para a criação e o
conhecimento.
     No ano em que Brasília foi escolhida como Capital Americana
da Cultura 2008 e que o governo de José Roberto Arruda sanciona
sua Lei da Cultura do Distrito Federal – assegurando recursos
orçamentários para o fomento e a manutenção das manifestações e
instituições culturais do DF – convocamos a população da capital a
ocupar nossa Biblioteca Nacional de forma definitiva.
     E como que num brinde à sucessão de boas novas, a I Bienal
Internacional de Poesia aproxima os extremos da tecnologia e da
criatividade poética, transformando-os em símbolos de um processo
civilizatório renovador a partir do Planalto Central.
     Como que anfitriões de um novo tempo, as novas tecnologias da
informação aqui instaladas, os acervos físicos e digitais de livros e toda
a gama de conhecimento aqui reunida fazem Brasília – uma cidade
de inspiração modernista – romper a utopia da pós-modernidade e
ensaiar os primeiros passos da hiper-modernidade que constitui o
cenário do Século XXI.
     O livro Tributo ao Poeta é a obra inaugural das edições da
Biblioteca Nacional de Brasília e rende homenagens aos autores que
ajudaram a construir nossa melhor literatura.
Novas homenagens virão, na forma de títulos nas áreas de
                            filosofia, arquitetura, artes plásticas. Enfim, de todas as expressões
                            culturais da Humanidade, como exige a função maior de uma
                            instituição que a isso se propõe. O fundamental é que todas as ações
                            e homenagens levem em conta a alegria, a espontaneidade, a arte
                            da poesia e de fazer amigos. Com ênfase. Muita ênfase!




     Biblioteca Nacional de Brasília
14   Tributo ao Poeta
Introdução




         A Biblioteca Nacional de Brasília (BNB) é uma aspiração que remonta à
     própria concepção da cidade, no plano original de Lucio Costa. Chegou a
     ser criada oficialmente por determinação do então Primeiro Ministro Tan-
     credo Neves, no início dos anos 60 do século passado, mas as turbulên-
     cias políticas do período republicano adiaram a sua instalação. Chegou a
     ter projeto arquitetônico do mestre Oscar Niemeyer no final dos anos 80,
     mas a sua efetiva construção só aconteceu no início do presente século.
     Mais de quarenta anos depois de idealizada. Um enorme vazio em plena
     Esplanada dos Ministérios, no Setor Cultural, aguardando decisão política
     para sua edificação. Toda a área do Conjunto Cultural da República ficou
     por último, por razões que a própria razão desconhece…
         A inauguração do prédio, em 2006, foi anunciada como sendo a efe-
     tiva abertura da BNB, mesmo sem móveis, equipamentos, acervo e pes-
     soal para atender a população. Exigindo um plano para sua ocupação, o
     que demanda tempo e investimentos. Ninguém tira o mérito da obra,
     que a população esperou por tanto tempo. Se durante a construção do
     prédio tivessem tomado as providências para o acervamento, seu proces-
     samento técnico e treinamento de pessoal especializado, – o que requer
     o mesmo tempo da construção—, a abertura teria sido feita de forma
     definitiva.
         Uma biblioteca construída e planejada no século 21 tem que conside-
     rar cenários diferentes daqueles que orientaram as bibliotecas nacionais
     do passado. No caso de Brasília, com mais razão, porque o país já tem


                                                               Introdução
                                                                            15
a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, agora uma Fundação. Esta tem
                     o privilégio da Lei do Depósito Legal que obriga os editores a enviarem
                     dois exemplares de suas publicações para a BN, além do acervo histórico
                     e precioso da Coleção Real, vindo na época da fuga do monarca para o
                     Brasil, considerado nacional depois da Proclamação da Independência.
                           Cabe à Biblioteca Nacional de Brasília uma outra política de acervos, o
                     que foi apresentado à Comissão Especial do Conjunto Cultural da Repúbli-
                     ca e deverá ser discutida e aperfeiçoada durante audiência pública.
                           A capacidade da BNB está limitada a 250 mil volumes, o que a leva
                     a optar por bibliotecas digitais, na tentativa de criar um repertório vasto
                     para atender usuários locais e de outras latitudes. Deverá concentrar-se
                     em coleções que espelhem a literatura científica e cultural sobre o Bra-
                     sil, além da produção de Brazilianistas e brasileiros que vivem em outros
                     países ou que foram traduzidos a outras línguas, material menos repre-
                     sentado na BN do Rio de Janeiro, na intenção da complementariedade de
                     acervos.
                           Cabe ressaltar que a BNB se constitui em centro de inclusão digital,
                     com uma plataforma tecnológica avançada para garantir acessibilidade
                     ilimitada a seus estoques informacionais e para orientar leitores e pes-
                     quisadores para outros acervos correlatos em bibliotecas brasileiras e es-
                     trangeiras.
                           Para não ficar apenas em acervos e tecnologias da informação, a
                     BNB persegue um amplo projeto de inserção cultural na cidade, proje-
                     tando Brasília em cenário internacional. Daí a proposta de uma Bienal
                     Internacional de Poesia (I BIP) na época da inauguração de seus servi-
                     ços ao público. E se antecipou, ainda nas instalações precárias, com um
                     ciclo de Tributos ao Poeta, um por mês, para atrair intelectuais, artistas,
                     poetas, escritores e o público em geral.

                        Nove tributos foram programados em 2007 e 2008, agora reunidos
                     no presente volume, dedicados aos poetas:

              1.     Fernando Mendes Vianna, carioca radicado em Brasília desde os tem-
                     pos pioneiros, que goza de um prestígio internacional inegável, com tra-
                     duções de sua obra poética a outros idiomas. A homenagem póstuma,
                     com a presença da família, ocorreu pouco tempo depois de sua morte,
                     cujo texto foi encomendado ao também poeta Anderson Braga Horta.
              2.     José Santiago Naud, gaúcho também pioneiro da cidade, e um dos
                     fundadores dos cursos de literatura da Universidade de Brasília, com car-
                     reira internacional em centros de estudos brasileiros em diversos países
                     hispano-americanos, é o segundo homenageado, com apresentação do
                     poeta João Carlos Taveira.
              3.     Anderson Braga Horta, mineiro de Carangola, que passou por diversas
                     cidades antes de radicar-se definitivamente em Brasília; filho de poetas;
                     prêmio Jabuti e um dos representantes mais significativos da poesia de
                     Brasília foi apresentado por José Jeronymo Rivera, seu parceiro de tradu-
                     ção e amigo desde a juventude.


     Biblioteca Nacional de Brasília
16   Tributo ao Poeta
4.   Cassiano Nunes, o mestre de todos, figura querida e cortejada. À época
     do tributo estava hospitalizado e veio a falecer em seguida, para tristeza
     dos amigos e admiradores. Paulista, pesquisador da obra de Monteiro Lo-
     bato, teve o perfil elaborado pela Drª Maria de Jesús Evangelista (Majú),
     biógrafa do autor.
5.   Marly de Oliveira, poetisa e musa, reconhecida por poetas universais
     como Ungaretti, foi apresentada pelo Embaixador Lauro Moreira, nosso
     representante junto à Comunidade de Nações de Língua Portuguesa, em
     Portugal. Na ocasião, a família doou o acervo bibliográfico da autora para
     a Biblioteca Nacional de Brasília.
6.   João Cabral de Melo Neto, foi apresentado por Antonio Miranda,
     aproveitando um ensaio de sua autoria sobre a vertente metapoética
     do grande poeta pernambucano, tornado célebre pela encenação de
     sua obra Morte e Vida Severina e de uma produção poética muito pes-
     soal já consagrada em termos internacionais.
7.   Joaquim Cardoso, poeta pernambucano e engenheiro (responsável
     pelos cálculos das edificações de Oscar Niemeyer no período JK), é outra
     figura de reconhecimento sem fronteiras, em análise competente da Drª
     Sylvia Cyntrão, do Departamento de Teoria Literária da Universidade de
     Brasília.
8.   José Godoy Garcia, o polêmico poeta goiano radicado em Brasília, fale-
     cido recentemente, mereceu uma homenagem do poeta Salomão Sousa,
     estudioso de sua obra engajada e crítica em questões políticas e cultu-
     rais.
9.   Carlos Vogt, poeta paulista com notável trajetória acadêmica e admi-
     nistrativa (como reitor da Unicamp e diretor da Fapesp), poeta com obra
     vasta e conhecida, mereceu um estudo da Drª Marisa Lajolo, vinda espe-
     cialmente de São Paulo, com o patrocínio da Fundação Conrado Wessel
     para apresentar o autor.

         A leitura dos poemas foi feita por atores e poetas locais: Angélica Tor-
     res, Antonio Miranda, Iris Soares, João Carlos Taveira, Julianny Mucury, Sa-
     lomão Sousa e Cláucia Oliveira.
         Os tributos inauguraram o Auditório da Biblioteca Nacional de Brasília e
     plantaram uma tradição de atos culturais que logo deu lugar a uma diver-
     sidade de outras atividades por parte da própria Biblioteca e por entidades
     locais ligadas a diferentes esferas e segmentos sociais – mulheres, negros,
     direitos humanos, inclusão digital, literatura, ciência e arte em geral. O pre-
     sente livro também planta a linha editorial da Biblioteca Nacional de Brasília,
     como primeira publicação da casa, com o auspicioso signo da poesia e no
     âmbito da I Bienal Internacional de Poesia de Brasília, outra instituição que
     se pretende plantar raízes na vida cultural da cidade e do país.


                                                              Antonio Miranda
                                                    Biblioteca Nacional de Brasília



                                                                    Introdução
                                                                                 17
Organizador do Recital –
                Conferência
Aragão Júnior




                José Jeronymo Rivera, nascido no Rio de Janeiro é poeta e tradutor e está em Brasília
                desde 1961. Colaborou, entre outros, nos periódicos Literatura, de Brasília, Revista de Poesia
                e Crítica, de São Paulo, SP, Revista da Academia Brasiliense de Letras, Brasília, e Boletim da
                ANE, Brasília (diversos números). Participou das antologias Alma Gentil (Ed. Códice, Brasília,
                1994) e Caliandra (André Quicé, Brasília, 1995). Publicou os livros Poesia Francesa: Pequena
                Antologia Bilíngüe (Thesaurus, Brasília, 1998; 2ª ed., 2005); Cidades Tentaculares, de Émile
                Verhaeren (Thesaurus, Brasília, 1999); Poetas do Século de Ouro Espanhol (tradução, em
                colaboração, Embaixada da Espanha no Brasil/Thesaurus, Brasília, 2000); Rimas, de Gustavo
                Adolfo Bécquer (tradução, Emb. da Espanha/Thesaurus, Brasília, 2001); Poetas Portugueses
                y Brasileños: del Simbolismo al Modernismo (tradução, em colaboração, Instituto Camões/
                Emb. de Portugal em Buenos Aires, 2002); Victor Hugo: Dois Séculos de Poesia (tradução,
                em colaboração, Thesaurus, Brasília, 2002); O Sátiro e Outros Poemas, de Victor Hugo (tra-
                dução, em colaboração, Galo Branco, Rio de Janeiro, 2002) e Gaspard de la Nuit, de Aloysius
                Bertrand (FAC, Secretaria de Cultura do DF/Thesaurus, 2003) e Antologia Pessoal de Rodolfo
                Alonso (tradução, em colaboração, Thesaurus, Brasília, 2003). Recebeu os prêmios Joaquim
                Norberto de Tradução – 2001, da União Brasileira de Escritores-RJ, por Poetas do Século de
                Ouro Espanhol, e Cecília Meireles de Tradução – 2002, também da UBE-RJ, por Rimas, de
                Gustavo Adolfo Bécquer.



                      Biblioteca Nacional de Brasília
                 18   Tributo ao Poeta
Perfil Humano e Poético
de Anderson Braga Horta
José Jeronymo Rivera




                                                                                                  Aragão Júnior
    Honrado com o convite do ilustre Diretor da Biblioteca Nacional de Brasília, o escritor e
amigo Antonio Miranda, para fazer a saudação ao Poeta Anderson Braga Horta na merecida
homenagem que hoje lhe é prestada nesta Casa, deparei-me de início com dois aspectos
da tarefa que me era confiada. Por um lado, o fato de ser a obra do homenageado bastante
familiar aos interessados em literatura em nossa cidade e no País, graças à reconhecida
qualidade de seus escritos, comprovada pelos inúmeros prêmios que lhe foram atribuídos
ao longo de sua carreira de escritor; por outro, à circunstância de não poder escapar ao risco
de, nesta apresentação, não poder deixar de repetir válidas apreciações de intelectuais de
reconhecida competência – maior que a minha, modesto poeta menor e tradutor – sobre
o trabalho desse dedicado cultor das belas letras que é o poeta, contista, crítico, ensaísta,
algumas vezes teatrólogo e humanista sempre, Anderson Braga Horta.
    Acompanho o desenvolver da criatividade poética de nosso homenageado desde os
tempos em que fomos colegas no saudoso Colégio Leopoldinense, nos primeiros anos da
década de 1950, quando participamos com amigos, como nós escritores incipientes, do
grêmio literário daquele educandário, e ainda realizamos vários programas na rádio local
apresentando grandes poetas brasileiros de nossa afeição. E no pequeno jornal escolar a
nós confiado – O Três de Junho – publicou Anderson alguns de seus primeiros trabalhos
poéticos. É dessa época o belo – e, por que não dizer?, claramente romântico – Noturno,
datado de Leopoldina, 1951, e até hoje inédito em livro, que tenho o prazer – talvez em
primeira mão – de mostrar aos amigos:


                                                                 Perfil Humano e Poético de
                                                                        Anderson Braga Horta 19
NOTURNO

           Vai-se esconder o Sol, à tarde, no horizonte.
           A noite faz surgir de uma insondável fonte
           as brancas florações de estrelas lá no céu.
           As trevas vêm cobrir a terra adormecida,
           e os vaga-lumes no ar –meteoros em corrida–
           piscam loucos, voando, em mágico escarcéu.

           Vê como a Lua espreita os ternos namorados!
           Olha como o luar escorre nos telhados
           e corre a mergulhar no lago dos teus olhos!
           Não ouves da palmeira o farfalhar queixoso?
           Silêncio tudo mais… solidão e repouso…
           e os astros a brilhar, quais eternos in-fólios,

           onde se lê o amor e se percebe a vida!
           Vem contemplar o céu, junto de mim, querida,
           na quietude da noite estranha e misteriosa.
           Não ouviste no bosque a brisa que passava,
           trazendo as mil canções que o mar lhe segredava?
           São murmúrios de amor… e a noite é tão formosa…

           Aconchega-te a mim. Deixa-me em teu regaço
           dormir, sob o luar… Nos teus braços me enlaço,
           mais macios, meu bem, que a mais sedosa alfombra!…
           Mergulho em teu olhar meus olhos ansiosos…
           Sussurra a brisa ainda uns gemidos saudosos…
           Teus traços, pouco a pouco, esvaem-se na sombra…

           Mas, não! já no horizonte o sol vai clareando!
           Somente, lá no azul, piscam de quando em quando
           alguns astros que vão sumindo lentamente…
           A madrugada surge, esplendorosa e bela,
           e as luzes da manhã, batendo na janela,
           a estrela do meu sonho ofuscam de repente!…




     Biblioteca Nacional de Brasília
20   Tributo ao Poeta
Já residindo no Rio de Janeiro, onde completou o curso de direito, continuou Anderson a
publicar seus poemas, alguns dos quais em revistas e jornais, vindo a receber prêmios como
o Olavo Bilac, em 1964, da então Guanabara, merecendo no Parecer de Carlos Drummond
de Andrade, que integrava o júri ao lado de Manuel Bandeira e outros, as seguintes palavras
sobre Altiplano e Outros Poemas:

   “Quer no longo poema sobre a fundação de Brasília, que abre o livro, quer no conjunto
do volume, registra-se uma intensidade de expressão que afirma a personalidade do poeta
… É uma poesia enérgica, de poderosa carga emocional, e trabalhada com bastante apuro
técnico.”

    Enquanto Joanyr de Oliveira, em março de 1965, escrevia no Correio Braziliense
que “Anderson Braga Horta construiu, com ‘Altiplano’, o magno poema da Capital da
Esperança”.
    Na Apresentação dessa primeira obra editada por Anderson, já em Brasília, em 1971,
dizia o saudoso Almeida Fischer:

    “Altiplano e Outros Poemas assinala a estréia em livro de um dos melhores poetas jovens
do Brasil, ganhador de vários prêmios literários de âmbito nacional e com trabalhos incluídos
em várias antologias …. Seus versos, construídos com absoluta correção formal, trazem em
si poderosa carga poética, que se transmite de imediato e por inteiro a quem os lê. E vale a
pena lê-los, pois são dos mais belos da literatura brasileira de nossos dias.”

   E ainda no Jornal de Letras, no mesmo ano, reiterava Fischer:

    “É livro de estréia de poeta adulto e experiente, que conhece bem os segredos de seu
ofício. Tão bem, que recria a vida, em suas manifestações mais simples e até pouco poéticas,
transformando tudo, com seu poder artístico, em poesia da mais autêntica.”

   Continuando a percorrer a vasta fortuna crítica de nosso poeta, vejamos o que em
Poetas Novos do Brasil, de Walmir Ayala, 1969, afirma Afonso Félix de Sousa:

    “… na poesia de Anderson Braga Horta deparamos com a necessidade de comunicar-se
alguma coisa, o gosto pelas soluções formais e a ênfase emprestada ao lado inventivo da
criação, sem que contudo nela predomine qualquer dessas tendências. Já pelos títulos da
presente coletânea (Eu, o Homem) e do seu livro anunciado (Exercícios de Homem), bem
como por boa parte dos poemas aqui inseridos, verificamos ter o poeta em mira a problemática
humana, quer em seus aspectos puramente individuais, quer nas manifestações coletivas.
Essa preocupação fundamental da sua poesia, Anderson Braga Horta procura transmiti-la
sem inibições ou preconceitos às vezes esterilizantes. Se a sua meta é o humano, tem ele
consciência de que não é possível atingi-la por meio de puras e simples viagens em torno de
si mesmo, nem com a redução dos problemas e mistérios do ser a ocos exercícios retóricos,
mas sim mediante a colocação do próprio eu como partícula e projeção de um todo em
progresso: ‘Uno e múltiplo, / solidário e solitário, respiro / pó e treva. E esperança’.”

   Em seu importante Escritores Brasileiros ao Vivo, v. l, 1979, escreve Danilo Gomes:



                                                                Perfil Humano e Poético de
                                                                       Anderson Braga Horta 21
“Um dos melhores – e mais premiados – poetas de sua geração, Anderson Braga
Horta teve seu primeiro contato profundo com a poesia quando, ali pela volta de suas
casemireanas oito primaveras, defrontou-se com ‘O Pequenino Morto’, página antológica
de Vicente de Carvalho. A leitura daquele drama (a que poucos escaparam no ginásio,
inclusive eu) deixou-lhe penosa impressão, dessas que estigmatizam pelo resto da
vida. Já aos quinze anos, sob o influxo do condoreiro Castro Alves, começou a escrever.
Influenciaram-no todos os românticos. E alguns clássicos, o venerando Camões à frente,
com seu olho vazado na guerra e suas ninfas do Tejo. Não escapou à magia verbal de Bilac,
Alphonsus de Guimaraens (seu belo poema “Cantilena” é deliciosamente alphonsiano),
Cruz e Sousa. Depois, o impacto de Drummond, Bandeira, João Cabral, Fernando Pessoa
– esse primeiro time.”

    E quero acrescentar a esses depoimentos o do também poeta Antonio Miranda, que em
“A Tese de Edgar Morin e a Poesia Exemplar de Anderson Braga Horta” afirma:

   “A poesia de Anderson Braga Horta fica no ponto de transição humanista-redentorista,
que acredita na superação do homem, na salvação e em certo determinismo que nos leva
sempre ao progresso (garantido pela evolução histórica) e, em sentido contrário, conforme
a assertiva moriniana, levanta a questão da impossibilidade de qualquer progresso,
numa aventura incerta, e também à certeza de que toda conquista é efêmera e requer
reconstruções infinitas, avanços e recuos, riscos constantes.”

    Em 1976, publicava Anderson pelo Clube de Poesia de Brasília o livro Marvário, reunindo
poemas escritos entre 1957 e 1963. Sobre esse trabalho, dizia o autor nas abas do livro que
este “abriga desde poemas arrastados por um tradicionalismo que está na base da formação
do autor – ‘Cantilena’ ou o soneto-de-efeito ‘A Prostituta do Cais’, por exemplo – até o ludismo
contemporâneo de ‘(A)mar(o)’; desde a preocupação social do último fragmento de ‘Marvário’
até a gratuidade das ‘Canções’. Alguma coisa há, porém, ligando essas ilhas poemáticas,
não escalonadas cronologicamente ou de modo a refletir um processo evolutivo; a vaga
marinha (ou fluvial, ou pluvial, ou lacustre) que lhes banha as praias, e que as impregna. E não
apenas do mar-oceano, ou do mar-lirismo, senão também das águas místico-metafísicas,
onipresentes. Assim como o mar, vário é o poeta, entretanto uno.”

      Sobre este segundo livro de Anderson, assim se manifestou Waldemar Lopes:

     “Trata-se, com efeito, de um poeta integrado nas responsabilidades de seu ofício, atento
à importância dos sortilégios verbais, e preocupado, como todo artista consciente, em
aperfeiçoar o domínio de seus instrumentos de criação – no caso, a palavra. Daí resulta o
traço fundamental da poética de Anderson Braga Horta, bem evidenciada nas três partes
de que se compõe Marvário: a fusão bastante clara de elementos emocionais e intelectuais,
com o predomínio ora de uns ora de outros, sem que o autor deixe de exercer constante
vigilância sobre o produto final – em termos de expressão estética – do pensamento ou do
sentimento.”

   No ano seguinte, 1977, sob co-patrocínio do Instituto Nacional do Livro do então MEC,
era editada a terceira obra de nosso Poeta, com o sugestivo título Incomunicação. Na
Apresentação do livro, assinalava o escritor Alan Viggiano que


       Biblioteca Nacional de Brasília
 22    Tributo ao Poeta
“… nem o mar … nem o lúdico e a exuberante natureza … deixam de estar presentes em
Incomunicação, como elementos de equilíbrio poético e de atenuação da possível aspereza
que o título sugere. Esta é uma face um tanto sombria, algo tristonha e angustiosa, porém
jamais pessimista e sempre lírica.”

   Como exemplo desse lirismo, transcrevia Alan o belo poema “Olhos” (aliás, também de
minha especial predileção):

           De repente descubro
           a lavada beleza de teus olhos.
               Entre mim e o sono
               trazes um sol nos lábios
               e nos seios Vênus.)
           Teus olhos são como céus que choveram.
    E em sua habitual lucidez, escreveria mais tarde Almeida Fischer (in: “Dois Poetas e seus
Caminhos”, Correio do Povo, 9-9-78; Suplemento Literário do Minas Gerais, 9-9-78; Jornal de
Piracicaba, 24-9-78; e O Áspero Ofício, 4.ª série, 1980):

   “Incomunicação reúne poemas quase sempre enfocando o homem só, ante si mesmo,
remoendo seus problemas, suas angústias, seus desencontros, seus descaminhos e
desencantos. No fundo, está o problema da solidão do ser humano …. Também reflexiva
e de fundo por vezes místico, a poesia de Anderson Braga Horta se constrói com grande
apuro técnico, em que se destaca boa inventiva imagística elaborada sobre valores verbais
de muita expressividade conotativa. Apesar do título do livro, os poemas de Incomunicação
comunicam quase sempre o sentimento e a mensagem do autor.”

   Na Apresentação de Exercícios de Homem, publicado em 1978 e ganhador do Prêmio
Alphonsus de Guimaraens da Academia Mineira de Letras, dizia a grande poetisa e tradutora
Henriqueta Lisboa:

    “… Itinerário bem planejado, bem articulado e bem construído, num todo harmônico e
severo, de linhas e formas que se procuram e se sustentam estruturalmente, partindo de
uma razão profunda para uma expressão poética paradoxal e conflitiva. Os problemas do
indivíduo, em ampliação, alcançam a área da problemática social, com muita felicidade em
certos poemas, como ‘A Engrenagem’, e agressividade em outros, como ‘Apartheid (Suláfrica)’
e ‘Os Espantalhos’. Os conceitos do Autor encontram forma adequada, indiretamente, numa
linguagem analógica de sons, ritmos e metáforas de intensa vibração – testemunho de
sua força imaginativa. Enquanto o texto se afirma como expressão do humano, prevalece a
palavra como valor essencial do poético.”

    O que era ratificado por Fritz Teixeira de Salles, ao afirmar que
    “… importa assinalar neste trabalho a identificação entre a consciência social e a
consciência estética. Isto é, Exercícios de Homem estrutura-se segundo um recorte
esteticamente elevado a serviço dos grandes temas da nossa hora.” (Encontros com a
Civilização Brasileira, abr.-79.)”


                                                                Perfil Humano e Poético de
                                                                       Anderson Braga Horta 23
Em 1981, na apresentação do poeta em Horas Vagas 2, organizado por Joanyr de Oliveira,
tive ocasião de observar:

    “Livros como Altiplano e outros Poemas, Marvário, Incomunicação e Exercícios de
Homem, entre os já publicados integralmente, e, ainda, vários outros inéditos, estão aí como
testemunhos de um trabalho intelectual de rara homogeneidade, de uma feliz combinação
de talento e inspiração, em que a procura da melhor solução lingüística ressalta a expressão
do interesse pelo Homem como ser criado, mas também (re)criador do Mundo, que é, se
assim podemos afirmar, o verdadeiro ‘leitmotiv’ da poética de ABH. Trazido ao leitor naquela
linguagem eficiente, porque clara e precisa, da modelar lição de Pound.”

     Finalmente, em seu importante estudo À Sombra de Orfeu, de 1984, escreveu o poeta,
crítico e tradutor Ivan Junqueira:

    “Nos Exercícios de Homem, Braga Horta revela uma pujança e uma criatividade dignas de
todos os possíveis encômios. Todas as artimanhas da arte poética e segredos da poesia parecem
estar sob o jugo de sua mão habílima e versátil. Trata-se de um livro de funda e pertinaz reflexão,
de graves acentos bíblicos, crivado de fantasmagorias e augúrios, vazado numa linguagem de
absoluta limpidez e plasticidade, de uma riquíssima e insólita imagérie, de inumeráveis inventos e
engenhos e, enfim, de um ímpeto contestatório cuja frontal contundência política raramente se
vê até mesmo em nossos mais contumazes poetas engagés.”

   Em 1983, foi publicado Cronoscópio, sob a égide do INL e da Fundação Nacional Pró-
Memória. Sobre este livro, que recebera em 1969, em sua primeira versão, o Prêmio Fernando
Chinaglia da UBE, escreveu José Hélder de Souza, em artigo no Correio Braziliense:

   “… neste Cronoscópio, como nos livros anteriores, perpassa uma funda preocupação
com o destino do homem, uma preocupada lamentação das injustiças do nosso mundo.
Neste como nos demais, encontramos sentidos poemas como ‘Cabeça e Corpo’ em que
o poeta, numa linguagem exata e limpa de demagogia, condói-se com o sacrifício político
de Kennedy, Luther King e Lincoln, pelas forças anti-homem da ‘negra noite americana’, a
mesma noite a propagar-se pelo mundo, como se sente no ‘Rimance dos Inocentes’ ou no
poema em que faz exercícios de poesia concreta, ‘Notícia’ – em que noticia os conflitos do
mundo moderno e acaba por concluir que ‘o homem está sendo assassinado no útero’.”

    Por sua vez, José Roberto de Almeida Pinto, em sua Poesia de Brasília: Duas Tendências,
dissertação de mestrado, UnB, 1983; ed. Thesaurus, 2002, afirmava que

    “Do ponto de vista da publicação em livro, Anderson Braga Horta é, dentre os autores da
‘poesia culta’, o mais ligado a Brasília e talvez o único ao qual se pode atribuir a qualificação
de poeta essencialmente brasiliense.”

   Em 1984, veio à luz, com Estudo Introdutório de Antonio Roberval Miketen, O Cordeiro e a
Nuvem, sobre o qual assim se manifestou o crítico Reynaldo Bairão, no Jornal de Letras, jan. 85:

   “Esta antologia poética – O Cordeiro e a Nuvem – Thesaurus, Brasília, 1984 –, agora
oportunamente publicada, vem comprovar que seu autor já tem uma obra respeitável e


      Biblioteca Nacional de Brasília
 24   Tributo ao Poeta
das mais importantes de sua geração. Também em Anderson Braga Horta nós sentimos a
influência de outros poetas, como por exemplo a presença de Carlos Drummond de Andrade
– no bom sentido – nesse magnífico poema ‘Didática’, à página 51. … Aliás, há igualmente
nos seis poemas de ‘Didática’ um fazer literário que lembra o melhor Fernando Pessoa /
Ricardo Reis das Odes.

   No mesmo ano de 1984, em seu discurso de recepção ao nosso poeta na Academia
Brasiliense de Letras, dizia o escritor H. Dobal:

    “Anderson é o cantor de Brasília, é o cantor do altiplano, e somente a sua profunda
identificação com esses espaços abertos, com esta cidade que repousa leve na sua
pesada geometria, poderia levá-lo à fixação poética de um momento inesquecível,
uma sensação que eventualmente domina a todos nós aqui, talvez devido a esta
amplidão e, em certas épocas do ano, à extrema secura destes ares; uma sensação
de homem-asa, de liberdade no vôo, de ser aéreo mas ao mesmo tempo contingente
e inútil. … um poeta, que nos faz escutar o apelo das auroras, que nos leva a tatear as
paredes do tempo, conscientes da passagem de infinitos minutos, sabendo que a vida
é uma labuta desigual mas jamais é indiferente, que mesmo no castigo dos verões
nos resta a promessa do refrigério das chuvas, que há sempre a certeza de que não
estamos sozinhos nesta cidade na expectativa dos acontecimentos, mas fortalecidos
na solidariedade da esperança de um tempo mais alto, um tempo claro e simples, um
tempo sem detritos.”

    Continuando a percorrer, com a progressão de seus livros, a trajetória da poesia publicada
de Anderson Braga Horta, temos em 1990 o advento de O Pássaro no Aquário, em que
encontramos, além de verdadeiras obras-primas como “Elegia de Varna” e “O Aleijadinho”,
este belo instantâneo:

           ARCO-ÍRIS

           A chuva
           o áureo espectro do Sol nos dedos quebra.

   Sobre o novo trabalho de Anderson, ressaltava Fernando Py, no Diário de Petrópolis:

    “Neste O Pássaro no Aquário, Horta apresenta um conjunto de poemas em geral versando
sobre questões existenciais, e que indagam de si mesmo como poeta e como ser humano.
Tais indagações se espalham pelo livro, assumindo às vezes conotações de angústia (não por
acaso uma das partes do volume se chama precisamente ‘Da humana angústia’). A poesia
de Anderson Braga Horta tem alcançado ultimamente uma expressão madura e o domínio
técnico-verbal que o colocam como um dos melhores poetas brasileiros do momento.”

   Em 1999, o escritor pernambucano Edson Guedes de Morais, em sua Editora Guararapes-
EGM, homenageou o 65º aniversário de Anderson com a bela edição artesanal de Sonetos
na Corda de Sol. Comentando o livro na Tribuna da Imprensa do Rio de Janeiro, escreveu o
acadêmico Antonio Olinto:


                                                                 Perfil Humano e Poético de
                                                                        Anderson Braga Horta 25
“É mister que se inclua o nome de Anderson Braga Horta na lista dos grandes poetas
deste País. Seu verso tem ecos longínquos, mas brota de um período de transe, quando um
milênio se desfaz e as coisas se modificam.”

    Cabendo-me a honra da Apresentação da obra, tive ocasião de me referir ao belíssimo
“Soneto Antigo”, datado de 1961 e publicado cerca de dez vezes em jornal, antologia e
revista, expressando que “nele, com sua mestria habitual, consegue Anderson Braga Horta
deliciar-nos, seja pela riqueza das imagens, seja pelo absoluto domínio do fazer poético.” E
por esse e outros motivos concluí afirmando que “a leitura destes ‘Sonetos na Corda de Sol’
nos permite considerar seu autor um digno continuador, em nosso tempo – infelizmente
tão pobre em lirismo –, de poetas da estatura de um Camões.”

      E já que falei no “Soneto Antigo”, não resisto à tentação de recordá-lo aos caros amigos:


              Tanto, tanto de amor me eu tenho dado,
              hei-me em tantas fogueiras consumido,
              que fora de esperar no peito ardido
              nada me houvera de ilusão sobrado.

              Porém quanto mais sonhos hei nutrido
              deste manancial inesgotado,
              mais o tenho, no peito, avolumado:
              que mais forte é amor, se dividido.

              E se o destino tenho marinheiro,
              volúvel me não chamem, ou perjuro:
              que do amor sou apenas passageiro,

              em porto inda o mais doce, não aturo,
              e no mesmo travor do derradeiro
              já prelibando estou o amor futuro.
    Em janeiro de 2000 – embora só tenha aparecido algum tempo depois –, foi publicado
pela Barcarola de São Paulo, em nova coleção anunciada por Gilberto Mendonça Teles, um
pequeno volume de poemas de Anderson, intitulado Pulso, – sobre o qual, curiosamente, o
autor nos declarava, em particular, serem os poemas da aposentadoria – e que foi comentado
por Fernando Py, na Tribuna de Petrópolis, com as seguintes palavras:

    “Poeta dos melhores em sua geração, Anderson mostra sobejamente neste Pulso todas
as suas qualidades. Nos dois poemas iniciais (‘Indagações’, p. 9, e ‘Poética’, p. 11) questiona
o nascimento da poesia e propõe um texto que seja produto direto do inconsciente (‘deixa
que a mão escreva’, verso que se repete com insistência até o final do poema). Isto indica
naturalmente uma forma de encarar a poesia e como realizar um texto poético. … E seu


        Biblioteca Nacional de Brasília
 26     Tributo ao Poeta
virtuosismo chega ao auge da recriação poética nas duas versões que faz da tradução do
poema ‘A Ballade of Dreamland’, do poeta inglês Algernon Charles Swinburne (com o título
de ‘Balada do país do sonho’, pp. 90 e 92).”

   No final de seu Estudo Introdutório, intitulado “O Verbo, o Belo e a Condição Humana”,
ao belo e artesanal Quarteto Arcaico, em edição da Guararapes, ainda em 2000, afirmava o
poeta João Carlos Taveira:

   “Com este livro, ponto de altíssimo nível de iluminação da obra de Anderson Braga Horta,
por representar, dentro de sua criação artística, um mergulho dos mais felizes nas fontes
da poesia brasileira, tenho motivos de sobra para vaticinar a consagração de uma vocação
humanista, sempre voltada poeticamente para os reais valores do Homem, na construção
de um mundo mais justo, mais generoso e mais fraterno.”

    Em setembro do mesmo ano de 2000, singularizado pela circunstância de ser o último
do segundo milênio de nossa era (para alguns é o primeiro… mas se lembrarmos que não
houve ano zero…), surgia aquele que pode ser considerado a súmula do fazer poético de
nosso homenageado, não por acaso comemorando o cinqüentenário de sua dedicação às
musas: o livro Fragmentos da Paixão, em que Anderson oferecia ao grande público seus
versos reunidos, incluindo os inéditos “Poemas Escritos com Raiva” e o “Auto das Trevas”,
este um poema dramático escrito em 1997 e premiado pela Fundação Catarinense de
Cultura. Nas dobras do livro, comentando a extensa produção do autor, pontificava José
Santiago Naud:

     “Na fértil poética brasileira, de norte a sul e de leste a oeste, são inumeráveis os nomes
que já escreveram palavras definitivas. No entanto, ninguém terá um direito maior do que
Anderson Braga Horta para honrar a derradeira afirmativa de Hölderlin: ‘Was bleibet aber,
stiften die Dichter’. Mas o que permanece, fundam os poetas.”

   E em O Escritor – Jornal da UBE, SP, 2001, concordava Samuel Penido:

    “Fragmentos da Paixão traz-nos a obra de um poeta que nasceu maduro; a obra de um
poeta que soube renovar-se através do tempo. Renovação que não se deu por acaso, mas
à custa de muita ‘luta com a palavra’, de muito rigor técnico. Seu texto está recheado de
alusões, de achados formais, que lembram os grandes mestres da poesia; apenas lembram,
pois o que prepondera sempre é sua criatividade: uma idéia a gerar outra, ou a descoberta
de uma nova solução expressional.”

   Confirmando o entendimento desses e de muitos outros críticos e ensaístas que se
debruçaram sobre a obra de Anderson, deu Fragmentos da Paixão ao autor o Prêmio Jabuti
de 2001, na categoria “Poesia”, conferido pela Câmara Brasileira do Livro, trazendo-lhe o
merecido reconhecimento pela excepcional qualidade de sua já longa escalada poética.

   Já no ano de 2001, saía pela Thesaurus de Brasília a Antologia Pessoal de nosso
homenageado, em cujo intróito, intitulado “O autor por ele mesmo”, Anderson nos oferece
uma verdadeira profissão de fé na literatura, ao falar de sua vida e de suas influências, e do
qual selecionei o seguinte e expressivo parágrafo:


                                                                  Perfil Humano e Poético de
                                                                         Anderson Braga Horta 27
“Penso que o poeta não pode deixar de se assenhorear das técnicas do verso, embora
a técnica, obviamente, não seja tudo. Que ao escritor compete extrair do potencial de
sua língua toda a cintilação que possa, dignificando-a sempre. Que escrever é atividade
intelectual, sim; mas não se esgota no âmbito do intelecto; que o poeta há de comover-
se e comover, sim; mas não se há de entregar, ingenuamente, à emoção desassistida da
inteligência, porque a emoção, por si só, não é ainda arte, não é ainda poesia. Que a esse
amálgama de pensamento, emoção, sentimento que é o poema não se deve tolher o voltar-
se para a sorte do homem no espaço e no tempo, seja do ponto de vista filosófico, seja do
social; pois à poesia, arte da palavra, interessa necessariamente tudo o que de humano
se possa representar nela. E que, portanto, a arte do poeta há de ser mais complexa, mais
completa, mais abrangente e mais profunda do que tendem a fazê-la os jogos – algumas
vezes brilhantes – a que pretendem reduzi-la correntes revolucionárias.”

   Chegamos assim a 2003, quando, em seguimento à divulgação dos trabalhos poéticos
de Anderson, saíram, pela Edições Galo Branco do Rio de Janeiro, os 50 Poemas Escolhidos
pelo Autor, coroando, de certa forma, uma trajetória de mais de trinta anos de publicação de
sua poesia, no expressivo total de treze livros-solo.

   E quero lembrar neste ponto a freqüente participação de Anderson, a convite de seus
organizadores, em muitas antologias de poesia publicadas no Brasil e no exterior, entre as
quais podem ser citadas A Novíssima Poesia Brasileira e Poetas Novos do Brasil, de Walmir
Ayala, Rio de Janeiro, 1962 e 1969; Poetas de Brasília e Antologia dos Poetas de Brasília, de
Joanyr de Oliveira, Brasília, 1962 e 1971; Em Canto Cerrado, de Salomão Sousa, Brasília, 1979;
Brasília na Poesia Brasileira, também de Joanyr de Oliveira, RJ/Brasília, 1982; Alma Gentil:
Novos Poemas de Amor, de Nilto Maciel, Brasília, 1994; Caliandra, de Alan Viggiano, Brasília,
1995; Sincretismo, de Pedro Lyra, RJ, 1995; Pedras de Toque da Poesia Brasileira, de José Lino
Grünewald, RJ, 1996; Solo para Quinze Vozes, em tradução de Rumen Stoyanov, Sófia, 1996;
A Poesia Mineira no Século XX, de Assis Brasil, RJ, 1998; Vozes na Paisagem, de Waldir Ribeiro
do Val, RJ, 2005; Antologia Comentada da Literatura Brasileira: Poesia e Prosa, de diversos
autores, Petrópolis, 2006, e Poesia Brasileira Contemporânea, tradução para o búlgaro de R.
Stoyanov, Bulgária, 2006.

    É mister, a esta altura, abordar a importante contribuição de nosso autor na difícil mas
recompensadora esfera da tradução poética, em que tem-se revelado, na opinião dos mais
respeitados críticos, em que pese sua modéstia habitual, um verdadeiro mestre. Assim é que
ainda naquele prolífico ano de 2000 veio à luz, sob a égide da Embaixada da Espanha no
Brasil, e em edição bilíngüe, a coletânea Poetas do Século de Ouro Espanhol, de que tive a
honra de participar, ao lado de Anderson Braga Horta e do saudoso poeta e querido amigo
Fernando Mendes Vianna. Precedida de percuciente estudo de Manuel Morillo Caballero
sobre aquele importante período da literatura ibérica, ressaltam nesse trabalho, que inclui
nada menos de 45 poetas espanhóis e até portugueses como Camões, as competentes
traduções de Anderson, como na difícil e extensíssima versão da “Fábula de Polifemo y
Galatea” por Anderson e Fernando – com toda justiça, um verdadeiro tour de force.

   Em 2002, quando se comemorava o bicentenário do grande Victor Hugo, novamente se
congregou aquele trio de tradutores para, de início, preparar um pequeno livro com o qual
o dedicado editor Victor Alegria, da Thesaurus de Brasília, homenageou aquela efeméride: e


      Biblioteca Nacional de Brasília
 28   Tributo ao Poeta
assim surgiu Victor Hugo – Dois Séculos de Poesia, que, apesar de sua modéstia, mereceu
ser honrosamente citado na recém-publicada Uma História da Poesia Brasileira, do poeta e
crítico Alexei Bueno. Em seguida, agora sob o selo das Edições Galo Branco, do Rio de Janeiro,
apresentamos a coletânea O Sátiro e Outros Poemas, precedida por um bem fundamentado
estudo de Fernando Mendes Vianna sobre Victor Hugo.

    Ainda no campo da tradução de poesia, tive também o prazer de participar, no mesmo
ano de 2002, ao lado de Anderson e outros companheiros poetas e tradutores, da elaboração
da Antologia Poetas Portugueses y Brasileños – De los Simbolistas a los Modernistas, em
edição bilíngüe em português e espanhol organizada e apresentada pelo pranteado poeta
José Augusto Seabra, então embaixador de seu país na Argentina, e por nós lançada naquele
ano na capital platina.

   Mais adiante, em 2003, nosso homenageado, Seabra e eu tivemos ensejo de verter
para o português os poemas que compõem a Antologia Pessoal do poeta e tradutor
argentino Rodolfo Alonso, também editada, como a anterior, pela Thesaurus de Brasília;
a esta se seguiu, no mesmo ano, a tradução dos 25 Sonetos Descaradamente Eróticos,
do conselheiro da Embaixada de Espanha José Antonio Pérez-Montoro, de que participei
novamente com Anderson.

   Em 2006, sob os auspícios da Asociación de Agregados Culturales Iberoamericanos, apoio
do Governo de Mato Grosso e organização de Pavel Égüez, saiu a Antologia Poética Ibero-
Americana, em que novamente colaborava com Braga Horta e Fernando, em trabalho realizado
cerca de oito anos antes – e que infelizmente só veio à luz após o passamento do autor de
Marinheiro em Terra –, na tradução de sessenta e seis poemas de vinte e dois poetas.

     Mas, além de exímio poeta e tradutor de poesia, Anderson Braga Horta, que com razão
foi definido como um escritor multifacetado, já vinha de muito antes dando mostras de seu
talento em outros campos literários, como o do conto, da crônica, do ensaio e da própria
crítica literária. Disso dá mostras sua participação, entre outras, em diversas antologias,
como Contistas de Brasília, de 1965, organizada por Almeida Fischer; O Horizonte e as Setas,
de 1967, e Horas Vagas, de 1981; e ainda neste último, ao apresentar nosso autor como
praticante do gênero, tive ocasião de acentuar que “… será o campo da estória curta o
menos freqüentado pelo escritor ABH, também muitas vezes crítico e ensaísta”. E continuava
acentuando que “ … razões várias poderiam ser apontadas para o fato, desde a maior afeição
e constância na dedicação à forma poética, seja em versos clássicos ou modernos, brancos
ou rimados, metrificados ou livres, até, quem sabe, remontando à juventude do poeta, a
fidelidade aos primeiros impulsos, quando a inspiração de Anderson encontrava nos sonetos
e poemas curtos a forma ideal”.

   Em 1980, contribuiu Anderson em O Conto Candango, organizado por Salomão Sousa;
em 1988, está presente em Contos Correntes, de Napoleão Valadares, em conjunto com
outros companheiros da Associação Nacional de Escritores, de Brasília; em 1997, temo-lo
em O Prazer da Leitura, de Jacinto Guerra; e em 2004 e 2006 participa, respectivamente, da
Antologia do Conto Brasiliense e de Todas as Gerações: o Conto Brasiliense Contemporâneo,
ambos preparados por Ronaldo Cagiano.



                                                                 Perfil Humano e Poético de
                                                                        Anderson Braga Horta 29
Também como ensaísta tem nosso poeta dado mostras de seu talento polimorfo, como
o atestam seus trabalhos Erotismo e Poesia, Brasília, 1994, e A Aventura Espiritual de Álvares
de Azevedo, Brasília, 2002, entre outros; enquanto no campo da crônica está presente, por
exemplo, em Cronistas de Brasília, de Aglaia Souza, Brasília, 1995.

    Mas foi nas páginas de Sob o Signo da Poesia: Literatura em Brasília, 2003, que Anderson
Braga Horta veio a recolher, como informa no Preâmbulo, trabalhos escritos ao longo de 37
anos, compreendendo prefácios e orelhas de livros, ensaios, discursos acadêmicos, artigos,
resenhas e crônicas saídos em diversos periódicos (e algumas das últimas divulgadas pela
Rádio MEC da capital), em que descortina um vasto panorama da literatura da nova capital,
como descreve no texto “Notícia de Poesia em Brasília”, com que abre o livro de mais de 500
páginas. Ao comentar essa obra, escreveu Ronaldo Cagiano, em O Escritor, 2004:

    “Ao reunir em Sob o Signo da Poesia sua apreciação crítica sobre a produção poética
no Distrito Federal, Anderson Braga Horta deixa a marca significativa de um consciencioso
estudo literário, coligindo não só as observações de um poeta e de um crítico, deixando um
referencial importantíssimo para leitores, escritores e interessados em pesquisar a literatura
de boa qualidade produzida na capital do país.”

    A propósito deste livro, comenta Luiz Carlos Guimarães da Costa, em sua valiosa História
da Literatura Brasiliense, de 2005:

     “… O mais profícuo, assíduo e presente escritor da literatura de Brasília, ao organizar e publicar
esta obra, fê-lo na certeza da magnitude da importância que o testemunho de seu trabalho tem
para a história da literatura do Distrito Federal, não apenas com relação à sua obra como escritor, mas
neste caso específico para a afirmação, sedimentação, divulgação e disseminação da adolescente
literatura brasiliense. Anderson Braga Horta, em seus 34 anos de convivência literária em Brasília,
analisou (no mínimo as citadas no livro) obras de autores radicados na cidade, nela publicadas ou
não, num total de cento e sessenta e dois livros, de cento e sete escritores, certamente um volume
considerável de tudo o que foi produzido, com qualidade, na literatura da Nova Capital.”

    Em 2004, reuniu Anderson em Traduzir Poesia, além de ensaios, prefácios e palestras
que deram origem ao livro, grande parte de suas traduções de diversas línguas para a nossa.
Nele posso afirmar, sem exagero, que o poeta dá mostras cabais da maestria a que já me
referi, como o comprovam as inúmeras notas e variantes apresentadas, além, como citado
na apresentação, de mostrar aspectos, dificuldades e perplexidades daqueles trabalhos,
constituindo-se portanto em verdadeiro roteiro do que pensa sobre a tradução de poesia.
Sobre este trabalho, afirmou acertadamente Fernando Py, na Tribuna de Petrópolis:

   “No caso de Anderson Braga Horta, poeta de alta qualidade, o exercício da tradução
tem sido uma espécie de complemento da sua obra poética, e os poemas deste livro são
um exemplo não só de seu virtuosismo mas também da técnica apurada que alcançou em
quase meio século de atividade de tradutor de poesia.”

    Continuando a publicação de seus trabalhos em prosa, editou nosso homenageado,
em 2005, o livro Testemunho & Participação: Ensaio e Crítica Literária, dividido em duas
partes: “Pensando Poesia” e “Registro de Leitura”, que representam, como expresso na


      Biblioteca Nacional de Brasília
 30   Tributo ao Poeta
Apresentação, as duas vertentes do trabalho: o pensar poesia, não em forma de exposição
erudita, mas como testemunho vivido de uma experiência do fazer poético em mais de meio
século; e comentários à obra de cento e muitos poetas (e alguns prosadores), no correr de
quarenta e cinco anos de atividade crítica. A propósito de sua contribuição no campo da
análise literária, reiterou Anderson no Preâmbulo o que já enunciara anteriormente:

    “Não me arvoro em crítico profissional, nem, muito menos, em historiador literário. Sou
um escritor que se tem muitas vezes debruçado sobre a obra de companheiros de ofício,
por admiração, solicitação, injunções eventuais, por isto ou aquilo, enfim, mas sempre com
o respeito devido a quem vê na literatura um instrumento privilegiado de dizer o mundo e
de dizer-se ao mundo. Conhecendo os limites de meu trabalho, sem os escamotear ofereço
minha contribuição.” E finaliza com as palavras: “Se a este livro for reconhecida alguma valia
para a memória literária de uma época, dar-me-ei por satisfeito.”

   E ao louvar, como de direito, a validade desse esforço, reconheceu o ilustre poeta
cearense Francisco Carvalho:

    “Testemunho & Participação é desses livros que necessariamente elastecem os horizontes
da tradição cultural de um povo. Presta-se a consultas de professores e estudantes de cursos
de letras e até mesmo do ensino de nível médio. Não apenas pela riqueza das informações
qualificadas, como também pela credibilidade das fontes a que teve acesso o autor, ele
próprio um dos profissionais mais operosos da moderna literatura brasileira … Como todo
mineiro que se preza, esse filho de Carangola, que fez de Brasília o quartel-general de suas
estratégias e opções intelectuais, nos dá preciosas lições de um autêntico minerador de
idéias e de palavras.”

     Finalmente, já agora quase no final do ano de 2007, ofereceu-nos Anderson mais
um trabalho que, embora em prosa, é dedicado integralmente a sua paixão dominante,
a grande poesia, e que por isso mesmo foi por ele denominado Criadores de Mantras:
Ensaios e Conferências. E na quarta capa desse livro – no qual, segundo Wilson Martins,
em comentário no caderno “Idéias” do Jornal do Brasil, o autor, tanto como poeta quanto
leitor de poesia, pratica, a exemplo de Augusto Meyer, mais o ensaio crítico que a crítica da
atualidade corrente –, tive o privilégio de trazer ao leitor interessado a mensagem que ora
peço vênia para colocar no encerramento destas minhas despretensiosas palavras:

    “A exemplo do belo De Poetas e de Poesia, do grande Manuel Bandeira, é de bons versos
e inspirados artistas que se compõe a matéria deste Criadores de Mantras, com que o poeta
Anderson Braga Horta continua a dar mostras de sua outra face de comentarista perspicaz
no vasto campo de sua predileção. E é com crescente prazer, para ele como para nós, que
o autor nos leva a percorrer, ao longo de quase 400 páginas, um panorama crítico-amoroso
de nossa poesia mais representativa, desde o Romantismo até os nossos dias, no qual estão
presentes nomes como os de Álvares de Azevedo, Cruz e Sousa e Alphonsus, Augusto dos
Anjos e Schmidt, Bandeira e Drummond, entre outros de mérito comparável. São poetas e
poemas não só da afeição de Anderson como da nossa, que honram qualquer literatura e
que devem ser sempre lembrados.”




                                                                 Perfil Humano e Poético de
                                                                        Anderson Braga Horta 31
Poemas de
Anderson Braga Horta
ALTIPLANO



ANTES do começo,
era o sertão, só e ríspido.
Vegetais cheios de ódio fitando os céus impossíveis
e apontando a terra sáfara.
Dedos torcidos de séculos.
Bênçãos dissimuladas sob a raiva.
Natureza virgem à espera da posse.

SOB a carne desidratada
destas planuras
já se pressentem —hígidas—
as covas futuras.
E dessa carne e dessas covas
—morte aparente—
já se pressentem fluindo em ouro
arquivindouras
fartas torrentes.
A vida na morte
enraíza.

DIALÉTICOS pequis
de coração de ouro e farpas
guardam-se verdes do grito áureo dos tucanos.
Veados camuflados.
Tatus embutidos.
Arisca florifauna.

Ásperos minerais irônicos,
no fundo, sorriem
e esperam.

A EROSÃO comera o ventre da terra
e chupara-lhe as lágrimas.
De outras terras também calcinadas
o húmus viria:


                                                               Poemas de
                                                      Anderson Braga Horta 33
mãos nodosas,
magras mãos,
mãos rudes, mãos férreas,
—mãos—
com o próprio
sangue ralo de anemia
regarão o alheio dia.

VENTOS e chuvas corroeram arestas,
dispersaram resíduos,
e o terreno está pronto: esqueleto
à espera da carne.
E vieram os pioneiros
e rasgaram os mapas
(no papel, o embrião): corpo
à espera de uma alma.

E VIERAM os primeiros peões.
E vieram
e voltaram
no périplo (sem portos)
da fortuna.
E vieram
e voltaram
e vieram
no fluxo e refluxo
da fome.
E vieram
e ficaram
plantados,
árvores migrantes
—torcidas de séculos—
enraizando, úberes, dedos,
salgando impossíveis céus.

TODAS as peças
no tabuleiro.
Reis, bispos, torres.
E os cavalos.


     Biblioteca Nacional de Brasília
34
     Tributo ao Poeta
A batalha começou
sem que ninguém desse por isso.
E em lances bruscos
a cavalhada,
dos flancos,
da retaguarda,
salta
e atropela peões em marcha.

Silêncio
de gritos
coagulados.
Sacrificam-se os peões,
ficam-se os reis.
É a lei
do xadrez.
Mas onde o exército inimigo?

No imenso tabuleiro
há um formigamento de cruzes
anônimas. Subterrâneos,
os mortos
suportam o peso
do porvir.

ÁVIDA suga a terra
as mil línguas da chuva.
Intimidade.
Poros abertos, solos refratários à lama.
No entanto, há lama
nos pés, nas máquinas,
nas almas.
Águas avolumam-se, pejando a represa.
Grávidas terras falam ainda de uma pureza intratável.
No ar seco, um vento áspero
fala de lutas.

NA CONFLUÊNCIA das virilhas
o dique


                                                                 Poemas de
                                                        Anderson Braga Horta 35
represa os córregos.
Basta um abrir de comportas
e um rio
irrompe em cólera.

Na confluência dos párias
um dique.

CRESCE uma pétala
na rosa-dos-ventos.
Desviam-se para Oeste os rios do orvalho,
de que o asfalto, o aço, o concreto,
o abstrato,
tudo é resíduo.
Cruz resumindo sacrifícios,
avião demandando o futuro.
Símbolos.
Reais são os mortos, alicerces nossos;
real é o presente, imenso,
bruto
canteiro de obras.

NO PLANALTO, lenta,
se abre:
rosa superfaturada
em vidro-plano e concreto.

Contraditória
rosa
explosiva.

De tuas impurezas,
de tuas asperezas,
rosa queremos-te
exata.
No altiplano de nossas esperanças,
rosa-dos-homens
construímos-te futura.



      Biblioteca Nacional de Brasília
 36   Tributo ao Poeta
REDONDILHA QUASE CAMONIANA



Os olhos, tende-los verdes…
Tende-los frios, Senhora,
nestes, perdidos, que outrora
lhes encontravam calor.
Mas de assim frios os terdes
por que me espanto eu agora?
se é condição de olhos verdes
dar vida e matar de amor!

De assim magoado me verdes
Não vos dói nenhua mágoa?
e neve no coração.
Que, não contente de terdes
aos meus confundido em água,
furtai-los de aos vossos, verdes,
colher madura intensão.

Senhora dos olhos verdes,
do verde dos vossos olhos
fundei meus mares: escolhos!
sereias de me perder!
Ai, o bem que me quiserdes,
menina dos verdes olhos,
faria os meus olhos verdes
das cores do bem-querer!

Pois tendes os olhos verdes,        Os olhos, tende-los verdes,
negra se faz minha história.        tende-los frios, Senhora.
Por que em sua trajetória           Ai eu que os sonhava outrora
meus olhos sempre estarão?          plenos de sumo e calor!
Cuidado! se me perderdes,           De frios assim os terdes
menor será vossa glória,            por que me espanto eu agora?
Senhora dos olhos verdes            se é condição de olhos verdes
e de verde coração!                 dar vida e matar de amor!…



                                                         Poemas de
                                                Anderson Braga Horta 37
ELEGIA DE VARNA



Sinto que algo ficou irrealizado em mim.
Nota que vibraria o meu ser íntegro como um sino
e que não se feriu.
Adivinho-lhe a corda oxidando-me o peito.
Tocá-la tornaria os veios de ferrugem
nos rios mágicos do êxtase
                   e então eu seria eu
e não esta véspera encolhida,
este quase a medo murmurado,
este querer que se tolhe ante a areia dourada,
este silêncio náufrago,
esta solidão esmagada de estrelas.
                   E então eu seria eu
e tu, e sim, e além.
Não seria este não que sequer se profere
e que sobre o Mar Negro, hoje branco de fúria,
fita, desesperado, a gaivota que ousa
solitária
                   o mergulho.
Sinto que algo deixou de realizar-se em mim,
e esta falta grita e queima e consome.
Sigo nau incompleta, vento coxo, canto
falhado
e despedaço as asas poderosas
no abjeto cais das ânsias.
Sinto que algo ficou irrealizado em mim,
e esta página branca invade o meu ser.




      Biblioteca Nacional de Brasília
 38   Tributo ao Poeta
RETRATO INDIMENSIONAL



Meus pais estão no retrato
sorridentes. O sorriso
é claro e meigo. Entretanto,
bem sei que atrás dessa luz
há tanta dor concentrada!
Uma dor que não se fez
em dois dias, em um mês.
Ai! dor de toda uma vida!        Vejo agora como a soma
                                 de tantas dores dispersas,
É dor. Mas dor familiar,         como essa dor concentrada
feita de coisas miúdas           alimenta a luz sublime
mais que de grandes desastres:   na sua face estampada.
de pedaços de esperança,         Vejo-o como nunca o vira
de uma atenção infinita,         no tempo deles. Agora,
da rotina de cuidados            fora do tempo e do espaço,
de amor diários —rotina          melhor que no espaçotempo,
iluminada!—, de restos           melhor do que nunca e sempre,
de emoções desencontradas,       as nossas luzes se encontram
de vagos desgostos, vagos        num doce carinho antigo.
presságios, sonhares vagos,
das precisas incisões            Alheios a tempo e espaço,
que rasga no rosto a cega,       meus pais descem do retrato
lenta lâmina do tempo.           e vêm conversar comigo.




                                                      Poemas de
                                             Anderson Braga Horta 39
COMO NOS CHAMARÁ O HOMEM



Como nos chamará o Homem
que há de vir,
O Homem, que em nosso sêmen
mal se antecipa?

Pitencantropo?                          Os ritmos marciais
Piteco?                                 da escolta?
Como nos chamará                        um batuque surdo
aos que vivemos no beco                 de revolta?

entre o Paredón e o Mito,               o dedo duro, a marcha sem
o Muro e o Cogumelo,                    requebro,
entre o Big Stick                       ou os pandeiros ágeis
e a Foice-e-Martelo?                    da favela?

Quando sairemos da pré-história         a depressão no alto
do Homem? (Sairemos?)                   da favela?
E como – no expurgo,                    o garbo da farda
no esputinique,                         verde, azul, amarela?

na barbicha do beatnik?                 Ou uma luz paisana,
Como? – nos altos escalões?             luz nua, cordial,
nos galões?                             que, por luz, não dimana
nos galeões?                            do quartel.

Em outras palavras: Que                 Mas, antes, que se fará
restará de nós no Homem?                do sonho do Homem,
Fósseis absurdos – que                  que se consome
herança no sangue?                      num chão de baionetas!




      Biblioteca Nacional de Brasília
 40   Tributo ao Poeta
O ALEIJADINHO A JOSÉ JERONyMO RIVERA



Entre andaimes, na sombra, sorrateira
sombra ao punho disforme ata o instrumento.
E faz tremer a treva: Anjo violento,
fere a pedra-sabão, rasga a madeira.

E que fúria o incendeia!
Golpeia a massa inerte e se golpeia;
e golpe a golpe essa matéria calma
agita de sua alma!

Com tal rigor trabalha
e flama tal que bruta natureza
já se não via ao termo da batalha,
senão —livres– as formas da Beleza.

Entre andaimes, na sombra, o negro vulto
dupla obra fazia:
uma – a estátua a emergir como dum sopro,
e outra – que ninguém via.

Que, enquanto o cego escopro
lavra a dúctil matéria, outra mão, fria,
outro cinzel, oculto,
lavrava a carne ardente e a consumia.




                                                       Poemas de
                                              Anderson Braga Horta 41
ANTELUZ NO CAOS



Descalça vai pera a fonte
Lianor pela verdura;
vai fermosa, e não segura.
Desnudos, não pera a fonte,
pera a foz das criaturas,
por estes campos adustos
vamos indo, e não seguros.

Com nenhua fermosura.
Sôbolos rios que deságuam
no mar de fogo da Bomba,                Mas alto! que ou meus ouvidos
sôbolos rios de treva                   me enganam, ou vem tenteando,
choram os rios do pranto.               cos trapos de luz que restam,
Night O Tiger Shadow Tiger              ua nova, ua nova manhã?
aonde negras se te abrem
as fauces, os olhos nossos              Será que é ela, puxada
i morrem, que vão, que voam             plos seus cavalos suarentos?
a os, que semearam, abismos             Ela ou al, evém aí,
colher. E com que malícia,              evém vindo, evém chegando
com que felinos sofismas                algo novo; evém tardonho
te justificas, com que                  (mas evém) que vem lutando
blandícies, ai! com que encantos        contra estúpidas herdades
nos estes prantos abrandas!             de impropriedades, peneiras,
Les sanglots longs des moutons!         telas, biombos, vanidades,
Tua foz de fogotreva!                   conceitos e preconceitos,
Mia senhor, moir’eu por vós,            tigres, símios, hienas, lobos,
que nos matais… e vos amo?!             cercas, balas, belonaves,
Senhora, partem tã trystes              fel, fomes, correntes: cousas,
os nossos olhos… por be?!               todas vãs? todas mudaves.




      Biblioteca Nacional de Brasília
 42   Tributo ao Poeta
OS ESPANTALHOS



Geométricos, nosocômicos, friíssimos,
defesos ao saque imponderável dos pássaros,
murcham os bosques do excesso de assepsia.
O veludo exato, impecável da relva
       – cerca —
estes outros implumes pássaros amanhecentes.
Privados do comércio do verde,
amarelecem.
E nem nos resta azul – virá o dia
em que gigantescas tabuletas gritarão,
                               interceptoras:

               PROIBIDO OLHAR O CÉU!

E inventarão processos especiais para tolher o olfato,
e cobrar-se-á pedágio nas praças,
e pela brisa nos cabelos descontar-nos-ão imposto na fonte
(adicional de 30% para os comedores de brisa!).
Coíba-se o coito (há tanta gente…)!
Risque-se o verbete
                amor
dos dicionários! Em compensação,
inscreva-se
                  delatar!
                               do frontispício ao cólofon.

E assim murcharemos, submissos,
e empalideceremos,
até exaurir-se a noite, no amanhecer que a justifique.
Quando os espantalhos arderão na treva
pra iluminar a grande festa dos homens.




                                                                  Poemas de
                                                         Anderson Braga Horta 43
O TEMPO DO HOMEM



Quando chegar o tempo do Homem
Te cantarei os seios róseos,
Viajarei, lírico astronauta,
Às constelações de teus olhos

Quando chegar o tempo do Homem

Nas minhas mãos vinte e um satélites
Trarei, sorrindo, aos nossos filhos.
No vaso a rosa, inofensiva              Quando chegar o tempo do Homem

Quando chegar o tempo do Homem          Possamos tê-lo antegravado
                                        No branco olhar dos nossos filhos,
Mortos os sóis exorbitantes,            Se forem cinza os nossos olhos
Alto, o Sonho achará sua órbita
E então nos amaremos lúcidos            Quando chegar o tempo do Homem

Quando chegar o tempo do Homem          Como anuncia-se o relâmpago
                                        Que cegos-surdos o pressentem,
Não de escasso amor conjugado           Assim —súbito– o saberemos
Num futuro condicionado.
Amor atual, lauta romã                  Quando chegar o tempo do Homem

Quando chegar o tempo do Homem          Pois, quando for o tempo, rútila
                                        Rosa na mão do Povo aberta
Amor sem susto, amor unânime,           Nos dirá: Llegó! È venuto!
Amor sem resíduos de estrôncio,         Chegado é o tempo!
Amor sem filamentos de ódio                     Tempo de Homem.




      Biblioteca Nacional de Brasília
 44   Tributo ao Poeta
CELACANTO



Nadando em costas d’África
Fruía o Celacanto
Emissário do outrora
O seu quinhão de pranto
No sal que imita a lágrima
Das águas no acalanto.

                             Talvez último príncipe
                             De extinta dinastia
                             Em seus rudes sentidos
                             A solidão doía
                             Gritava o alto silêncio
                             Da profundeza fria.

Do seu mundo apartado
Por muitos milhões de anos
Só – atual e pré-histórico
Assombrando os oceanos
Que mistérios guardava
Nos seus pobres arcanos?

                             Na viuvez atônita
                             Tu Celacanto corres
                             De ti e contra ti
                             Que de lembrar te morres
                             E que em tua orfandade
                             De ninguém te socorres.

Tosco irmão Celacanto
Em solitário nado
Brasão de sonho em fuga
Em campo blau plantado
É verde o teu enigma!
E eu te decifro e calo.




                                                                Poemas de
                                                       Anderson Braga Horta 45
O PÁSSARO NO AQUÁRIO



§

Era um ponto no aquário.
Era uma escama aberta
no verde dúbio da água. Era uma estrela
mínima em céus de queda.
Era um frêmito, um ritmo,
um verso regressivo à origem, nada,
um sopro extinto, inda outra vez soprado
por sol de oblívio, escuro.

O pássaro no aquário
solfejava em silêncio um sol futuro.


§§

E eram guelras na escuma, e os olhos, algo
como um pranto na areia, entre algas, planctos,
como um pranto chorado em meio a lágrimas
retidas no olho inexistente. E em breve
eram garras na terra, a dura guerra,
o mar perdido e o espaço ausente, ausente.




      Biblioteca Nacional de Brasília
 46   Tributo ao Poeta
§§§

Garras, e a crua guerra.
Berro de espanto e dor no descampado
entre o sêmen do sonho e a fronde ao vento.
Mas o dó, mas o espanto,
a dor e seu invento:
um sol menor no peito;
domado, um lá na plúmea
escama distendida em ala urgente.

E era um pássaro na alva de escarlata,
cantando no alto a ária de orvalho e prata!




                                                       Poemas de
                                              Anderson Braga Horta 47
A TARTARUGA

Eu venho donde vem o infinito da Vida,
do crespo e ardente oceano em toda parte ondeando,
da explosão inefável
do que chamais abismo, e é tudo, e é nada,
no pulso intemporal de quanto existe
e de quanto é oculto.
Vivo porque o Mistério impõe que eu viva,
e na vaga da Vida
—sonho que vou sonhando e que me sonha—
eu beijo a mão do Arcano e o lábio do Sigilo,
e reflito no olhar, como um memento,
o olhar do que é, não sendo.

Os olhos tenho abertos
para a impressão do nimbo e do relâmpago,
da água turva e do ar claro,
do céu-mar que se abre e se desdobra
à avidez do meu nado, de meu nada.
Mas não vêem o tempo além do agora,
o segundo futuro,
próximo como o que se foi há um átimo,
e no entanto remoto
como a encoberta eternidade.

Vi o homem de gatinhas,
na semente animal ainda indiferenciado.
Ouvi seus balbucios.
Fiz minha mão a mão que fez o arado,
que faiscou na pedra um firmamento
fugaz de estrelas árdegas.
Tomei-lhe da mão trêmula
a ensaiar-se divina
no primeiro rabisco
do primeiro alfabeto,
na prisca partitura
da vindoura vertigem
de encontrar-se maior que a imensa origem.


      Biblioteca Nacional de Brasília
 48   Tributo ao Poeta
Das figuras rupestres das cavernas
subi ao zigurate dos sumérios.
Cunhei sonhos avoengos nos ladrilhos.
Andei Índias e Chinas
do Oriente e do Ocidente.
Topei do Egito o sacro escaravelho.
De tudo em toda parte uma imagem ficou-me
gravada na retina que não vedes.

Sei do amor e do ódio,
sei do hino e do vômito,
sei da paz e da guerra,
sei do mar e da terra,
sei do céu e do éter,
sei da carne e do espírito.

Muito eu tenho vivido,
tanto amado e sofrido
e pecado e ascendido. Respeitai-me,
se não por vós, grumetes
que o Mar aleita ainda,
pela Vida que em mim se fez tempo e caminha
para fazer-se eternidade.

Que novas cores beberei? Que músicas
fluirão no meu dorso? Que suaves,
que pétreos tatos guardarei no olfato,
no paladar, na pele, na retina?

Eu continuo. Adiante!
Para onde, afinal?
Que universo, que abismo
espera por meus pés na curva do infinito?

Eu vou para onde ireis:
para Além, para o Enigma.
Eu vou para onde vai o infinito da Vida.


                                                       Poemas de
                                              Anderson Braga Horta 49
Organizador do Recital –
Conferência




Marisa Lajolo nascida em São Paulo, é formada em Letras pela Universidade de São
Paulo, onde também concluiu o curso de Mestrado e Doutorado. Fez pós doutorado na
Brown University e atualmente é Professora Titular no Departamento de Teoria Literária da
Unicamp. É também escritora e publicou as seguintes obras: Destino em Aberto (ficção)
São Paulo: Editora Ática. 2002; O Preço da Leitura (co-autoria: Regina Zilberman) São Paulo.
Ed. Ática. 2001; Literatura: leitores e leitura. São Paulo: Ed. Moderna. 2001 (Selo Altamente
recomendável (categoria ensaio) outorgado pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil;
Monteiro Lobato: um brasileiro sob medida. São Paulo. Editora Moderna . 2000 . 99 páginas
2ª. Reimpressão 2001 (Selo Altamente recomendável (categoria biografia) outorgado pela
Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil; A Formação da Leitura no Brasil. (co-autoria:
Regina Zilberman) São Paulo. Ed. Ática. Prêmio Açoreanos 1997, Categoria Literatura-Ensaios.
Finalista do prêmio Jabuti (1998); Do Mundo da Leitura para a Leitura do Mundo. SP. Ed. Ática.
Prêmio Jabuti, 1996, Categoria Literatura-Ensaios; Um Brasil para Crianças (Para conhecer a
literatura infantil brasileira: história, autores e textos) [co-autoria com R.Zilberman] SP.Global.
1a.ed.1989 364 p. 3.ed. 1988; Literatura Infantil Brasileira: história e histórias (co-autoria com
R. Zilberman). SP. Ed.Ática. l.ed.1984. 4a. ed.




      Biblioteca Nacional de Brasília
 50   Tributo ao Poeta
Perfil Humano e Poético
de Carlos Vogt
Marisa Lajolo




                                                                                                   Aragão Júnior
    É sempre difícil falar de poesia. Poesia, acham alguns, que é para ler. Ler em silêncio, so-
noridades, pausas e ritmos ecoando apenas na cabeça do leitor. Pensamento solto seguindo
imagens, olhos de sonho, coração ao largo repercutindo emoções.



             ELOQÜÊNCIA Pisca Alerta, 2008. Poesia reunida p.451

                        Ninguém responde ao silêncio
                        porque ao silêncio se indaga
                          e a resposta faz-se
                            de silêncio


    Mas, claro, poesia também pode ser lida em voz alta, dando vida às sonoridades e aos
silêncios, aos ritmos e às pausas que as palavras criam. Era assim que a poesia circulava, nos
primórdios dos tempos, quando o som da lira – que acompanhava os poemas – inspirou a
expressão poesia lírica.


                                                                  Perfil Humano e Poético de
                                                                                 Carlos Vogt 51
JOGOS FRUGAIS Paisagem doméstica, 1984, Poesia reunida p.137

                                O verso
                                foice                 a poesia
                                de falhas             face
                                                      de folhas
                                o poeta
                                fuça                  o poeta
                                na sala               fosse
                                                      de métricas
                                o poema
                                malhas                o reverso
                                de máscara            folhas
                                                      de alface
                                o poeta
                                masca
                                salada


   Com certeza, melhor ouvir ou ler poesia do que falar sobre poesia. E, falar de poetas,
então, … pior ainda. Carlos Drummond de Andrade já alertou dos riscos:

                                         O que dizer do poeta
                                        Numa prova escolar … ?
                                         Que ele é meio pateta
                                        E que não sabe rimar ?

    E hoje,aqui, nem há a desculpa de tratar-se de uma prova escolar. Nada disso, melhor
seja talvez registrar a alegria grande que é ser amigo de um poeta, a ponto de chamá-lo de
forma carinhosa de Carlos, Charles, Carlíssimo, Carlão. Poeta é para a gente amar em silêncio,
amor de leitor encantado, para quem o poeta abriu caminhos desconhecidos ou clareou
com luz nova trilhas familiares.



                    L é x I CO Cantografia, 1982, Poesia reunida p.31

                              cantografar: empalhar sinais
                             cantógrafo: navegador e sereia
                              cantografia: o itinerário do
                                   carteiro cartógrafo


      Biblioteca Nacional de Brasília
 52   Tributo ao Poeta
Poeta – bem ao contrário do que propunha Platão, que os expulsou de sua República – é
pra gente coroar de rosas e levar para o mais belo lugar da cidade, saudá-lo com o sussurro
do vento, o marulho das ondas e o tocar de sinos em festa.
    A cultura universitária, no entanto, desenvolveu a curiosa idéia de que se estudam poe-
tas, poemas e poesia e analisando, por exemplo, o bilaquiano Ora-direis-ouvir-estrelas. Mas,
alto lá ! … ganho o pão rezando por esta bíblia, não devo me estender no assunto. Registro
apenas que o desencontro entre – de um lado – o que dizem críticos e professores de lite-
ratura e – de outro – o que lê nos poemas quem ama literatura vem de longe.
    Já no primeiro século da era cristã, o filósofo e professor Sêneca, alertando seus contempo-
râneos para os riscos do estresse que encurtava a vida humana (sim, já naquele tempo alguns
diziam viver estressados !) , incluía entre os fatores de risco os estudos literários. Para ele,

      1. (…) inúteis estudos de literatura (…) procurando saber quantos
     remadores tinha Ulisses, se foi a Ilíada ou a Odisséia que foi escrita
                 primeiro e, ainda, se eram do mesmo autor

   Acreditava Sêneca que

 (…) saberes desta natureza (…) se os tens para ti, em nada te gratificam e, se
os tornas públicos, não serás considerado mais sábio, senão mais enfadonho
                          (…) Por vezes (p.;59 ; 63)

   Sem ser sábia e tentando não ser enfadonha, passo a palavra ao poeta:




       O FIM DA POESIA O Fim da Poesia Pisca Alerta, 2007 p. 504-505

          A poesia não tem fim                              no seu mistério
            nem tem começo                              A poesia no seu poema
         não tem tranqüilidade                     não tendo fim meio ou começo
              nem atropelo                               só tem tranqüilidade
           A poesia orgulhosa                                no arremesso
            não acaba nunca                               Assim não se acaba
           o verso do poema                                      nunca
             cheio de prosa                                 por incompleta
             O poema sério                                 nos seus poemas
                se diverte                              definitivos na finitude
             faz-se de versos                        e controversos na expressão:
              de face oculta                       por eles nasce e morre a poesia
         que esconde o explícito                    que neles vive onde não estão


                                                                  Perfil Humano e Poético de
                                                                                 Carlos Vogt 53
Essa reflexão sobre poesia e poemas, “ poesia que neles vive onde não estão”, evoca
Fernando Pessoa, que ao lado de Sêneca também adverte que ler é maçada, estudar é nada
e que – de verdade verdadeira– grande é a poesia, a bondade e as danças.
   Alertada que estou pela piscadela dos olhos enxutos do poeta – cujo último livro chama-se
exatamente Pisca-Alerta, e, barbas – que não tenho – de molho, vou apenas sinalizar alguns
cruzamentos de minhas leituras dos poemas de Carlos Vogt com os próprios poemas.


                          x X Ilhas Brasil, 2002, Poesia reunida p. 430

                                        A imagem substitui
                                            o texto mas
                                              não tem
                                          como contar-se
                                           sem contexto.

    Uma das mais antigas lembranças que tenho de Carlos Vogt é de uma assembléia es-
tudantil na (então chamada) Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Usp, ao tempo em
que ela se alojava na Rua Maria Antonia em São Paulo. Éramos calouros e o centrinho dos
estudantes de Letras – Centro Acadêmico de Estudos Literários, o CAEL – havia organizado
uma reunião de recepção aos calouros. Carlos e mais um punhado de estudantes lá está-
vamos, e palpitamos à vontade sobre o que achávamos – na época – que deveria ser um
curso universitário.
    Me lembro que o Carlos era dos que mais achava coisas…
    Logo depois, professores do Cursinho do Grêmio, lá experimentamos os solavancos das
facções da esquerda estudantil dos anos sessenta: entre POLOP, PC, PC do B, e AP, uma
nova diretoria do Grêmio perpetrou uma intervenção no Cursinho para espanto indignado
de quem acreditava que aulas sobre Camões ou sobre Machado de Assis tinham pouco a
ver com os atos institucionais que ensombreciam o país.
    Juntando e jantando esperanças nas discussões e nas aulas daquele tempo sem ar,
a figura de Carlos Vogt – de pé, andando de um lado para outro– recortava-se contra
as cortinas esverdeadas das salas de aula e dizia que tínhamos, sim, de tomar posições
políticas, pois que em política não tomar posição era exatamente tomar posição e, mais
fraca de todas.
    Com certeza, ninguém – nem ele, talvez – sabia que ele estava, então, se ensaiando
para lides futuras: a criação do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, sua gestão
como Reitor da mesma universidade, a criação do Laboratório de Estudos Avançados em
Jornalismo, a presidência da Fapesp e sua posição atual de secretário do Ensino Superior de
São Paulo.
    Da intervenção e dos solavancos sofridos então pelo Cursinho do Grêmio, nasceu o
Equipe Vestibulares onde, em apostilas que tinham na capa oito círculos coloridos – cada
cor indicando uma disciplina, e a de literatura era roxa –, o nome de Calos Vogt, ao lado de
outros nomes – marcava o material para o ensino de literatura. Mas, de professor de litera-
tura a poeta o itinerário foi curto, e dividido com a Lingüística disciplina na qual nosso poeta
desenvolveu sua vida universitária.


      Biblioteca Nacional de Brasília
 54   Tributo ao Poeta
HINO EM EGO ÀDÍVIDA ETERNADEUM
             E x-T E R N O C I D A D Ã O
   Hino em ego à dívida eterna de um ex-terno cidadão Geração, 1985
                          Poesia reunida p 180



Sentar sem ar na praça que passa                  resvalo no vale
        pernas coloridas                       nos ramos da praça
          calor da vida                         paris nas estátuas
            coloração                        se eu fosse mais jovem
          coroar a cor                         viajava num boing
              co-or                             vendia meu carro
             coração                           largava meu posto
                                                 ganhava na loto
        urgente preciso                        sonhava algo mais
       correr senão quê                       esquecia das mágoas
      se quê não consigo                        criava um slogan
        não pago a TV                          pagava meus juros
                                                   jurava ter paz
      contemplo o riacho
          e rio do aço                          urgente preciso
      Tietê sem andrades                      correr senão nada
      noturno sem mários                       se nada não vôo
      horizontes sem mar                    não compro minha casa

        sinal de esperar                        passeio no paço
                                               eu passo amanhã
        atrás do espelho                        prefiro bem cru
      lá sim que era vida                         receio receio
     não tinha uma dívida                     mas janto a esperança
      nem dor no joelho                         no seio no seio
                                                no seio do vale
        urgente preciso                         do Anhangabaú
       correr senão paro
       se paro não chego
      não pago meu carro




                                                  Perfil Humano e Poético de
                                                                 Carlos Vogt 55
BIBLIOGRAFIA PRECOCE
                       Paisagem doméstica, 1984 . Poesia reunida p. 95


                  Fui aprender lingüística para entender as palavras
                ensinei semântica ao acreditar que tudo tem sentido
                escrevi livros sobre a linguagem buscando não perder
                               as farpas das circunstâncias
                   traduzi textos de hermética lógica e mitológicas
                  depois de viajar por binarismos e termos médios
                   sem deixar de girar por gerações de frases bobas
                             volto ao ponto de que partia:
                         vejo-me gramaticalmente indecifrável
                               diante da técnica da poesia

   Gramaticalmente indecifrável, o professor que veio lá de longe, de Sales de Oliveira foi
uma das vozes que orquestrou a resistência à intervenção na Universidade Estadual de
Campinas (1981). Era tempo de política e não de poemas, pois para militância .


                                        O poema é feito
                                        de folhas inúteis
          Poética também, Paisagem doméstica, 1984 Poesia reunida p. 105


    Mas, de tantas travessias, de tantas passagens, creio que aos leitores de poesia o que
mais interessa são passagens e travessias do reino da linguagem para o reino do poema.
Pois não era Drummond que aconselhava: penetra surdamente no reino das palavras: lá
estão os poemas a serem escritos. ?
    Era, e o Carlos de Sales de Oliveira é discípulo atento do Carlos de Itabira.
    Das drummondianas palavras em estado de dicionário para as palavras em estado de
poema, a passagem não é simples nem fácil. O poeta, como já sabia Bilac, trabalha e teima e
lima e sofre e sua . O resultado do trabalho é o poema, que, tocando o leitor, fazendo-o sorrir
ou chorar, fá-lo descobrir e experimentar um jeito novo de estar no mundo, de olhar para os
outros, de entender-se a si mesmo .


                                   MEMÓRIA DO MODERNO
                Memória do moderno Geração,1985 Poesia reunida p. 161

   A poesia precisou que o poema depusesse os paramentos das imagens
  para que o poeta tentasse a cada lance a grande aventura da linguagem.


      Biblioteca Nacional de Brasília
 56   Tributo ao Poeta
Este poder da poesia, que é ao mesmo tempo fruto da criação (do poeta) e material
para a criação (do leitor) não tem receita prévia. Mas tem marcas de identidade que o leitor
descobre, e cuja descoberta é muito prazerosa . Ao lutar com palavras , o poeta deixa suas
marcas na matéria de que se vale (a linguagem) e no objeto que produz (sua obra). A lingua-
gem em que é escrito o poema se enriquece, tem devassados mais um de seus recursos de
dizer, tem explorada mais uma de suas (infinitas) capacidades de significação.
    E o produto (o poema) – ao inaugurar novos recantos da linguagem, ao selecionar no-
vos modos de dizer, ao combinar antigos recursos da língua de forma inventiva – produz o
encanto que dá à leitura da poesia uma qualidade próxima da contemplação do absoluto,
oferecendo a seu leitor o que talvez se possa entender como experiência estética.


                 O S C A Ç A D O R E S D E VA G A L U M E S
                          Geração, 1985 Poesia reunida p. 175

                         Eu nunca cacei cometas,
 nunca nenhum saci cavalgou na garupa dos cavalos em que nunca viajei,
jamais dobrei a noite das esquinas de Sales Oliveira, sem que tivesse medo
                                 de topar
       com a ausência brusca da cabeça escura da mula-sem-cabeça.
           Eu fui, isso sim, um grande caçador de vagalumes,
                     (…………………………………………..)

     Fugar como um vagalume, objeto de linguagem e que apenas na linguagem existe, um
poema condensa – como o buraco negro, que os físicos dizem concentrar doses intoleráveis
de energia – matéria de vida e de morte. Fisgado na rua ou desentranhado da memória, o po-
ema lá está, e pergunta sem interesse pela resposta: trouxeste a chave ? A pergunta, crucial, é
dirigida tanto ao leitor como ao poeta, que negaceia, mesmo quando parece explicar-se


                         (………………………………………….)
              Eu fui, isso sim, um grande caçador de vaga-lumes,
  com vidros cheios de lanternas vivas, iscas de tiques e estalos de pescoço,
           com tições em brasa riscando a escuridão do Triângulo,
               que abastecia de lenha as máquinas da Mogiana.
         Ali, onde meu pai, menino, jura ter visto aparições temíveis,
   vi apenas o meu e o medo de outros meninos com medo das aparições.
          Mas o cometa Halley, este sim, eu vi, quando era menino,
cortar de silêncio e espetáculo o poente do céu da infância de meu velho pai;
 vi também muitas outras coisas com os olhos adultos e as mãos atentas de
                                    seleiro,
que cortavam o couro e teciam arreios para os colonos e azendeiros dos cafezais,


                                                                  Perfil Humano e Poético de
                                                                                 Carlos Vogt 57
com estes olhos e aquelas mãos que cortavam o couro e teciam enredos.
                Por Sales Oliveira, passaram muitos cometas,
       desses mais triviais que o tempo deixou sem uso e superstição,
    cometas-vendedores, de roupas, de jóias, de supérfluos, de bijuterias,
                   que pousavam na pensão de Dona Itália;
          mais freqüentes que os do céu, mais transitórios na terra,
           fortes, contudo, na regularidade e cíclicos na invenção,
 cheios de histórias e fantasias, de mundos estrangeiros, de prosopopéias,
feitos não só de silêncios luminosos, mas de lâminas sonoras de persuasão.
 Quando o cometa Halley aparecer de novo e meu pai tiver completos seus
                                  oitenta anos,
                  já não serei eu mesmo, sem ter sido outro,
 não estarei em Sales, tampouco a selaria, a Mogiana, os colonos, os cafezais,
  não haverá cometas, desses sem uso de compra e venda, por desusados;
   juntos estaremos a olhar as terras que olham retas o risco branco que
                                 corta a noite,
a mesma noite em que, meninos, seremos velhos, perto e distantes na solidão.


    Desde seu primeiro livro – Cantografia – o itinerário de carteiro cartógrafo de 1982 – um
dos traços mais constantes na poesia de Carlos Vogt é o humor rápido, malicioso, como o
piscar de olho de quem sabe os sentidos segundos que se escondem por sob os sentidos
primeiros. Aliás, melhor dizendo: de quem sabe que ninguém sabe – exceto o leitor que os
constrói– quais são os sentidos segundos e os sentidos primeiros … Poesia aberta, que só se
completa quando o leitor – apropriando-se do texto– refaz o percurso lapidar de engenho e
de malícia do poeta, agora temperados pelo seu próprio engenho e sua própria malícia.
    Nos 20 anos da trajetória poética de Carlos Vogt mantém –se intocado o gesto lúdico
de embaralhar linguagens, reverberando neste embaralhamento a vida contemporânea so-
bretudo no que este tempo nosso tem de ser um tempo midiático, cruzado de linguagens
frases feitas, desfeitas e refeitas no poema:


              C O N S Í G N I A Pisca Alerta, 2007 Poesia reunida p. 480

                                             Lema:
                                        sempre pronta
                                           a solução
                                        para encontrar
                                          o problema




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 58   Tributo ao Poeta
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Tributo Ao Poeta

  • 2.
  • 3. Tributo ao Poeta Biblioteca Nacional de Brasília Organização Brasília, 2008
  • 4.
  • 5. Tributo ao Poeta Autores Homenageados Anderson Braga Horta Carlos Vogt Cassiano Nunes Fernando Mendes Vianna João Cabral de Melo Neto Joaquim Cardozo José Godoy Garcia José Santiago Naud Marly de Oliveira
  • 6. Governo do Distrito Federal José Roberto Arruda Secretário de Estado de Cultura José Silvestre Gorgulho Conjunto Cultural da República Biblioteca Nacional de Brasília Antônio Miranda Organizadora da Obra Maria das Graças Pimentel Salomão Sousa Projeto gráfico Wagner Alves Revisão João Carlos Taveira Ficha Catalográfica B582b Tributo ao Poeta / organizador, Biblioteca Nacional de Brasília ; autores, Anderson Braga Horta … [et al.] ; apresentação, José Roberto Arruda, Silvestre Gorgulho ; prefácio, Antonio Miranda. – Brasília : Biblioteca Nacional de Brasília, 2008. 224 p. : 17 x 24 cm. Coletânea de ensaios e poesias apresentadas nas edições do programa Tributo ao Poeta da Biblioteca Nacional de Brasília – BNB. 1. Literatura brasileira. 2. Poesia brasileira. I.Biblioteca Nacional de Brasília (Brasil) (BNB). II. Tributo ao Poeta. III. Arruda, José Roberto. IV. Miranda, Antonio. V. Título. CDU 82-1 ISBN 978857062778
  • 7. Tributo ao Poeta Conferencistas Antonio Miranda Anderson Braga Horta João Carlos Taveira José Jeronymo Rivera Lauro Moreira Maria de Jesús Evangelista (Majú) Marisa Lajolo Salomão Sousa Sylvia Cyntrão
  • 8.
  • 9. Sumário Anderson Braga Horta 19 por José Jeronymo Rivera Carlos Vogt 51 por Marisa Lajolo Cassiano Nunes 64 por Maria de Jesús Evangelista (Majú) Fernando Mendes Vianna 83 por Anderson Braga Horta João Cabral de Melo Neto 108 por Antonio Miranda Joaquim Cardozo 151 por Sylvia Cyntrão José Godoy Garcia 169 por Salomão Sousa José Santiago Naud 189 por João Carlos Taveira Marly de Oliveira 211 por Lauro Moreira
  • 10. Apresentação José Roberto Arruda Governador do Distrito Federal A cidadania por entre livros
  • 11. É com orgulho que anuncio o início efetivo das atividades da Biblioteca Nacional de Brasília, entregando à população da Capital um prédio moderno, com instalações confortáveis e tecnologia da informação de última geração. A Biblioteca Nacional já estava prevista no projeto original de Lu- cio Costa, como parte do Conjunto Cultural da República. Projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer, sua construção foi possível por meio de uma parceira entre os governos Federal e do DF. Sua inauguração ocorreu no final de 2006. No entanto, so- mente a partir de 2007, com a criação de uma Comissão Especial criada pelo Governo do Distrito Federal – com representantes da Secretaria de Cultura do DF, Universidade de Brasília e ministérios da Cultura, Educação e da Ciência e Tecnologia – foi formulada uma proposta de política efetiva para a instituição. Sua implantação obedeceu às exigências estabelecidas por esse grupo de trabalho – entre elas áreas de acervo, salões de leitura e tratamento técnico das coleções, além de programas de alfabetiza- ção e inclusão digital, inclusive para portadores de deficiências. Brasília passa a contar agora com espaços diários para leitura, pesquisa e recreação. A partir deste momento, começamos a cum- prir a missão de dotar a cidade de um centro cultural e de apren- dizagem. E a I Bienal Internacional de Poesia de Brasília faz parte deste esforço. É um chamado à criatividade de nossos autores, por meio de seminários, oficinas, exposições, projeções de filmes e rodas de leituras – das expressões mais populares às que envolvam as mais diversas formas de tecnologia. Esta primeira grande realização da Biblioteca Nacional exem- plifica sua proposta de conquistar leitores, em estreita cooperação com entidades públicas e privadas, organizações sociais e não-gov- ernamentais. Quero ainda destacar o lançamento de um volume sobre os poe- tas aqui homenageados – em 2007 e 2008 – em eventos realizados ainda em meio às obras. Destaque para o poeta Joaquim Cardoso, que como engenheiro participou da construção da nova capital. Nossa cidade, de afortunada história, abre as portas de sua prin- cipal Biblioteca e descerra os caminhos das novas tecnologias da informação.
  • 12. Silvestre Gorgulho Secretário de Cultura do Distrito Federal Passos de um novo tempo
  • 13. “São tristes as coisas consideradas sem ênfase”, sentenciou Carlos Drummond de Andrade. E foi com muita ênfase e poesia que o governo Arruda resolveu ocupar, na confluência entre as estações centrais do metrô e da rodoviária do Plano Piloto, a Biblioteca Nacional de Brasília. A BNB cumpre, a partir de agora, sua vocação maior de unir pessoas, democratizar a informação e formar novos leitores. Brasília passa a usufruir – com a implementação efetiva do Conjunto Cultural da República – de um espaço nobre e adequado para as atividades de arte, ciência e cultura. Ao lado do Museu Nacional – consagrado como ponto de visitação dos mais importantes da região Centro-Oeste – a instalação definitiva da Biblioteca Nacional consolida o Setor Cultural Sul, um palco adequado para o encontro do Brasil com sua palavra, sua imagem, seus valores, seus ícones, seus acervos e sua capacidade criativa. A partir daí, formam-se acervos, promovem-se mostras nacionais e internacionais, define-se um abrigo seguro para a criação e o conhecimento. No ano em que Brasília foi escolhida como Capital Americana da Cultura 2008 e que o governo de José Roberto Arruda sanciona sua Lei da Cultura do Distrito Federal – assegurando recursos orçamentários para o fomento e a manutenção das manifestações e instituições culturais do DF – convocamos a população da capital a ocupar nossa Biblioteca Nacional de forma definitiva. E como que num brinde à sucessão de boas novas, a I Bienal Internacional de Poesia aproxima os extremos da tecnologia e da criatividade poética, transformando-os em símbolos de um processo civilizatório renovador a partir do Planalto Central. Como que anfitriões de um novo tempo, as novas tecnologias da informação aqui instaladas, os acervos físicos e digitais de livros e toda a gama de conhecimento aqui reunida fazem Brasília – uma cidade de inspiração modernista – romper a utopia da pós-modernidade e ensaiar os primeiros passos da hiper-modernidade que constitui o cenário do Século XXI. O livro Tributo ao Poeta é a obra inaugural das edições da Biblioteca Nacional de Brasília e rende homenagens aos autores que ajudaram a construir nossa melhor literatura.
  • 14. Novas homenagens virão, na forma de títulos nas áreas de filosofia, arquitetura, artes plásticas. Enfim, de todas as expressões culturais da Humanidade, como exige a função maior de uma instituição que a isso se propõe. O fundamental é que todas as ações e homenagens levem em conta a alegria, a espontaneidade, a arte da poesia e de fazer amigos. Com ênfase. Muita ênfase! Biblioteca Nacional de Brasília 14 Tributo ao Poeta
  • 15. Introdução A Biblioteca Nacional de Brasília (BNB) é uma aspiração que remonta à própria concepção da cidade, no plano original de Lucio Costa. Chegou a ser criada oficialmente por determinação do então Primeiro Ministro Tan- credo Neves, no início dos anos 60 do século passado, mas as turbulên- cias políticas do período republicano adiaram a sua instalação. Chegou a ter projeto arquitetônico do mestre Oscar Niemeyer no final dos anos 80, mas a sua efetiva construção só aconteceu no início do presente século. Mais de quarenta anos depois de idealizada. Um enorme vazio em plena Esplanada dos Ministérios, no Setor Cultural, aguardando decisão política para sua edificação. Toda a área do Conjunto Cultural da República ficou por último, por razões que a própria razão desconhece… A inauguração do prédio, em 2006, foi anunciada como sendo a efe- tiva abertura da BNB, mesmo sem móveis, equipamentos, acervo e pes- soal para atender a população. Exigindo um plano para sua ocupação, o que demanda tempo e investimentos. Ninguém tira o mérito da obra, que a população esperou por tanto tempo. Se durante a construção do prédio tivessem tomado as providências para o acervamento, seu proces- samento técnico e treinamento de pessoal especializado, – o que requer o mesmo tempo da construção—, a abertura teria sido feita de forma definitiva. Uma biblioteca construída e planejada no século 21 tem que conside- rar cenários diferentes daqueles que orientaram as bibliotecas nacionais do passado. No caso de Brasília, com mais razão, porque o país já tem Introdução 15
  • 16. a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, agora uma Fundação. Esta tem o privilégio da Lei do Depósito Legal que obriga os editores a enviarem dois exemplares de suas publicações para a BN, além do acervo histórico e precioso da Coleção Real, vindo na época da fuga do monarca para o Brasil, considerado nacional depois da Proclamação da Independência. Cabe à Biblioteca Nacional de Brasília uma outra política de acervos, o que foi apresentado à Comissão Especial do Conjunto Cultural da Repúbli- ca e deverá ser discutida e aperfeiçoada durante audiência pública. A capacidade da BNB está limitada a 250 mil volumes, o que a leva a optar por bibliotecas digitais, na tentativa de criar um repertório vasto para atender usuários locais e de outras latitudes. Deverá concentrar-se em coleções que espelhem a literatura científica e cultural sobre o Bra- sil, além da produção de Brazilianistas e brasileiros que vivem em outros países ou que foram traduzidos a outras línguas, material menos repre- sentado na BN do Rio de Janeiro, na intenção da complementariedade de acervos. Cabe ressaltar que a BNB se constitui em centro de inclusão digital, com uma plataforma tecnológica avançada para garantir acessibilidade ilimitada a seus estoques informacionais e para orientar leitores e pes- quisadores para outros acervos correlatos em bibliotecas brasileiras e es- trangeiras. Para não ficar apenas em acervos e tecnologias da informação, a BNB persegue um amplo projeto de inserção cultural na cidade, proje- tando Brasília em cenário internacional. Daí a proposta de uma Bienal Internacional de Poesia (I BIP) na época da inauguração de seus servi- ços ao público. E se antecipou, ainda nas instalações precárias, com um ciclo de Tributos ao Poeta, um por mês, para atrair intelectuais, artistas, poetas, escritores e o público em geral. Nove tributos foram programados em 2007 e 2008, agora reunidos no presente volume, dedicados aos poetas: 1. Fernando Mendes Vianna, carioca radicado em Brasília desde os tem- pos pioneiros, que goza de um prestígio internacional inegável, com tra- duções de sua obra poética a outros idiomas. A homenagem póstuma, com a presença da família, ocorreu pouco tempo depois de sua morte, cujo texto foi encomendado ao também poeta Anderson Braga Horta. 2. José Santiago Naud, gaúcho também pioneiro da cidade, e um dos fundadores dos cursos de literatura da Universidade de Brasília, com car- reira internacional em centros de estudos brasileiros em diversos países hispano-americanos, é o segundo homenageado, com apresentação do poeta João Carlos Taveira. 3. Anderson Braga Horta, mineiro de Carangola, que passou por diversas cidades antes de radicar-se definitivamente em Brasília; filho de poetas; prêmio Jabuti e um dos representantes mais significativos da poesia de Brasília foi apresentado por José Jeronymo Rivera, seu parceiro de tradu- ção e amigo desde a juventude. Biblioteca Nacional de Brasília 16 Tributo ao Poeta
  • 17. 4. Cassiano Nunes, o mestre de todos, figura querida e cortejada. À época do tributo estava hospitalizado e veio a falecer em seguida, para tristeza dos amigos e admiradores. Paulista, pesquisador da obra de Monteiro Lo- bato, teve o perfil elaborado pela Drª Maria de Jesús Evangelista (Majú), biógrafa do autor. 5. Marly de Oliveira, poetisa e musa, reconhecida por poetas universais como Ungaretti, foi apresentada pelo Embaixador Lauro Moreira, nosso representante junto à Comunidade de Nações de Língua Portuguesa, em Portugal. Na ocasião, a família doou o acervo bibliográfico da autora para a Biblioteca Nacional de Brasília. 6. João Cabral de Melo Neto, foi apresentado por Antonio Miranda, aproveitando um ensaio de sua autoria sobre a vertente metapoética do grande poeta pernambucano, tornado célebre pela encenação de sua obra Morte e Vida Severina e de uma produção poética muito pes- soal já consagrada em termos internacionais. 7. Joaquim Cardoso, poeta pernambucano e engenheiro (responsável pelos cálculos das edificações de Oscar Niemeyer no período JK), é outra figura de reconhecimento sem fronteiras, em análise competente da Drª Sylvia Cyntrão, do Departamento de Teoria Literária da Universidade de Brasília. 8. José Godoy Garcia, o polêmico poeta goiano radicado em Brasília, fale- cido recentemente, mereceu uma homenagem do poeta Salomão Sousa, estudioso de sua obra engajada e crítica em questões políticas e cultu- rais. 9. Carlos Vogt, poeta paulista com notável trajetória acadêmica e admi- nistrativa (como reitor da Unicamp e diretor da Fapesp), poeta com obra vasta e conhecida, mereceu um estudo da Drª Marisa Lajolo, vinda espe- cialmente de São Paulo, com o patrocínio da Fundação Conrado Wessel para apresentar o autor. A leitura dos poemas foi feita por atores e poetas locais: Angélica Tor- res, Antonio Miranda, Iris Soares, João Carlos Taveira, Julianny Mucury, Sa- lomão Sousa e Cláucia Oliveira. Os tributos inauguraram o Auditório da Biblioteca Nacional de Brasília e plantaram uma tradição de atos culturais que logo deu lugar a uma diver- sidade de outras atividades por parte da própria Biblioteca e por entidades locais ligadas a diferentes esferas e segmentos sociais – mulheres, negros, direitos humanos, inclusão digital, literatura, ciência e arte em geral. O pre- sente livro também planta a linha editorial da Biblioteca Nacional de Brasília, como primeira publicação da casa, com o auspicioso signo da poesia e no âmbito da I Bienal Internacional de Poesia de Brasília, outra instituição que se pretende plantar raízes na vida cultural da cidade e do país. Antonio Miranda Biblioteca Nacional de Brasília Introdução 17
  • 18. Organizador do Recital – Conferência Aragão Júnior José Jeronymo Rivera, nascido no Rio de Janeiro é poeta e tradutor e está em Brasília desde 1961. Colaborou, entre outros, nos periódicos Literatura, de Brasília, Revista de Poesia e Crítica, de São Paulo, SP, Revista da Academia Brasiliense de Letras, Brasília, e Boletim da ANE, Brasília (diversos números). Participou das antologias Alma Gentil (Ed. Códice, Brasília, 1994) e Caliandra (André Quicé, Brasília, 1995). Publicou os livros Poesia Francesa: Pequena Antologia Bilíngüe (Thesaurus, Brasília, 1998; 2ª ed., 2005); Cidades Tentaculares, de Émile Verhaeren (Thesaurus, Brasília, 1999); Poetas do Século de Ouro Espanhol (tradução, em colaboração, Embaixada da Espanha no Brasil/Thesaurus, Brasília, 2000); Rimas, de Gustavo Adolfo Bécquer (tradução, Emb. da Espanha/Thesaurus, Brasília, 2001); Poetas Portugueses y Brasileños: del Simbolismo al Modernismo (tradução, em colaboração, Instituto Camões/ Emb. de Portugal em Buenos Aires, 2002); Victor Hugo: Dois Séculos de Poesia (tradução, em colaboração, Thesaurus, Brasília, 2002); O Sátiro e Outros Poemas, de Victor Hugo (tra- dução, em colaboração, Galo Branco, Rio de Janeiro, 2002) e Gaspard de la Nuit, de Aloysius Bertrand (FAC, Secretaria de Cultura do DF/Thesaurus, 2003) e Antologia Pessoal de Rodolfo Alonso (tradução, em colaboração, Thesaurus, Brasília, 2003). Recebeu os prêmios Joaquim Norberto de Tradução – 2001, da União Brasileira de Escritores-RJ, por Poetas do Século de Ouro Espanhol, e Cecília Meireles de Tradução – 2002, também da UBE-RJ, por Rimas, de Gustavo Adolfo Bécquer. Biblioteca Nacional de Brasília 18 Tributo ao Poeta
  • 19. Perfil Humano e Poético de Anderson Braga Horta José Jeronymo Rivera Aragão Júnior Honrado com o convite do ilustre Diretor da Biblioteca Nacional de Brasília, o escritor e amigo Antonio Miranda, para fazer a saudação ao Poeta Anderson Braga Horta na merecida homenagem que hoje lhe é prestada nesta Casa, deparei-me de início com dois aspectos da tarefa que me era confiada. Por um lado, o fato de ser a obra do homenageado bastante familiar aos interessados em literatura em nossa cidade e no País, graças à reconhecida qualidade de seus escritos, comprovada pelos inúmeros prêmios que lhe foram atribuídos ao longo de sua carreira de escritor; por outro, à circunstância de não poder escapar ao risco de, nesta apresentação, não poder deixar de repetir válidas apreciações de intelectuais de reconhecida competência – maior que a minha, modesto poeta menor e tradutor – sobre o trabalho desse dedicado cultor das belas letras que é o poeta, contista, crítico, ensaísta, algumas vezes teatrólogo e humanista sempre, Anderson Braga Horta. Acompanho o desenvolver da criatividade poética de nosso homenageado desde os tempos em que fomos colegas no saudoso Colégio Leopoldinense, nos primeiros anos da década de 1950, quando participamos com amigos, como nós escritores incipientes, do grêmio literário daquele educandário, e ainda realizamos vários programas na rádio local apresentando grandes poetas brasileiros de nossa afeição. E no pequeno jornal escolar a nós confiado – O Três de Junho – publicou Anderson alguns de seus primeiros trabalhos poéticos. É dessa época o belo – e, por que não dizer?, claramente romântico – Noturno, datado de Leopoldina, 1951, e até hoje inédito em livro, que tenho o prazer – talvez em primeira mão – de mostrar aos amigos: Perfil Humano e Poético de Anderson Braga Horta 19
  • 20. NOTURNO Vai-se esconder o Sol, à tarde, no horizonte. A noite faz surgir de uma insondável fonte as brancas florações de estrelas lá no céu. As trevas vêm cobrir a terra adormecida, e os vaga-lumes no ar –meteoros em corrida– piscam loucos, voando, em mágico escarcéu. Vê como a Lua espreita os ternos namorados! Olha como o luar escorre nos telhados e corre a mergulhar no lago dos teus olhos! Não ouves da palmeira o farfalhar queixoso? Silêncio tudo mais… solidão e repouso… e os astros a brilhar, quais eternos in-fólios, onde se lê o amor e se percebe a vida! Vem contemplar o céu, junto de mim, querida, na quietude da noite estranha e misteriosa. Não ouviste no bosque a brisa que passava, trazendo as mil canções que o mar lhe segredava? São murmúrios de amor… e a noite é tão formosa… Aconchega-te a mim. Deixa-me em teu regaço dormir, sob o luar… Nos teus braços me enlaço, mais macios, meu bem, que a mais sedosa alfombra!… Mergulho em teu olhar meus olhos ansiosos… Sussurra a brisa ainda uns gemidos saudosos… Teus traços, pouco a pouco, esvaem-se na sombra… Mas, não! já no horizonte o sol vai clareando! Somente, lá no azul, piscam de quando em quando alguns astros que vão sumindo lentamente… A madrugada surge, esplendorosa e bela, e as luzes da manhã, batendo na janela, a estrela do meu sonho ofuscam de repente!… Biblioteca Nacional de Brasília 20 Tributo ao Poeta
  • 21. Já residindo no Rio de Janeiro, onde completou o curso de direito, continuou Anderson a publicar seus poemas, alguns dos quais em revistas e jornais, vindo a receber prêmios como o Olavo Bilac, em 1964, da então Guanabara, merecendo no Parecer de Carlos Drummond de Andrade, que integrava o júri ao lado de Manuel Bandeira e outros, as seguintes palavras sobre Altiplano e Outros Poemas: “Quer no longo poema sobre a fundação de Brasília, que abre o livro, quer no conjunto do volume, registra-se uma intensidade de expressão que afirma a personalidade do poeta … É uma poesia enérgica, de poderosa carga emocional, e trabalhada com bastante apuro técnico.” Enquanto Joanyr de Oliveira, em março de 1965, escrevia no Correio Braziliense que “Anderson Braga Horta construiu, com ‘Altiplano’, o magno poema da Capital da Esperança”. Na Apresentação dessa primeira obra editada por Anderson, já em Brasília, em 1971, dizia o saudoso Almeida Fischer: “Altiplano e Outros Poemas assinala a estréia em livro de um dos melhores poetas jovens do Brasil, ganhador de vários prêmios literários de âmbito nacional e com trabalhos incluídos em várias antologias …. Seus versos, construídos com absoluta correção formal, trazem em si poderosa carga poética, que se transmite de imediato e por inteiro a quem os lê. E vale a pena lê-los, pois são dos mais belos da literatura brasileira de nossos dias.” E ainda no Jornal de Letras, no mesmo ano, reiterava Fischer: “É livro de estréia de poeta adulto e experiente, que conhece bem os segredos de seu ofício. Tão bem, que recria a vida, em suas manifestações mais simples e até pouco poéticas, transformando tudo, com seu poder artístico, em poesia da mais autêntica.” Continuando a percorrer a vasta fortuna crítica de nosso poeta, vejamos o que em Poetas Novos do Brasil, de Walmir Ayala, 1969, afirma Afonso Félix de Sousa: “… na poesia de Anderson Braga Horta deparamos com a necessidade de comunicar-se alguma coisa, o gosto pelas soluções formais e a ênfase emprestada ao lado inventivo da criação, sem que contudo nela predomine qualquer dessas tendências. Já pelos títulos da presente coletânea (Eu, o Homem) e do seu livro anunciado (Exercícios de Homem), bem como por boa parte dos poemas aqui inseridos, verificamos ter o poeta em mira a problemática humana, quer em seus aspectos puramente individuais, quer nas manifestações coletivas. Essa preocupação fundamental da sua poesia, Anderson Braga Horta procura transmiti-la sem inibições ou preconceitos às vezes esterilizantes. Se a sua meta é o humano, tem ele consciência de que não é possível atingi-la por meio de puras e simples viagens em torno de si mesmo, nem com a redução dos problemas e mistérios do ser a ocos exercícios retóricos, mas sim mediante a colocação do próprio eu como partícula e projeção de um todo em progresso: ‘Uno e múltiplo, / solidário e solitário, respiro / pó e treva. E esperança’.” Em seu importante Escritores Brasileiros ao Vivo, v. l, 1979, escreve Danilo Gomes: Perfil Humano e Poético de Anderson Braga Horta 21
  • 22. “Um dos melhores – e mais premiados – poetas de sua geração, Anderson Braga Horta teve seu primeiro contato profundo com a poesia quando, ali pela volta de suas casemireanas oito primaveras, defrontou-se com ‘O Pequenino Morto’, página antológica de Vicente de Carvalho. A leitura daquele drama (a que poucos escaparam no ginásio, inclusive eu) deixou-lhe penosa impressão, dessas que estigmatizam pelo resto da vida. Já aos quinze anos, sob o influxo do condoreiro Castro Alves, começou a escrever. Influenciaram-no todos os românticos. E alguns clássicos, o venerando Camões à frente, com seu olho vazado na guerra e suas ninfas do Tejo. Não escapou à magia verbal de Bilac, Alphonsus de Guimaraens (seu belo poema “Cantilena” é deliciosamente alphonsiano), Cruz e Sousa. Depois, o impacto de Drummond, Bandeira, João Cabral, Fernando Pessoa – esse primeiro time.” E quero acrescentar a esses depoimentos o do também poeta Antonio Miranda, que em “A Tese de Edgar Morin e a Poesia Exemplar de Anderson Braga Horta” afirma: “A poesia de Anderson Braga Horta fica no ponto de transição humanista-redentorista, que acredita na superação do homem, na salvação e em certo determinismo que nos leva sempre ao progresso (garantido pela evolução histórica) e, em sentido contrário, conforme a assertiva moriniana, levanta a questão da impossibilidade de qualquer progresso, numa aventura incerta, e também à certeza de que toda conquista é efêmera e requer reconstruções infinitas, avanços e recuos, riscos constantes.” Em 1976, publicava Anderson pelo Clube de Poesia de Brasília o livro Marvário, reunindo poemas escritos entre 1957 e 1963. Sobre esse trabalho, dizia o autor nas abas do livro que este “abriga desde poemas arrastados por um tradicionalismo que está na base da formação do autor – ‘Cantilena’ ou o soneto-de-efeito ‘A Prostituta do Cais’, por exemplo – até o ludismo contemporâneo de ‘(A)mar(o)’; desde a preocupação social do último fragmento de ‘Marvário’ até a gratuidade das ‘Canções’. Alguma coisa há, porém, ligando essas ilhas poemáticas, não escalonadas cronologicamente ou de modo a refletir um processo evolutivo; a vaga marinha (ou fluvial, ou pluvial, ou lacustre) que lhes banha as praias, e que as impregna. E não apenas do mar-oceano, ou do mar-lirismo, senão também das águas místico-metafísicas, onipresentes. Assim como o mar, vário é o poeta, entretanto uno.” Sobre este segundo livro de Anderson, assim se manifestou Waldemar Lopes: “Trata-se, com efeito, de um poeta integrado nas responsabilidades de seu ofício, atento à importância dos sortilégios verbais, e preocupado, como todo artista consciente, em aperfeiçoar o domínio de seus instrumentos de criação – no caso, a palavra. Daí resulta o traço fundamental da poética de Anderson Braga Horta, bem evidenciada nas três partes de que se compõe Marvário: a fusão bastante clara de elementos emocionais e intelectuais, com o predomínio ora de uns ora de outros, sem que o autor deixe de exercer constante vigilância sobre o produto final – em termos de expressão estética – do pensamento ou do sentimento.” No ano seguinte, 1977, sob co-patrocínio do Instituto Nacional do Livro do então MEC, era editada a terceira obra de nosso Poeta, com o sugestivo título Incomunicação. Na Apresentação do livro, assinalava o escritor Alan Viggiano que Biblioteca Nacional de Brasília 22 Tributo ao Poeta
  • 23. “… nem o mar … nem o lúdico e a exuberante natureza … deixam de estar presentes em Incomunicação, como elementos de equilíbrio poético e de atenuação da possível aspereza que o título sugere. Esta é uma face um tanto sombria, algo tristonha e angustiosa, porém jamais pessimista e sempre lírica.” Como exemplo desse lirismo, transcrevia Alan o belo poema “Olhos” (aliás, também de minha especial predileção): De repente descubro a lavada beleza de teus olhos. Entre mim e o sono trazes um sol nos lábios e nos seios Vênus.) Teus olhos são como céus que choveram. E em sua habitual lucidez, escreveria mais tarde Almeida Fischer (in: “Dois Poetas e seus Caminhos”, Correio do Povo, 9-9-78; Suplemento Literário do Minas Gerais, 9-9-78; Jornal de Piracicaba, 24-9-78; e O Áspero Ofício, 4.ª série, 1980): “Incomunicação reúne poemas quase sempre enfocando o homem só, ante si mesmo, remoendo seus problemas, suas angústias, seus desencontros, seus descaminhos e desencantos. No fundo, está o problema da solidão do ser humano …. Também reflexiva e de fundo por vezes místico, a poesia de Anderson Braga Horta se constrói com grande apuro técnico, em que se destaca boa inventiva imagística elaborada sobre valores verbais de muita expressividade conotativa. Apesar do título do livro, os poemas de Incomunicação comunicam quase sempre o sentimento e a mensagem do autor.” Na Apresentação de Exercícios de Homem, publicado em 1978 e ganhador do Prêmio Alphonsus de Guimaraens da Academia Mineira de Letras, dizia a grande poetisa e tradutora Henriqueta Lisboa: “… Itinerário bem planejado, bem articulado e bem construído, num todo harmônico e severo, de linhas e formas que se procuram e se sustentam estruturalmente, partindo de uma razão profunda para uma expressão poética paradoxal e conflitiva. Os problemas do indivíduo, em ampliação, alcançam a área da problemática social, com muita felicidade em certos poemas, como ‘A Engrenagem’, e agressividade em outros, como ‘Apartheid (Suláfrica)’ e ‘Os Espantalhos’. Os conceitos do Autor encontram forma adequada, indiretamente, numa linguagem analógica de sons, ritmos e metáforas de intensa vibração – testemunho de sua força imaginativa. Enquanto o texto se afirma como expressão do humano, prevalece a palavra como valor essencial do poético.” O que era ratificado por Fritz Teixeira de Salles, ao afirmar que “… importa assinalar neste trabalho a identificação entre a consciência social e a consciência estética. Isto é, Exercícios de Homem estrutura-se segundo um recorte esteticamente elevado a serviço dos grandes temas da nossa hora.” (Encontros com a Civilização Brasileira, abr.-79.)” Perfil Humano e Poético de Anderson Braga Horta 23
  • 24. Em 1981, na apresentação do poeta em Horas Vagas 2, organizado por Joanyr de Oliveira, tive ocasião de observar: “Livros como Altiplano e outros Poemas, Marvário, Incomunicação e Exercícios de Homem, entre os já publicados integralmente, e, ainda, vários outros inéditos, estão aí como testemunhos de um trabalho intelectual de rara homogeneidade, de uma feliz combinação de talento e inspiração, em que a procura da melhor solução lingüística ressalta a expressão do interesse pelo Homem como ser criado, mas também (re)criador do Mundo, que é, se assim podemos afirmar, o verdadeiro ‘leitmotiv’ da poética de ABH. Trazido ao leitor naquela linguagem eficiente, porque clara e precisa, da modelar lição de Pound.” Finalmente, em seu importante estudo À Sombra de Orfeu, de 1984, escreveu o poeta, crítico e tradutor Ivan Junqueira: “Nos Exercícios de Homem, Braga Horta revela uma pujança e uma criatividade dignas de todos os possíveis encômios. Todas as artimanhas da arte poética e segredos da poesia parecem estar sob o jugo de sua mão habílima e versátil. Trata-se de um livro de funda e pertinaz reflexão, de graves acentos bíblicos, crivado de fantasmagorias e augúrios, vazado numa linguagem de absoluta limpidez e plasticidade, de uma riquíssima e insólita imagérie, de inumeráveis inventos e engenhos e, enfim, de um ímpeto contestatório cuja frontal contundência política raramente se vê até mesmo em nossos mais contumazes poetas engagés.” Em 1983, foi publicado Cronoscópio, sob a égide do INL e da Fundação Nacional Pró- Memória. Sobre este livro, que recebera em 1969, em sua primeira versão, o Prêmio Fernando Chinaglia da UBE, escreveu José Hélder de Souza, em artigo no Correio Braziliense: “… neste Cronoscópio, como nos livros anteriores, perpassa uma funda preocupação com o destino do homem, uma preocupada lamentação das injustiças do nosso mundo. Neste como nos demais, encontramos sentidos poemas como ‘Cabeça e Corpo’ em que o poeta, numa linguagem exata e limpa de demagogia, condói-se com o sacrifício político de Kennedy, Luther King e Lincoln, pelas forças anti-homem da ‘negra noite americana’, a mesma noite a propagar-se pelo mundo, como se sente no ‘Rimance dos Inocentes’ ou no poema em que faz exercícios de poesia concreta, ‘Notícia’ – em que noticia os conflitos do mundo moderno e acaba por concluir que ‘o homem está sendo assassinado no útero’.” Por sua vez, José Roberto de Almeida Pinto, em sua Poesia de Brasília: Duas Tendências, dissertação de mestrado, UnB, 1983; ed. Thesaurus, 2002, afirmava que “Do ponto de vista da publicação em livro, Anderson Braga Horta é, dentre os autores da ‘poesia culta’, o mais ligado a Brasília e talvez o único ao qual se pode atribuir a qualificação de poeta essencialmente brasiliense.” Em 1984, veio à luz, com Estudo Introdutório de Antonio Roberval Miketen, O Cordeiro e a Nuvem, sobre o qual assim se manifestou o crítico Reynaldo Bairão, no Jornal de Letras, jan. 85: “Esta antologia poética – O Cordeiro e a Nuvem – Thesaurus, Brasília, 1984 –, agora oportunamente publicada, vem comprovar que seu autor já tem uma obra respeitável e Biblioteca Nacional de Brasília 24 Tributo ao Poeta
  • 25. das mais importantes de sua geração. Também em Anderson Braga Horta nós sentimos a influência de outros poetas, como por exemplo a presença de Carlos Drummond de Andrade – no bom sentido – nesse magnífico poema ‘Didática’, à página 51. … Aliás, há igualmente nos seis poemas de ‘Didática’ um fazer literário que lembra o melhor Fernando Pessoa / Ricardo Reis das Odes. No mesmo ano de 1984, em seu discurso de recepção ao nosso poeta na Academia Brasiliense de Letras, dizia o escritor H. Dobal: “Anderson é o cantor de Brasília, é o cantor do altiplano, e somente a sua profunda identificação com esses espaços abertos, com esta cidade que repousa leve na sua pesada geometria, poderia levá-lo à fixação poética de um momento inesquecível, uma sensação que eventualmente domina a todos nós aqui, talvez devido a esta amplidão e, em certas épocas do ano, à extrema secura destes ares; uma sensação de homem-asa, de liberdade no vôo, de ser aéreo mas ao mesmo tempo contingente e inútil. … um poeta, que nos faz escutar o apelo das auroras, que nos leva a tatear as paredes do tempo, conscientes da passagem de infinitos minutos, sabendo que a vida é uma labuta desigual mas jamais é indiferente, que mesmo no castigo dos verões nos resta a promessa do refrigério das chuvas, que há sempre a certeza de que não estamos sozinhos nesta cidade na expectativa dos acontecimentos, mas fortalecidos na solidariedade da esperança de um tempo mais alto, um tempo claro e simples, um tempo sem detritos.” Continuando a percorrer, com a progressão de seus livros, a trajetória da poesia publicada de Anderson Braga Horta, temos em 1990 o advento de O Pássaro no Aquário, em que encontramos, além de verdadeiras obras-primas como “Elegia de Varna” e “O Aleijadinho”, este belo instantâneo: ARCO-ÍRIS A chuva o áureo espectro do Sol nos dedos quebra. Sobre o novo trabalho de Anderson, ressaltava Fernando Py, no Diário de Petrópolis: “Neste O Pássaro no Aquário, Horta apresenta um conjunto de poemas em geral versando sobre questões existenciais, e que indagam de si mesmo como poeta e como ser humano. Tais indagações se espalham pelo livro, assumindo às vezes conotações de angústia (não por acaso uma das partes do volume se chama precisamente ‘Da humana angústia’). A poesia de Anderson Braga Horta tem alcançado ultimamente uma expressão madura e o domínio técnico-verbal que o colocam como um dos melhores poetas brasileiros do momento.” Em 1999, o escritor pernambucano Edson Guedes de Morais, em sua Editora Guararapes- EGM, homenageou o 65º aniversário de Anderson com a bela edição artesanal de Sonetos na Corda de Sol. Comentando o livro na Tribuna da Imprensa do Rio de Janeiro, escreveu o acadêmico Antonio Olinto: Perfil Humano e Poético de Anderson Braga Horta 25
  • 26. “É mister que se inclua o nome de Anderson Braga Horta na lista dos grandes poetas deste País. Seu verso tem ecos longínquos, mas brota de um período de transe, quando um milênio se desfaz e as coisas se modificam.” Cabendo-me a honra da Apresentação da obra, tive ocasião de me referir ao belíssimo “Soneto Antigo”, datado de 1961 e publicado cerca de dez vezes em jornal, antologia e revista, expressando que “nele, com sua mestria habitual, consegue Anderson Braga Horta deliciar-nos, seja pela riqueza das imagens, seja pelo absoluto domínio do fazer poético.” E por esse e outros motivos concluí afirmando que “a leitura destes ‘Sonetos na Corda de Sol’ nos permite considerar seu autor um digno continuador, em nosso tempo – infelizmente tão pobre em lirismo –, de poetas da estatura de um Camões.” E já que falei no “Soneto Antigo”, não resisto à tentação de recordá-lo aos caros amigos: Tanto, tanto de amor me eu tenho dado, hei-me em tantas fogueiras consumido, que fora de esperar no peito ardido nada me houvera de ilusão sobrado. Porém quanto mais sonhos hei nutrido deste manancial inesgotado, mais o tenho, no peito, avolumado: que mais forte é amor, se dividido. E se o destino tenho marinheiro, volúvel me não chamem, ou perjuro: que do amor sou apenas passageiro, em porto inda o mais doce, não aturo, e no mesmo travor do derradeiro já prelibando estou o amor futuro. Em janeiro de 2000 – embora só tenha aparecido algum tempo depois –, foi publicado pela Barcarola de São Paulo, em nova coleção anunciada por Gilberto Mendonça Teles, um pequeno volume de poemas de Anderson, intitulado Pulso, – sobre o qual, curiosamente, o autor nos declarava, em particular, serem os poemas da aposentadoria – e que foi comentado por Fernando Py, na Tribuna de Petrópolis, com as seguintes palavras: “Poeta dos melhores em sua geração, Anderson mostra sobejamente neste Pulso todas as suas qualidades. Nos dois poemas iniciais (‘Indagações’, p. 9, e ‘Poética’, p. 11) questiona o nascimento da poesia e propõe um texto que seja produto direto do inconsciente (‘deixa que a mão escreva’, verso que se repete com insistência até o final do poema). Isto indica naturalmente uma forma de encarar a poesia e como realizar um texto poético. … E seu Biblioteca Nacional de Brasília 26 Tributo ao Poeta
  • 27. virtuosismo chega ao auge da recriação poética nas duas versões que faz da tradução do poema ‘A Ballade of Dreamland’, do poeta inglês Algernon Charles Swinburne (com o título de ‘Balada do país do sonho’, pp. 90 e 92).” No final de seu Estudo Introdutório, intitulado “O Verbo, o Belo e a Condição Humana”, ao belo e artesanal Quarteto Arcaico, em edição da Guararapes, ainda em 2000, afirmava o poeta João Carlos Taveira: “Com este livro, ponto de altíssimo nível de iluminação da obra de Anderson Braga Horta, por representar, dentro de sua criação artística, um mergulho dos mais felizes nas fontes da poesia brasileira, tenho motivos de sobra para vaticinar a consagração de uma vocação humanista, sempre voltada poeticamente para os reais valores do Homem, na construção de um mundo mais justo, mais generoso e mais fraterno.” Em setembro do mesmo ano de 2000, singularizado pela circunstância de ser o último do segundo milênio de nossa era (para alguns é o primeiro… mas se lembrarmos que não houve ano zero…), surgia aquele que pode ser considerado a súmula do fazer poético de nosso homenageado, não por acaso comemorando o cinqüentenário de sua dedicação às musas: o livro Fragmentos da Paixão, em que Anderson oferecia ao grande público seus versos reunidos, incluindo os inéditos “Poemas Escritos com Raiva” e o “Auto das Trevas”, este um poema dramático escrito em 1997 e premiado pela Fundação Catarinense de Cultura. Nas dobras do livro, comentando a extensa produção do autor, pontificava José Santiago Naud: “Na fértil poética brasileira, de norte a sul e de leste a oeste, são inumeráveis os nomes que já escreveram palavras definitivas. No entanto, ninguém terá um direito maior do que Anderson Braga Horta para honrar a derradeira afirmativa de Hölderlin: ‘Was bleibet aber, stiften die Dichter’. Mas o que permanece, fundam os poetas.” E em O Escritor – Jornal da UBE, SP, 2001, concordava Samuel Penido: “Fragmentos da Paixão traz-nos a obra de um poeta que nasceu maduro; a obra de um poeta que soube renovar-se através do tempo. Renovação que não se deu por acaso, mas à custa de muita ‘luta com a palavra’, de muito rigor técnico. Seu texto está recheado de alusões, de achados formais, que lembram os grandes mestres da poesia; apenas lembram, pois o que prepondera sempre é sua criatividade: uma idéia a gerar outra, ou a descoberta de uma nova solução expressional.” Confirmando o entendimento desses e de muitos outros críticos e ensaístas que se debruçaram sobre a obra de Anderson, deu Fragmentos da Paixão ao autor o Prêmio Jabuti de 2001, na categoria “Poesia”, conferido pela Câmara Brasileira do Livro, trazendo-lhe o merecido reconhecimento pela excepcional qualidade de sua já longa escalada poética. Já no ano de 2001, saía pela Thesaurus de Brasília a Antologia Pessoal de nosso homenageado, em cujo intróito, intitulado “O autor por ele mesmo”, Anderson nos oferece uma verdadeira profissão de fé na literatura, ao falar de sua vida e de suas influências, e do qual selecionei o seguinte e expressivo parágrafo: Perfil Humano e Poético de Anderson Braga Horta 27
  • 28. “Penso que o poeta não pode deixar de se assenhorear das técnicas do verso, embora a técnica, obviamente, não seja tudo. Que ao escritor compete extrair do potencial de sua língua toda a cintilação que possa, dignificando-a sempre. Que escrever é atividade intelectual, sim; mas não se esgota no âmbito do intelecto; que o poeta há de comover- se e comover, sim; mas não se há de entregar, ingenuamente, à emoção desassistida da inteligência, porque a emoção, por si só, não é ainda arte, não é ainda poesia. Que a esse amálgama de pensamento, emoção, sentimento que é o poema não se deve tolher o voltar- se para a sorte do homem no espaço e no tempo, seja do ponto de vista filosófico, seja do social; pois à poesia, arte da palavra, interessa necessariamente tudo o que de humano se possa representar nela. E que, portanto, a arte do poeta há de ser mais complexa, mais completa, mais abrangente e mais profunda do que tendem a fazê-la os jogos – algumas vezes brilhantes – a que pretendem reduzi-la correntes revolucionárias.” Chegamos assim a 2003, quando, em seguimento à divulgação dos trabalhos poéticos de Anderson, saíram, pela Edições Galo Branco do Rio de Janeiro, os 50 Poemas Escolhidos pelo Autor, coroando, de certa forma, uma trajetória de mais de trinta anos de publicação de sua poesia, no expressivo total de treze livros-solo. E quero lembrar neste ponto a freqüente participação de Anderson, a convite de seus organizadores, em muitas antologias de poesia publicadas no Brasil e no exterior, entre as quais podem ser citadas A Novíssima Poesia Brasileira e Poetas Novos do Brasil, de Walmir Ayala, Rio de Janeiro, 1962 e 1969; Poetas de Brasília e Antologia dos Poetas de Brasília, de Joanyr de Oliveira, Brasília, 1962 e 1971; Em Canto Cerrado, de Salomão Sousa, Brasília, 1979; Brasília na Poesia Brasileira, também de Joanyr de Oliveira, RJ/Brasília, 1982; Alma Gentil: Novos Poemas de Amor, de Nilto Maciel, Brasília, 1994; Caliandra, de Alan Viggiano, Brasília, 1995; Sincretismo, de Pedro Lyra, RJ, 1995; Pedras de Toque da Poesia Brasileira, de José Lino Grünewald, RJ, 1996; Solo para Quinze Vozes, em tradução de Rumen Stoyanov, Sófia, 1996; A Poesia Mineira no Século XX, de Assis Brasil, RJ, 1998; Vozes na Paisagem, de Waldir Ribeiro do Val, RJ, 2005; Antologia Comentada da Literatura Brasileira: Poesia e Prosa, de diversos autores, Petrópolis, 2006, e Poesia Brasileira Contemporânea, tradução para o búlgaro de R. Stoyanov, Bulgária, 2006. É mister, a esta altura, abordar a importante contribuição de nosso autor na difícil mas recompensadora esfera da tradução poética, em que tem-se revelado, na opinião dos mais respeitados críticos, em que pese sua modéstia habitual, um verdadeiro mestre. Assim é que ainda naquele prolífico ano de 2000 veio à luz, sob a égide da Embaixada da Espanha no Brasil, e em edição bilíngüe, a coletânea Poetas do Século de Ouro Espanhol, de que tive a honra de participar, ao lado de Anderson Braga Horta e do saudoso poeta e querido amigo Fernando Mendes Vianna. Precedida de percuciente estudo de Manuel Morillo Caballero sobre aquele importante período da literatura ibérica, ressaltam nesse trabalho, que inclui nada menos de 45 poetas espanhóis e até portugueses como Camões, as competentes traduções de Anderson, como na difícil e extensíssima versão da “Fábula de Polifemo y Galatea” por Anderson e Fernando – com toda justiça, um verdadeiro tour de force. Em 2002, quando se comemorava o bicentenário do grande Victor Hugo, novamente se congregou aquele trio de tradutores para, de início, preparar um pequeno livro com o qual o dedicado editor Victor Alegria, da Thesaurus de Brasília, homenageou aquela efeméride: e Biblioteca Nacional de Brasília 28 Tributo ao Poeta
  • 29. assim surgiu Victor Hugo – Dois Séculos de Poesia, que, apesar de sua modéstia, mereceu ser honrosamente citado na recém-publicada Uma História da Poesia Brasileira, do poeta e crítico Alexei Bueno. Em seguida, agora sob o selo das Edições Galo Branco, do Rio de Janeiro, apresentamos a coletânea O Sátiro e Outros Poemas, precedida por um bem fundamentado estudo de Fernando Mendes Vianna sobre Victor Hugo. Ainda no campo da tradução de poesia, tive também o prazer de participar, no mesmo ano de 2002, ao lado de Anderson e outros companheiros poetas e tradutores, da elaboração da Antologia Poetas Portugueses y Brasileños – De los Simbolistas a los Modernistas, em edição bilíngüe em português e espanhol organizada e apresentada pelo pranteado poeta José Augusto Seabra, então embaixador de seu país na Argentina, e por nós lançada naquele ano na capital platina. Mais adiante, em 2003, nosso homenageado, Seabra e eu tivemos ensejo de verter para o português os poemas que compõem a Antologia Pessoal do poeta e tradutor argentino Rodolfo Alonso, também editada, como a anterior, pela Thesaurus de Brasília; a esta se seguiu, no mesmo ano, a tradução dos 25 Sonetos Descaradamente Eróticos, do conselheiro da Embaixada de Espanha José Antonio Pérez-Montoro, de que participei novamente com Anderson. Em 2006, sob os auspícios da Asociación de Agregados Culturales Iberoamericanos, apoio do Governo de Mato Grosso e organização de Pavel Égüez, saiu a Antologia Poética Ibero- Americana, em que novamente colaborava com Braga Horta e Fernando, em trabalho realizado cerca de oito anos antes – e que infelizmente só veio à luz após o passamento do autor de Marinheiro em Terra –, na tradução de sessenta e seis poemas de vinte e dois poetas. Mas, além de exímio poeta e tradutor de poesia, Anderson Braga Horta, que com razão foi definido como um escritor multifacetado, já vinha de muito antes dando mostras de seu talento em outros campos literários, como o do conto, da crônica, do ensaio e da própria crítica literária. Disso dá mostras sua participação, entre outras, em diversas antologias, como Contistas de Brasília, de 1965, organizada por Almeida Fischer; O Horizonte e as Setas, de 1967, e Horas Vagas, de 1981; e ainda neste último, ao apresentar nosso autor como praticante do gênero, tive ocasião de acentuar que “… será o campo da estória curta o menos freqüentado pelo escritor ABH, também muitas vezes crítico e ensaísta”. E continuava acentuando que “ … razões várias poderiam ser apontadas para o fato, desde a maior afeição e constância na dedicação à forma poética, seja em versos clássicos ou modernos, brancos ou rimados, metrificados ou livres, até, quem sabe, remontando à juventude do poeta, a fidelidade aos primeiros impulsos, quando a inspiração de Anderson encontrava nos sonetos e poemas curtos a forma ideal”. Em 1980, contribuiu Anderson em O Conto Candango, organizado por Salomão Sousa; em 1988, está presente em Contos Correntes, de Napoleão Valadares, em conjunto com outros companheiros da Associação Nacional de Escritores, de Brasília; em 1997, temo-lo em O Prazer da Leitura, de Jacinto Guerra; e em 2004 e 2006 participa, respectivamente, da Antologia do Conto Brasiliense e de Todas as Gerações: o Conto Brasiliense Contemporâneo, ambos preparados por Ronaldo Cagiano. Perfil Humano e Poético de Anderson Braga Horta 29
  • 30. Também como ensaísta tem nosso poeta dado mostras de seu talento polimorfo, como o atestam seus trabalhos Erotismo e Poesia, Brasília, 1994, e A Aventura Espiritual de Álvares de Azevedo, Brasília, 2002, entre outros; enquanto no campo da crônica está presente, por exemplo, em Cronistas de Brasília, de Aglaia Souza, Brasília, 1995. Mas foi nas páginas de Sob o Signo da Poesia: Literatura em Brasília, 2003, que Anderson Braga Horta veio a recolher, como informa no Preâmbulo, trabalhos escritos ao longo de 37 anos, compreendendo prefácios e orelhas de livros, ensaios, discursos acadêmicos, artigos, resenhas e crônicas saídos em diversos periódicos (e algumas das últimas divulgadas pela Rádio MEC da capital), em que descortina um vasto panorama da literatura da nova capital, como descreve no texto “Notícia de Poesia em Brasília”, com que abre o livro de mais de 500 páginas. Ao comentar essa obra, escreveu Ronaldo Cagiano, em O Escritor, 2004: “Ao reunir em Sob o Signo da Poesia sua apreciação crítica sobre a produção poética no Distrito Federal, Anderson Braga Horta deixa a marca significativa de um consciencioso estudo literário, coligindo não só as observações de um poeta e de um crítico, deixando um referencial importantíssimo para leitores, escritores e interessados em pesquisar a literatura de boa qualidade produzida na capital do país.” A propósito deste livro, comenta Luiz Carlos Guimarães da Costa, em sua valiosa História da Literatura Brasiliense, de 2005: “… O mais profícuo, assíduo e presente escritor da literatura de Brasília, ao organizar e publicar esta obra, fê-lo na certeza da magnitude da importância que o testemunho de seu trabalho tem para a história da literatura do Distrito Federal, não apenas com relação à sua obra como escritor, mas neste caso específico para a afirmação, sedimentação, divulgação e disseminação da adolescente literatura brasiliense. Anderson Braga Horta, em seus 34 anos de convivência literária em Brasília, analisou (no mínimo as citadas no livro) obras de autores radicados na cidade, nela publicadas ou não, num total de cento e sessenta e dois livros, de cento e sete escritores, certamente um volume considerável de tudo o que foi produzido, com qualidade, na literatura da Nova Capital.” Em 2004, reuniu Anderson em Traduzir Poesia, além de ensaios, prefácios e palestras que deram origem ao livro, grande parte de suas traduções de diversas línguas para a nossa. Nele posso afirmar, sem exagero, que o poeta dá mostras cabais da maestria a que já me referi, como o comprovam as inúmeras notas e variantes apresentadas, além, como citado na apresentação, de mostrar aspectos, dificuldades e perplexidades daqueles trabalhos, constituindo-se portanto em verdadeiro roteiro do que pensa sobre a tradução de poesia. Sobre este trabalho, afirmou acertadamente Fernando Py, na Tribuna de Petrópolis: “No caso de Anderson Braga Horta, poeta de alta qualidade, o exercício da tradução tem sido uma espécie de complemento da sua obra poética, e os poemas deste livro são um exemplo não só de seu virtuosismo mas também da técnica apurada que alcançou em quase meio século de atividade de tradutor de poesia.” Continuando a publicação de seus trabalhos em prosa, editou nosso homenageado, em 2005, o livro Testemunho & Participação: Ensaio e Crítica Literária, dividido em duas partes: “Pensando Poesia” e “Registro de Leitura”, que representam, como expresso na Biblioteca Nacional de Brasília 30 Tributo ao Poeta
  • 31. Apresentação, as duas vertentes do trabalho: o pensar poesia, não em forma de exposição erudita, mas como testemunho vivido de uma experiência do fazer poético em mais de meio século; e comentários à obra de cento e muitos poetas (e alguns prosadores), no correr de quarenta e cinco anos de atividade crítica. A propósito de sua contribuição no campo da análise literária, reiterou Anderson no Preâmbulo o que já enunciara anteriormente: “Não me arvoro em crítico profissional, nem, muito menos, em historiador literário. Sou um escritor que se tem muitas vezes debruçado sobre a obra de companheiros de ofício, por admiração, solicitação, injunções eventuais, por isto ou aquilo, enfim, mas sempre com o respeito devido a quem vê na literatura um instrumento privilegiado de dizer o mundo e de dizer-se ao mundo. Conhecendo os limites de meu trabalho, sem os escamotear ofereço minha contribuição.” E finaliza com as palavras: “Se a este livro for reconhecida alguma valia para a memória literária de uma época, dar-me-ei por satisfeito.” E ao louvar, como de direito, a validade desse esforço, reconheceu o ilustre poeta cearense Francisco Carvalho: “Testemunho & Participação é desses livros que necessariamente elastecem os horizontes da tradição cultural de um povo. Presta-se a consultas de professores e estudantes de cursos de letras e até mesmo do ensino de nível médio. Não apenas pela riqueza das informações qualificadas, como também pela credibilidade das fontes a que teve acesso o autor, ele próprio um dos profissionais mais operosos da moderna literatura brasileira … Como todo mineiro que se preza, esse filho de Carangola, que fez de Brasília o quartel-general de suas estratégias e opções intelectuais, nos dá preciosas lições de um autêntico minerador de idéias e de palavras.” Finalmente, já agora quase no final do ano de 2007, ofereceu-nos Anderson mais um trabalho que, embora em prosa, é dedicado integralmente a sua paixão dominante, a grande poesia, e que por isso mesmo foi por ele denominado Criadores de Mantras: Ensaios e Conferências. E na quarta capa desse livro – no qual, segundo Wilson Martins, em comentário no caderno “Idéias” do Jornal do Brasil, o autor, tanto como poeta quanto leitor de poesia, pratica, a exemplo de Augusto Meyer, mais o ensaio crítico que a crítica da atualidade corrente –, tive o privilégio de trazer ao leitor interessado a mensagem que ora peço vênia para colocar no encerramento destas minhas despretensiosas palavras: “A exemplo do belo De Poetas e de Poesia, do grande Manuel Bandeira, é de bons versos e inspirados artistas que se compõe a matéria deste Criadores de Mantras, com que o poeta Anderson Braga Horta continua a dar mostras de sua outra face de comentarista perspicaz no vasto campo de sua predileção. E é com crescente prazer, para ele como para nós, que o autor nos leva a percorrer, ao longo de quase 400 páginas, um panorama crítico-amoroso de nossa poesia mais representativa, desde o Romantismo até os nossos dias, no qual estão presentes nomes como os de Álvares de Azevedo, Cruz e Sousa e Alphonsus, Augusto dos Anjos e Schmidt, Bandeira e Drummond, entre outros de mérito comparável. São poetas e poemas não só da afeição de Anderson como da nossa, que honram qualquer literatura e que devem ser sempre lembrados.” Perfil Humano e Poético de Anderson Braga Horta 31
  • 33. ALTIPLANO ANTES do começo, era o sertão, só e ríspido. Vegetais cheios de ódio fitando os céus impossíveis e apontando a terra sáfara. Dedos torcidos de séculos. Bênçãos dissimuladas sob a raiva. Natureza virgem à espera da posse. SOB a carne desidratada destas planuras já se pressentem —hígidas— as covas futuras. E dessa carne e dessas covas —morte aparente— já se pressentem fluindo em ouro arquivindouras fartas torrentes. A vida na morte enraíza. DIALÉTICOS pequis de coração de ouro e farpas guardam-se verdes do grito áureo dos tucanos. Veados camuflados. Tatus embutidos. Arisca florifauna. Ásperos minerais irônicos, no fundo, sorriem e esperam. A EROSÃO comera o ventre da terra e chupara-lhe as lágrimas. De outras terras também calcinadas o húmus viria: Poemas de Anderson Braga Horta 33
  • 34. mãos nodosas, magras mãos, mãos rudes, mãos férreas, —mãos— com o próprio sangue ralo de anemia regarão o alheio dia. VENTOS e chuvas corroeram arestas, dispersaram resíduos, e o terreno está pronto: esqueleto à espera da carne. E vieram os pioneiros e rasgaram os mapas (no papel, o embrião): corpo à espera de uma alma. E VIERAM os primeiros peões. E vieram e voltaram no périplo (sem portos) da fortuna. E vieram e voltaram e vieram no fluxo e refluxo da fome. E vieram e ficaram plantados, árvores migrantes —torcidas de séculos— enraizando, úberes, dedos, salgando impossíveis céus. TODAS as peças no tabuleiro. Reis, bispos, torres. E os cavalos. Biblioteca Nacional de Brasília 34 Tributo ao Poeta
  • 35. A batalha começou sem que ninguém desse por isso. E em lances bruscos a cavalhada, dos flancos, da retaguarda, salta e atropela peões em marcha. Silêncio de gritos coagulados. Sacrificam-se os peões, ficam-se os reis. É a lei do xadrez. Mas onde o exército inimigo? No imenso tabuleiro há um formigamento de cruzes anônimas. Subterrâneos, os mortos suportam o peso do porvir. ÁVIDA suga a terra as mil línguas da chuva. Intimidade. Poros abertos, solos refratários à lama. No entanto, há lama nos pés, nas máquinas, nas almas. Águas avolumam-se, pejando a represa. Grávidas terras falam ainda de uma pureza intratável. No ar seco, um vento áspero fala de lutas. NA CONFLUÊNCIA das virilhas o dique Poemas de Anderson Braga Horta 35
  • 36. represa os córregos. Basta um abrir de comportas e um rio irrompe em cólera. Na confluência dos párias um dique. CRESCE uma pétala na rosa-dos-ventos. Desviam-se para Oeste os rios do orvalho, de que o asfalto, o aço, o concreto, o abstrato, tudo é resíduo. Cruz resumindo sacrifícios, avião demandando o futuro. Símbolos. Reais são os mortos, alicerces nossos; real é o presente, imenso, bruto canteiro de obras. NO PLANALTO, lenta, se abre: rosa superfaturada em vidro-plano e concreto. Contraditória rosa explosiva. De tuas impurezas, de tuas asperezas, rosa queremos-te exata. No altiplano de nossas esperanças, rosa-dos-homens construímos-te futura. Biblioteca Nacional de Brasília 36 Tributo ao Poeta
  • 37. REDONDILHA QUASE CAMONIANA Os olhos, tende-los verdes… Tende-los frios, Senhora, nestes, perdidos, que outrora lhes encontravam calor. Mas de assim frios os terdes por que me espanto eu agora? se é condição de olhos verdes dar vida e matar de amor! De assim magoado me verdes Não vos dói nenhua mágoa? e neve no coração. Que, não contente de terdes aos meus confundido em água, furtai-los de aos vossos, verdes, colher madura intensão. Senhora dos olhos verdes, do verde dos vossos olhos fundei meus mares: escolhos! sereias de me perder! Ai, o bem que me quiserdes, menina dos verdes olhos, faria os meus olhos verdes das cores do bem-querer! Pois tendes os olhos verdes, Os olhos, tende-los verdes, negra se faz minha história. tende-los frios, Senhora. Por que em sua trajetória Ai eu que os sonhava outrora meus olhos sempre estarão? plenos de sumo e calor! Cuidado! se me perderdes, De frios assim os terdes menor será vossa glória, por que me espanto eu agora? Senhora dos olhos verdes se é condição de olhos verdes e de verde coração! dar vida e matar de amor!… Poemas de Anderson Braga Horta 37
  • 38. ELEGIA DE VARNA Sinto que algo ficou irrealizado em mim. Nota que vibraria o meu ser íntegro como um sino e que não se feriu. Adivinho-lhe a corda oxidando-me o peito. Tocá-la tornaria os veios de ferrugem nos rios mágicos do êxtase e então eu seria eu e não esta véspera encolhida, este quase a medo murmurado, este querer que se tolhe ante a areia dourada, este silêncio náufrago, esta solidão esmagada de estrelas. E então eu seria eu e tu, e sim, e além. Não seria este não que sequer se profere e que sobre o Mar Negro, hoje branco de fúria, fita, desesperado, a gaivota que ousa solitária o mergulho. Sinto que algo deixou de realizar-se em mim, e esta falta grita e queima e consome. Sigo nau incompleta, vento coxo, canto falhado e despedaço as asas poderosas no abjeto cais das ânsias. Sinto que algo ficou irrealizado em mim, e esta página branca invade o meu ser. Biblioteca Nacional de Brasília 38 Tributo ao Poeta
  • 39. RETRATO INDIMENSIONAL Meus pais estão no retrato sorridentes. O sorriso é claro e meigo. Entretanto, bem sei que atrás dessa luz há tanta dor concentrada! Uma dor que não se fez em dois dias, em um mês. Ai! dor de toda uma vida! Vejo agora como a soma de tantas dores dispersas, É dor. Mas dor familiar, como essa dor concentrada feita de coisas miúdas alimenta a luz sublime mais que de grandes desastres: na sua face estampada. de pedaços de esperança, Vejo-o como nunca o vira de uma atenção infinita, no tempo deles. Agora, da rotina de cuidados fora do tempo e do espaço, de amor diários —rotina melhor que no espaçotempo, iluminada!—, de restos melhor do que nunca e sempre, de emoções desencontradas, as nossas luzes se encontram de vagos desgostos, vagos num doce carinho antigo. presságios, sonhares vagos, das precisas incisões Alheios a tempo e espaço, que rasga no rosto a cega, meus pais descem do retrato lenta lâmina do tempo. e vêm conversar comigo. Poemas de Anderson Braga Horta 39
  • 40. COMO NOS CHAMARÁ O HOMEM Como nos chamará o Homem que há de vir, O Homem, que em nosso sêmen mal se antecipa? Pitencantropo? Os ritmos marciais Piteco? da escolta? Como nos chamará um batuque surdo aos que vivemos no beco de revolta? entre o Paredón e o Mito, o dedo duro, a marcha sem o Muro e o Cogumelo, requebro, entre o Big Stick ou os pandeiros ágeis e a Foice-e-Martelo? da favela? Quando sairemos da pré-história a depressão no alto do Homem? (Sairemos?) da favela? E como – no expurgo, o garbo da farda no esputinique, verde, azul, amarela? na barbicha do beatnik? Ou uma luz paisana, Como? – nos altos escalões? luz nua, cordial, nos galões? que, por luz, não dimana nos galeões? do quartel. Em outras palavras: Que Mas, antes, que se fará restará de nós no Homem? do sonho do Homem, Fósseis absurdos – que que se consome herança no sangue? num chão de baionetas! Biblioteca Nacional de Brasília 40 Tributo ao Poeta
  • 41. O ALEIJADINHO A JOSÉ JERONyMO RIVERA Entre andaimes, na sombra, sorrateira sombra ao punho disforme ata o instrumento. E faz tremer a treva: Anjo violento, fere a pedra-sabão, rasga a madeira. E que fúria o incendeia! Golpeia a massa inerte e se golpeia; e golpe a golpe essa matéria calma agita de sua alma! Com tal rigor trabalha e flama tal que bruta natureza já se não via ao termo da batalha, senão —livres– as formas da Beleza. Entre andaimes, na sombra, o negro vulto dupla obra fazia: uma – a estátua a emergir como dum sopro, e outra – que ninguém via. Que, enquanto o cego escopro lavra a dúctil matéria, outra mão, fria, outro cinzel, oculto, lavrava a carne ardente e a consumia. Poemas de Anderson Braga Horta 41
  • 42. ANTELUZ NO CAOS Descalça vai pera a fonte Lianor pela verdura; vai fermosa, e não segura. Desnudos, não pera a fonte, pera a foz das criaturas, por estes campos adustos vamos indo, e não seguros. Com nenhua fermosura. Sôbolos rios que deságuam no mar de fogo da Bomba, Mas alto! que ou meus ouvidos sôbolos rios de treva me enganam, ou vem tenteando, choram os rios do pranto. cos trapos de luz que restam, Night O Tiger Shadow Tiger ua nova, ua nova manhã? aonde negras se te abrem as fauces, os olhos nossos Será que é ela, puxada i morrem, que vão, que voam plos seus cavalos suarentos? a os, que semearam, abismos Ela ou al, evém aí, colher. E com que malícia, evém vindo, evém chegando com que felinos sofismas algo novo; evém tardonho te justificas, com que (mas evém) que vem lutando blandícies, ai! com que encantos contra estúpidas herdades nos estes prantos abrandas! de impropriedades, peneiras, Les sanglots longs des moutons! telas, biombos, vanidades, Tua foz de fogotreva! conceitos e preconceitos, Mia senhor, moir’eu por vós, tigres, símios, hienas, lobos, que nos matais… e vos amo?! cercas, balas, belonaves, Senhora, partem tã trystes fel, fomes, correntes: cousas, os nossos olhos… por be?! todas vãs? todas mudaves. Biblioteca Nacional de Brasília 42 Tributo ao Poeta
  • 43. OS ESPANTALHOS Geométricos, nosocômicos, friíssimos, defesos ao saque imponderável dos pássaros, murcham os bosques do excesso de assepsia. O veludo exato, impecável da relva – cerca — estes outros implumes pássaros amanhecentes. Privados do comércio do verde, amarelecem. E nem nos resta azul – virá o dia em que gigantescas tabuletas gritarão, interceptoras: PROIBIDO OLHAR O CÉU! E inventarão processos especiais para tolher o olfato, e cobrar-se-á pedágio nas praças, e pela brisa nos cabelos descontar-nos-ão imposto na fonte (adicional de 30% para os comedores de brisa!). Coíba-se o coito (há tanta gente…)! Risque-se o verbete amor dos dicionários! Em compensação, inscreva-se delatar! do frontispício ao cólofon. E assim murcharemos, submissos, e empalideceremos, até exaurir-se a noite, no amanhecer que a justifique. Quando os espantalhos arderão na treva pra iluminar a grande festa dos homens. Poemas de Anderson Braga Horta 43
  • 44. O TEMPO DO HOMEM Quando chegar o tempo do Homem Te cantarei os seios róseos, Viajarei, lírico astronauta, Às constelações de teus olhos Quando chegar o tempo do Homem Nas minhas mãos vinte e um satélites Trarei, sorrindo, aos nossos filhos. No vaso a rosa, inofensiva Quando chegar o tempo do Homem Quando chegar o tempo do Homem Possamos tê-lo antegravado No branco olhar dos nossos filhos, Mortos os sóis exorbitantes, Se forem cinza os nossos olhos Alto, o Sonho achará sua órbita E então nos amaremos lúcidos Quando chegar o tempo do Homem Quando chegar o tempo do Homem Como anuncia-se o relâmpago Que cegos-surdos o pressentem, Não de escasso amor conjugado Assim —súbito– o saberemos Num futuro condicionado. Amor atual, lauta romã Quando chegar o tempo do Homem Quando chegar o tempo do Homem Pois, quando for o tempo, rútila Rosa na mão do Povo aberta Amor sem susto, amor unânime, Nos dirá: Llegó! È venuto! Amor sem resíduos de estrôncio, Chegado é o tempo! Amor sem filamentos de ódio Tempo de Homem. Biblioteca Nacional de Brasília 44 Tributo ao Poeta
  • 45. CELACANTO Nadando em costas d’África Fruía o Celacanto Emissário do outrora O seu quinhão de pranto No sal que imita a lágrima Das águas no acalanto. Talvez último príncipe De extinta dinastia Em seus rudes sentidos A solidão doía Gritava o alto silêncio Da profundeza fria. Do seu mundo apartado Por muitos milhões de anos Só – atual e pré-histórico Assombrando os oceanos Que mistérios guardava Nos seus pobres arcanos? Na viuvez atônita Tu Celacanto corres De ti e contra ti Que de lembrar te morres E que em tua orfandade De ninguém te socorres. Tosco irmão Celacanto Em solitário nado Brasão de sonho em fuga Em campo blau plantado É verde o teu enigma! E eu te decifro e calo. Poemas de Anderson Braga Horta 45
  • 46. O PÁSSARO NO AQUÁRIO § Era um ponto no aquário. Era uma escama aberta no verde dúbio da água. Era uma estrela mínima em céus de queda. Era um frêmito, um ritmo, um verso regressivo à origem, nada, um sopro extinto, inda outra vez soprado por sol de oblívio, escuro. O pássaro no aquário solfejava em silêncio um sol futuro. §§ E eram guelras na escuma, e os olhos, algo como um pranto na areia, entre algas, planctos, como um pranto chorado em meio a lágrimas retidas no olho inexistente. E em breve eram garras na terra, a dura guerra, o mar perdido e o espaço ausente, ausente. Biblioteca Nacional de Brasília 46 Tributo ao Poeta
  • 47. §§§ Garras, e a crua guerra. Berro de espanto e dor no descampado entre o sêmen do sonho e a fronde ao vento. Mas o dó, mas o espanto, a dor e seu invento: um sol menor no peito; domado, um lá na plúmea escama distendida em ala urgente. E era um pássaro na alva de escarlata, cantando no alto a ária de orvalho e prata! Poemas de Anderson Braga Horta 47
  • 48. A TARTARUGA Eu venho donde vem o infinito da Vida, do crespo e ardente oceano em toda parte ondeando, da explosão inefável do que chamais abismo, e é tudo, e é nada, no pulso intemporal de quanto existe e de quanto é oculto. Vivo porque o Mistério impõe que eu viva, e na vaga da Vida —sonho que vou sonhando e que me sonha— eu beijo a mão do Arcano e o lábio do Sigilo, e reflito no olhar, como um memento, o olhar do que é, não sendo. Os olhos tenho abertos para a impressão do nimbo e do relâmpago, da água turva e do ar claro, do céu-mar que se abre e se desdobra à avidez do meu nado, de meu nada. Mas não vêem o tempo além do agora, o segundo futuro, próximo como o que se foi há um átimo, e no entanto remoto como a encoberta eternidade. Vi o homem de gatinhas, na semente animal ainda indiferenciado. Ouvi seus balbucios. Fiz minha mão a mão que fez o arado, que faiscou na pedra um firmamento fugaz de estrelas árdegas. Tomei-lhe da mão trêmula a ensaiar-se divina no primeiro rabisco do primeiro alfabeto, na prisca partitura da vindoura vertigem de encontrar-se maior que a imensa origem. Biblioteca Nacional de Brasília 48 Tributo ao Poeta
  • 49. Das figuras rupestres das cavernas subi ao zigurate dos sumérios. Cunhei sonhos avoengos nos ladrilhos. Andei Índias e Chinas do Oriente e do Ocidente. Topei do Egito o sacro escaravelho. De tudo em toda parte uma imagem ficou-me gravada na retina que não vedes. Sei do amor e do ódio, sei do hino e do vômito, sei da paz e da guerra, sei do mar e da terra, sei do céu e do éter, sei da carne e do espírito. Muito eu tenho vivido, tanto amado e sofrido e pecado e ascendido. Respeitai-me, se não por vós, grumetes que o Mar aleita ainda, pela Vida que em mim se fez tempo e caminha para fazer-se eternidade. Que novas cores beberei? Que músicas fluirão no meu dorso? Que suaves, que pétreos tatos guardarei no olfato, no paladar, na pele, na retina? Eu continuo. Adiante! Para onde, afinal? Que universo, que abismo espera por meus pés na curva do infinito? Eu vou para onde ireis: para Além, para o Enigma. Eu vou para onde vai o infinito da Vida. Poemas de Anderson Braga Horta 49
  • 50. Organizador do Recital – Conferência Marisa Lajolo nascida em São Paulo, é formada em Letras pela Universidade de São Paulo, onde também concluiu o curso de Mestrado e Doutorado. Fez pós doutorado na Brown University e atualmente é Professora Titular no Departamento de Teoria Literária da Unicamp. É também escritora e publicou as seguintes obras: Destino em Aberto (ficção) São Paulo: Editora Ática. 2002; O Preço da Leitura (co-autoria: Regina Zilberman) São Paulo. Ed. Ática. 2001; Literatura: leitores e leitura. São Paulo: Ed. Moderna. 2001 (Selo Altamente recomendável (categoria ensaio) outorgado pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil; Monteiro Lobato: um brasileiro sob medida. São Paulo. Editora Moderna . 2000 . 99 páginas 2ª. Reimpressão 2001 (Selo Altamente recomendável (categoria biografia) outorgado pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil; A Formação da Leitura no Brasil. (co-autoria: Regina Zilberman) São Paulo. Ed. Ática. Prêmio Açoreanos 1997, Categoria Literatura-Ensaios. Finalista do prêmio Jabuti (1998); Do Mundo da Leitura para a Leitura do Mundo. SP. Ed. Ática. Prêmio Jabuti, 1996, Categoria Literatura-Ensaios; Um Brasil para Crianças (Para conhecer a literatura infantil brasileira: história, autores e textos) [co-autoria com R.Zilberman] SP.Global. 1a.ed.1989 364 p. 3.ed. 1988; Literatura Infantil Brasileira: história e histórias (co-autoria com R. Zilberman). SP. Ed.Ática. l.ed.1984. 4a. ed. Biblioteca Nacional de Brasília 50 Tributo ao Poeta
  • 51. Perfil Humano e Poético de Carlos Vogt Marisa Lajolo Aragão Júnior É sempre difícil falar de poesia. Poesia, acham alguns, que é para ler. Ler em silêncio, so- noridades, pausas e ritmos ecoando apenas na cabeça do leitor. Pensamento solto seguindo imagens, olhos de sonho, coração ao largo repercutindo emoções. ELOQÜÊNCIA Pisca Alerta, 2008. Poesia reunida p.451 Ninguém responde ao silêncio porque ao silêncio se indaga e a resposta faz-se de silêncio Mas, claro, poesia também pode ser lida em voz alta, dando vida às sonoridades e aos silêncios, aos ritmos e às pausas que as palavras criam. Era assim que a poesia circulava, nos primórdios dos tempos, quando o som da lira – que acompanhava os poemas – inspirou a expressão poesia lírica. Perfil Humano e Poético de Carlos Vogt 51
  • 52. JOGOS FRUGAIS Paisagem doméstica, 1984, Poesia reunida p.137 O verso foice a poesia de falhas face de folhas o poeta fuça o poeta na sala fosse de métricas o poema malhas o reverso de máscara folhas de alface o poeta masca salada Com certeza, melhor ouvir ou ler poesia do que falar sobre poesia. E, falar de poetas, então, … pior ainda. Carlos Drummond de Andrade já alertou dos riscos: O que dizer do poeta Numa prova escolar … ? Que ele é meio pateta E que não sabe rimar ? E hoje,aqui, nem há a desculpa de tratar-se de uma prova escolar. Nada disso, melhor seja talvez registrar a alegria grande que é ser amigo de um poeta, a ponto de chamá-lo de forma carinhosa de Carlos, Charles, Carlíssimo, Carlão. Poeta é para a gente amar em silêncio, amor de leitor encantado, para quem o poeta abriu caminhos desconhecidos ou clareou com luz nova trilhas familiares. L é x I CO Cantografia, 1982, Poesia reunida p.31 cantografar: empalhar sinais cantógrafo: navegador e sereia cantografia: o itinerário do carteiro cartógrafo Biblioteca Nacional de Brasília 52 Tributo ao Poeta
  • 53. Poeta – bem ao contrário do que propunha Platão, que os expulsou de sua República – é pra gente coroar de rosas e levar para o mais belo lugar da cidade, saudá-lo com o sussurro do vento, o marulho das ondas e o tocar de sinos em festa. A cultura universitária, no entanto, desenvolveu a curiosa idéia de que se estudam poe- tas, poemas e poesia e analisando, por exemplo, o bilaquiano Ora-direis-ouvir-estrelas. Mas, alto lá ! … ganho o pão rezando por esta bíblia, não devo me estender no assunto. Registro apenas que o desencontro entre – de um lado – o que dizem críticos e professores de lite- ratura e – de outro – o que lê nos poemas quem ama literatura vem de longe. Já no primeiro século da era cristã, o filósofo e professor Sêneca, alertando seus contempo- râneos para os riscos do estresse que encurtava a vida humana (sim, já naquele tempo alguns diziam viver estressados !) , incluía entre os fatores de risco os estudos literários. Para ele, 1. (…) inúteis estudos de literatura (…) procurando saber quantos remadores tinha Ulisses, se foi a Ilíada ou a Odisséia que foi escrita primeiro e, ainda, se eram do mesmo autor Acreditava Sêneca que (…) saberes desta natureza (…) se os tens para ti, em nada te gratificam e, se os tornas públicos, não serás considerado mais sábio, senão mais enfadonho (…) Por vezes (p.;59 ; 63) Sem ser sábia e tentando não ser enfadonha, passo a palavra ao poeta: O FIM DA POESIA O Fim da Poesia Pisca Alerta, 2007 p. 504-505 A poesia não tem fim no seu mistério nem tem começo A poesia no seu poema não tem tranqüilidade não tendo fim meio ou começo nem atropelo só tem tranqüilidade A poesia orgulhosa no arremesso não acaba nunca Assim não se acaba o verso do poema nunca cheio de prosa por incompleta O poema sério nos seus poemas se diverte definitivos na finitude faz-se de versos e controversos na expressão: de face oculta por eles nasce e morre a poesia que esconde o explícito que neles vive onde não estão Perfil Humano e Poético de Carlos Vogt 53
  • 54. Essa reflexão sobre poesia e poemas, “ poesia que neles vive onde não estão”, evoca Fernando Pessoa, que ao lado de Sêneca também adverte que ler é maçada, estudar é nada e que – de verdade verdadeira– grande é a poesia, a bondade e as danças. Alertada que estou pela piscadela dos olhos enxutos do poeta – cujo último livro chama-se exatamente Pisca-Alerta, e, barbas – que não tenho – de molho, vou apenas sinalizar alguns cruzamentos de minhas leituras dos poemas de Carlos Vogt com os próprios poemas. x X Ilhas Brasil, 2002, Poesia reunida p. 430 A imagem substitui o texto mas não tem como contar-se sem contexto. Uma das mais antigas lembranças que tenho de Carlos Vogt é de uma assembléia es- tudantil na (então chamada) Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Usp, ao tempo em que ela se alojava na Rua Maria Antonia em São Paulo. Éramos calouros e o centrinho dos estudantes de Letras – Centro Acadêmico de Estudos Literários, o CAEL – havia organizado uma reunião de recepção aos calouros. Carlos e mais um punhado de estudantes lá está- vamos, e palpitamos à vontade sobre o que achávamos – na época – que deveria ser um curso universitário. Me lembro que o Carlos era dos que mais achava coisas… Logo depois, professores do Cursinho do Grêmio, lá experimentamos os solavancos das facções da esquerda estudantil dos anos sessenta: entre POLOP, PC, PC do B, e AP, uma nova diretoria do Grêmio perpetrou uma intervenção no Cursinho para espanto indignado de quem acreditava que aulas sobre Camões ou sobre Machado de Assis tinham pouco a ver com os atos institucionais que ensombreciam o país. Juntando e jantando esperanças nas discussões e nas aulas daquele tempo sem ar, a figura de Carlos Vogt – de pé, andando de um lado para outro– recortava-se contra as cortinas esverdeadas das salas de aula e dizia que tínhamos, sim, de tomar posições políticas, pois que em política não tomar posição era exatamente tomar posição e, mais fraca de todas. Com certeza, ninguém – nem ele, talvez – sabia que ele estava, então, se ensaiando para lides futuras: a criação do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, sua gestão como Reitor da mesma universidade, a criação do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo, a presidência da Fapesp e sua posição atual de secretário do Ensino Superior de São Paulo. Da intervenção e dos solavancos sofridos então pelo Cursinho do Grêmio, nasceu o Equipe Vestibulares onde, em apostilas que tinham na capa oito círculos coloridos – cada cor indicando uma disciplina, e a de literatura era roxa –, o nome de Calos Vogt, ao lado de outros nomes – marcava o material para o ensino de literatura. Mas, de professor de litera- tura a poeta o itinerário foi curto, e dividido com a Lingüística disciplina na qual nosso poeta desenvolveu sua vida universitária. Biblioteca Nacional de Brasília 54 Tributo ao Poeta
  • 55. HINO EM EGO ÀDÍVIDA ETERNADEUM E x-T E R N O C I D A D Ã O Hino em ego à dívida eterna de um ex-terno cidadão Geração, 1985 Poesia reunida p 180 Sentar sem ar na praça que passa resvalo no vale pernas coloridas nos ramos da praça calor da vida paris nas estátuas coloração se eu fosse mais jovem coroar a cor viajava num boing co-or vendia meu carro coração largava meu posto ganhava na loto urgente preciso sonhava algo mais correr senão quê esquecia das mágoas se quê não consigo criava um slogan não pago a TV pagava meus juros jurava ter paz contemplo o riacho e rio do aço urgente preciso Tietê sem andrades correr senão nada noturno sem mários se nada não vôo horizontes sem mar não compro minha casa sinal de esperar passeio no paço eu passo amanhã atrás do espelho prefiro bem cru lá sim que era vida receio receio não tinha uma dívida mas janto a esperança nem dor no joelho no seio no seio no seio do vale urgente preciso do Anhangabaú correr senão paro se paro não chego não pago meu carro Perfil Humano e Poético de Carlos Vogt 55
  • 56. BIBLIOGRAFIA PRECOCE Paisagem doméstica, 1984 . Poesia reunida p. 95 Fui aprender lingüística para entender as palavras ensinei semântica ao acreditar que tudo tem sentido escrevi livros sobre a linguagem buscando não perder as farpas das circunstâncias traduzi textos de hermética lógica e mitológicas depois de viajar por binarismos e termos médios sem deixar de girar por gerações de frases bobas volto ao ponto de que partia: vejo-me gramaticalmente indecifrável diante da técnica da poesia Gramaticalmente indecifrável, o professor que veio lá de longe, de Sales de Oliveira foi uma das vozes que orquestrou a resistência à intervenção na Universidade Estadual de Campinas (1981). Era tempo de política e não de poemas, pois para militância . O poema é feito de folhas inúteis Poética também, Paisagem doméstica, 1984 Poesia reunida p. 105 Mas, de tantas travessias, de tantas passagens, creio que aos leitores de poesia o que mais interessa são passagens e travessias do reino da linguagem para o reino do poema. Pois não era Drummond que aconselhava: penetra surdamente no reino das palavras: lá estão os poemas a serem escritos. ? Era, e o Carlos de Sales de Oliveira é discípulo atento do Carlos de Itabira. Das drummondianas palavras em estado de dicionário para as palavras em estado de poema, a passagem não é simples nem fácil. O poeta, como já sabia Bilac, trabalha e teima e lima e sofre e sua . O resultado do trabalho é o poema, que, tocando o leitor, fazendo-o sorrir ou chorar, fá-lo descobrir e experimentar um jeito novo de estar no mundo, de olhar para os outros, de entender-se a si mesmo . MEMÓRIA DO MODERNO Memória do moderno Geração,1985 Poesia reunida p. 161 A poesia precisou que o poema depusesse os paramentos das imagens para que o poeta tentasse a cada lance a grande aventura da linguagem. Biblioteca Nacional de Brasília 56 Tributo ao Poeta
  • 57. Este poder da poesia, que é ao mesmo tempo fruto da criação (do poeta) e material para a criação (do leitor) não tem receita prévia. Mas tem marcas de identidade que o leitor descobre, e cuja descoberta é muito prazerosa . Ao lutar com palavras , o poeta deixa suas marcas na matéria de que se vale (a linguagem) e no objeto que produz (sua obra). A lingua- gem em que é escrito o poema se enriquece, tem devassados mais um de seus recursos de dizer, tem explorada mais uma de suas (infinitas) capacidades de significação. E o produto (o poema) – ao inaugurar novos recantos da linguagem, ao selecionar no- vos modos de dizer, ao combinar antigos recursos da língua de forma inventiva – produz o encanto que dá à leitura da poesia uma qualidade próxima da contemplação do absoluto, oferecendo a seu leitor o que talvez se possa entender como experiência estética. O S C A Ç A D O R E S D E VA G A L U M E S Geração, 1985 Poesia reunida p. 175 Eu nunca cacei cometas, nunca nenhum saci cavalgou na garupa dos cavalos em que nunca viajei, jamais dobrei a noite das esquinas de Sales Oliveira, sem que tivesse medo de topar com a ausência brusca da cabeça escura da mula-sem-cabeça. Eu fui, isso sim, um grande caçador de vagalumes, (…………………………………………..) Fugar como um vagalume, objeto de linguagem e que apenas na linguagem existe, um poema condensa – como o buraco negro, que os físicos dizem concentrar doses intoleráveis de energia – matéria de vida e de morte. Fisgado na rua ou desentranhado da memória, o po- ema lá está, e pergunta sem interesse pela resposta: trouxeste a chave ? A pergunta, crucial, é dirigida tanto ao leitor como ao poeta, que negaceia, mesmo quando parece explicar-se (………………………………………….) Eu fui, isso sim, um grande caçador de vaga-lumes, com vidros cheios de lanternas vivas, iscas de tiques e estalos de pescoço, com tições em brasa riscando a escuridão do Triângulo, que abastecia de lenha as máquinas da Mogiana. Ali, onde meu pai, menino, jura ter visto aparições temíveis, vi apenas o meu e o medo de outros meninos com medo das aparições. Mas o cometa Halley, este sim, eu vi, quando era menino, cortar de silêncio e espetáculo o poente do céu da infância de meu velho pai; vi também muitas outras coisas com os olhos adultos e as mãos atentas de seleiro, que cortavam o couro e teciam arreios para os colonos e azendeiros dos cafezais, Perfil Humano e Poético de Carlos Vogt 57
  • 58. com estes olhos e aquelas mãos que cortavam o couro e teciam enredos. Por Sales Oliveira, passaram muitos cometas, desses mais triviais que o tempo deixou sem uso e superstição, cometas-vendedores, de roupas, de jóias, de supérfluos, de bijuterias, que pousavam na pensão de Dona Itália; mais freqüentes que os do céu, mais transitórios na terra, fortes, contudo, na regularidade e cíclicos na invenção, cheios de histórias e fantasias, de mundos estrangeiros, de prosopopéias, feitos não só de silêncios luminosos, mas de lâminas sonoras de persuasão. Quando o cometa Halley aparecer de novo e meu pai tiver completos seus oitenta anos, já não serei eu mesmo, sem ter sido outro, não estarei em Sales, tampouco a selaria, a Mogiana, os colonos, os cafezais, não haverá cometas, desses sem uso de compra e venda, por desusados; juntos estaremos a olhar as terras que olham retas o risco branco que corta a noite, a mesma noite em que, meninos, seremos velhos, perto e distantes na solidão. Desde seu primeiro livro – Cantografia – o itinerário de carteiro cartógrafo de 1982 – um dos traços mais constantes na poesia de Carlos Vogt é o humor rápido, malicioso, como o piscar de olho de quem sabe os sentidos segundos que se escondem por sob os sentidos primeiros. Aliás, melhor dizendo: de quem sabe que ninguém sabe – exceto o leitor que os constrói– quais são os sentidos segundos e os sentidos primeiros … Poesia aberta, que só se completa quando o leitor – apropriando-se do texto– refaz o percurso lapidar de engenho e de malícia do poeta, agora temperados pelo seu próprio engenho e sua própria malícia. Nos 20 anos da trajetória poética de Carlos Vogt mantém –se intocado o gesto lúdico de embaralhar linguagens, reverberando neste embaralhamento a vida contemporânea so- bretudo no que este tempo nosso tem de ser um tempo midiático, cruzado de linguagens frases feitas, desfeitas e refeitas no poema: C O N S Í G N I A Pisca Alerta, 2007 Poesia reunida p. 480 Lema: sempre pronta a solução para encontrar o problema Biblioteca Nacional de Brasília 58 Tributo ao Poeta