Este documento debate se as abordagens ambientais na Geografia, principalmente após a década de 1990, permitem uma maior articulação entre as geografias física e humana. Discute se estas abordagens revelam a importância do espaço e do território ou se ocultam as classes sociais e conflitos. Também questiona se estas abordagens usam os mesmos instrumentos teóricos que não permitem compreender as contradições e conflitos socioambientais.
Tese na procura do lugar o encontro da identidade -um estudo do processo de...
A abordagem ambiental unifica as geografias viii encontro nac ional da anpege- julho-
1. Publicado em Espaço e Tempo- Complexidade e Desafios do pensar e do saber geográfico
Org. Francisco Mendonça; Cicilian Luiza Lowen-Sahar; Márcida da Silva
Curitiba: ADEMANAN- 2009 – 740p. - Pg. 167 a 180
1
A abordagem ambiental unifica as geografias?
Environment approaches allows the articulation between
physical and human geography?
Arlete Moysés Rodrigues 2
Resumo: O objetivo do texto é debater se as abordagens ambientais incorporadas à Geografia,
principalmente pós década de 90 do século XX, propicia a articulação das Geografias física e
humana, território, espaço, classes sociais e os conflitos em relação à destruição produtiva.
Indaga sobre alteração do paradigma científico.
Palavras chaves: abordagens ambientais, espaço, território, agenda 21, paradigma cientifico.
Abstract: The goal of this article is to discuss if the environments approaches
incorporated to geography, mainly since 1990, allows the articulation between
physical and human geography, territory, space, social classes and destructive
production conflicts. Inquires about scientific paradigm changes.
Keywords: Environment approach, space, territory, agenda 21, scientific paradigm,
environmental issues.
Introdução
Este texto tem o objetivo de apresentar elementos para debater questões teóricas
e metodológicas em relação às “abordagens ambientais” 3 na Geografia.
Considerando as especificidades, categorias analíticas, métodos de análise,
aportes teóricos, as “abordagens ambientais” permitem uma maior aproximação das
geografias física e humana?
Com o pressuposto de compreender a produção e reprodução do espaço e a
dinâmica das relações sociais seria relevante e fundamental que a análise concreta da
totalidade, realizada pela ciência geográfica, utilizando métodos das ciências da
sociedade e da natureza, permitisse, em abordagens ambientais o entendimento da
complexidade.
Ao verificar trabalhos de Geografia4 observa-se que, no geral, foi incluído mais
um tema – o do “meio ambiente”-, mas não houve interpenetração teórica, metodológica
1
- Mesa Redonda – Desafios da Abordagem Ambiental na Geografia-Aportes Teóricos e Aplicabilidades-
VIII Encontro Nacional da ANPEGE-Espaço e tempo-complexidade e desafios do pensar geográfico.
2
- Arlete Moysés Rodrigues, profa. Livre docente – UNICAMP- amoyses@terra.com.br
3
- Abordagens ambientais no plural tendo em vista que há várias abordagens nas várias disciplinas
científicas.
4
- Foi feita pesquisa amostral em dissertações e teses de mestrado.
2. e de categorias analíticas das Geografias. A maioria dos trabalhos incorporou os
preceitos de documentos oficiais do FMI, do Banco Mundial, condensados no Relatório
Nosso Futuro Comum (1991) e Agenda 21 (1996), sem articulação entre as Geografias
física e humana, sem incorporação de novas questões teóricas ou metodológicas.
A Geografia se ocupa, desde seus primórdios, utilizando-se de várias teorias e
métodos, em correlacionar as atividades humanas com território e espaço, com a análise
de riquezas e diversidades naturais, localização, desenvolvimento de atividades
econômicas, deslocamentos populacionais, com a produção e reprodução do espaço
urbano e rural.
5
Um exemplo clássico é a obra de Jean Brunhes (Brunhes, 1962) que, ao
6
apresentar os pressupostos da Geografia Humana, mostra que a “natureza” é essencial
na organização do espaço e que não se pode dissociá-la para analisar a sociedade.
Um dos pressupostos da Geografia, para o autor, é analisar os fatos essenciais e
concretos da atividade humana. Denomina de fatos da ocupação improdutiva do solo:
casas e caminhos; conquista vegetal e animal com os campos cultivados e animais
domesticados. Chama de fatos de economia destrutiva: explorações minerais e
devastações vegetais ou animais. Destaca como ocupação produtiva a agricultura que
permitiria reposição de elementos do solo, embora o autor considere que a domesticação
de espécies é ocupação improdutiva. Hoje, com o uso de insumos químicos,
biotecnologia, não é possível considerar a agricultura como ocupação produtiva do solo,
um tema que é pouco debatido nas abordagens ambientais, que precisa ser analisado e
repensado com instrumental teórico adequado.
Brunhes descreve a organização do espaço, a ocupação do solo urbano e rural.
Não tem como proposta compreender a produção e reprodução do espaço, os agentes
produtores e consumidores do espaço, o processo de dilapidação das riquezas, a
aceleração do tempo/espaço, o esgotamento e a poluição de riquezas naturais. Escreveu
a obra em outro momento histórico, com outra realidade geográfica, com outro
paradigma científico, baseado fundamentalmente no positivismo. Mas mostra que a
Geografia tenta compreender as relações da sociedade com a natureza.
Para Brunhes, como para outros autores clássicos da Geografia, o campo da
pesquisa é constituído na esfera da vida. Destaca, na obra, a importância do calor solar
5
-Brunhes, Jean – A Geografia Humana – Editora Fundo de Cultura – Rio de Janeiro 1962.
6
- Brunhes (idem) não utiliza “natureza”, mas consideramos que dado o tema da mesa é importante dar
este destaque.
3. na junção da atmosfera, litosfera, hidrosfera e considerar que tudo se transforma pela
ação da natureza e da ação humana. Observa-se a tentativa de apresentar como a
“natureza” e a sociedade alteram e transformam o meio em que vivem e ao mesmo
tempo se transformam.
O reconhecimento de que a Geografia enfatiza a importância do espaço e do
“ambiente” é conhecido por muitos cientistas. Como diz Leila da Costa Ferreira a
abordagem ambiental desenvolveu-se tardiamente na sociologia, bem depois da
biologia, ecologia, economia, demografia, geografia, dentre outras. A introdução do
debate e da dimensão ambiental no interior das ciências sociais é um subcampo recente
e os estudos nessa linha ainda são poucos. Salienta que: “ao mesmo tempo, também é
surpreendente que em pouquíssimo tempo, nesta última década, a questão ambiental
tenha se tornado tema altamente relevante para diversas áreas do conhecimento e
mesmo para a teoria social contemporânea” (Ferreira, Leila 2009). O fato do tema ser
hoje relevante é porque se compreende a complexidade do mundo atual ou apenas
tornou-se um senso comum tratar do tema?
As abordagens ambientais na Geografia
Qual o significado das abordagens ambientais na Geografia principalmente pós
década de 90 do século XX? Quais as características dos estudos e pesquisas? Mostram
a importância do espaço, do território? 7
A importância do espaço é obscurecida nas análises, em especial com o avanço
do capitalismo e das idéias dominantes sobre o desenvolvimento capitalista. As noções
de paises desenvolvidos e subdesenvolvidos e os vários termos utilizados para mostrar
as desigualdades socioespaciais indicam que o “desenvolvimento”, ocorrerá com o
tempo. O espaço aparece apenas como um suporte, para que com o tempo, as questões
se “resolvam” e se atinja o desenvolvimento8.
Ao invés das abordagens ambientais dissolverem a cortina de fumaça que oculta
a importância do espaço, território, tornou-a mais espessa, ocultou ainda mais a
complexidade das relações sociedade e natureza e a importância do espaço. Como
explicar que um tema que se tornou comum na Geografia não mostrar a importância do
espaço, do território?
7
- Apontamos a década de 90, mas é preciso considerar outros períodos históricos.
8
- Veja-se Rodrigues, Arlete Moysés – A produção e o Consumo do e no Espaço – A problemática
ambiental urbana www.dominiopublico.gov.br
4. Os elementos e riquezas da natureza foram transformados em mercadorias: os
recursos naturais que atualmente aparecem nas abordagens ambientais como “bem
comum” da humanidade. Uma mercadoria pode ser “bem comum”, quando apropriada
privadamente?
Não se revela com a idéia de “bem comum”, que os recursos naturais são
apropriados desigualmente, e que a propriedade dos meios de produção, das riquezas é
um dos alicerces do modo de produção capitalista, ou seja, o “bem comum” é
contraditório com a propriedade e com o capitalismo. Ficam ocultas também as classes
sociais, as contradições e conflitos. Os conflitos passam a ser disputas entre gerações
“presente e futura” (Rodrigues, 2006).
Desde o século XVIII as pesquisas científicas tinham preocupações com
problemas de esgotamento de riquezas naturais, anunciavam tragédias, como aponta
McCormick (1992) ao traçar a história do movimento ambientalista. Em 1863, a Grã
Bretanha aprovou a primeira lei de amplo espectro contra a poluição do ar no mundo e
criou o primeiro órgão de controle da poluição. Porém, leis, agendas, tratados, não tem
sido eficazes para combater a poluição, esgotamento e destruição de riquezas naturais.
Será que está relacionado ao fato de que se utilizam os mesmos instrumentais teóricos
que não permitem compreender as contradições e conflitos?
Embora as preocupações não sejam novas é preciso considerar que os problemas
se agravam, com a aceleração do tempo/espaço, vinculado ao avanço técnico-científico.
A poluição, o esgotamento de riquezas não renováveis, a transformação de
renováveis para não renováveis, dado o alto teor de poluição e degradação de seus
princípios, suas leis e suas formas de recomposição. De âmbito local, os problemas
passam a ser de âmbito mundial. A bomba atômica demonstra o poder de destruição
global, independentemente do lugar onde se produz o artefato bélico. Pela primeira vez,
na história da humanidade, o potencial destrutivo das indústrias de armamentos, aponta
a capacidade de esgotar riquezas naturais e destruir a humanidade.
Acelera-se a produção destrutiva, intensifica-se a exploração das riquezas
naturais e dos homens e como diz Hobsbawm: “atualmente somos capazes de tornar
inabitável o mundo, devido aos venenos, à poluição ou ao modo pelo qual a indústria
modifica a atmosfera”. (Hobsbawm 2000:6)
Internacionalmente, a preocupação ambiental foi difundida com estudos e
relatórios como o “crescimento zero”, na Conferência da ONU sobre Meio Ambiente
em 1972. Tornou-se mais conhecida com o relatório “Nosso Futuro Comum”, marco da
5. Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento em 1992, e
principalmente, com as propostas da Agenda 21 que visam promover o
“desenvolvimento sustentável”. A agenda 21 aponta o tempo – um século- e não o
espaço como fundamental para pensar as questões ambientais problemáticas.
Estes documentos representam os interesses de Estados, de corporações
multinacionais que buscam a permanência de suas condições de produção e consumo,
manutenção da divisão territorial do trabalho com o objetivo, não explicito, de garantir
sua reprodução ampliada.
Após a década de 70 do século XX, mas em especial após a década de 90,
aumentam as pesquisas, estudos, projetos, programas, disciplinas científicas, ligadas ao
tema. Comunidades científicas, de modo geral, utilizam o que consta nestes documentos
como base para pesquisas e propostas, mesmo que com diferentes matrizes teóricas e
com propostas divergentes.
Apesar da proliferação de estudos, pesquisas, cursos, etc. as abordagens
ambientais obscurecem as formas de apropriação de riquezas. O território no qual se
assentam as riquezas e as próprias riquezas: ar, solo, vegetação, passaram para a esfera
de “bem comum”, ocultando o domínio, o poder de corporações internacionais e de
países sobre as riquezas.
Pesquisas mostram as características de poluição na água (mortandade de peixes
falta de água potável, derrames de óleo); apontam à poluição na atmosfera (poluição,
buraco na camada de ozônio); apresentam as mudanças climáticas; apontam devastação
e perda de nutrientes no solo e contaminação por agentes químicos; perda da
biodiversidade por desmatamento, caça e pesca predatória. Tenta-se repor a devastação
de matas com plantações de apenas uma espécie vegetal. Buscam-se alternativas para o
esgotamento de combustíveis fósseis (carvão e petróleo), com espécies vegetais que
produzem biodiesel, mas que por sua esgotam o solo, ao reproduzirem as monoculturas
tão criticadas como devastadoras do solo.
Tanto em agendas oficiais como em pesquisas cientificas, apresentam-se
propostas de intervenção como: delimitação de áreas de preservação (parques nacionais,
temáticos) sem alterar, na maior parte das vezes, a propriedade das áreas. Há vários
parques e áreas de proteção que permanecem como propriedade privada. 9
9
- Quando a propriedade permanece privada criam-se mecanismos de compensação para que os
proprietários possam edificar em outras áreas o que demonstra a permanência da propriedade privada
mesmo quando se trata de um ideal de preservação de matas.
6. Criam-se novos parâmetros legislativos para a “gestão ambiental”. Define-se
como unidade de análise áreas delimitadas como bacias hidrográficas,
institucionalizadas em “comitês de Bacias”. Propõe-se a recomposição de vegetação
com monoculturas de espécies, ou preservação de mata nativa.
Nas cidades, implantam-se parques urbanos para atingir o índice de verde,
definido pela ONU, que elevaria o “bem estar”, independente do que ocasionam na
valorização e especulação imobiliária. Implanta-se a coleta seletiva de resíduos sólidos
para incrementar a indústria de reciclagem, que tem como pressuposto a economia de
riquezas naturais e menores custos. Incentiva-se a separação domiciliar e a coleta dos
resíduos sólidos. Não se alteram, porém, os preços de produtos e embalagens que
demonstre que a reciclagem promova o “bem comum”.
Atividades não “formais”, como a dos catadores, recebem especial atenção, pois
há os que afirmam que promove a inclusão destes trabalhadores no mundo da produção
e do consumo. Porém, o que se observa é que continuam a viver na extrema pobreza,
sem inclusão real no mundo moderno. (Burgos, Rosalina 2009)
Argumenta-se que a educação ambiental poderá resolver problemas sem que se
compreenda porque denominar de educação ambiental uma forma de treinamento, que
em geral, tem sido uma forma de aumentar o volume de resíduos recicláveis. È verdade
que a coleta diminui o volume de resíduos para deposição (os lixões).
Será que beneficiam o “bem comum” e promovem o “desenvolvimento sustentável”?
Avaliam-se impactos “ambientais” relacionados às indústrias, mineração,
aeroportos, portos, grandes conjuntos de unidades habitacionais, geração de energia,
exploração de petróleo com os Estudo e Relatório de Impacto Ambiental, sempre
limitados a uma área e um tipo de impacto sem análise da totalidade e da sociedade. Os
estudos e relatórios de impactos ambientais utilizam novos aportes teóricos?
Há pesquisas e movimentos que abordam a contaminação alimentícia buscando
a soberania alimentar. Mas, ao mesmo tempo, aumenta a agricultura com sementes
transgênicas, incentivadas por governos, com o argumento de que aumenta a produção
de alimentos. Os que defendem a transgenia não mostram a perda do conhecimento dos
trabalhadores do campo e sua sujeição à indústria química. Também não mostram que
outras formas de contaminação podem ser provocadas pelas sementes transgênicas.
Idéias de “economizar” riquezas naturais são argumentos para explicitar
sustentabilidades, “desenvolvimento sustentável”, inclusão social, cidades sustentáveis,
7. cidades saudáveis, planejamento ambiental, gestão ambiental, vinculados ao mundo do
consumo, desvinculados de análise da produção.
Mudanças Paradigmáticas nas abordagens ambientais?
Mas os parâmetros, modelos, teorias, métodos de análises cientificas não foram
significativamente alterados, para compreender o processo da produção destrutiva
desigual e combinada, até pelo contrário, manteve-se os mesmos instrumentais
analíticos. Deslocou-se a análise da produção para o consumo.
Deslocou-se, também, a análise da apropriação e propriedade privada para o
meio-ambiente como “bem comum”, ocultando a importância do espaço e do território e
dificultando que as Geografias humana e física pudessem ter atuação conjunta.
Nos documentos que tornaram senso comum o “desenvolvimento sustentável”
(Relatório Nosso Futuro Comum e a Agenda 21) o importante é o “tempo”, reafirmando
o ideário do “desenvolvimento”, com o acréscimo de sustentável.
Com o tempo, usando tecnologia adequada, com recursos financeiros
provenientes do mundo dito desenvolvido, os problemas se resolverão. O lugar, o
espaço, a paisagem, o território, o lugar são abstrações. A hegemonia neoliberal
promoveu intensa fragmentação cultural que oculta a realidade de forma nunca antes
verificada, auxiliando, assim, a que não se perceba a importância do espaço.
David Harvey quando analisa a lógica territorial do poder diz: “as práticas
imperialistas, do ponto de vista da lógica capitalista, referem-se tipicamente à
exploração das condições geográficas desiguais sobre as quais ocorre a acumulação de
capital, aproveitando-se igualmente das ‘assimetrias’ inevitavelmente advindas das
relações espaciais de troca” (HARVEY, 2004: 35). É no espaço que se expressam as
condições geográficas desiguais. Ao abstrair-se o espaço, nas abordagens ambientais, se
referenda lógicas territoriais de poder.
O domínio dos países passou a ser, no novo imperialismo, realizado por meio do
capital financeiro, das comunicações e da demonstração do poderio militar e não mais
pela conquista direta do território, como ocorria no período colonial. A posse e
propriedade dos territórios dos Estados mudaram de significado. Diz Hobsbawm: “No
sentido tradicional Estado nacional se refere a um Estado Territorial sobre o qual o
povo que nele vive, a Nação, tem um poder soberano” (Hobsbawm, 2000:30).
A idéia de um Estado territorial pertencente a um povo específico alterou-se com
o novo imperialismo. Verifica-se a “constituição” de inúmeros países, o que mostra a
8. importância do Estado, apesar dos neoliberais terem como pressuposto que o Estado
tem que ser mínimo, para não interferir no mercado. Os estudos enfatizam, em função
das teorias neoliberais, os governos e não o Estado Capitalista.
É preciso também considerar que os meios de comunicação digital, ampliam e
potencializam de maneira nunca antes vista o poder do capital sobre o espaço, o tempo,
o corpo e psique humana. Alterou-se o domínio político, financeiro, tecnológico,
comunicacional, que os países do centro do sistema exercem sobre os periféricos.
Tem-se, assim, maior dificuldade em compreender a importância do espaço, do
território, do lugar, das comunidades e das classes sociais. Exemplo: as leis de patentes
intelectuais demarcam o conhecimento científico de uma descoberta sem considerar o
território de um país, o povo, o lugar. O domínio e o poder sobre o espaço, sobre o
território são obtidos pela supremacia tecnológica com o patenteamento do
conhecimento cientifico independente do território.
Esta alteração, contudo, não implica em menor dependência do território: “o
capital não depende menos do que antes dos Estados territoriais. De certa maneira
depende ainda mais do que nunca, de um mundo de Estados-Nação” (Wood 2004: 55).
Porém, se oculta a dependência do território, com os novos ideários da natureza tidos
como “bem comum” e de abordagens ambientais que conduzem ao “desenvolvimento
sustentável”.
Se as riquezas naturais constituem um “bem comum” como compreender o
domínio territorial dos Estados-Nação? Como entender o domínio de empresas,
nacionais e internacionais sobre as riquezas que se localizam em países? Como
compreender que, quando há conflitos entre as empresas globais e os governos, estes
são obrigados a negociar como se estivessem tratando com outros Estados?
As abordagens ambientais poderiam auxiliar a compreender a complexidade
tendo como objetivo preservar o ambiente ao tratar o ambiente como “bem comum”?
Para analisar estas e outras questões é necessário um debate aprofundado sobre
Estado-Nação, espaço, território, lugar, natureza, conceitos, noções que possibilitem a
criação de categorias analíticas para que se entenda a complexidade das relações sociais,
da sociedade com a natureza e entender as leis próprias da natureza. (Morin, 2000) 10
A análise da produção e as alterações que ocorre com a compressão do tempo/
espaço, derivada e ao mesmo tempo promotora de tecnologias, que aceleram o uso de
10
- Utilizamos complexidade no sentido de Complexus como o faz Edgar Morin.
9. riquezas precisam ser compreendidas para se construir aportes teóricos, que coloquem
as questões, para além do senso comum.
Como entender as abordagens ambientais teórica e metodologicamente se os
problemas da produção desigual e combinada de produção, distribuição e consumo
foram deslocados para o mundo do consumo?
Este deslocamento oculta as responsabilidades da produção, remetendo a
responsabilidade aos “consumidores”. Torna mais espessa a cortina de fumaça sobre a
importância do espaço. Os “consumidores” aparentemente não utilizam as riquezas
naturais, apenas consomem produtos advindos da esfera da produção. Como fazer com
que os “consumidores” alteram as formas de produção? Com a educação ambiental?
O deslocamento discursivo da produção para o consumo11, a ausência de
análises críticas, a falta de aportes teóricos adequados, de metodologias, deixa evidente
que não se demonstra as formas pela qual a sociedade se apropria desigualmente das
riquezas naturais.
As categorias de análise da Geografia como espaço, lugar, paisagem, território,
se diluem nas abordagens ambientais ou são reafirmadas?
Predominam as análises de temas e assuntos específicos, lugares definidos,
bairros, micro-bacias urbanas, micro-climas, praças, parques, favelas, áreas de
preservação, encostas, áreas degradadas, entre vários outros, sem vínculo com as
categorias analíticas da Geografia. Substitui-se a análise do Estado pela atuação de
governos, fragilizando o entendimento dos processos que interessam a uma Geografia
comprometida com transformações sociais.
Vários estudos colocam em destaque problemas específicos, em locais
determinados, em fragmentos de espaços e território, com enfoques advindos da agenda
21. Na Agenda 21 predominam formas de atuação aespaciais.
As abordagens ambientais trouxeram a tona problemas locais, regionais e
mundiais. Os desastres, as catástrofes, as ameaças de esgotamento, de poluição foram
entendidas, por grupos, como decorrentes do modo de produção. Porém quando o tema
vira moda, torna-se o oposto da critica (Debord, 1997). As pesquisas centram-se em
aspectos e problemas localizados, ocultando a importância do espaço e do território, das
riquezas naturais, das classes sociais, do significado do Estado Nação, enfim da
totalidade.
11
- Rodrigues, Arlete Moysés (idem).
10. Com a introdução das abordagens ambientais em estudos e pesquisas provocou
alteração do paradigma dominante?12
“Um paradigma se constitui quando as “descobertas” não tinham
precedentes e assim atraem um grupo duradouro de partidários,
afastando-os de outras atividades cientificas dissimulares.
Simultaneamente suas realizações foram suficientemente abertas para
deixar toda espécie de problema para serem resolvidos pelo grupo
redefinido de praticantes da ciência” (Khun, 2007:30).
A alteração de um paradigma não ocorre apenas quando se adiciona mais um
aspecto nas pesquisas, também não ocorre apenas quando há uma descoberta
tecnológica. A alteração do paradigma ocorre quando se altera o arcabouço teórico e
metodológico, quando novas categorias analíticas permitem compreender as
transformações do mundo real. Para uma alteração paradigmática seria necessário que
houvesse confronto com o modelo dominante por meio de teorias, de aplicabilidade e de
instrumentos abrangentes de análises.
Um paradigma pode ser alterado por problemas que não eram anteriormente
abordados, problemas que ficavam nas margens, como se fossem desvios do modelo
paradigmático. Os problemas ambientais continuam a ser pensados como desvios do
modelo de desenvolvimento ideal sem a compreensão da essência do processo.
Considerando que as abordagens ambientais adicionaram um aspecto,
incorporaram normas, preceitos e temas provenientes de agendas internacionais
(Agenda 21), sem novos instrumentais teóricos, metodológicos e analíticos, podemos
afirmar que não houve alteração do paradigma dominante. A alteração paradigmática
implicaria em compreender as novas questões e em estabelecer controvérsias científicas.
Vivemos uma crise paradigmática, mas ainda não temos um novo paradigma
cientifico nas abordagens ambientais na Geografia. Uma mudança paradigmática, que
provocaria uma revolução científica, seria entender a dinâmica da natureza, a produção
e reprodução do espaço, as dinâmicas societárias, em sua totalidade, em suas
contradições e conflitos e assinalar a importância do espaço e do território.
Propor, debater questões teóricas e instrumentais analíticos de análise para a
problemática ambiental é tarefa difícil. O tema se “incorporou” em várias disciplinas
científicas, sob vários ângulos de observação, diversas escalas de análises, metodologias
12
- Utilizamos paradigma científico como expresso por Khun (2007), ou seja, um paradigma se
fundamenta em reflexões e realizações, tidas como exemplares pela comunidade cientifica. Incluem leis,
teorias, aplicações e instrumentos com modelos abrangentes que passam a orientar coerentemente os
pesquisadores.
11. que atendem a finalidades, interesses divergentes, seguindo os parâmetros de
organismos internacionais como o “Relatório Nosso Futuro Comum e a Agenda 21”.
Sem uma revolução científica, sem alteração dos parâmetros de análise, sem
novos instrumentais analíticos, não há alteração de paradigmas quer permita entender a
complexidade da produção, distribuição e consumo do espaço.
Na maior parte de estudos, propostas, projetos, não se apontam as contradições e
conflitos decorrentes das formas de apropriação das riquezas naturais. Sugere-se o uso
de tecnologias para resolver problemas sem atentar que o uso de tecnologia acelerou os
problemas que se quer resolver.
Ampliam-se os temas e assuntos de estudos e pesquisas, mas ao seguir preceitos
institucionais, não se avança com instrumentais teóricos que possibilitariam alterar o
paradigma dominante.
Há também que considerar que parte significativa dos estudos fixa-se nos
resultados e não das causas das mazelas ambientais. Há também os que consideram que
são os pobres, que ocupam áreas impróprias, e a falta de educação ambiental que
conduz a degradação.
Não se analisa a contradição sobre a necessidade de viver que os obriga a ocupar
áreas inadequadas e/ou as delimitadas como de preservação. Faltam comparações entre
a área ocupada por uma mansão e a área de um barraco ou casa precária e quanto foi
utilizado de material para construir os barracos comparados com as mansões. Os
embates entre grupos sociais parecem indicar que uns (os que consideram os pobres
causadores dos problemas) lutam pelo bem comum, enquanto os que buscam uma forma
de sobreviver, dilapidam o bem comum.
As abordagens ambientais apontam tentativas de encontrar solução para
problemas. Mas, sem explicitação das causas não é possível pensar em soluções ou em
aplicabilidade para corrigir desvios.
Há poucos estudos que demonstram quem se apropria das riquezas naturais,
como se utilizam as riquezas, como as riquezas se transformam em mercadorias
(recursos), qual a importância do meio-técnico científico e informacional e quem o
domina. Em geral, também, há ausências de explicitação sobre as relações societárias e
qual o arcabouço teórico e metodológico utilizado.
12. Difunde-se a idéia de que tratar do meio ambiente possibilita a integração das
ciências13 mas a manutenção do paradigma impossibilita a interdisciplinaridade e
qualquer outra forma de interação entre as ciências e entre as Geografias.
A divisão das ciências, o parcelamento do conhecimento em várias disciplinas,
com diferentes abordagens teóricas, metodologias de pesquisa, escalas, categorias
analíticas, demonstram que não houve alteração do paradigma dominante.
Assim, ao contrário do que se poderia prever, as abordagens ambientais não
aproximaram as Geografias física e humana, pelo contrário, aprofundou as dicotomias,
tendo em vista que cada uma das “subdivisões” da Geografia utiliza categorias de
análises específicas. Permanece vigente o paradigma simplificador e não um paradigma
da complexidade.
Observa-se, também, que análises críticas e abrangentes (mega-narrativa) são
pouco utilizadas. Proliferam e predominam estudos específicos (pequena e micro
narrativa). A maioria sugere “resolução de problemas”. Como diz Marilena Chauí: as
“pesquisas são pensadas como estratégia de intervenção e de controle para a
consecução de um objetivo delimitado” (Chauí, 2006: 66).
O ponto de partida e de chegada predominante dos estudos está calcado em
documentos oficiais que induzem a que as pesquisas na Geografia continuem enfocando
aspectos particulares, procurem a resolução de problemas “locais”. Incorpora-se uma
nova “dimensão”, um novo “campo de estudos”, sem alterar o paradigma dominante.
Considerações finais
Grande parte de estudos, projetos, programas, busca a aplicabilidade de técnicas
e de ações para chegar ao “desenvolvimento sustentável”, sustentabilidade. As
referências pautam-se nas idéias de que “desenvolvimento sustentável” é aquele que
atende as necessidades da geração atual e das gerações futuras.
O tempo para se chegar ao ideário é o século XXI, sem espaço e sem território.
Existe a possibilidade de administrar o meio ambiente? Quem irá fazer esta gestão?
Quem terá autoridade para realizar planos no âmbito mundial?
13
- A coordenadora do projeto “A questão ambiental, interdisciplinaridade, teoria social e produção
intelectual na América Latina”, financiado pela FAPESP afirma que devido a seu “caráter
interdisciplinar único” a temática ambiental tem o mérito de apresentar novos problemas e desafios não
contemplados pelos clássicos das ciências sociais. (Ferreira, Leila – entrevista -19/5/2009 - Agência
FAPESP Especiais Ambientes latino-americanos) grifos nossos.
13. A administração das riquezas naturais poderá ser realizada supra -
nacionalmente? Como uma agenda para um século poderá ser eficaz e atingir metas
retóricas como o de garantir a vida das gerações futuras?
As agendas internacionais são assinadas por chefes de Estados, que tem domínio
parcial sobre seus territórios. Como diz Harvey (Harvey, 2004) o Estado tem um tempo
(sucessão eleitoral) e um espaço de atuação (o território) enquanto o capital atua
molecularmente em espaços que lhe interessam e sem tempo delimitado.
A ciência em geral e a Geografia em particular, nas abordagens ambientais, tem
como analisar e intervir na produção do espaço? È possível utilizando técnicas mais
eficazes e eficientes, encontrar soluções para um século, como consta da agenda 21?
Observa-se que grande parte de estudos se refere a “gestão ambiental” em
diferentes escalas e aspectos: gestão de bacias, gestão de recursos naturais. Quais são os
parâmetros teóricos que induzem a idéia de gestão? Quem faz a gestão ambiental?
Ao tratar de “gestão ambiental”, é possível analisar as causas dos problemas,
sem considerar a dimensão temporal e espacial, sem novos arcabouços teóricos e
instrumentais analíticos, para desvendar a realidade?
Como pensar em gestão ambiental se a propriedade privada das riquezas não se
altera com a incorporação da “agenda” ambiental? Como se delimitam, regionalizam as
“áreas” que deverão ser gestionadas?
As ciências, não apenas a Geografia estão permeadas de noções e estratégias de
intervenção localizadas, de idéias para encontrar soluções sem atentar para o processo
de constituição dos problemas, sem apresentar o arcabouço teórico para as análises e, na
maior parte das vezes, sem entender que a natureza não tem fronteiras administrativas.
A incorporação de abordagens ambientais poderia apontar a importância do
espaço e da Geografia, que sempre enunciou tratar das relações sociedade x natureza.
No entanto, a incorporação do tema ambiental mais oculta do que desvela a
importância do espaço. È preciso avançar, definir instrumentais teóricos, metodologias
de análises que permitam compreender a complexidade, ultrapassando a abordagem
tradicional e/ou o paradigma dominante.
Entender as relações da sociedade /natureza no atual período histórico com a
compressão do tempo/espaço, com a aceleração de apropriação e uso das riquezas
naturais, produção e reprodução do espaço é uma tarefa essencial e complexa.
È preciso analisar os agentes produtores, como se acelera a contaminação de
rios, mares, a poluição atmosférica, a perda de biodiversidade, a depredação de áreas
14. florestadas, diminuição do volume de água potável, as mudanças climáticas, as ilhas de
calor nas áreas densamente urbanizadas, as doenças ocasionadas por poluição e pelo
trabalho realizado em mineração e indústrias químicas, por contaminação de produtos
alimentares, entre outros aspectos.
Aumentou a complexidade do mundo, mas ainda utilizamos os mesmo
instrumentais analíticos, as mesmas abordagens fracionadas que impedem, dificultam a
compreensão da totalidade do mundo e as formas de interação da sociedade x natureza.
Estes problemas resultantes da atuação da sociedade, dividida em classes sociais,
do aumento de mercadorias circulantes, do tipo de mercadoria e de suas embalagens
passaram de locais para regionais, nacionais e atualmente são mundiais o que altera as
formas e os conteúdos dos processos, ainda não suficientemente compreendidos.
O objetivo do texto foi apontar como o meio ambiente virou moda, sem aportes
teóricos, metodologias, instrumentais analíticos que permitam compreender a
complexidade do mundo atual. Teve como preocupação levantar questionamentos sobre
a importância do espaço e seu ocultamento, e como as Geografias abordam esta
dimensão.
Procurou-se também assinalar que embora as abordagens ambientais mostrem
problemas reais de poluição, desmatamento, destruição da biodiversidade, mudanças
climáticas, possibilidade de esgotamento de riquezas naturais, novas doenças
relacionadas à poluição do ar, da água e do solo, o arcabouço teórico está restrito as
ênfases de documentos e agendas oficiais.
15. Bibliografia citada
Burgos, Rosalina – “Periferias urbanas na metrópole de São Paulo-territórios da base
da indústria de reciclagem” – 2009 – Tese de Doutorado- USP-Departamento de
Geografia.
Brunhes, Jean – “Geografia Humana”– 1962- Editora Fundo de Cultura.
Chauí, Marilena –“Simulacro e Poder – Uma análise da Mídia” –2006 – Editora
Fundação Perseu Abramo-SP.
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – “Nosso Futuro
Comum”– 1991 – Editora da Fundação Getulio Vargas.
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - 1992 -
“Agenda 21”- 1996- Senado Federal-Brasília.
Debord, Guy – “A sociedade do Espetáculo” –1997-Contraponto-RJ.
Ferreira, Leila da Costa –“Entrevista-19/5/2009” - 2009 -Agência FAPESP- Especiais
Ambientes latino-americanos -
http://www.agencia.fapesp.br/materia/10510/especiais/ambientes-latino-
americanos.htm
Harvey, David – “O novo Imperialismo” 2004 – Edições Loyola- SP
Hobsbawn, Eric. “O novo século: entrevista a Antonio Polito”. 2000. São Paulo: Cia.
das Letras.
Kuhn, Thomas “ A estrutura das Revoluções Científicas” –2007 - Perspectiva - SP.
McCormick (1992) John – “Rumo ao Paraíso – A história do Movimento
Ambientalista” – Editora Relume Dumara –R.J.
Morin, Edgar e Moigne, Jean Louis –“A inteligência da complexidade” -2000
Editora.Petrópolis- SP.
Rodrigues, Arlete Moysés – “Produção e Consumo do e no espaço – A problemática
Ambiental Urbana” - 2006- www.dominiopublico.gov.br
- “Desenvolvimento Sustentável: dos conflitos de classes para o conflito de
gerações” – 2006 – in Panorama da Geografia Brasileira –Ana Blume Editora.
Organizado por Silva, J.B; Lima, L.C e Dantas, E.W.C.
Wood, Ellen Meiksin. “Imperialismo dos EUA:Hegemonia Econômica e poder militar”.
Revista Critica Marxista, Revan, 2004, nº 18.