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POESIA - CESÁRIO VERDE

O poeta português José Joaquim Cesário Verde nasceu em Lisboa a 25 de Fevereiro de
1855, sendo considerado um dos precursores da poesia portuguesa do séc. XX. Com
influência impressionista de extrema sensibilidade, retratou a cidade e o campo, os seus
cenários preferidos. Fugindo ao lirismo tradicional, a sua poesia expressou-se de uma
forma mais natural. Faleceu no Lumiar, vítima da tuberculose, a 19 de Julho de 1886.
Poet'anarquista
                                     Cesário Verde




                                    Poeta Português
BIOGRAFIA

Poeta português, natural de Caneças, Loures, oriundo de uma família burguesa abastada.
O pai era lavrador (tinha uma quinta em Linda-a-Pastora) e comerciante (estabelecido
com uma loja de ferragens na baixa lisboeta). Foi por essas duas actividades práticas,
úteis, de acordo com a visão do mundo do próprio Cesário Verde, que se repartiu a vida
do poeta. Paralelamente, ia alimentando o seu gosto pela leitura e pela criação literária,
embora longe dos meios literários oficiais com que nunca se deu bem, o que o levou,
por exemplo, a abandonar o Curso Superior de Letras da Faculdade de Letras de Lisboa,
que frequentou entre 1873 e 1874.

Cesário Verde estreou-se, nessa altura, colaborando nos jornais Diário de Notícias,
Diário da Tarde, A Tribuna e Renascença. A partir de 1875 produziu alguns dos seus
melhores poemas: «Num Bairro Moderno» (1877), «Em Petiz» (1878) e «O Sentimento
dum Ocidental» (1880). Este último foi escrito por ocasião do terceiro centenário da
morte de Camões e é, ainda hoje, um dos textos mais conhecidos do poeta, embora mal
recebido pela crítica de então, numa incompreensão geral mesmo por parte de escritores
da Geração de 70, de quem Cesário Verde esperaria aceitação para a sua poesia.

A falta de estímulo da crítica e um certo mal-estar relativamente ao meio literário,
expressos, por exemplo, no poema «Contrariedades» (Março de 1876), fazem com que
Cesário Verde deixe de publicar em jornais, surgindo apenas, em 1884, o poema «Nós».
O binómio cidade-campo surge como tema principal neste longo poema narrativo
autobiográfico, onde o poeta evoca a morte de uma irmã ( 1872) e de um irmão (1882),
ambos de tuberculose, doença que viria a vitimar igualmente o poeta, apesar das várias
tentativas de convalescença numa quinta no Lumiar.

Só em 1887 foi organizada, postumamente, por iniciativa do seu amigo Silva Pinto, uma
compilação dos seus poemas, a que deu o nome de O Livro de Cesário Verde (à
disposição do público em geral apenas em 1901). Dividida em duas secções, Crise
Romanesca e Naturais, o livro não seguiu qualquer critério cronológico de elaboração
ou de publicação. Entretanto, novas edições vieram acrescentar alguns textos à obra
conhecida do poeta e organizá-la segundo critérios mais rigorosos.

Formado dentro dos moldes do realismo e do parnasianismo literários, Cesário Verde
afirmou-se sobretudo pela sua oposição ao lirismo tradicional. Em poemas por vezes
cínicos ou humorísticos (na linha de A Folha, de João Penha, ou de Baudelaire, de que
se reconhece a influência sobretudo no tratamento da temática da cidade, do amor e da
mulher) conseguiu manter-se alheio ao peso da «literatura», procurando um tom natural
que valorizasse a linguagem do concreto e do coloquial, por vezes até com cariz técnico,
marcando um desejo de autenticidade e um amor pelo real, que fez com que a sua
poesia enfrentasse, por vezes, a acusação de prosaísmo.

Com uma visão extremamente plástica do mundo, deteve-se em deambulações pela
cidade ou pelo campo (seus cenários de eleição) transmitindo o que aí era oferecido aos
sentidos, em cores, formas e sons, de acordo com a fórmula do próprio poeta, expressa
em carta ao seu amigo Silva Pinto: «A mim o que me rodeia é o que me preocupa». Se,
por um lado, exaltava os valores viris e vigorosos, saudáveis, da vida do campo e dos
seus trabalhadores, sem visões bucólicas, detinha-se, por outro, na cidade, na sedução
dos movimentos humanos, da sua vibração, solidarizando-se com as vítimas de
injustiças sociais e integrando na sua poesia, por vezes, um desejo de evasão.

Conhecido como o poeta da cidade de Lisboa, foi igualmente o poeta da Natureza anti-
literária, numa antecipação de Fernando Pessoa/Alberto Caeiro, que considerava
Cesário um dos vultos fundamentais da nossa história literária.

Através de processos impressionistas, de grande sugestividade (condensando e
combinando, por exemplo, sensações físicas e morais num só elemento), levou a cabo
uma renovação ímpar, no século XIX, da estilística poética portuguesa, abrindo
caminho ao modernismo e influenciando decisivamente poetas posteriores.
Fonte: Astormentas

MANIAS!

O mundo é velha cena ensanguentada,
Coberta de remendos, picaresca;
A vida é chula farsa assobiada,
Ou selvagem tragédia romanesca.

Eu sei um bom rapaz, -- hoje uma ossada, --
Que amava certa dama pedantesca,
Perversíssima, esquálida e chagada,
Mas cheia de jactância quixotesca.
Aos domingos a deia já rugosa,
Concedia-lhe o braço, com preguiça,
E o dengue, em atitude receosa,

Na sujeição canina mais submissa,
Levava na tremente mão nervosa,
O livro com que a amante ia ouvir missa!

Cesário Verde

CINISMOS

Eu hei-de lhe falar lugubremente
Do meu amor enorme e massacrado,
Falar-lhe com a luz e a fé dum crente.

Hei-de expor-lhe o meu peito descarnado,
Chamar-lhe minha cruz e meu calvário,
E ser menos que um Judas empalhado.

Hei-de abrir-lhe o meu íntimo sacrário
E desvendar-lhe a vida, o mundo, o gozo,
Como um velho filósofo lendário.

Hei-de mostrar, tão triste e tenebroso,
Os pegos abismais da minha vida,
E hei-de olhá-la dum modo tão nervoso,

Que ela há-de, enfim, sentir-se constrangida,
Cheia de dor, tremente, alucinada,
E há-de chorar, chorar enternecida!

E eu hei-de, então, soltar uma risada.

Cesário Verde

DE TARDE

Naquele «pic-nic» de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão de ló molhado em malvasia.

Mas, todo púrpuro, a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas.

Cesário Verde

                     Ficha Informativa sobre Cesário Verde




Características        Características        Características      Características
realistas              modernistas            estilísticas         temáticas
    TEMÁTICAS                          QUANDO TUDO    Enquadramento
A cidade                               ACONTECEU... Estético-Literário da
             A      Linguagem e Estilo
   eo                                                poesia de Cesário
         humilhação                      (Biografia)       Verde
 campo
A Busca                                             Resumo
             A
   da                                         Múltiplos olhares    O Impressionismo
          imagética          Questão Social
perfeição                                     sobre a obra de      adaptado ao Real
          Feminina
 formal                                       Cesário Verde




Características realistas:

       Supremacia do mundo externo, da materialidade dos objectos; impõe o real
       concreto à sua poesia.

       Predomínio do cenário urbano (o favorito dos escritores realistas e naturalistas).
       Situa espacio-temporalmente as cenas apresentadas (ex: «Num Bairro Moderno»
       - «dez horas da manhã»).
       Atenção ao pormenor, ao detalhe.
       A selecção temática: a dureza do trabalho («Cristalizações» e «Num Bairro
       Moderno»); a doença e a injustiça social («Contrariedades»); a imoralidade das
       «impuras», a desonestidade do «ratoneiro» e a «miséria do velho professor» em
       «O Sentimento dum Ocidental».
       A presença do real histórico: a referência a Camões e o contexto socio-político
       em «O Sentimento dum Ocidental».
       A linguagem burguesa, popular, coloquial, rica em termos concretos.
Pelo facto da sua poesia ser estimulada pelo real, que inspira o poeta, que se
       deixa absorver pelas formas materiais e concretas.

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Características modernistas:

       «A poesia de Cesário Verde reflecte a crise do naturalismo e o desencanto pela
       estética realista. O poeta empenha-se no real, é certo, porém a instância da visão
       subjectiva é marcante ao ponto de fazer vacilar a concepção de Cesário Verde
       como poeta realista.» (Elisa Lopes). Mesmos nos textos mais frequentemente
       citados como realistas, encontramos já um olhar subjectivo (porque selectivo),
       valorativo, que se manifesta num impressionismo pictórico, pois mais do que a
       representação do real importa a impressão do real, que suplanta o real objectivo.
       A realidade é mediatizada pelo olhar do poeta, que recria, a partir do concreto,
       uma super-realidade através da imaginação transfiguradora, metamorfoseando o
       real num processo de reinvenção ou recontextualização precursora da estética
       surrealista.

       Abre à poesia as portas da vida e assim traz o inestético, o vulgar, o feio, a
       realidade trivial e quotidiana. A. C. Monteiro chama-lhe «o pendor subversivo».
       Forte componente sinestésica (cruzamento de várias sensações na apreensão do
       real), de pendor impressionista, que valoriza a sensação em detrimento do
       objecto real.
       Um certo interseccionismo entre planos diferentes, visualismo e memória, real e
       imaginário, etc, (concretizado muitas vezes em hipálages sugestivas).

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Características estilísticas:

       A estrutura narrativa dos seus poemas, em que encontramos acções
       protagonizadas por agentes/actores (ex: «Deslumbramentos», «Cristalizações» e
       «Num Bairro Moderno»).
       A estrutura deambulatória que configura uma poesia itenerante: a exploração do
       espaço é feita através de sucessivas deambulações, numa perspectiva de câmara
       de filmar, em que se vão fixando vários planos (ex: «Cristalizações», em que se
       configuram vários planos, e «O Sentimento dum Ocidental», em que há um
       fechamento cada vez maior dos cenários apreendidos pelo olhar). É uma espécie
       de olhar itinerante e fragmentário, que reflecte o passeio obsessivo pela cidade
       (e também no campo em alguns poemas); uma poesia transeunte, errante.
       Exemplos mais significativos são os poemas «Num Bairro Moderno», «O
       Sentimento dum Ocidental», que definem a relação do poeta com a cidade.
       O olhar selectivo: a descrição/evocação do espaço é filtrada por um juízo de
       valor transfigurador, profundamente sinestésico (ex: «Num Bairro Moderno»).
       O poeta é como um espelho em que vem repercutir-se a diversidade do mundo
       citadino.
       O contraste luz/sombra: jogo lúdico de luz em que as imagens poéticas se
       configuram em cintilações, descobrindo, presentificação e recriando a realidade
       (ex: «O Sentimento dum Ocidental»). Tanto pode ser a luz do dia como a luz
artificial, como a luz metafórica que emana da visão da mulher. A incidência da
       luz é uma forma de valorizar os objectos, entendendo-se a luz como princípio de
       vida.
       Automatismo psíquico: associações desconexas de ideias, visível nas frases
       curtas, na sequência de orações coordenadas assindéticas, que sugerem uma
       acumulação, uma concatenação aleatória de ideias (ex: «Contrariedades», «O
       Sentimento dum Ocidental).
       Adjectivação particularmente abundante e expressiva, com dupla e tripla
       adjectivação, ao serviço de um impressionismo pictórico.
       Os substantivos presentificadores da realidade convocada, frequentemente em
       enumeração, que sugere uma acumulação, um compósito de elementos,
       característicos da construção pictórica.

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  Características temáticas:

  Oposição cidade/campo, sendo a cidade um espaço de morte e o campo um espaço
  de vida – valorização do natural em detrimento do artificial. O campo é visto como
  um espaço de liberdade, do não isolamento; e a cidade como um espaço castrador,
  opressor, símbolo da morte, da humilhação, da doença. A esta oposição associam-se
  as oposições belo/feio, claro/escuro, força/fragilidade.

   Oposição passado/presente, em que o passado é visto como um tempo de harmonia
  com a natureza, ao contrário de um presente contaminado pelos malefícios da cidade
  (ex: «Nós»).

  A questão da inviabilidade do Amor na cidade.

  A humilhação (sentimental, estética, social).

  A preocupação com as injustiças sociais.

   O sentimento anti-burguês.

  O perpétuo fluir do tempo, que só trará esperança para as gerações futuras.

  Presença obsessiva da figura feminina, vista:

→ negativamente, porque contaminada pela civilização urbana

       -     mulher opressora – mulher nórdica, fria, símbolo da eclosão do
           desenvolvimento da cidade como fenómeno urbano, sinédoque da classe
           social opressora e, por isso, geradora de um erotismo da humilhação (ex:
           «Frígida», «Deslumbramentos» e «Esplêndida»), em que se reconhece a
           influência de Baudelaire;

→ positivamente, porque relacionada com o campo, com os seus valores salutares
-   - mulher anjo – visão angelical, reflexo de uma entidade divina, símbolo de
            pureza campestre, com traços de uma beleza angelical, frequentemente com
            os cabelos loiros, dotada de uma certa fragilidade («Em Petiz», «Nós», «De
            Tarde» e «Setentrional») – também tem um efeito regenerador;

        -    mulher regeneradora – mulher frágil, pura, natural, simples, representa os
            valores do campo na cidade, que regenera o sujeito poético e lhe estimula a
            imaginação (ex: as figuras femininas de a «A Débil» e «Num Bairro
            Moderno»);

        -    mulher oprimida – tísica, resignada, vítima da opressão social urbana,
            humilhada, com a qual o sujeito poético se sente identificado ou por quem
            nutre compaixão (ex: «Contrariedades»);

        -   mulher como sinédoque social – (ex: as «burguesinhas» e as varinas de «O
            Sentimento dum Ocidental»

como objecto do estímulo erótico

  -        mulher objecto – vista enquanto estímulo dos sentidos carnais, sensuais,
como impulso erótico (ex: actriz de «Cristalizações»).



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Múltiplos olhares sobre a obra de Cesário Verde


Eduardo Lourenço

 «O universo de Cesário não é um universo pensado, crítico, à maneira de Eça (...), é um
mundo sentido, palpado e ao mesmo tempo transcendido pelo sonho, que é desejo de
um lugaroutro, de uma humanidade outra que inconscientemente o conforta na sua
admiração pela força, pela saúde e energia que a memória e o sangue lhe denegam.»



Jacinto do Prado Coelho

«Poeta do imediato, Cesário é também um poeta da memória...» (colectiva em «O
Sentimento dum Ocidental», pessoal em «Nós»)



Óscar Lopes
«É, porém, em «O Sentimento dum Ocidental» (...) que o poeta ultrapassa com maior
fôlego estrutural o seu naturalismo positivista, no mesmo momento em que parecia,
aliás, consumá-lo em poesia. (...) Cesário não se desprende da imanência aos dados da
percepção sensível, mas articula-o com um modo inteiramente novo, precursor do
Cubismo ou Interseccionismo.»

«Para Cesário, como depois para Pessoa, oeu, o tu, o nós, o tempo irreversível e as
dimensões reversíveis do espaço, as coisas mais simples constituem problemas e
despertam ânsias que a poesia apreende antes mesmo de se formularem em teoria.»



Luís Mourão

«... a sua poesia aparece, por isso, como um filtro por onde passa a cultura da «Geração
de 70» para o Modernismo. E que Cesário seja um personagem singular e sem escola,
só mostra essa verdade «natural» de que entre o nascer e o morrer o mais difícil talvez
seja o espaço que vai de um ponto ao outro...»

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                            CESÁRIO VERDE


                                    TEMÁTICAS

A cidade e o campo
  A natureza, ávida mas “honesta”, “salutar” e sempre jovem, aparece-nos pintada nos
seus poemas como nas evocações da pintura geral (“pinto quadros por letras, por
sinais”) – característica impressionista, porque é nas letras como um artista plástico.

  Identifica-se com a cidade presente, deambulando pelas ruas e becos; revive por
evocação da memória todo o passado e os seus dramas; acha sempre assuntos e sofre
uma opressão que lhe provoca um desejo “absurdo de sofrer”: ao anoitecer, ruas
soturnas e melancólicas, com sombras, bulício...; o enjoo, a perturbação, a monotonia
(“Nas nossas ruas, ao anoitecer,/ Há tal soturnidade, há tal melancolia,/ Que as sombras,
o bulício do Tejo, a maresia/ Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.” – Sentimento
de um ocidental)

 Do campo capta a vitalidade e a força telúrica; não canta o convencionalismo idílico,
mas a natureza, os pomares, as canseiras da família durante as colheitas.

  A cidade surge viva com homens vivos; mas nela há a doença, a dor, a miséria, o
grotesco, a beleza e a sua decomposição fatal... No campo há a saúde, o refúgio durante
a peste na cidade...
“Ao nível pessoal, a cidade significa a ausência, a impossibilidade ou a perversão do
amor, e o campo a sua expressão idílica. Ao nível social, a cidade significa opressão, e o
campo a recusa da mesma e a possibilidade do exercício da liberdade.”

  No campo, a vida é activa, saudável, natural e livre, por oposição à vida limitada,
reprimida e doentia na cidade. (“Que de fruta! E que fresca e temporã./ Nas duas boas
quintas bem muradas, /Em que o Sol, nos talhões e nas latadas,/ Bate de chapa, logo de
manhã” – Nós)

             As descrições de quadros e tipos citadinos retratando Lisboa em diversas
facetas e segundo ângulos de visão de personagens várias (Num Bairro Moderno;
Cristalizações; O Sentimento dum Ocidental).

            A invasão simbólica da cidade pela vitalidade e pelo colorido saudável dos
produtos do campo (como por exemplo, a “giga” da “rota, pequenina, azafamada”
rapariga em Num Bairro Moderno).

Binómio cidade/campo
O contraste cidade/campo é um dos temas fundamentais da poesia de Cesário e revela-nos o seu
amor ao rústico e natural, que celebra por oposição a um certo repúdio da perversidade e dos
valores urbanos a que, no entanto, adere.

 A cidade personifica a ausência de amor e, consequentemente, de vida. Ela surge como uma
prisão que desperta no sujeito “um desejo absurdo de sofrer”. É um foco de infecções, de
doença, de MORTE. É um símbolo de opressão, de injustiça, de industrialização, e surge, por
vezes, como ponto de partida para evocações, divagações

 O campo, por oposição, aparece associado à vitalidade, à alegria do trabalho
produtivo e útil, nunca como fonte de devaneio sentimental. Aparece ligado à
fertilidade, à saúde, à liberdade, à VIDA. A força inspiradora de Cesário é a terra-mãe,
daí surgir o mito de Anteu, uma vez que a terra é força vital para Cesário. O poeta
encontra a energia perdida quando volta para o campo, anima-o, revitaliza-o, dá-lhe
saúde, tal como Anteu era invencível quando estava em contacto com a mãe-terra.

O campo é, para Cesário, uma realidade concreta, observada tão rigorosamente e descrita tão
minuciosamente como a própria cidade o havia sido: um campo em que o trabalho e os
trabalhadores são parte integrante, um campo útil onde o poeta se identifica com o povo (Petiz).
É no poema Nós que Cesário revela melhor o seu amor ao campo, elogiando-o por oposição à
cidade e considerando-o “um salutar refúgio”.

A oposição cidade/campo conduz simbolicamente à oposição morte/vida. É a morte que cria em
Cesário uma repulsa à cidade por onde gostava de deambular mas que acaba por aprisioná-lo.

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A humilhação
    -   a humilhação sentimental:
a mulher formosa, fria, distante e altiva (Esplêndida; Deslumbramentos;
Frígida);

        a mulher fatal da época/a humilhação do sujeito poético tentando a
aproximação (Esplêndida);

        a mulher burguesa, rica, distante e altiva/a humilhação do sujeito poético que
não ousa aproximar-se devido à sua baixa condição social (Humilhações);

        a mulher fatal, bela e artificial, poderosa e desumana/a consequente humilhação
do poeta (“Milady, é perigoso contemplá-la(...)/ Com seus gestos de neve e de metal.”,
Deslumbramentos);

         a mulher fatal, pálida e bela, fria, distante e impassível que o poeta deseja e
receia/a humilhação e a necessidade de controlar os impulsos amorosos (Frígida).

     -   a humilhação estética:

         a revolta pela incompreensão que os outros manifestam em relação à sua poesia
e pela recusa de publicação por alguns jornais (“Arte? Não lhes convém, visto que os
seus leitores/ Deliram por Zaccone”; “Agora sinto-me eu cheio de raivas frias/ Por
causa dum jornal me rejeitar, há dias/ Um folhetim de versos.”, Contrariedades).

     -   a humilhação social:

      o povo comum oprimido pelos poderosos (Humilhações);

   o abandono a que são votados os doentes (“Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões
doentes(...)/ O doutor deixou-a...”, Contrariedades);

   o povo dominado por uma oligarquia poderosa (a “Milady” de Deslumbramentos é
uma representante dessa oligarquia).

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         A BUSCA DA PERFEIÇÃO FORMAL

-         Cesário busca a expressão clara, objectiva e concreta;

-        As suas descrições têm pouco de poético – prosaísmo lírico –, pois procura
explorar a notação objectiva e sóbria das graças e dos horrores da vida da cidade ou a
profunda vitalidade da paisagem campestre – características de um realista.

-         A preocupação com:

           a beleza e a perfeição da sua poesia (a musicalidade, a harmonia, a escolha dos
    sons...);
o vocabulário – a expressividade verbal, a adjectivação abundante, rica e
  expressiva, a precisão vocabular (chega mesmo a usar termos técnicos), o colorido da
  linguagem...;

        os recursos fónicos – as aliterações, que contribuem para a musicalidade e para
  a perfeição formal;

        os processos estilísticos – abundância de imagens, as metáforas, as sinestesias...;

        a regularidade métrica, estrófica e rimática (na métrica, preferência pelo verso
  decassilábico e pelo alexandrino; na organização estrófica, a preferência evidente pela
  quadra que lhe permitia registar as observações e saltar com facilidade para outros
  assuntos).

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A imagética Feminina
 A mulher fatal, altiva, aristocrática, “frígida” que atrai/fascina o sujeito poético, provocando-
lhe o desejo de humilhação. É o tipo citadino artificial, surge portanto associada à cidade
servindo para retratar os valores decadentes e a violência social. Esta mulher surge na poesia de
Cesário incorporando um valor erótico que simultaneamente desperta o desejo e arrasta para a
morte conduzindo a um erotismo da humilhação (Esplêndida, Vaidosa, Frígida).

 A mulher angélica, “tímida pombinha”, natural, pura, acompanhada pela mãe, embora
pertencente à cidade, encarna qualidades inerentes ao campo. Desperta no poeta o desejo de
protecção e tem um efeito regenerador (Frágil).

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Questão Social
O poeta coloca-se ao lado dos desfavorecidos, dos injustiçados, dos marginalizados e admira a
força física, a pujança do povo trabalhador.

O poeta interessa-se pelo conflito social do campo e da cidade, procurando documentá-lo e
analisá-lo, embora sem interferir.

 Anatomia do homem oprimido pela cidade

 Integração da realidade comezinha no mundo poético

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O Impressionismo adaptado ao Real
“A mim o que me preocupa é o que me rodeia”
A poesia do quotidiano despoetiza o acto poético, daí que a sua poesia seja classificada
como prosaica, concreta. O poeta pretende captar as impressões que os objectos lhe
deixam através dos sentidos.

Ao vaguear, ao deambular, o poeta percepciona a cidade e o “eu” é o resultado daquilo que vê.

Cesário não hesita em descrever nos seus poemas ambientes que, segundo a concepção da
poesia, não tinham nada de poético.

Cesário não só surpreende os aspectos da realidade como sabe perfeitamente fazer uma reflexão
sobre as personagens e certas condições.

A representação do real quotidiano é, frequentemente, marcada pela captação perfeita dos
efeitos da luz e por uma grande capacidade de fazer ressaltar a solidez das formas (visão
objectiva), embora sem menosprezar uma certa visão subjectiva – Cesário procura representar
a impressão que o real deixa em si próprio e às vezes transfigura a realidade, transpondo-a numa
outra.

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Linguagem e Estilo:

Cesário Verde é caracterizado pela utilização do Parnasianismo que é a busca da perfeição
formal através de uma poesia descritiva e fazendo desta algo de escultórico, esculpindo o
concreto com nitidez e perfeição. O parnasianismo é também a necessidade de objectivar ou
despersonalizar a poesia e corresponde à reacção naturalista que aparece no romance. Os temas
desta corrente literária são temas do quotidiano com um enorme rigor a nível de aspecto formal
e há uma aproximação da poesia às artes plásticas, nomeadamente a nível da utilização das
cores e dos dados sensoriais.

Através deste parnasianismo ele propõe uma explicação para o que observa com objectividade
e, quando recorre à subjectividade, apenas transpõe, pela imaginação transfiguradora, a
realidade captada numa outra que só o olhar de artista pode notar.

Cesário utiliza também uma linguagem prosaica, ou seja, aproxima-se da prosa e da linguagem
do quotidiano.

A obra de Cesário caracteriza-se também pela técnica impressionista ao acumular pormenores
das sensações captadas e pelo recurso às sinestesias, que lhe permitem transmitir sugestões e
impressões da realidade.

A nível morfossintáctico recorre à expressividade verbal, à adjectivação abundante, rica e
expressiva, por vezes em hipálage, ao colorido da linguagem e tem uma tendência para as frases
curtas.

        Vocabulário concreto
        Linguagem coloquial
        Predomínio do uso do decassílabo e do Alexandrino
        Uso do assíndeto que resulta da técnica de justaposição de várias percepções
        Técnica descritiva assente em sinestesias, hipálages, na expressividade do advérbio, no
        uso do diminutivo e na utilização da ironia como forma de cortar o sentimentalismo
        (equilibrar).
Enquadramento histórico da poesia de
Cesário Verde
    Transformações da sociedade portuguesa a partir de meados do séc. XIX

1- 1- Introdução
No período em que viveu Cesário Verde (1855 a 1866 ), o Portugal velho está
em profunda transformação.
Vimos o longo período da crise provocada pelas invasões napoleónicas, pelas
lutas liberais, pela perda da colónia brasileira, pela ascensão da burguesia ao
poder, pela instabilidade política e governativa, crise essa que se caracterizou a
primeira metade do século XIX em Portugal e em que se enquadrou o nosso
Primeiro Romantismo.
Vimos depois, que o levantamento militar de Saldanha, em 1851, introduziu um
período de estabilidade política, sob a égide do partido regenerador, que
encaminhou a sua actuação para os melhoramentos materiais, difundindo
confiança no progresso. Baseando-se no crédito financeiro nacional ou
estrangeiro, o governo da Regeneração deu primazia ao lançamento dos meios
de transporte e de comunicação que conduziram ao desenvolvimento da
agricultura, sem que a industria e a pequena burguesia urbana tenham sido alvo
de idêntico apoio. O descurar dos sectores primário e secundário da economia e
a tendência para a especulação desenfreada levaram á queda do governo
regenerador em 1868 ( revolta da Janeirinha ) e conduziram á crise de 1876.
Entretanto, neste período de aparente progresso inserimos a produção literária de
Júlio Diniz, alheia ainda ao processo de industrialização, foi no segundo
Romantismo.
A terceira geração romântica surge nos anos 70 ( realismo) e coincide com o
regresso ao poder de Fontes Pereira de Melo (1871-1877). Aquando da crise
económica de 1876, surge o partido progressista que irá alternar com o
regenerador até ao fim da monarquia, não tendo sabido nenhum deles resolver os
grandes problemas sócio-económicos , entre outros, com que o país se deparava.
É neste período que se insere a poesia de Cesário e, por isso, convém
acompanhar mais detalhadamente as alterações, sobretudo as urbanas, sofridas
pelo país a partir dos anos 70, algumas delas registadas nos seus poemas.
2- 2- Desenvolvimento capitalista e processo de urbanização em Portugal a
partir de 1870


O Fontismo Regenerador ( 1871-1877) traz profundas transformações:
incremento sensível da produção industrial, fomento agrícola, facilitação na
comercialização dos produtos, aumento do consuma e das classes trabalhadoras
assalariadas (operários da indústria e da construção civil), aumento dos
transportes, desenvolvimento da mineração , das pescas, da indústria do tabaco...
A multiplicação dos meios de transportes (caminhos de ferro, transportes
urbanos colectivos) e dos meios de comunicação (jornal, telégrafo) favorece o
desenvolvimento de todos os sectores da economia. Paralelamente, verificam-se
migrações internas para a cidade uma enorme emigração para o Brasil, como
sintoma das dificuldades no campo e do apelo exercido pelos meios urbanos.
Lisboa conhece os problemas peculiares do rápido desenvolvimento urbano a
que o poder não sabe dar resposta, designadamente no que diz respeito á
salubridade pública (tuberculose, febre amarela e peste).
Assim, o desenvolvimento capitalista revela-se, desde o seu início, grosseiro e
caótico, ainda mais em Lisboa do que nas outras cidades europeias
industrializadas.

Enquadramento Estético-Literário da poesia de
Cesário Verde
Poeta da cidade, um dos maiores em qualquer tempo em qualquer língua, por
isso mesmo que genuíno, original, profundamente renovador, quer ao descrever
os quadros e os tipos citadinos, quer ao denunciar, em sóbrias palavras, as
atitudes subjectivas provocadas pela vida exterior.
Cesário tem o culto da descrição, da contenção. A sensibilidade e a fantasia são
nele dominantes pela estética anti romântica, pela reserva irónica, pela sábia
composição, pelo gosto de polir a frio os seus versos.
Há certo candismo nesta fuga a ênfase e ao derrame lírico. Há também o
propósito ser do seu temperamento, ostensivamente positivo e natural. Se bem
ponderarmos Cesário só é anti-retórico no sentido da retórica tradicional,
incontida e verbosa; a arte de escrever tomou para ele grande importância á
medida que se descobriu como poeta: escrever bem era em Cesário ver bem,
seleccionar e dosear as impressões, realçar as linhas e os volumes, o agradável e
o acerbo, o nobre e o corriqueiro, por meio de alternâncias e contrastes
premeditados que emitem o desfile descontínuo e o regresso obsessivo das ideias
fortuitas. Sem dúvida, vivia em grande parte pelos sentidos, euforicamente, na
cidade como no campo, antecipando-se á lição antimetafísica de Alberto Caeiro:
Lavo, refresco, limpo os meus sentidos.
E tangem-me excitados, sacudidos,
O tacto, a vista, o ouvido, o gosto, o olfacto!
 topo
Poeta Cesário Verde

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Poeta Cesário Verde

  • 1. POESIA - CESÁRIO VERDE O poeta português José Joaquim Cesário Verde nasceu em Lisboa a 25 de Fevereiro de 1855, sendo considerado um dos precursores da poesia portuguesa do séc. XX. Com influência impressionista de extrema sensibilidade, retratou a cidade e o campo, os seus cenários preferidos. Fugindo ao lirismo tradicional, a sua poesia expressou-se de uma forma mais natural. Faleceu no Lumiar, vítima da tuberculose, a 19 de Julho de 1886. Poet'anarquista Cesário Verde Poeta Português BIOGRAFIA Poeta português, natural de Caneças, Loures, oriundo de uma família burguesa abastada. O pai era lavrador (tinha uma quinta em Linda-a-Pastora) e comerciante (estabelecido com uma loja de ferragens na baixa lisboeta). Foi por essas duas actividades práticas, úteis, de acordo com a visão do mundo do próprio Cesário Verde, que se repartiu a vida do poeta. Paralelamente, ia alimentando o seu gosto pela leitura e pela criação literária, embora longe dos meios literários oficiais com que nunca se deu bem, o que o levou, por exemplo, a abandonar o Curso Superior de Letras da Faculdade de Letras de Lisboa, que frequentou entre 1873 e 1874. Cesário Verde estreou-se, nessa altura, colaborando nos jornais Diário de Notícias, Diário da Tarde, A Tribuna e Renascença. A partir de 1875 produziu alguns dos seus melhores poemas: «Num Bairro Moderno» (1877), «Em Petiz» (1878) e «O Sentimento dum Ocidental» (1880). Este último foi escrito por ocasião do terceiro centenário da morte de Camões e é, ainda hoje, um dos textos mais conhecidos do poeta, embora mal recebido pela crítica de então, numa incompreensão geral mesmo por parte de escritores da Geração de 70, de quem Cesário Verde esperaria aceitação para a sua poesia. A falta de estímulo da crítica e um certo mal-estar relativamente ao meio literário, expressos, por exemplo, no poema «Contrariedades» (Março de 1876), fazem com que Cesário Verde deixe de publicar em jornais, surgindo apenas, em 1884, o poema «Nós». O binómio cidade-campo surge como tema principal neste longo poema narrativo
  • 2. autobiográfico, onde o poeta evoca a morte de uma irmã ( 1872) e de um irmão (1882), ambos de tuberculose, doença que viria a vitimar igualmente o poeta, apesar das várias tentativas de convalescença numa quinta no Lumiar. Só em 1887 foi organizada, postumamente, por iniciativa do seu amigo Silva Pinto, uma compilação dos seus poemas, a que deu o nome de O Livro de Cesário Verde (à disposição do público em geral apenas em 1901). Dividida em duas secções, Crise Romanesca e Naturais, o livro não seguiu qualquer critério cronológico de elaboração ou de publicação. Entretanto, novas edições vieram acrescentar alguns textos à obra conhecida do poeta e organizá-la segundo critérios mais rigorosos. Formado dentro dos moldes do realismo e do parnasianismo literários, Cesário Verde afirmou-se sobretudo pela sua oposição ao lirismo tradicional. Em poemas por vezes cínicos ou humorísticos (na linha de A Folha, de João Penha, ou de Baudelaire, de que se reconhece a influência sobretudo no tratamento da temática da cidade, do amor e da mulher) conseguiu manter-se alheio ao peso da «literatura», procurando um tom natural que valorizasse a linguagem do concreto e do coloquial, por vezes até com cariz técnico, marcando um desejo de autenticidade e um amor pelo real, que fez com que a sua poesia enfrentasse, por vezes, a acusação de prosaísmo. Com uma visão extremamente plástica do mundo, deteve-se em deambulações pela cidade ou pelo campo (seus cenários de eleição) transmitindo o que aí era oferecido aos sentidos, em cores, formas e sons, de acordo com a fórmula do próprio poeta, expressa em carta ao seu amigo Silva Pinto: «A mim o que me rodeia é o que me preocupa». Se, por um lado, exaltava os valores viris e vigorosos, saudáveis, da vida do campo e dos seus trabalhadores, sem visões bucólicas, detinha-se, por outro, na cidade, na sedução dos movimentos humanos, da sua vibração, solidarizando-se com as vítimas de injustiças sociais e integrando na sua poesia, por vezes, um desejo de evasão. Conhecido como o poeta da cidade de Lisboa, foi igualmente o poeta da Natureza anti- literária, numa antecipação de Fernando Pessoa/Alberto Caeiro, que considerava Cesário um dos vultos fundamentais da nossa história literária. Através de processos impressionistas, de grande sugestividade (condensando e combinando, por exemplo, sensações físicas e morais num só elemento), levou a cabo uma renovação ímpar, no século XIX, da estilística poética portuguesa, abrindo caminho ao modernismo e influenciando decisivamente poetas posteriores. Fonte: Astormentas MANIAS! O mundo é velha cena ensanguentada, Coberta de remendos, picaresca; A vida é chula farsa assobiada, Ou selvagem tragédia romanesca. Eu sei um bom rapaz, -- hoje uma ossada, -- Que amava certa dama pedantesca, Perversíssima, esquálida e chagada, Mas cheia de jactância quixotesca.
  • 3. Aos domingos a deia já rugosa, Concedia-lhe o braço, com preguiça, E o dengue, em atitude receosa, Na sujeição canina mais submissa, Levava na tremente mão nervosa, O livro com que a amante ia ouvir missa! Cesário Verde CINISMOS Eu hei-de lhe falar lugubremente Do meu amor enorme e massacrado, Falar-lhe com a luz e a fé dum crente. Hei-de expor-lhe o meu peito descarnado, Chamar-lhe minha cruz e meu calvário, E ser menos que um Judas empalhado. Hei-de abrir-lhe o meu íntimo sacrário E desvendar-lhe a vida, o mundo, o gozo, Como um velho filósofo lendário. Hei-de mostrar, tão triste e tenebroso, Os pegos abismais da minha vida, E hei-de olhá-la dum modo tão nervoso, Que ela há-de, enfim, sentir-se constrangida, Cheia de dor, tremente, alucinada, E há-de chorar, chorar enternecida! E eu hei-de, então, soltar uma risada. Cesário Verde DE TARDE Naquele «pic-nic» de burguesas, Houve uma coisa simplesmente bela, E que, sem ter história nem grandezas, Em todo o caso dava uma aguarela. Foi quando tu, descendo do burrico, Foste colher, sem imposturas tolas, A um granzoal azul de grão-de-bico Um ramalhete rubro de papoulas. Pouco depois, em cima duns penhascos,
  • 4. Nós acampámos, inda o sol se via; E houve talhadas de melão, damascos, E pão de ló molhado em malvasia. Mas, todo púrpuro, a sair da renda Dos teus dois seios como duas rolas, Era o supremo encanto da merenda O ramalhete rubro das papoulas. Cesário Verde Ficha Informativa sobre Cesário Verde Características Características Características Características realistas modernistas estilísticas temáticas TEMÁTICAS QUANDO TUDO Enquadramento A cidade ACONTECEU... Estético-Literário da A Linguagem e Estilo eo poesia de Cesário humilhação (Biografia) Verde campo A Busca Resumo A da Múltiplos olhares O Impressionismo imagética Questão Social perfeição sobre a obra de adaptado ao Real Feminina formal Cesário Verde Características realistas: Supremacia do mundo externo, da materialidade dos objectos; impõe o real concreto à sua poesia. Predomínio do cenário urbano (o favorito dos escritores realistas e naturalistas). Situa espacio-temporalmente as cenas apresentadas (ex: «Num Bairro Moderno» - «dez horas da manhã»). Atenção ao pormenor, ao detalhe. A selecção temática: a dureza do trabalho («Cristalizações» e «Num Bairro Moderno»); a doença e a injustiça social («Contrariedades»); a imoralidade das «impuras», a desonestidade do «ratoneiro» e a «miséria do velho professor» em «O Sentimento dum Ocidental». A presença do real histórico: a referência a Camões e o contexto socio-político em «O Sentimento dum Ocidental». A linguagem burguesa, popular, coloquial, rica em termos concretos.
  • 5. Pelo facto da sua poesia ser estimulada pelo real, que inspira o poeta, que se deixa absorver pelas formas materiais e concretas. topo Características modernistas: «A poesia de Cesário Verde reflecte a crise do naturalismo e o desencanto pela estética realista. O poeta empenha-se no real, é certo, porém a instância da visão subjectiva é marcante ao ponto de fazer vacilar a concepção de Cesário Verde como poeta realista.» (Elisa Lopes). Mesmos nos textos mais frequentemente citados como realistas, encontramos já um olhar subjectivo (porque selectivo), valorativo, que se manifesta num impressionismo pictórico, pois mais do que a representação do real importa a impressão do real, que suplanta o real objectivo. A realidade é mediatizada pelo olhar do poeta, que recria, a partir do concreto, uma super-realidade através da imaginação transfiguradora, metamorfoseando o real num processo de reinvenção ou recontextualização precursora da estética surrealista. Abre à poesia as portas da vida e assim traz o inestético, o vulgar, o feio, a realidade trivial e quotidiana. A. C. Monteiro chama-lhe «o pendor subversivo». Forte componente sinestésica (cruzamento de várias sensações na apreensão do real), de pendor impressionista, que valoriza a sensação em detrimento do objecto real. Um certo interseccionismo entre planos diferentes, visualismo e memória, real e imaginário, etc, (concretizado muitas vezes em hipálages sugestivas). topo Características estilísticas: A estrutura narrativa dos seus poemas, em que encontramos acções protagonizadas por agentes/actores (ex: «Deslumbramentos», «Cristalizações» e «Num Bairro Moderno»). A estrutura deambulatória que configura uma poesia itenerante: a exploração do espaço é feita através de sucessivas deambulações, numa perspectiva de câmara de filmar, em que se vão fixando vários planos (ex: «Cristalizações», em que se configuram vários planos, e «O Sentimento dum Ocidental», em que há um fechamento cada vez maior dos cenários apreendidos pelo olhar). É uma espécie de olhar itinerante e fragmentário, que reflecte o passeio obsessivo pela cidade (e também no campo em alguns poemas); uma poesia transeunte, errante. Exemplos mais significativos são os poemas «Num Bairro Moderno», «O Sentimento dum Ocidental», que definem a relação do poeta com a cidade. O olhar selectivo: a descrição/evocação do espaço é filtrada por um juízo de valor transfigurador, profundamente sinestésico (ex: «Num Bairro Moderno»). O poeta é como um espelho em que vem repercutir-se a diversidade do mundo citadino. O contraste luz/sombra: jogo lúdico de luz em que as imagens poéticas se configuram em cintilações, descobrindo, presentificação e recriando a realidade (ex: «O Sentimento dum Ocidental»). Tanto pode ser a luz do dia como a luz
  • 6. artificial, como a luz metafórica que emana da visão da mulher. A incidência da luz é uma forma de valorizar os objectos, entendendo-se a luz como princípio de vida. Automatismo psíquico: associações desconexas de ideias, visível nas frases curtas, na sequência de orações coordenadas assindéticas, que sugerem uma acumulação, uma concatenação aleatória de ideias (ex: «Contrariedades», «O Sentimento dum Ocidental). Adjectivação particularmente abundante e expressiva, com dupla e tripla adjectivação, ao serviço de um impressionismo pictórico. Os substantivos presentificadores da realidade convocada, frequentemente em enumeração, que sugere uma acumulação, um compósito de elementos, característicos da construção pictórica. topo Características temáticas: Oposição cidade/campo, sendo a cidade um espaço de morte e o campo um espaço de vida – valorização do natural em detrimento do artificial. O campo é visto como um espaço de liberdade, do não isolamento; e a cidade como um espaço castrador, opressor, símbolo da morte, da humilhação, da doença. A esta oposição associam-se as oposições belo/feio, claro/escuro, força/fragilidade. Oposição passado/presente, em que o passado é visto como um tempo de harmonia com a natureza, ao contrário de um presente contaminado pelos malefícios da cidade (ex: «Nós»). A questão da inviabilidade do Amor na cidade. A humilhação (sentimental, estética, social). A preocupação com as injustiças sociais. O sentimento anti-burguês. O perpétuo fluir do tempo, que só trará esperança para as gerações futuras. Presença obsessiva da figura feminina, vista: → negativamente, porque contaminada pela civilização urbana - mulher opressora – mulher nórdica, fria, símbolo da eclosão do desenvolvimento da cidade como fenómeno urbano, sinédoque da classe social opressora e, por isso, geradora de um erotismo da humilhação (ex: «Frígida», «Deslumbramentos» e «Esplêndida»), em que se reconhece a influência de Baudelaire; → positivamente, porque relacionada com o campo, com os seus valores salutares
  • 7. - - mulher anjo – visão angelical, reflexo de uma entidade divina, símbolo de pureza campestre, com traços de uma beleza angelical, frequentemente com os cabelos loiros, dotada de uma certa fragilidade («Em Petiz», «Nós», «De Tarde» e «Setentrional») – também tem um efeito regenerador; - mulher regeneradora – mulher frágil, pura, natural, simples, representa os valores do campo na cidade, que regenera o sujeito poético e lhe estimula a imaginação (ex: as figuras femininas de a «A Débil» e «Num Bairro Moderno»); - mulher oprimida – tísica, resignada, vítima da opressão social urbana, humilhada, com a qual o sujeito poético se sente identificado ou por quem nutre compaixão (ex: «Contrariedades»); - mulher como sinédoque social – (ex: as «burguesinhas» e as varinas de «O Sentimento dum Ocidental» como objecto do estímulo erótico - mulher objecto – vista enquanto estímulo dos sentidos carnais, sensuais, como impulso erótico (ex: actriz de «Cristalizações»). topo Múltiplos olhares sobre a obra de Cesário Verde Eduardo Lourenço «O universo de Cesário não é um universo pensado, crítico, à maneira de Eça (...), é um mundo sentido, palpado e ao mesmo tempo transcendido pelo sonho, que é desejo de um lugaroutro, de uma humanidade outra que inconscientemente o conforta na sua admiração pela força, pela saúde e energia que a memória e o sangue lhe denegam.» Jacinto do Prado Coelho «Poeta do imediato, Cesário é também um poeta da memória...» (colectiva em «O Sentimento dum Ocidental», pessoal em «Nós») Óscar Lopes
  • 8. «É, porém, em «O Sentimento dum Ocidental» (...) que o poeta ultrapassa com maior fôlego estrutural o seu naturalismo positivista, no mesmo momento em que parecia, aliás, consumá-lo em poesia. (...) Cesário não se desprende da imanência aos dados da percepção sensível, mas articula-o com um modo inteiramente novo, precursor do Cubismo ou Interseccionismo.» «Para Cesário, como depois para Pessoa, oeu, o tu, o nós, o tempo irreversível e as dimensões reversíveis do espaço, as coisas mais simples constituem problemas e despertam ânsias que a poesia apreende antes mesmo de se formularem em teoria.» Luís Mourão «... a sua poesia aparece, por isso, como um filtro por onde passa a cultura da «Geração de 70» para o Modernismo. E que Cesário seja um personagem singular e sem escola, só mostra essa verdade «natural» de que entre o nascer e o morrer o mais difícil talvez seja o espaço que vai de um ponto ao outro...» topo CESÁRIO VERDE TEMÁTICAS A cidade e o campo A natureza, ávida mas “honesta”, “salutar” e sempre jovem, aparece-nos pintada nos seus poemas como nas evocações da pintura geral (“pinto quadros por letras, por sinais”) – característica impressionista, porque é nas letras como um artista plástico. Identifica-se com a cidade presente, deambulando pelas ruas e becos; revive por evocação da memória todo o passado e os seus dramas; acha sempre assuntos e sofre uma opressão que lhe provoca um desejo “absurdo de sofrer”: ao anoitecer, ruas soturnas e melancólicas, com sombras, bulício...; o enjoo, a perturbação, a monotonia (“Nas nossas ruas, ao anoitecer,/ Há tal soturnidade, há tal melancolia,/ Que as sombras, o bulício do Tejo, a maresia/ Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.” – Sentimento de um ocidental) Do campo capta a vitalidade e a força telúrica; não canta o convencionalismo idílico, mas a natureza, os pomares, as canseiras da família durante as colheitas. A cidade surge viva com homens vivos; mas nela há a doença, a dor, a miséria, o grotesco, a beleza e a sua decomposição fatal... No campo há a saúde, o refúgio durante a peste na cidade...
  • 9. “Ao nível pessoal, a cidade significa a ausência, a impossibilidade ou a perversão do amor, e o campo a sua expressão idílica. Ao nível social, a cidade significa opressão, e o campo a recusa da mesma e a possibilidade do exercício da liberdade.” No campo, a vida é activa, saudável, natural e livre, por oposição à vida limitada, reprimida e doentia na cidade. (“Que de fruta! E que fresca e temporã./ Nas duas boas quintas bem muradas, /Em que o Sol, nos talhões e nas latadas,/ Bate de chapa, logo de manhã” – Nós) As descrições de quadros e tipos citadinos retratando Lisboa em diversas facetas e segundo ângulos de visão de personagens várias (Num Bairro Moderno; Cristalizações; O Sentimento dum Ocidental). A invasão simbólica da cidade pela vitalidade e pelo colorido saudável dos produtos do campo (como por exemplo, a “giga” da “rota, pequenina, azafamada” rapariga em Num Bairro Moderno). Binómio cidade/campo O contraste cidade/campo é um dos temas fundamentais da poesia de Cesário e revela-nos o seu amor ao rústico e natural, que celebra por oposição a um certo repúdio da perversidade e dos valores urbanos a que, no entanto, adere.  A cidade personifica a ausência de amor e, consequentemente, de vida. Ela surge como uma prisão que desperta no sujeito “um desejo absurdo de sofrer”. É um foco de infecções, de doença, de MORTE. É um símbolo de opressão, de injustiça, de industrialização, e surge, por vezes, como ponto de partida para evocações, divagações  O campo, por oposição, aparece associado à vitalidade, à alegria do trabalho produtivo e útil, nunca como fonte de devaneio sentimental. Aparece ligado à fertilidade, à saúde, à liberdade, à VIDA. A força inspiradora de Cesário é a terra-mãe, daí surgir o mito de Anteu, uma vez que a terra é força vital para Cesário. O poeta encontra a energia perdida quando volta para o campo, anima-o, revitaliza-o, dá-lhe saúde, tal como Anteu era invencível quando estava em contacto com a mãe-terra. O campo é, para Cesário, uma realidade concreta, observada tão rigorosamente e descrita tão minuciosamente como a própria cidade o havia sido: um campo em que o trabalho e os trabalhadores são parte integrante, um campo útil onde o poeta se identifica com o povo (Petiz). É no poema Nós que Cesário revela melhor o seu amor ao campo, elogiando-o por oposição à cidade e considerando-o “um salutar refúgio”. A oposição cidade/campo conduz simbolicamente à oposição morte/vida. É a morte que cria em Cesário uma repulsa à cidade por onde gostava de deambular mas que acaba por aprisioná-lo. topo A humilhação - a humilhação sentimental:
  • 10. a mulher formosa, fria, distante e altiva (Esplêndida; Deslumbramentos; Frígida); a mulher fatal da época/a humilhação do sujeito poético tentando a aproximação (Esplêndida); a mulher burguesa, rica, distante e altiva/a humilhação do sujeito poético que não ousa aproximar-se devido à sua baixa condição social (Humilhações); a mulher fatal, bela e artificial, poderosa e desumana/a consequente humilhação do poeta (“Milady, é perigoso contemplá-la(...)/ Com seus gestos de neve e de metal.”, Deslumbramentos); a mulher fatal, pálida e bela, fria, distante e impassível que o poeta deseja e receia/a humilhação e a necessidade de controlar os impulsos amorosos (Frígida). - a humilhação estética: a revolta pela incompreensão que os outros manifestam em relação à sua poesia e pela recusa de publicação por alguns jornais (“Arte? Não lhes convém, visto que os seus leitores/ Deliram por Zaccone”; “Agora sinto-me eu cheio de raivas frias/ Por causa dum jornal me rejeitar, há dias/ Um folhetim de versos.”, Contrariedades). - a humilhação social: o povo comum oprimido pelos poderosos (Humilhações); o abandono a que são votados os doentes (“Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes(...)/ O doutor deixou-a...”, Contrariedades); o povo dominado por uma oligarquia poderosa (a “Milady” de Deslumbramentos é uma representante dessa oligarquia). topo  A BUSCA DA PERFEIÇÃO FORMAL - Cesário busca a expressão clara, objectiva e concreta; - As suas descrições têm pouco de poético – prosaísmo lírico –, pois procura explorar a notação objectiva e sóbria das graças e dos horrores da vida da cidade ou a profunda vitalidade da paisagem campestre – características de um realista. - A preocupação com: a beleza e a perfeição da sua poesia (a musicalidade, a harmonia, a escolha dos sons...);
  • 11. o vocabulário – a expressividade verbal, a adjectivação abundante, rica e expressiva, a precisão vocabular (chega mesmo a usar termos técnicos), o colorido da linguagem...; os recursos fónicos – as aliterações, que contribuem para a musicalidade e para a perfeição formal; os processos estilísticos – abundância de imagens, as metáforas, as sinestesias...; a regularidade métrica, estrófica e rimática (na métrica, preferência pelo verso decassilábico e pelo alexandrino; na organização estrófica, a preferência evidente pela quadra que lhe permitia registar as observações e saltar com facilidade para outros assuntos). topo A imagética Feminina  A mulher fatal, altiva, aristocrática, “frígida” que atrai/fascina o sujeito poético, provocando- lhe o desejo de humilhação. É o tipo citadino artificial, surge portanto associada à cidade servindo para retratar os valores decadentes e a violência social. Esta mulher surge na poesia de Cesário incorporando um valor erótico que simultaneamente desperta o desejo e arrasta para a morte conduzindo a um erotismo da humilhação (Esplêndida, Vaidosa, Frígida).  A mulher angélica, “tímida pombinha”, natural, pura, acompanhada pela mãe, embora pertencente à cidade, encarna qualidades inerentes ao campo. Desperta no poeta o desejo de protecção e tem um efeito regenerador (Frágil). topo Questão Social O poeta coloca-se ao lado dos desfavorecidos, dos injustiçados, dos marginalizados e admira a força física, a pujança do povo trabalhador. O poeta interessa-se pelo conflito social do campo e da cidade, procurando documentá-lo e analisá-lo, embora sem interferir.  Anatomia do homem oprimido pela cidade  Integração da realidade comezinha no mundo poético topo O Impressionismo adaptado ao Real “A mim o que me preocupa é o que me rodeia”
  • 12. A poesia do quotidiano despoetiza o acto poético, daí que a sua poesia seja classificada como prosaica, concreta. O poeta pretende captar as impressões que os objectos lhe deixam através dos sentidos. Ao vaguear, ao deambular, o poeta percepciona a cidade e o “eu” é o resultado daquilo que vê. Cesário não hesita em descrever nos seus poemas ambientes que, segundo a concepção da poesia, não tinham nada de poético. Cesário não só surpreende os aspectos da realidade como sabe perfeitamente fazer uma reflexão sobre as personagens e certas condições. A representação do real quotidiano é, frequentemente, marcada pela captação perfeita dos efeitos da luz e por uma grande capacidade de fazer ressaltar a solidez das formas (visão objectiva), embora sem menosprezar uma certa visão subjectiva – Cesário procura representar a impressão que o real deixa em si próprio e às vezes transfigura a realidade, transpondo-a numa outra. topo Linguagem e Estilo: Cesário Verde é caracterizado pela utilização do Parnasianismo que é a busca da perfeição formal através de uma poesia descritiva e fazendo desta algo de escultórico, esculpindo o concreto com nitidez e perfeição. O parnasianismo é também a necessidade de objectivar ou despersonalizar a poesia e corresponde à reacção naturalista que aparece no romance. Os temas desta corrente literária são temas do quotidiano com um enorme rigor a nível de aspecto formal e há uma aproximação da poesia às artes plásticas, nomeadamente a nível da utilização das cores e dos dados sensoriais. Através deste parnasianismo ele propõe uma explicação para o que observa com objectividade e, quando recorre à subjectividade, apenas transpõe, pela imaginação transfiguradora, a realidade captada numa outra que só o olhar de artista pode notar. Cesário utiliza também uma linguagem prosaica, ou seja, aproxima-se da prosa e da linguagem do quotidiano. A obra de Cesário caracteriza-se também pela técnica impressionista ao acumular pormenores das sensações captadas e pelo recurso às sinestesias, que lhe permitem transmitir sugestões e impressões da realidade. A nível morfossintáctico recorre à expressividade verbal, à adjectivação abundante, rica e expressiva, por vezes em hipálage, ao colorido da linguagem e tem uma tendência para as frases curtas. Vocabulário concreto Linguagem coloquial Predomínio do uso do decassílabo e do Alexandrino Uso do assíndeto que resulta da técnica de justaposição de várias percepções Técnica descritiva assente em sinestesias, hipálages, na expressividade do advérbio, no uso do diminutivo e na utilização da ironia como forma de cortar o sentimentalismo (equilibrar).
  • 13. Enquadramento histórico da poesia de Cesário Verde Transformações da sociedade portuguesa a partir de meados do séc. XIX 1- 1- Introdução No período em que viveu Cesário Verde (1855 a 1866 ), o Portugal velho está em profunda transformação. Vimos o longo período da crise provocada pelas invasões napoleónicas, pelas lutas liberais, pela perda da colónia brasileira, pela ascensão da burguesia ao poder, pela instabilidade política e governativa, crise essa que se caracterizou a primeira metade do século XIX em Portugal e em que se enquadrou o nosso Primeiro Romantismo. Vimos depois, que o levantamento militar de Saldanha, em 1851, introduziu um período de estabilidade política, sob a égide do partido regenerador, que encaminhou a sua actuação para os melhoramentos materiais, difundindo confiança no progresso. Baseando-se no crédito financeiro nacional ou estrangeiro, o governo da Regeneração deu primazia ao lançamento dos meios de transporte e de comunicação que conduziram ao desenvolvimento da agricultura, sem que a industria e a pequena burguesia urbana tenham sido alvo de idêntico apoio. O descurar dos sectores primário e secundário da economia e a tendência para a especulação desenfreada levaram á queda do governo regenerador em 1868 ( revolta da Janeirinha ) e conduziram á crise de 1876. Entretanto, neste período de aparente progresso inserimos a produção literária de Júlio Diniz, alheia ainda ao processo de industrialização, foi no segundo Romantismo. A terceira geração romântica surge nos anos 70 ( realismo) e coincide com o regresso ao poder de Fontes Pereira de Melo (1871-1877). Aquando da crise económica de 1876, surge o partido progressista que irá alternar com o regenerador até ao fim da monarquia, não tendo sabido nenhum deles resolver os grandes problemas sócio-económicos , entre outros, com que o país se deparava. É neste período que se insere a poesia de Cesário e, por isso, convém acompanhar mais detalhadamente as alterações, sobretudo as urbanas, sofridas pelo país a partir dos anos 70, algumas delas registadas nos seus poemas. 2- 2- Desenvolvimento capitalista e processo de urbanização em Portugal a partir de 1870 O Fontismo Regenerador ( 1871-1877) traz profundas transformações: incremento sensível da produção industrial, fomento agrícola, facilitação na comercialização dos produtos, aumento do consuma e das classes trabalhadoras assalariadas (operários da indústria e da construção civil), aumento dos transportes, desenvolvimento da mineração , das pescas, da indústria do tabaco... A multiplicação dos meios de transportes (caminhos de ferro, transportes urbanos colectivos) e dos meios de comunicação (jornal, telégrafo) favorece o desenvolvimento de todos os sectores da economia. Paralelamente, verificam-se migrações internas para a cidade uma enorme emigração para o Brasil, como
  • 14. sintoma das dificuldades no campo e do apelo exercido pelos meios urbanos. Lisboa conhece os problemas peculiares do rápido desenvolvimento urbano a que o poder não sabe dar resposta, designadamente no que diz respeito á salubridade pública (tuberculose, febre amarela e peste). Assim, o desenvolvimento capitalista revela-se, desde o seu início, grosseiro e caótico, ainda mais em Lisboa do que nas outras cidades europeias industrializadas. Enquadramento Estético-Literário da poesia de Cesário Verde Poeta da cidade, um dos maiores em qualquer tempo em qualquer língua, por isso mesmo que genuíno, original, profundamente renovador, quer ao descrever os quadros e os tipos citadinos, quer ao denunciar, em sóbrias palavras, as atitudes subjectivas provocadas pela vida exterior. Cesário tem o culto da descrição, da contenção. A sensibilidade e a fantasia são nele dominantes pela estética anti romântica, pela reserva irónica, pela sábia composição, pelo gosto de polir a frio os seus versos. Há certo candismo nesta fuga a ênfase e ao derrame lírico. Há também o propósito ser do seu temperamento, ostensivamente positivo e natural. Se bem ponderarmos Cesário só é anti-retórico no sentido da retórica tradicional, incontida e verbosa; a arte de escrever tomou para ele grande importância á medida que se descobriu como poeta: escrever bem era em Cesário ver bem, seleccionar e dosear as impressões, realçar as linhas e os volumes, o agradável e o acerbo, o nobre e o corriqueiro, por meio de alternâncias e contrastes premeditados que emitem o desfile descontínuo e o regresso obsessivo das ideias fortuitas. Sem dúvida, vivia em grande parte pelos sentidos, euforicamente, na cidade como no campo, antecipando-se á lição antimetafísica de Alberto Caeiro: Lavo, refresco, limpo os meus sentidos. E tangem-me excitados, sacudidos, O tacto, a vista, o ouvido, o gosto, o olfacto! topo