SlideShare ist ein Scribd-Unternehmen logo
1 von 3
Downloaden Sie, um offline zu lesen
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS

                               CENTRO DE LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO




DEM corresponsabiliza negros pela
escravidão
                                                                      LAURA CAPRIGLIONE
                                                             ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA

                                                                        LUCAS FERRAZ
                                                    DA SUCURSAL DE BRASÍLIA– 4/3/2010
Para uma discussão que sempre convoca emoções e discursos inflamados, como é a
das cotas raciais ou reserva de vagas nas universidades públicas para negros, a
audiência pública que se iniciou ontem no Supremo Tribunal Federal transcorreu em
calma na maior parte do tempo. Até que um óóóóóóó atravessou a sala. Quem falava,
então, era o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que se esforçava para demonstrar
a corresponsabilidade de negros no sistema escravista vigente no Brasil durante quatro
séculos.
Disse Demóstenes sobre o tráfico negreiro: "Todos nós sabemos que a África
subsaariana forneceu escravos para o mundo antigo, para o mundo islâmico, para a
Europa e para a América. Lamentavelmente. Não deveriam ter chegado aqui na
condição de escravos. Mas chegaram. (...) Até o princípio do século 20, o escravo era o
principal item de exportação da pauta econômica africana."
Sobre a miscigenação: "Nós temos uma história tão bonita de miscigenação... [Fala-se
que] as negras foram estupradas no Brasil. [Fala-se que] a miscigenação deu-se no
Brasil pelo estupro. [Fala-se que] foi algo forçado. Gilberto Freyre, que é hoje
renegado, mostra que isso se deu de forma muito mais consensual."
As referências à história "tão bonita" da miscigenação brasileira, ao negro traficante de
mão de obra negra, o democrata usou para argumentar contra as cotas raciais, já
adotadas em 68 instituições de ensino superior em todo o país, estaduais e federais.
Desde 2003, cerca de 52 mil alunos já se formaram tendo ingressado na faculdade
como cotistas.
O partido de Demóstenes considera que as cotas raciais são inconstitucionais porque,
ao reservar vagas para negros e afrodescendentes, contrariariam o princípio da
igualdade dos candidatos no vestibular.
Na condição de relator de dois processos sobre o tema (também há um recurso
extraordinário interposto por um candidato que se sentiu prejudicado pelo sistema de
cotas adotado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul), o ministro Ricardo
Lewandowski, do STF, decidiu convocar a audiência pública, que se estenderá até
sexta-feira, com intervenções pró e anticotas.
A audiência pública é uma forma de as partes interessadas levarem seus pontos de
vista ao STF. Segundo Lewandowski, o assunto será votado ainda neste ano. Se
considerar que as cotas ferem preceito fundamental, acaba essa modalidade de
ingresso no sistema universitário. Se considerar que são ok, a decisão sobre adotar ou
não uma política de cotas continuará a ser dos conselhos universitários.
No primeiro dia, falou uma maioria de favoráveis às cotas, em um placar de 10 a 3.
Falaram representantes de ministérios e de universidades favoráveis às cotas, e os
advogados do DEM e do estudante gaúcho, além de Demóstenes.




                                    Professor mestre Artur Araujo (artur.araujo@puc-campinas.edu.br)
                                            site: http://docentes.puc-campinas.edu.br/clc/arturaraujo/
                             ftp: ftp://ftp-acd.puc-campinas.edu.br/pub/professores/clc/artur.araujo/
                                                                                        Página 1 de 3
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS

                               CENTRO DE LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO




O jornalismo delinquente
                                 DEMÉTRIO MAGNOLI / Folha de São Paulo – 9/3/2010
AS PESSOAS , inclusive os jornalistas, podem ser contrárias ou favoráveis à introdução
de leis raciais no ordenamento constitucional brasileiro. Não é necessário, contudo,
falsear deliberadamente a história como faz o panfleto disfarçado de reportagem
publicado nesta Folha sob as assinaturas de Laura Capriglione e Lucas Ferraz ("DEM
corresponsabiliza negros pela escravidão", Cotidiano, 4/3).
A invectiva dos repórteres engajados contra o pronunciamento do senador Demóstenes
Torres (DEM-GO) na audiência do STF sobre cotas raciais inscreve no título a chave
operacional da peça manipuladora.
O senador referiu-se aos reinos africanos, mas os militantes fantasiados de repórteres
substituíram "africanos" por "negros", convertendo uma explanação factual sobre
história política numa leitura racializada da história.
Não: ninguém disse que a "raça negra" carrega responsabilidades pela escravidão. Mas
se entende o impulso que fabrica a mentira: os arautos mais inescrupulosos das
políticas de raça atribuem à "raça branca" a responsabilidade pela escravidão.
Num passado recente, ainda se narrava essa história sem embrulhá-la na imaginação
racial. Dizia-se o seguinte: o tráfico atlântico articulou os interesses de traficantes
europeus e americanos aos dos reinos negreiros africanos. Isso não era segredo ou
novidade antes da deflagração do empreendimento de uma revisão racial da história
humana com a finalidade bem atual de sustentar leis de divisão das pessoas em
grupos raciais oficiais.
Demóstenes Torres disse o que está nos registros históricos. Os repórteres a serviço
de uma doutrina tentam fazer da história um escândalo.
O jornalismo que abomina os fatos precisa de ajuda. O instituto da escravidão existia
na África (como em tantos outros lugares) bem antes do início do tráfico atlântico.
Inimigos derrotados, pessoas endividadas e condenados por crimes diversos eram
escravizados. A inexistência de um interdito moral à escravidão propiciou a aliança
entre reinos africanos e os traficantes que faziam a rota do Atlântico. Os empórios do
tráfico, implantados no litoral da África, eram fortalezas de propriedade dos reinos
africanos, alugadas aos traficantes.
O historiador Luiz Felipe de Alencastro, convocado para envernizar a delinquência
histórica dos repórteres ("África não organizou tráfico, diz historiador"), conhece a
participação logística crucial dos reinos africanos no negócio do tráfico. Mas sofreu de
uma forma aguda e providencial de amnésia ideológica ao afirmar, referindo-se ao
tráfico, que "toda a logística e o mercado eram uma operação dos ocidentais".
Os grandes reinos negreiros africanos controlavam redes escravistas extensas,
capilarizadas, que se ramificavam para o interior do continente e abrangiam parceiros
comerciais estatais e mercadores autônomos. No mais das vezes, a captura e a
escravização dos infelizes que passaram pelas fortalezas litorâneas eram realizadas por
africanos.
Num livro publicado em Londres, que está entre os documentos essenciais da história
do tráfico, o antigo escravo Quobna Cugoano relatou sua experiência na fortaleza de
Cape Coast: "Devo admitir que, para a vergonha dos homens de meu próprio país, fui
raptado e traído por alguém de minha própria cor". Laura e Lucas, na linha da
delinquência, já têm o título para uma nova reportagem: "Negros corresponsabilizam
negros pela escravidão".


                                    Professor mestre Artur Araujo (artur.araujo@puc-campinas.edu.br)
                                            site: http://docentes.puc-campinas.edu.br/clc/arturaraujo/
                             ftp: ftp://ftp-acd.puc-campinas.edu.br/pub/professores/clc/artur.araujo/
                                                                                        Página 2 de 3
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS

                              CENTRO DE LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO


O tráfico e a escravidão interna articulavam-se estreitamente. No reino do Ndongo,
estabelecido na atual Angola no século 16, o poder do rei e da aristocracia apoiava-se
no domínio sobre uma ampla classe de escravos.
No Congo, a população escrava chegou a representar cerca de metade do total. O
reino Ashanti, que dominou a Costa do Ouro por três séculos, tinha na exportação de
escravos sua maior fonte de renda. Os chefes do Daomé tentaram incorporar seu reino
ao império do Brasil para vender escravos sob a proteção de d. Pedro 1º.
Em 1840, o rei Gezo, do Daomé, declarou que "o tráfico de escravos tem sido a fonte
da nossa glória e riqueza".
Em 1872, bem depois da abolição do tráfico, o rei ashanti dirigiu uma carta ao
monarca britânico solicitando a retomada do comércio de gente.
O providencial esquecimento de Alencastro é um fenômeno disseminado na África.
"Não discutimos a escravidão", afirma Barima Nkye 12, chefe supremo do povoado
ganês de Assin Mauso, cuja elite descende da aristocracia escravista ashanti. Yaw
Bedwa, da Universidade de Gana, diagnostica uma "amnésia geral sobre a escravidão".
Amnésia lá, falsificação, manipulação e mentira aqui. Sempre em nome de poderosos
interesses atuais.

DEMÉTRIO MAGNOLI, sociólogo, é autor de "Uma Gota de Sangue - História do
Pensamento Racial" (SP, Contexto, 2009)




                                   Professor mestre Artur Araujo (artur.araujo@puc-campinas.edu.br)
                                           site: http://docentes.puc-campinas.edu.br/clc/arturaraujo/
                            ftp: ftp://ftp-acd.puc-campinas.edu.br/pub/professores/clc/artur.araujo/
                                                                                       Página 3 de 3

Weitere ähnliche Inhalte

Andere mochten auch

Inumano
InumanoInumano
Inumanoalex
 
Desenvolvimento fetal
Desenvolvimento fetalDesenvolvimento fetal
Desenvolvimento fetalalex
 
Noé Em Portugal
Noé Em PortugalNoé Em Portugal
Noé Em Portugalalex
 
Entendendo o Diabetes
Entendendo o DiabetesEntendendo o Diabetes
Entendendo o Diabetesalex
 
1000 ilhas
1000 ilhas1000 ilhas
1000 ilhasalex
 
Em busca da idéia perfeita
Em busca da idéia perfeitaEm busca da idéia perfeita
Em busca da idéia perfeitaEdney Souza
 
WEB Expo Forum - Blog Como Fonte De Negócios
WEB Expo Forum - Blog Como Fonte De NegóciosWEB Expo Forum - Blog Como Fonte De Negócios
WEB Expo Forum - Blog Como Fonte De NegóciosEdney Souza
 
Empresa American Sport Line
Empresa American Sport Line Empresa American Sport Line
Empresa American Sport Line Felipe Vasquez
 
Educacion a distancia
Educacion a distanciaEducacion a distancia
Educacion a distanciaJael Macías
 
Encontros Fora Do Eixo
Encontros Fora Do EixoEncontros Fora Do Eixo
Encontros Fora Do EixoEdney Souza
 
Pergunta Num Exame Fisica
Pergunta Num Exame  FisicaPergunta Num Exame  Fisica
Pergunta Num Exame Fisicaalex
 
Comité de las regiones
Comité de las regionesComité de las regiones
Comité de las regionesCristiniicaa
 
SERVICIOS PUBLICOS
SERVICIOS PUBLICOSSERVICIOS PUBLICOS
SERVICIOS PUBLICOSelcheca10
 

Andere mochten auch (19)

Inumano
InumanoInumano
Inumano
 
Desenvolvimento fetal
Desenvolvimento fetalDesenvolvimento fetal
Desenvolvimento fetal
 
Noé Em Portugal
Noé Em PortugalNoé Em Portugal
Noé Em Portugal
 
Entendendo o Diabetes
Entendendo o DiabetesEntendendo o Diabetes
Entendendo o Diabetes
 
Dieta
DietaDieta
Dieta
 
1000 ilhas
1000 ilhas1000 ilhas
1000 ilhas
 
Em busca da idéia perfeita
Em busca da idéia perfeitaEm busca da idéia perfeita
Em busca da idéia perfeita
 
WEB Expo Forum - Blog Como Fonte De Negócios
WEB Expo Forum - Blog Como Fonte De NegóciosWEB Expo Forum - Blog Como Fonte De Negócios
WEB Expo Forum - Blog Como Fonte De Negócios
 
Acta pastoral 09042012 w97
Acta pastoral 09042012 w97Acta pastoral 09042012 w97
Acta pastoral 09042012 w97
 
Radares a[1]
Radares a[1]Radares a[1]
Radares a[1]
 
Empresa American Sport Line
Empresa American Sport Line Empresa American Sport Line
Empresa American Sport Line
 
Educacion a distancia
Educacion a distanciaEducacion a distancia
Educacion a distancia
 
Encontros Fora Do Eixo
Encontros Fora Do EixoEncontros Fora Do Eixo
Encontros Fora Do Eixo
 
Canvas
CanvasCanvas
Canvas
 
casos y experiencias de éxito en RSC. Hospital General Valencia
casos y experiencias de éxito en RSC. Hospital General Valenciacasos y experiencias de éxito en RSC. Hospital General Valencia
casos y experiencias de éxito en RSC. Hospital General Valencia
 
Pergunta Num Exame Fisica
Pergunta Num Exame  FisicaPergunta Num Exame  Fisica
Pergunta Num Exame Fisica
 
Comité de las regiones
Comité de las regionesComité de las regiones
Comité de las regiones
 
DISPOSITIVOS MEDICOS
DISPOSITIVOS MEDICOSDISPOSITIVOS MEDICOS
DISPOSITIVOS MEDICOS
 
SERVICIOS PUBLICOS
SERVICIOS PUBLICOSSERVICIOS PUBLICOS
SERVICIOS PUBLICOS
 

Ähnlich wie Polêmica sobre cotas na Folha

A assunção quilombola e os limites entre memória e história SILVÂNIO BARCELOS
A assunção quilombola e os limites entre memória e história SILVÂNIO BARCELOSA assunção quilombola e os limites entre memória e história SILVÂNIO BARCELOS
A assunção quilombola e os limites entre memória e história SILVÂNIO BARCELOSSilvânio Barcelos
 
Atividade2 planodeaula marlis
Atividade2 planodeaula marlisAtividade2 planodeaula marlis
Atividade2 planodeaula marlisMarlireis
 
Bastide, Roger - As-Americas-Negras
Bastide, Roger - As-Americas-NegrasBastide, Roger - As-Americas-Negras
Bastide, Roger - As-Americas-NegrasMarcelo Lopes
 
Novembro Preto A consciência tardia e o racismo no Brasil contemporâneo
Novembro Preto  A consciência tardia e o racismo no Brasil contemporâneo Novembro Preto  A consciência tardia e o racismo no Brasil contemporâneo
Novembro Preto A consciência tardia e o racismo no Brasil contemporâneo Emerson Mathias
 
Uma historia do negro no brasil
Uma historia do negro no brasilUma historia do negro no brasil
Uma historia do negro no brasilnatielemesquita
 
Shirlei Marly Alves: Fuga de negros em anúncios de jornal do século XVIII - O...
Shirlei Marly Alves: Fuga de negros em anúncios de jornal do século XVIII - O...Shirlei Marly Alves: Fuga de negros em anúncios de jornal do século XVIII - O...
Shirlei Marly Alves: Fuga de negros em anúncios de jornal do século XVIII - O...Geraa Ufms
 
O IMAGINÁRIO NO PROCESSO DE RACIALIZAÇÃO, ESCRAVIDÃO/ABOLIÇÃO (1880 – 1900)
O IMAGINÁRIO NO PROCESSO DE RACIALIZAÇÃO, ESCRAVIDÃO/ABOLIÇÃO (1880 – 1900) O IMAGINÁRIO NO PROCESSO DE RACIALIZAÇÃO, ESCRAVIDÃO/ABOLIÇÃO (1880 – 1900)
O IMAGINÁRIO NO PROCESSO DE RACIALIZAÇÃO, ESCRAVIDÃO/ABOLIÇÃO (1880 – 1900) Emerson Mathias
 
A História do Negro no Jornal
A História do Negro no Jornal A História do Negro no Jornal
A História do Negro no Jornal ContinenteAfrica
 
FORUM -2009-FOZ DO IGUAÇÚ
FORUM -2009-FOZ DO  IGUAÇÚFORUM -2009-FOZ DO  IGUAÇÚ
FORUM -2009-FOZ DO IGUAÇÚculturaafro
 
Miranda mns intervém no stf
Miranda mns intervém no stfMiranda mns intervém no stf
Miranda mns intervém no stffábio ramirez
 
Africanidades na historiografia e na literatura brasileira
Africanidades na historiografia e na literatura brasileiraAfricanidades na historiografia e na literatura brasileira
Africanidades na historiografia e na literatura brasileiraAline Sesti Cerutti
 
O quilombo mata cavalo territorialidade negra no mundo globalizado
O quilombo mata cavalo   territorialidade negra no mundo globalizadoO quilombo mata cavalo   territorialidade negra no mundo globalizado
O quilombo mata cavalo territorialidade negra no mundo globalizadoSilvânio Barcelos
 
Miranda mns intervém no stf
Miranda mns intervém no stfMiranda mns intervém no stf
Miranda mns intervém no stffábio ramirez
 
Cultura, Política e Questões étnico raciais
Cultura, Política e Questões étnico raciaisCultura, Política e Questões étnico raciais
Cultura, Política e Questões étnico raciaisPrivada
 

Ähnlich wie Polêmica sobre cotas na Folha (20)

A assunção quilombola e os limites entre memória e história SILVÂNIO BARCELOS
A assunção quilombola e os limites entre memória e história SILVÂNIO BARCELOSA assunção quilombola e os limites entre memória e história SILVÂNIO BARCELOS
A assunção quilombola e os limites entre memória e história SILVÂNIO BARCELOS
 
Atividade2 planodeaula marlis
Atividade2 planodeaula marlisAtividade2 planodeaula marlis
Atividade2 planodeaula marlis
 
Bastide, Roger - As-Americas-Negras
Bastide, Roger - As-Americas-NegrasBastide, Roger - As-Americas-Negras
Bastide, Roger - As-Americas-Negras
 
áFrica entre nós 06 08
áFrica entre nós 06 08áFrica entre nós 06 08
áFrica entre nós 06 08
 
Uma conversa sobre o dia da Consciência Negra
Uma conversa sobre o dia da Consciência NegraUma conversa sobre o dia da Consciência Negra
Uma conversa sobre o dia da Consciência Negra
 
Novembro Preto A consciência tardia e o racismo no Brasil contemporâneo
Novembro Preto  A consciência tardia e o racismo no Brasil contemporâneo Novembro Preto  A consciência tardia e o racismo no Brasil contemporâneo
Novembro Preto A consciência tardia e o racismo no Brasil contemporâneo
 
Uma historia do negro no brasil
Uma historia do negro no brasilUma historia do negro no brasil
Uma historia do negro no brasil
 
federal reserve
federal reservefederal reserve
federal reserve
 
federal reserve
federal reservefederal reserve
federal reserve
 
Amistad
AmistadAmistad
Amistad
 
Shirlei Marly Alves: Fuga de negros em anúncios de jornal do século XVIII - O...
Shirlei Marly Alves: Fuga de negros em anúncios de jornal do século XVIII - O...Shirlei Marly Alves: Fuga de negros em anúncios de jornal do século XVIII - O...
Shirlei Marly Alves: Fuga de negros em anúncios de jornal do século XVIII - O...
 
O IMAGINÁRIO NO PROCESSO DE RACIALIZAÇÃO, ESCRAVIDÃO/ABOLIÇÃO (1880 – 1900)
O IMAGINÁRIO NO PROCESSO DE RACIALIZAÇÃO, ESCRAVIDÃO/ABOLIÇÃO (1880 – 1900) O IMAGINÁRIO NO PROCESSO DE RACIALIZAÇÃO, ESCRAVIDÃO/ABOLIÇÃO (1880 – 1900)
O IMAGINÁRIO NO PROCESSO DE RACIALIZAÇÃO, ESCRAVIDÃO/ABOLIÇÃO (1880 – 1900)
 
A História do Negro no Jornal
A História do Negro no Jornal A História do Negro no Jornal
A História do Negro no Jornal
 
FORUM -2009-FOZ DO IGUAÇÚ
FORUM -2009-FOZ DO  IGUAÇÚFORUM -2009-FOZ DO  IGUAÇÚ
FORUM -2009-FOZ DO IGUAÇÚ
 
Miranda mns intervém no stf
Miranda mns intervém no stfMiranda mns intervém no stf
Miranda mns intervém no stf
 
Africanidades na historiografia e na literatura brasileira
Africanidades na historiografia e na literatura brasileiraAfricanidades na historiografia e na literatura brasileira
Africanidades na historiografia e na literatura brasileira
 
O quilombo mata cavalo territorialidade negra no mundo globalizado
O quilombo mata cavalo   territorialidade negra no mundo globalizadoO quilombo mata cavalo   territorialidade negra no mundo globalizado
O quilombo mata cavalo territorialidade negra no mundo globalizado
 
A educação quilombola
A educação quilombolaA educação quilombola
A educação quilombola
 
Miranda mns intervém no stf
Miranda mns intervém no stfMiranda mns intervém no stf
Miranda mns intervém no stf
 
Cultura, Política e Questões étnico raciais
Cultura, Política e Questões étnico raciaisCultura, Política e Questões étnico raciais
Cultura, Política e Questões étnico raciais
 

Mehr von Artur Araujo

Iji aula0 2011_apres
Iji aula0 2011_apresIji aula0 2011_apres
Iji aula0 2011_apresArtur Araujo
 
Jorimp aula1 2011-projgraf
Jorimp aula1 2011-projgrafJorimp aula1 2011-projgraf
Jorimp aula1 2011-projgrafArtur Araujo
 
Jorimp aula0 2011-criterios
Jorimp aula0 2011-criteriosJorimp aula0 2011-criterios
Jorimp aula0 2011-criteriosArtur Araujo
 
Jorimp aula0 2011-criterios
Jorimp aula0 2011-criteriosJorimp aula0 2011-criterios
Jorimp aula0 2011-criteriosArtur Araujo
 
Jorimp aula2 2011-modeloneg
Jorimp aula2 2011-modelonegJorimp aula2 2011-modeloneg
Jorimp aula2 2011-modelonegArtur Araujo
 
Jorimp aula3 2011-categorias
Jorimp aula3 2011-categoriasJorimp aula3 2011-categorias
Jorimp aula3 2011-categoriasArtur Araujo
 
Jorimp aula4 2011-popular_quality
Jorimp aula4 2011-popular_qualityJorimp aula4 2011-popular_quality
Jorimp aula4 2011-popular_qualityArtur Araujo
 
Jorimp aula5 2011-entrevista.pdf
Jorimp aula5 2011-entrevista.pdfJorimp aula5 2011-entrevista.pdf
Jorimp aula5 2011-entrevista.pdfArtur Araujo
 
Jorimp aula1 2011-categorias
Jorimp aula1 2011-categoriasJorimp aula1 2011-categorias
Jorimp aula1 2011-categoriasArtur Araujo
 
Coerência e Coesão
Coerência e CoesãoCoerência e Coesão
Coerência e CoesãoArtur Araujo
 
O estado da Mídia
O estado da MídiaO estado da Mídia
O estado da MídiaArtur Araujo
 
Coerência e Coesão
Coerência e CoesãoCoerência e Coesão
Coerência e CoesãoArtur Araujo
 
A reportagem descritiva
A reportagem descritivaA reportagem descritiva
A reportagem descritivaArtur Araujo
 
A reportagem narrativa
A reportagem narrativaA reportagem narrativa
A reportagem narrativaArtur Araujo
 
Edição e viés ideológico
Edição e viés ideológicoEdição e viés ideológico
Edição e viés ideológicoArtur Araujo
 
A resenha e a crítica
A resenha e a críticaA resenha e a crítica
A resenha e a críticaArtur Araujo
 
A coluna jornalística
A coluna jornalísticaA coluna jornalística
A coluna jornalísticaArtur Araujo
 
A notícia como gênero literário
A notícia como gênero literárioA notícia como gênero literário
A notícia como gênero literárioArtur Araujo
 

Mehr von Artur Araujo (20)

Iji aula0 2011_apres
Iji aula0 2011_apresIji aula0 2011_apres
Iji aula0 2011_apres
 
Jorimp aula1 2011-projgraf
Jorimp aula1 2011-projgrafJorimp aula1 2011-projgraf
Jorimp aula1 2011-projgraf
 
Jorimp aula0 2011-criterios
Jorimp aula0 2011-criteriosJorimp aula0 2011-criterios
Jorimp aula0 2011-criterios
 
Jorimp aula0 2011-criterios
Jorimp aula0 2011-criteriosJorimp aula0 2011-criterios
Jorimp aula0 2011-criterios
 
Jorimp aula2 2011-modeloneg
Jorimp aula2 2011-modelonegJorimp aula2 2011-modeloneg
Jorimp aula2 2011-modeloneg
 
Jorimp aula3 2011-categorias
Jorimp aula3 2011-categoriasJorimp aula3 2011-categorias
Jorimp aula3 2011-categorias
 
Jorimp aula4 2011-popular_quality
Jorimp aula4 2011-popular_qualityJorimp aula4 2011-popular_quality
Jorimp aula4 2011-popular_quality
 
Jorimp aula5 2011-entrevista.pdf
Jorimp aula5 2011-entrevista.pdfJorimp aula5 2011-entrevista.pdf
Jorimp aula5 2011-entrevista.pdf
 
Jorimp aula1 2011-categorias
Jorimp aula1 2011-categoriasJorimp aula1 2011-categorias
Jorimp aula1 2011-categorias
 
Coerência e Coesão
Coerência e CoesãoCoerência e Coesão
Coerência e Coesão
 
O estado da Mídia
O estado da MídiaO estado da Mídia
O estado da Mídia
 
Pauta na web
Pauta na webPauta na web
Pauta na web
 
Coerência e Coesão
Coerência e CoesãoCoerência e Coesão
Coerência e Coesão
 
A reportagem descritiva
A reportagem descritivaA reportagem descritiva
A reportagem descritiva
 
A reportagem narrativa
A reportagem narrativaA reportagem narrativa
A reportagem narrativa
 
Edição e viés ideológico
Edição e viés ideológicoEdição e viés ideológico
Edição e viés ideológico
 
A resenha e a crítica
A resenha e a críticaA resenha e a crítica
A resenha e a crítica
 
A coluna jornalística
A coluna jornalísticaA coluna jornalística
A coluna jornalística
 
A notícia como gênero literário
A notícia como gênero literárioA notícia como gênero literário
A notícia como gênero literário
 
A crônica
A crônicaA crônica
A crônica
 

Polêmica sobre cotas na Folha

  • 1. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS CENTRO DE LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO DEM corresponsabiliza negros pela escravidão LAURA CAPRIGLIONE ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA LUCAS FERRAZ DA SUCURSAL DE BRASÍLIA– 4/3/2010 Para uma discussão que sempre convoca emoções e discursos inflamados, como é a das cotas raciais ou reserva de vagas nas universidades públicas para negros, a audiência pública que se iniciou ontem no Supremo Tribunal Federal transcorreu em calma na maior parte do tempo. Até que um óóóóóóó atravessou a sala. Quem falava, então, era o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que se esforçava para demonstrar a corresponsabilidade de negros no sistema escravista vigente no Brasil durante quatro séculos. Disse Demóstenes sobre o tráfico negreiro: "Todos nós sabemos que a África subsaariana forneceu escravos para o mundo antigo, para o mundo islâmico, para a Europa e para a América. Lamentavelmente. Não deveriam ter chegado aqui na condição de escravos. Mas chegaram. (...) Até o princípio do século 20, o escravo era o principal item de exportação da pauta econômica africana." Sobre a miscigenação: "Nós temos uma história tão bonita de miscigenação... [Fala-se que] as negras foram estupradas no Brasil. [Fala-se que] a miscigenação deu-se no Brasil pelo estupro. [Fala-se que] foi algo forçado. Gilberto Freyre, que é hoje renegado, mostra que isso se deu de forma muito mais consensual." As referências à história "tão bonita" da miscigenação brasileira, ao negro traficante de mão de obra negra, o democrata usou para argumentar contra as cotas raciais, já adotadas em 68 instituições de ensino superior em todo o país, estaduais e federais. Desde 2003, cerca de 52 mil alunos já se formaram tendo ingressado na faculdade como cotistas. O partido de Demóstenes considera que as cotas raciais são inconstitucionais porque, ao reservar vagas para negros e afrodescendentes, contrariariam o princípio da igualdade dos candidatos no vestibular. Na condição de relator de dois processos sobre o tema (também há um recurso extraordinário interposto por um candidato que se sentiu prejudicado pelo sistema de cotas adotado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul), o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, decidiu convocar a audiência pública, que se estenderá até sexta-feira, com intervenções pró e anticotas. A audiência pública é uma forma de as partes interessadas levarem seus pontos de vista ao STF. Segundo Lewandowski, o assunto será votado ainda neste ano. Se considerar que as cotas ferem preceito fundamental, acaba essa modalidade de ingresso no sistema universitário. Se considerar que são ok, a decisão sobre adotar ou não uma política de cotas continuará a ser dos conselhos universitários. No primeiro dia, falou uma maioria de favoráveis às cotas, em um placar de 10 a 3. Falaram representantes de ministérios e de universidades favoráveis às cotas, e os advogados do DEM e do estudante gaúcho, além de Demóstenes. Professor mestre Artur Araujo (artur.araujo@puc-campinas.edu.br) site: http://docentes.puc-campinas.edu.br/clc/arturaraujo/ ftp: ftp://ftp-acd.puc-campinas.edu.br/pub/professores/clc/artur.araujo/ Página 1 de 3
  • 2. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS CENTRO DE LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO O jornalismo delinquente DEMÉTRIO MAGNOLI / Folha de São Paulo – 9/3/2010 AS PESSOAS , inclusive os jornalistas, podem ser contrárias ou favoráveis à introdução de leis raciais no ordenamento constitucional brasileiro. Não é necessário, contudo, falsear deliberadamente a história como faz o panfleto disfarçado de reportagem publicado nesta Folha sob as assinaturas de Laura Capriglione e Lucas Ferraz ("DEM corresponsabiliza negros pela escravidão", Cotidiano, 4/3). A invectiva dos repórteres engajados contra o pronunciamento do senador Demóstenes Torres (DEM-GO) na audiência do STF sobre cotas raciais inscreve no título a chave operacional da peça manipuladora. O senador referiu-se aos reinos africanos, mas os militantes fantasiados de repórteres substituíram "africanos" por "negros", convertendo uma explanação factual sobre história política numa leitura racializada da história. Não: ninguém disse que a "raça negra" carrega responsabilidades pela escravidão. Mas se entende o impulso que fabrica a mentira: os arautos mais inescrupulosos das políticas de raça atribuem à "raça branca" a responsabilidade pela escravidão. Num passado recente, ainda se narrava essa história sem embrulhá-la na imaginação racial. Dizia-se o seguinte: o tráfico atlântico articulou os interesses de traficantes europeus e americanos aos dos reinos negreiros africanos. Isso não era segredo ou novidade antes da deflagração do empreendimento de uma revisão racial da história humana com a finalidade bem atual de sustentar leis de divisão das pessoas em grupos raciais oficiais. Demóstenes Torres disse o que está nos registros históricos. Os repórteres a serviço de uma doutrina tentam fazer da história um escândalo. O jornalismo que abomina os fatos precisa de ajuda. O instituto da escravidão existia na África (como em tantos outros lugares) bem antes do início do tráfico atlântico. Inimigos derrotados, pessoas endividadas e condenados por crimes diversos eram escravizados. A inexistência de um interdito moral à escravidão propiciou a aliança entre reinos africanos e os traficantes que faziam a rota do Atlântico. Os empórios do tráfico, implantados no litoral da África, eram fortalezas de propriedade dos reinos africanos, alugadas aos traficantes. O historiador Luiz Felipe de Alencastro, convocado para envernizar a delinquência histórica dos repórteres ("África não organizou tráfico, diz historiador"), conhece a participação logística crucial dos reinos africanos no negócio do tráfico. Mas sofreu de uma forma aguda e providencial de amnésia ideológica ao afirmar, referindo-se ao tráfico, que "toda a logística e o mercado eram uma operação dos ocidentais". Os grandes reinos negreiros africanos controlavam redes escravistas extensas, capilarizadas, que se ramificavam para o interior do continente e abrangiam parceiros comerciais estatais e mercadores autônomos. No mais das vezes, a captura e a escravização dos infelizes que passaram pelas fortalezas litorâneas eram realizadas por africanos. Num livro publicado em Londres, que está entre os documentos essenciais da história do tráfico, o antigo escravo Quobna Cugoano relatou sua experiência na fortaleza de Cape Coast: "Devo admitir que, para a vergonha dos homens de meu próprio país, fui raptado e traído por alguém de minha própria cor". Laura e Lucas, na linha da delinquência, já têm o título para uma nova reportagem: "Negros corresponsabilizam negros pela escravidão". Professor mestre Artur Araujo (artur.araujo@puc-campinas.edu.br) site: http://docentes.puc-campinas.edu.br/clc/arturaraujo/ ftp: ftp://ftp-acd.puc-campinas.edu.br/pub/professores/clc/artur.araujo/ Página 2 de 3
  • 3. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS CENTRO DE LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO O tráfico e a escravidão interna articulavam-se estreitamente. No reino do Ndongo, estabelecido na atual Angola no século 16, o poder do rei e da aristocracia apoiava-se no domínio sobre uma ampla classe de escravos. No Congo, a população escrava chegou a representar cerca de metade do total. O reino Ashanti, que dominou a Costa do Ouro por três séculos, tinha na exportação de escravos sua maior fonte de renda. Os chefes do Daomé tentaram incorporar seu reino ao império do Brasil para vender escravos sob a proteção de d. Pedro 1º. Em 1840, o rei Gezo, do Daomé, declarou que "o tráfico de escravos tem sido a fonte da nossa glória e riqueza". Em 1872, bem depois da abolição do tráfico, o rei ashanti dirigiu uma carta ao monarca britânico solicitando a retomada do comércio de gente. O providencial esquecimento de Alencastro é um fenômeno disseminado na África. "Não discutimos a escravidão", afirma Barima Nkye 12, chefe supremo do povoado ganês de Assin Mauso, cuja elite descende da aristocracia escravista ashanti. Yaw Bedwa, da Universidade de Gana, diagnostica uma "amnésia geral sobre a escravidão". Amnésia lá, falsificação, manipulação e mentira aqui. Sempre em nome de poderosos interesses atuais. DEMÉTRIO MAGNOLI, sociólogo, é autor de "Uma Gota de Sangue - História do Pensamento Racial" (SP, Contexto, 2009) Professor mestre Artur Araujo (artur.araujo@puc-campinas.edu.br) site: http://docentes.puc-campinas.edu.br/clc/arturaraujo/ ftp: ftp://ftp-acd.puc-campinas.edu.br/pub/professores/clc/artur.araujo/ Página 3 de 3