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Meu sonho Brasil
Frei Betto

        Sou movido a perplexidade. Nasci no único país do mundo com nome de
vegetal e que ocupa um território de dimensões continentais. Parece que Deus
foi injusto ao cumular esta Terra Brasilis de tantas bênçãos: nenhum furacão,
nem vulcão ou deserto, uns raros tremorezinhos de terra pra ajeitar o fumo no
cachimbo do sertanejo, nada de deserto ou geleira, neve só uns três dias por
ano, em apenas dois municípios, para turista tirar fotos.
       Gigante pela própria natureza, como se ufana o nosso hino, inchando o
nosso peito varonil, somos uma das dez maiores economias do mundo, o maior
produtor mundial de frutas e o sexto de alimentos. Temos potencial para colher
três safras por ano em 600 milhões de hectares agricultáveis.
       No entanto, ronda-nos a miséria. Os dados são do IBGE, órgão do
governo federal, divulgados em maio de 2000: 2/3 da população brasileira –
cerca de 111 milhões de pessoas – dispõem de renda familiar mensal de até 2
salários mínimos; 20% da população vivem com menos de 1/2 salário-mínimo
por mês; 1% dos brasileiros – cerca de 1,6 milhão de pessoas – concentra em
suas mãos fortuna equivalente ao rendimento dos 50% mais pobres – cerca de
83 milhões de pessoas.
      Nunca o Brasil conheceu uma reforma agrária. Ou melhor, teve uma, ao
ser dividido em capitanias hereditárias. A oligarquia gostou do modelito e,
agora, a ferro e fogo insiste em mantê-lo, jogando na estrada 15 milhões de
sem-terra.
      Por que possuímos tantas riquezas e somos tão pobres? Porque não
temos governo.
       Aliás, somos governados por uma elite desprovida de sensibilidade
social, interessada em manter o país atrelado aos interesses do capital
estrangeiro. Contraímos dívidas para produzir, produzimos para exportar,
importamos capital para pagar os juros e amortizar a dívida e(x)terna, que hoje
alcança a fabulosa soma de US$ 235 bilhões. Só em 1999, remetemos para
fora do país – reduzindo gastos numa política de saúde, educação, combate ao
desemprego etc. – US$ 66 bilhões! Em 2000, serão R$ 65 bilhões.
       Qual a saída? A meu ver, fortalecer a sociedade civil. Sem nação
organizada, consciente de seus direitos, o processo de globocolonização
acabará africanizando o Brasil. Imagine-se, por exemplo, o Brasil sem o MST.
Para onde iriam essas 15 milhões de pessoas expulsas de suas pequenas e
médias propriedades rurais pelos juros bancários, pela construção de
barragens e pela expansão do latifúndio? Iriam engordar o cinturão de favelas
que cerca as nossas cidades, agravando a violência urbana, o número de
crianças de rua e de famílias sob pontes e viadutos. Hoje, são 1500
assentamentos do MST espalhados por todo o país. Neles, cerca de 100 mil
crianças e adolescentes estão escolarizadas – o que valeu ao movimento o
prêmio Unicef-Banco Itaú.
São seis as esferas sociais capazes de mudar o Brasil: as pastorais das
igrejas, os movimentos populares, os sindicatos, os partidos políticos, as
administrações municipais populares, os veículos culturais dotados de senso
crítico. Nenhuma faz verão sozinha. Se articuladas, reviram o Brasil, pondo-o
de pé, tirando-o dessa vergonhosa posição de manterse ajoelhado frente ao
FMI.
      Quem não participa de nenhuma dessas seis esferas ou é torcida
desorganizada ou anda de braços cruzados, o que muito agrada à oligarquia. E
corre o risco de pensar pela ótica de quem insiste em perpetuar a desordem
estabelecida. O que é uma forma de torná-la também desordem consentida.
       O Brasil é, hoje, campeão mundial de desigualdade social e tem 8
milhões de desempregados. Isso só acaba com distribuição de renda, reforma
agrária, democratização dos meios de comunicação, autonomia frente ao FMI,
o que significa mudar o modelo econômico. O atual, este que aprova salário-
mínimo desdenhoso para 12 milhões de aposentados e mais 2 milhões de
trabalhadores, é cruel e autoritário. Mas o governo faz o discurso da
democracia aberta.
       Eis a equação brasileira: se economia autoritária não combina com
democracia aberta, ou se abre a economia ou se fecha a política. A primeira
medida é mais sensata. A segunda nos levará a um novo ciclo ditatorial. Cabe
a cada um de nós encarar o Brasil pela ótica dos oprimidos. Acredito que é
preferível correr o risco de errar com os pequenos do que ter a pretensão de
acertar com os grandes. Melhor ser irmão do povo do que amigo do rei.
        Malgrado tantas mazelas sociais, como diz o ministro Malan, tenho
esperança no Brasil, porque vivo próximo aos movimentos populares e vejo
que eles são como bambu: envergam mas não quebram. Já não espero
participar da colheita, mas quero morrer semente desta revolução capaz de
virar o Brasil pelo avesso: que cada cidadão tenha o seu prato de comida todos
os dias; cada criança, seu lugar na escola; cada enfermo, tratamento digno.
      O que mais posso esperar se todos, em meu país, tiverem alimentação,
saúde e educação?
Fonte: AGUIAR, Luiz Antonio (Org.). Para entender o Brasil. São Paulo: Alegro,
2001, p. 76-78. [marcações e grifos nossos].

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  • 1. Meu sonho Brasil Frei Betto Sou movido a perplexidade. Nasci no único país do mundo com nome de vegetal e que ocupa um território de dimensões continentais. Parece que Deus foi injusto ao cumular esta Terra Brasilis de tantas bênçãos: nenhum furacão, nem vulcão ou deserto, uns raros tremorezinhos de terra pra ajeitar o fumo no cachimbo do sertanejo, nada de deserto ou geleira, neve só uns três dias por ano, em apenas dois municípios, para turista tirar fotos. Gigante pela própria natureza, como se ufana o nosso hino, inchando o nosso peito varonil, somos uma das dez maiores economias do mundo, o maior produtor mundial de frutas e o sexto de alimentos. Temos potencial para colher três safras por ano em 600 milhões de hectares agricultáveis. No entanto, ronda-nos a miséria. Os dados são do IBGE, órgão do governo federal, divulgados em maio de 2000: 2/3 da população brasileira – cerca de 111 milhões de pessoas – dispõem de renda familiar mensal de até 2 salários mínimos; 20% da população vivem com menos de 1/2 salário-mínimo por mês; 1% dos brasileiros – cerca de 1,6 milhão de pessoas – concentra em suas mãos fortuna equivalente ao rendimento dos 50% mais pobres – cerca de 83 milhões de pessoas. Nunca o Brasil conheceu uma reforma agrária. Ou melhor, teve uma, ao ser dividido em capitanias hereditárias. A oligarquia gostou do modelito e, agora, a ferro e fogo insiste em mantê-lo, jogando na estrada 15 milhões de sem-terra. Por que possuímos tantas riquezas e somos tão pobres? Porque não temos governo. Aliás, somos governados por uma elite desprovida de sensibilidade social, interessada em manter o país atrelado aos interesses do capital estrangeiro. Contraímos dívidas para produzir, produzimos para exportar, importamos capital para pagar os juros e amortizar a dívida e(x)terna, que hoje alcança a fabulosa soma de US$ 235 bilhões. Só em 1999, remetemos para fora do país – reduzindo gastos numa política de saúde, educação, combate ao desemprego etc. – US$ 66 bilhões! Em 2000, serão R$ 65 bilhões. Qual a saída? A meu ver, fortalecer a sociedade civil. Sem nação organizada, consciente de seus direitos, o processo de globocolonização acabará africanizando o Brasil. Imagine-se, por exemplo, o Brasil sem o MST. Para onde iriam essas 15 milhões de pessoas expulsas de suas pequenas e médias propriedades rurais pelos juros bancários, pela construção de barragens e pela expansão do latifúndio? Iriam engordar o cinturão de favelas que cerca as nossas cidades, agravando a violência urbana, o número de crianças de rua e de famílias sob pontes e viadutos. Hoje, são 1500 assentamentos do MST espalhados por todo o país. Neles, cerca de 100 mil crianças e adolescentes estão escolarizadas – o que valeu ao movimento o prêmio Unicef-Banco Itaú.
  • 2. São seis as esferas sociais capazes de mudar o Brasil: as pastorais das igrejas, os movimentos populares, os sindicatos, os partidos políticos, as administrações municipais populares, os veículos culturais dotados de senso crítico. Nenhuma faz verão sozinha. Se articuladas, reviram o Brasil, pondo-o de pé, tirando-o dessa vergonhosa posição de manterse ajoelhado frente ao FMI. Quem não participa de nenhuma dessas seis esferas ou é torcida desorganizada ou anda de braços cruzados, o que muito agrada à oligarquia. E corre o risco de pensar pela ótica de quem insiste em perpetuar a desordem estabelecida. O que é uma forma de torná-la também desordem consentida. O Brasil é, hoje, campeão mundial de desigualdade social e tem 8 milhões de desempregados. Isso só acaba com distribuição de renda, reforma agrária, democratização dos meios de comunicação, autonomia frente ao FMI, o que significa mudar o modelo econômico. O atual, este que aprova salário- mínimo desdenhoso para 12 milhões de aposentados e mais 2 milhões de trabalhadores, é cruel e autoritário. Mas o governo faz o discurso da democracia aberta. Eis a equação brasileira: se economia autoritária não combina com democracia aberta, ou se abre a economia ou se fecha a política. A primeira medida é mais sensata. A segunda nos levará a um novo ciclo ditatorial. Cabe a cada um de nós encarar o Brasil pela ótica dos oprimidos. Acredito que é preferível correr o risco de errar com os pequenos do que ter a pretensão de acertar com os grandes. Melhor ser irmão do povo do que amigo do rei. Malgrado tantas mazelas sociais, como diz o ministro Malan, tenho esperança no Brasil, porque vivo próximo aos movimentos populares e vejo que eles são como bambu: envergam mas não quebram. Já não espero participar da colheita, mas quero morrer semente desta revolução capaz de virar o Brasil pelo avesso: que cada cidadão tenha o seu prato de comida todos os dias; cada criança, seu lugar na escola; cada enfermo, tratamento digno. O que mais posso esperar se todos, em meu país, tiverem alimentação, saúde e educação? Fonte: AGUIAR, Luiz Antonio (Org.). Para entender o Brasil. São Paulo: Alegro, 2001, p. 76-78. [marcações e grifos nossos].