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                                               Nietzsche“Também a arte dionisíaca quer nos convencer do eterno prazer da existência: só que não devemos procurar esse prazer nas aparências, mas por trás delas. Cumpre-nos reconhecer que tudo quanto nasceprecisa estar pronto para um doloroso ocaso”.A. Gabriela Caesar, Carolina Lomelino, Leonardo Aucar, Maria Clara Mangeth e Renata Oliveira<br />Introdução<br />Friedrich Wilhelm Nietzsche, filólogo de formação, se tornou famoso por seu pensamento filosófico. Alvo de muitas críticas, Nietzsche pode ser considerado um homem à frente de seu tempo, mas foi muitas vezes julgado como retrógrado por defender a tragédia grega como ápice da perfeição artística. Podemos explicar esse retorno à tradição grega, explicitamente evocada por ele, como parte do que podemos diagnosticar uma característica intempestiva nas obras de Friedrich, que volta ao passado com o objetivo de entender, explicar e construir um novo futuro. <br />Nesta reflexão, nos focaremos em sua análise a respeito do nascimento e da construção da tragédia grega, ressaltando os caráteres apolíneo e dionisíaco, que, segundo Nietzsche, são responsáveis e centrais na criação da tragédia. <br />De volta à Grécia Antiga<br />Reproduzindo o movimento de volta ao passado, tão utilizado pelo filósofo aqui referido, retornemos para a Grécia antiga na tentativa de compreender o significado dos deuses Apolo e Dionísio na vida cotidiana do cidadão grego, para então relacionarmos a análise da tragédia grega. <br />Como partida do pensamento a respeito da Grécia, temos uma ligação entre a sensibilidade grega para a dor, sofrimento, e sensibilidade artística, mostrando que existe algo de violento na existência grega que os dá tal sensibilidade. É natural, inclusive, que Nietzsche, em seu pessimismo, se identifique com os gregos, pois ambos viam essa negatividade como inerente à construção de uma sabedoria, de uma “filosofia do povo”.<br />No contexto grego da antiguidade, a religiosidade tinha um papel extremamente presente na vida cotidiana. Os Deuses Apolo e Dionísio, assim, tinham uma representatividade prática muito grande. Apolo, para os gregos, seria o Deus da beleza e do sol, relacionado às cidades, ligado ao âmbito da aparência, das artes plásticas e da poesia épica; representava a simetria e contenção, o autoconhecimento, equilíbrio. Dionísio seria o Deus do vinho e das festas bacantes, era associado aos bosques e relacionado à poesia lírica e musical; representava o âmbito da essência, do autoesquecimento, da embriaguez e da desmedida. <br />Tão importante quanto entender o pessimismo grego é entender que, para estes, arte e religião se uniam numa só coisa. Pode-se entender, inclusive, a criação dos Deuses olímpicos e da arte apolínea como forma de tornar a vida possível e desejável ao dar ao mundo uma superabundância de vida. A epopeia, poesia apolínea, é um modo de confrontar a negatividade com que se via o fim da vida.<br />Não seria, portanto, apenas aparência, mas aparência necessária à libertação do ser verdadeiro, do uno primordial. O apolíneo está ligado à vontade, à essência do mundo visto de dentro que continuamente deseja e quer. Os gregos superaram o saber da morte com a concepção apolínea, a defesa da arte, sendo a aparência, para Nietzsche, necessária à manutenção da vida. <br />Se o apolíneo vem a manter a vida, o dionisíaco é seu contrário, vem para aniquilá-la. Na Grécia antiga, o dionisíaco só era visto como uma visão pré-apolínea, algo bárbaro. Dionísio era o Deus estrangeiro, rural, mas que aos poucos rompeu barreiras e se propagou em culto na Grécia das cidades, na Grécia da pólis, de Apolo.<br />Essa invasão colocou em xeque os valores básicos da Grécia, fazendo com que a oposição entre as duas pulsões se tornasse total. A experiência dionisíaca rompia o princípio de individuação apolíneo e reconciliava homem e natureza, já havia ali, agora, uma sensação de unidade que destruía a consciência do eu em prol de um autoesquecimento total, de uma desmedida no lugar da medida; em vez de controle e serenidade, um êxtase e frenesi sexual.<br />O êxtase dionisíaco destruía o que fora vivido, o passado, a história, a sociedade e tudo mais que o apolíneo vinha justamente para manter. Ele nos permitiria desmascarar a falácia criada de que vivíamos em um mundo de beleza e revelaria a realidade, destruindo o sonho e nos embriagando de sofrimento.<br />Reconciliando Apolo e Dionísio<br />Partindo desses pressupostos, entremos então na análise propriamente dita da tragédia grega. Para entender como se dá o nascimento da tragédia, é primeiro preciso ter consciência de que os impulsos apolíneo e dionisíaco são impulsos complementares, isto é, não podem ser separados. Eles estão imersos na forma da tragédia, um contaminando o outro, um complementando o outro, umbilicalmente ligados. <br />Mais tarde, Freud definiria o ser humano como possuidor de uma pulsão de vida e uma pulsão de morte, que podem ser relacionadas aos elementos apolíneo e dionisíaco dos quais Nietzsche falava. Sob a perspectiva do homem, assim, a obra de arte é construída do mesmo antagonismo que construía sua própria essência e ao observar a obra de arte é como se o homem se colocasse como observador e sujeito do próprio sonho. <br />Analisando a face apolínea, Nietzsche estabelece o sono e sonho como uma pré-condição para as artes plásticas. É porque o individuo consegue configurar imagens no seu sonho, no sono, na fantasia que ele consegue se encontrar numa posição de configurador, observador, criador. É na face apolínea que encontramos o princípio de individuação, isto é, o ser humano singular e calmo perante a tormenta; há o autoconhecimento e a noção de seus limites. Já a face dionisíaca contrapõe sonho e embriaguez, é por ela que se dá o autoesquecimento e então o êxtase Dionisíaco. A experiência dionisíaca permite o homem se sentir em casa novamente, rompendo a individuação e formando esse laço entre pessoas e natureza. É como se fosse uma reconciliação, uma espécie de comunhão, fusão com o natural. Uma harmonia universal, que rompe com a cultura, com a civilização, trazendo uma sabedoria da natureza primitiva. A partir disso é possível perceber que as duas faces são absolutamente opostas e justamente por isso se complementam.<br />Segundo Nietzsche, é na tragédia que ocorre a comunhão perfeita entre a pulsão apolínea e dionisíaca. É nela que tanto a estética – através da poesia plástica – quanto a essência – representada na música, no coro – chegam à harmonia.<br /> Mas que efeito poderia surgir a partir do encontro entre o apolíneo e o dionisíaco? A tragédia grega. Para Nietzsche, a tragédia nasce do culto ao Deus Dionísio. Esse processo do coro trágico é o proto-fenômeno dramático. Ver-se-ia a si próprio transformado diante de si mesmo, então atuar, seria como se na realidade a pessoa tivesse se transformado em outro corpo, em outra personagem. O coro dionisíaco agiria como a transformação, um coro de transformados, escapando da sua individuação para fazer parte de algo uno, atemporal. Saindo de si, por esse entusiasmo, o individuo poderia encarnar o outro. Sem a entrada do dionisíaco, o apolíneo não geraria a tragédia. É por causa desse encontro que a tragédia é gerada. Enquanto que, no apolíneo, ocorre a redenção pela aparência, feitos belos em que os indivíduos banham-se de glória; no dionisíaco, uma redenção pela essência, pela quebra da crença da cultura, ruptura com a individuação e o retorno da comunhão com a nossa vontade, o uno primordial. É necessária a morte individual para constatar que existe mais que o indivíduo. “Por conseguinte o drama é a encarnação apolínea de cognições e efeitos dionisíacos” - O que é imagem e o que é diálogo é uma encarnação, é uma aparição, é um tomar corpo disso que é algo mais essencial, que é subterrâneo, a sabedoria inconsciente da natureza. São as cognições dionisíacas que pulsam no interior da aparência apolínea. Esse seria o processo de formação da arte dramática propriamente dita.<br />          É com a morte do herói trágico (aparência) e a entrada do coro (essência) que o indivíduo, o espectador, teria uma experiência de fusão com tudo o que existe. É como se num breve momento o espectador tivesse certeza de que, por mais que o herói tenha morrido, existe algo maior que o indivíduo e, tanto o espectador quanto o herói, quanto qualquer indivíduo, é parte de uma vontade maior, a vontade geradora de vida. <br />A partir disso é possível dizer que o nascimento e o perecimento da tragédia estão ligados ao espírito da música, do coro satírico. A tragédia nasce a partir do vínculo com a música e quando há a quebra desse vínculo declina, morre.<br />É importante ainda dizer que Nietzsche foi fortemente inspirado pela obra de Schopenhauer, especialmente no que concerne à música. Esta se diferencia das outras artes por ser reflexo imediato da vontade. A música é o metafísico para tudo que é físico, o mundo seria uma materialização, uma corporificação da música. Quanto mais a melodia se relacionar ao espírito interior do fenômeno, mais fortemente a música se destacará. A música é capaz de dar nascimento ao mito trágico.<br />Mas todo esse relacionamento entre dionisíaco e apolíneo é estranho, se pensarmos que, como dito anteriormente, o primeiro veio ameaçando a destruição do segundo. Ambos seriam, de fato, inconciliáveis se não fosse o fato de que o dionisíaco que Nietzsche elogia é uma forma nova do antigo, separado de sua força destruidora e irracional e incumbido de uma característica muito mais espiritual.<br />Na verdade, o dionisíaco da tragédia grega é a forma como o apolíneo conseguiu sobreviver ao antigo dionisíaco bárbaro. É o antigo integrado dentro da arte e não mais reprimido por ela, como acontecia com a poesia épica. É o próprio absurdo da existência denunciado pelo dionisíaco que emerge como propulsor da vida na tragédia grega.<br />Aquele dionisíaco das sáceas orgiástica é agora um novo, em que a orgia e a desmedida são idealizadas como forma de facilitar nossa compreensão e relação para com o mundo e para com a negatividade e a efemeridade da vida. Surge agora um momento em que embriaguez e lucidez não mais se alternam, mas ocorrem simultaneamente. É a união entre essência e aparência.<br />Foi essa integração, essa reconciliação entre Dionísio e Apolo que permitiu a sobrevivência da cultura helênica. A arte, mais especificamente a tragédia, foi, portanto, o instrumento fundamental para a manutenção da forma de pensar e da cultura que determinou os rumos do mundo Ocidental. Fomos salvos por essa visão trágica tão admirada por Nietzsche, que coloca em equilíbrio ilusão e aparência, cumprindo exatamente o objetivo principal do movimento retrógrado – e que este não seja confundido com atraso – de Nietzsche, ou seja, a possibilidade da construção de um futuro pelo passado. <br />Da queda épica ao êxtase dionisíaco<br />Resta-nos saber, então, em qual ponto se dá esse entrelace entre Apolo e Dionísio na tragédia, em que momento se chega à experiência completa, à característica essencial para que Nietzsche conclua que a tragédia grega é o ápice da perfeição artística. <br />No decorrer da trama trágica, vemos o herói passando por diversas situações que o levam ao perecimento. É natural que o personagem passe por provações – entre outras coisas – para que se concretize o desfecho da tragédia: a morte do herói, o fim trágico. É na aparência (representada pelo herói), ou melhor, na morte da aparência que a experiência da essência pode se dar, porque o que é do mundo da aparência precisa ser aniquilado para que seja rompido o princípio de individuação, para que apareça o que está por trás disso, o que reúne todos nós, entre nós mesmos e com a natureza, a verdadeira essência. <br />É no aparecimento da música (no coro) e na destruição da aparência que se dá o reconhecimento do individuo como parte de tudo o que é vivo. Por breves instantes, com a morte do herói e a destruição do principio da individuação, o espectador se sente parte desse uno primordial. É nesse curto espaço de tempo após a morte do herói que o indivíduo deixa de ser indivíduo e toma consciência de que faz parte de uma eternidade maior, isto é, não importa que o herói pereça ou a morte dele próprio, porque o espectador toma consciência de que é apenas uma partícula de um universo pleno em eternidade. Nietzsche chama essa experiência de êxtase dionisíaco, em que há o descolamento do mundo aparente e a certeza da morte e da efemeridade das coisas. É nesse estado de autoesquecimento, de embriaguez, é nessa espécie de transe que por breves instantes, o indivíduo deixa de ser indivíduo e se sente parte de um uno primordial, de uma essência eterna, portanto, por esses breves instantes ele é o uno primordial. Ele se une, compartilha e é a eternidade.<br />A descrença ou pessimismo encarnado de Friedrich Nietzsche pelos tempos atuais<br />Onde se deu, então, a perda de todo esse valor da arte que estava na tragédia grega? Para Nietzsche, em dois momentos, que são, de certa forma, complementares. <br />Primeiro, a perda da música pela tragédia e o fato de que com ela se foi o espírito que era formador de mitos. Em segundo lugar é no desfecho. O fim da tragédia antiga era um consolo metafísico, que possibilitava explicar o prazer da tragédia. Agora o deus ex machina teria tomado o lugar do metafísico e se imposto, retirando o valor e o prazer da tragédia.<br />Para Nietzsche, a razão de existir da tragédia é alegrar. O destino do herói como sofredor não gera dor, mas sim alegria por conta da resistência ao sofrimento em si. O deus ex machina destruiu isso, jogou fora a consolação metafísica e trouxe a terrena.<br />O desfecho<br />Talvez o resultado mais interessante de toda essa análise seja perceber como a obra de Nietzsche assume constantemente um caráter dúbio. A princípio, podemos pensar nele como um filósofo negativista e preso ao passado, mas é ao analisar além da superfície de sua obra que vemos que, na verdade, ele está entre os mais preocupados com o futuro.<br />No seu negativismo e na sua visão trágica encontramos uma forma de vivenciar o mundo mais realista e capaz de lidar com noções existenciais mais dolorosas. Em sua defesa da antiga tragédia grega vemos não uma recusa da arte moderna, mas um questionamento, talvez até uma proposta, um inconformismo que visa à reconquista do que se perdeu. É parando e olhando para traz que Nietzsche busca moldar o futuro.<br />É possível também perceber que Friedrich não é um filósofo que se restringe ao âmbito da idealização, ou seja, ele busca e acredita que toda e qualquer teoria deva ter uma forma prática. Em relação ao que foi dito sobre a tragédia grega e o ápice do êxtase dionisíaco, podemos ver que o indivíduo toma consciência da efemeridade das coisas. É preciso trazer à tona a morte para que apareça o que há por trás, o que é eterno. A vontade aqui é vista como uma engrenagem geradora de vida, e essa engrenagem se satisfaz nessa troca constante e eterna. Sabendo disso, Nietzsche acreditava que, em vez de nos contentarmos com o pessimismo exaltado pelos gregos antigos, devemos aproveitar a vida e o tempo que nos resta da melhor forma possível, banhando o que nos seria angustiante ter consciência – a fatalidade mórbida da vida – com um manto positivo e progressivo. <br />
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Friedrich wilhelm nietzsche - g2 filosofia

  • 1. Nietzsche“Também a arte dionisíaca quer nos convencer do eterno prazer da existência: só que não devemos procurar esse prazer nas aparências, mas por trás delas. Cumpre-nos reconhecer que tudo quanto nasceprecisa estar pronto para um doloroso ocaso”.A. Gabriela Caesar, Carolina Lomelino, Leonardo Aucar, Maria Clara Mangeth e Renata Oliveira<br />Introdução<br />Friedrich Wilhelm Nietzsche, filólogo de formação, se tornou famoso por seu pensamento filosófico. Alvo de muitas críticas, Nietzsche pode ser considerado um homem à frente de seu tempo, mas foi muitas vezes julgado como retrógrado por defender a tragédia grega como ápice da perfeição artística. Podemos explicar esse retorno à tradição grega, explicitamente evocada por ele, como parte do que podemos diagnosticar uma característica intempestiva nas obras de Friedrich, que volta ao passado com o objetivo de entender, explicar e construir um novo futuro. <br />Nesta reflexão, nos focaremos em sua análise a respeito do nascimento e da construção da tragédia grega, ressaltando os caráteres apolíneo e dionisíaco, que, segundo Nietzsche, são responsáveis e centrais na criação da tragédia. <br />De volta à Grécia Antiga<br />Reproduzindo o movimento de volta ao passado, tão utilizado pelo filósofo aqui referido, retornemos para a Grécia antiga na tentativa de compreender o significado dos deuses Apolo e Dionísio na vida cotidiana do cidadão grego, para então relacionarmos a análise da tragédia grega. <br />Como partida do pensamento a respeito da Grécia, temos uma ligação entre a sensibilidade grega para a dor, sofrimento, e sensibilidade artística, mostrando que existe algo de violento na existência grega que os dá tal sensibilidade. É natural, inclusive, que Nietzsche, em seu pessimismo, se identifique com os gregos, pois ambos viam essa negatividade como inerente à construção de uma sabedoria, de uma “filosofia do povo”.<br />No contexto grego da antiguidade, a religiosidade tinha um papel extremamente presente na vida cotidiana. Os Deuses Apolo e Dionísio, assim, tinham uma representatividade prática muito grande. Apolo, para os gregos, seria o Deus da beleza e do sol, relacionado às cidades, ligado ao âmbito da aparência, das artes plásticas e da poesia épica; representava a simetria e contenção, o autoconhecimento, equilíbrio. Dionísio seria o Deus do vinho e das festas bacantes, era associado aos bosques e relacionado à poesia lírica e musical; representava o âmbito da essência, do autoesquecimento, da embriaguez e da desmedida. <br />Tão importante quanto entender o pessimismo grego é entender que, para estes, arte e religião se uniam numa só coisa. Pode-se entender, inclusive, a criação dos Deuses olímpicos e da arte apolínea como forma de tornar a vida possível e desejável ao dar ao mundo uma superabundância de vida. A epopeia, poesia apolínea, é um modo de confrontar a negatividade com que se via o fim da vida.<br />Não seria, portanto, apenas aparência, mas aparência necessária à libertação do ser verdadeiro, do uno primordial. O apolíneo está ligado à vontade, à essência do mundo visto de dentro que continuamente deseja e quer. Os gregos superaram o saber da morte com a concepção apolínea, a defesa da arte, sendo a aparência, para Nietzsche, necessária à manutenção da vida. <br />Se o apolíneo vem a manter a vida, o dionisíaco é seu contrário, vem para aniquilá-la. Na Grécia antiga, o dionisíaco só era visto como uma visão pré-apolínea, algo bárbaro. Dionísio era o Deus estrangeiro, rural, mas que aos poucos rompeu barreiras e se propagou em culto na Grécia das cidades, na Grécia da pólis, de Apolo.<br />Essa invasão colocou em xeque os valores básicos da Grécia, fazendo com que a oposição entre as duas pulsões se tornasse total. A experiência dionisíaca rompia o princípio de individuação apolíneo e reconciliava homem e natureza, já havia ali, agora, uma sensação de unidade que destruía a consciência do eu em prol de um autoesquecimento total, de uma desmedida no lugar da medida; em vez de controle e serenidade, um êxtase e frenesi sexual.<br />O êxtase dionisíaco destruía o que fora vivido, o passado, a história, a sociedade e tudo mais que o apolíneo vinha justamente para manter. Ele nos permitiria desmascarar a falácia criada de que vivíamos em um mundo de beleza e revelaria a realidade, destruindo o sonho e nos embriagando de sofrimento.<br />Reconciliando Apolo e Dionísio<br />Partindo desses pressupostos, entremos então na análise propriamente dita da tragédia grega. Para entender como se dá o nascimento da tragédia, é primeiro preciso ter consciência de que os impulsos apolíneo e dionisíaco são impulsos complementares, isto é, não podem ser separados. Eles estão imersos na forma da tragédia, um contaminando o outro, um complementando o outro, umbilicalmente ligados. <br />Mais tarde, Freud definiria o ser humano como possuidor de uma pulsão de vida e uma pulsão de morte, que podem ser relacionadas aos elementos apolíneo e dionisíaco dos quais Nietzsche falava. Sob a perspectiva do homem, assim, a obra de arte é construída do mesmo antagonismo que construía sua própria essência e ao observar a obra de arte é como se o homem se colocasse como observador e sujeito do próprio sonho. <br />Analisando a face apolínea, Nietzsche estabelece o sono e sonho como uma pré-condição para as artes plásticas. É porque o individuo consegue configurar imagens no seu sonho, no sono, na fantasia que ele consegue se encontrar numa posição de configurador, observador, criador. É na face apolínea que encontramos o princípio de individuação, isto é, o ser humano singular e calmo perante a tormenta; há o autoconhecimento e a noção de seus limites. Já a face dionisíaca contrapõe sonho e embriaguez, é por ela que se dá o autoesquecimento e então o êxtase Dionisíaco. A experiência dionisíaca permite o homem se sentir em casa novamente, rompendo a individuação e formando esse laço entre pessoas e natureza. É como se fosse uma reconciliação, uma espécie de comunhão, fusão com o natural. Uma harmonia universal, que rompe com a cultura, com a civilização, trazendo uma sabedoria da natureza primitiva. A partir disso é possível perceber que as duas faces são absolutamente opostas e justamente por isso se complementam.<br />Segundo Nietzsche, é na tragédia que ocorre a comunhão perfeita entre a pulsão apolínea e dionisíaca. É nela que tanto a estética – através da poesia plástica – quanto a essência – representada na música, no coro – chegam à harmonia.<br /> Mas que efeito poderia surgir a partir do encontro entre o apolíneo e o dionisíaco? A tragédia grega. Para Nietzsche, a tragédia nasce do culto ao Deus Dionísio. Esse processo do coro trágico é o proto-fenômeno dramático. Ver-se-ia a si próprio transformado diante de si mesmo, então atuar, seria como se na realidade a pessoa tivesse se transformado em outro corpo, em outra personagem. O coro dionisíaco agiria como a transformação, um coro de transformados, escapando da sua individuação para fazer parte de algo uno, atemporal. Saindo de si, por esse entusiasmo, o individuo poderia encarnar o outro. Sem a entrada do dionisíaco, o apolíneo não geraria a tragédia. É por causa desse encontro que a tragédia é gerada. Enquanto que, no apolíneo, ocorre a redenção pela aparência, feitos belos em que os indivíduos banham-se de glória; no dionisíaco, uma redenção pela essência, pela quebra da crença da cultura, ruptura com a individuação e o retorno da comunhão com a nossa vontade, o uno primordial. É necessária a morte individual para constatar que existe mais que o indivíduo. “Por conseguinte o drama é a encarnação apolínea de cognições e efeitos dionisíacos” - O que é imagem e o que é diálogo é uma encarnação, é uma aparição, é um tomar corpo disso que é algo mais essencial, que é subterrâneo, a sabedoria inconsciente da natureza. São as cognições dionisíacas que pulsam no interior da aparência apolínea. Esse seria o processo de formação da arte dramática propriamente dita.<br /> É com a morte do herói trágico (aparência) e a entrada do coro (essência) que o indivíduo, o espectador, teria uma experiência de fusão com tudo o que existe. É como se num breve momento o espectador tivesse certeza de que, por mais que o herói tenha morrido, existe algo maior que o indivíduo e, tanto o espectador quanto o herói, quanto qualquer indivíduo, é parte de uma vontade maior, a vontade geradora de vida. <br />A partir disso é possível dizer que o nascimento e o perecimento da tragédia estão ligados ao espírito da música, do coro satírico. A tragédia nasce a partir do vínculo com a música e quando há a quebra desse vínculo declina, morre.<br />É importante ainda dizer que Nietzsche foi fortemente inspirado pela obra de Schopenhauer, especialmente no que concerne à música. Esta se diferencia das outras artes por ser reflexo imediato da vontade. A música é o metafísico para tudo que é físico, o mundo seria uma materialização, uma corporificação da música. Quanto mais a melodia se relacionar ao espírito interior do fenômeno, mais fortemente a música se destacará. A música é capaz de dar nascimento ao mito trágico.<br />Mas todo esse relacionamento entre dionisíaco e apolíneo é estranho, se pensarmos que, como dito anteriormente, o primeiro veio ameaçando a destruição do segundo. Ambos seriam, de fato, inconciliáveis se não fosse o fato de que o dionisíaco que Nietzsche elogia é uma forma nova do antigo, separado de sua força destruidora e irracional e incumbido de uma característica muito mais espiritual.<br />Na verdade, o dionisíaco da tragédia grega é a forma como o apolíneo conseguiu sobreviver ao antigo dionisíaco bárbaro. É o antigo integrado dentro da arte e não mais reprimido por ela, como acontecia com a poesia épica. É o próprio absurdo da existência denunciado pelo dionisíaco que emerge como propulsor da vida na tragédia grega.<br />Aquele dionisíaco das sáceas orgiástica é agora um novo, em que a orgia e a desmedida são idealizadas como forma de facilitar nossa compreensão e relação para com o mundo e para com a negatividade e a efemeridade da vida. Surge agora um momento em que embriaguez e lucidez não mais se alternam, mas ocorrem simultaneamente. É a união entre essência e aparência.<br />Foi essa integração, essa reconciliação entre Dionísio e Apolo que permitiu a sobrevivência da cultura helênica. A arte, mais especificamente a tragédia, foi, portanto, o instrumento fundamental para a manutenção da forma de pensar e da cultura que determinou os rumos do mundo Ocidental. Fomos salvos por essa visão trágica tão admirada por Nietzsche, que coloca em equilíbrio ilusão e aparência, cumprindo exatamente o objetivo principal do movimento retrógrado – e que este não seja confundido com atraso – de Nietzsche, ou seja, a possibilidade da construção de um futuro pelo passado. <br />Da queda épica ao êxtase dionisíaco<br />Resta-nos saber, então, em qual ponto se dá esse entrelace entre Apolo e Dionísio na tragédia, em que momento se chega à experiência completa, à característica essencial para que Nietzsche conclua que a tragédia grega é o ápice da perfeição artística. <br />No decorrer da trama trágica, vemos o herói passando por diversas situações que o levam ao perecimento. É natural que o personagem passe por provações – entre outras coisas – para que se concretize o desfecho da tragédia: a morte do herói, o fim trágico. É na aparência (representada pelo herói), ou melhor, na morte da aparência que a experiência da essência pode se dar, porque o que é do mundo da aparência precisa ser aniquilado para que seja rompido o princípio de individuação, para que apareça o que está por trás disso, o que reúne todos nós, entre nós mesmos e com a natureza, a verdadeira essência. <br />É no aparecimento da música (no coro) e na destruição da aparência que se dá o reconhecimento do individuo como parte de tudo o que é vivo. Por breves instantes, com a morte do herói e a destruição do principio da individuação, o espectador se sente parte desse uno primordial. É nesse curto espaço de tempo após a morte do herói que o indivíduo deixa de ser indivíduo e toma consciência de que faz parte de uma eternidade maior, isto é, não importa que o herói pereça ou a morte dele próprio, porque o espectador toma consciência de que é apenas uma partícula de um universo pleno em eternidade. Nietzsche chama essa experiência de êxtase dionisíaco, em que há o descolamento do mundo aparente e a certeza da morte e da efemeridade das coisas. É nesse estado de autoesquecimento, de embriaguez, é nessa espécie de transe que por breves instantes, o indivíduo deixa de ser indivíduo e se sente parte de um uno primordial, de uma essência eterna, portanto, por esses breves instantes ele é o uno primordial. Ele se une, compartilha e é a eternidade.<br />A descrença ou pessimismo encarnado de Friedrich Nietzsche pelos tempos atuais<br />Onde se deu, então, a perda de todo esse valor da arte que estava na tragédia grega? Para Nietzsche, em dois momentos, que são, de certa forma, complementares. <br />Primeiro, a perda da música pela tragédia e o fato de que com ela se foi o espírito que era formador de mitos. Em segundo lugar é no desfecho. O fim da tragédia antiga era um consolo metafísico, que possibilitava explicar o prazer da tragédia. Agora o deus ex machina teria tomado o lugar do metafísico e se imposto, retirando o valor e o prazer da tragédia.<br />Para Nietzsche, a razão de existir da tragédia é alegrar. O destino do herói como sofredor não gera dor, mas sim alegria por conta da resistência ao sofrimento em si. O deus ex machina destruiu isso, jogou fora a consolação metafísica e trouxe a terrena.<br />O desfecho<br />Talvez o resultado mais interessante de toda essa análise seja perceber como a obra de Nietzsche assume constantemente um caráter dúbio. A princípio, podemos pensar nele como um filósofo negativista e preso ao passado, mas é ao analisar além da superfície de sua obra que vemos que, na verdade, ele está entre os mais preocupados com o futuro.<br />No seu negativismo e na sua visão trágica encontramos uma forma de vivenciar o mundo mais realista e capaz de lidar com noções existenciais mais dolorosas. Em sua defesa da antiga tragédia grega vemos não uma recusa da arte moderna, mas um questionamento, talvez até uma proposta, um inconformismo que visa à reconquista do que se perdeu. É parando e olhando para traz que Nietzsche busca moldar o futuro.<br />É possível também perceber que Friedrich não é um filósofo que se restringe ao âmbito da idealização, ou seja, ele busca e acredita que toda e qualquer teoria deva ter uma forma prática. Em relação ao que foi dito sobre a tragédia grega e o ápice do êxtase dionisíaco, podemos ver que o indivíduo toma consciência da efemeridade das coisas. É preciso trazer à tona a morte para que apareça o que há por trás, o que é eterno. A vontade aqui é vista como uma engrenagem geradora de vida, e essa engrenagem se satisfaz nessa troca constante e eterna. Sabendo disso, Nietzsche acreditava que, em vez de nos contentarmos com o pessimismo exaltado pelos gregos antigos, devemos aproveitar a vida e o tempo que nos resta da melhor forma possível, banhando o que nos seria angustiante ter consciência – a fatalidade mórbida da vida – com um manto positivo e progressivo. <br />