Este documento apresenta a história de Ivan Almeida, um poeta de 49 anos que nasceu e cresceu em Cada Amarela, Recife. Apesar de uma infância difícil, Ivan sempre amou poesia e escrita, embora escondesse seus escritos por vergonha. Ao longo da vida, enfrentou várias dificuldades, mas encontrou na poesia uma forma de expressão. Recentemente, foi diagnosticado com glaucoma e corre o risco de perder totalmente a visão, o que ameaça seu sonho de escre
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A
revista Alarido é um projeto dos alu-
nos do quinto período de Jornalismo
da UniNassau, sob supervisão da pro-
fessora Raquel Rodrigues. A palavra
“Alarido”possuisignificadosdiversos:atribuído
a barulho, o termo tanto pode ser associado
a lamúria, choradeira; quanto a “clamor de
combate” (Dicionário Michaellis). É desta últi-
ma definição que nos apropriamos para criar
esta publicação associada à cultura. Alarido
é um grito que quer chamar a atenção para
uma série de iniciativas culturais e obras artís-
ticas que tem estado praticamente invisíveis
para grande parte dos leitores/espectado-
res dos meios de comunição tradicionais.
EDITORIAL SUMÁRIO
EDITORIAL
4-5 LITERATURA
A cegueira que nem todos
podem ver
por Nicole Simões
6-7 DANÇA
Balé Deveras, disseminação
da cultura popular
por Camila Souza
8-9 ARTES PLÁSTICAS
Bozó Bacamarte, o artista
improvável
por Marina Moura
10-11 ARTES PLÁSTICAS
A periferia nas galerias
por Rodrigo Victor
12-13 VISUAIS
Minhas cores, meu amor
por Tamyris Pacas
14-15 ENTREVISTA
xxxxxxxxxxxxxxxxxx
por xxxxxxxxxxxxx
EXPEDIENTE
Redação:
Camila Souza
Marina Moura
Nicole Simões
Rodrigo Victor
Tamyris Pacas
Edição:
Raquel Rodrigues
SUMÁRIO
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N
ascido e criado em Cada Amarela,
bairro da cidade do Recife, Ivan
Almeida, 49 anos, teve uma infância
muito difícil. Quando tinha 9 anos
de idade, o seu pai saiu de casa, deixando
sua mãe sozinha para criá-lo. Ainda jovem
Ivan precisou enfrentar muitos desafios e di-
ficuldades para poder realizar um dos seus
maiores sonhos que era de tornar um poeta.
“As palavras soavam diferente
na minha cabeça, não era
normal a minha forma de ouvir
e interpretar cada uma delas,
todas tinham um significado
especial para mim”
Almeida conta que desde pequeno sem-
pre foi apaixonado pela escrita e poesia,
e embora não atribuindo o devido valor
aos seus escritos, ele os guardava e os mat-
inha em segredo. “Eu escrevia muito, mas
não tinha coragem e mostrar para nin-
guém, porque tinha vergonha. Achava
que as pessoas iriam me criticar por ser
homem e escrever poemas”, comenta Ivan.
Seu primeiro poema escrito foi A RURAL,
que fala sobre sua infância e sua vida co-
tidiana, onde ele ficava da janela e casa
olhando um carro - rural, que passava do
outro lado do morro. E conclui: “As pala-
vras soavam diferente na minha cabeça,
não era normal a minha forma de ouvir
e interpretar cada uma delas, todas tin-
ham um significado especial para mim”.
Com o passar dos anos, o jovem encon-
trou na poesia o estímulo para dar con-
tinuidade aos seus estudos e a elevação
da sua autoestima, levando o relato de
suas experiências, na tentativa de mos-
trar a importância da representação
da poesia em sua vida e o quanto ela
pode ser um elemento transformador.
Após viver muitas frustrações com rela-
cionamentos, família e na vida, Ivan seu um
tempo e deixou de seguir os seus sonhos por
15 anos. Só aos 35, encontrou-se novamente
com o sonho quando iniciou sua trajetória do
PROJETO QUARTAS LITERÁRIAS, que aconte-
cia todas as quartas-feiras no Centro e Cultu-
ra Luiz Freire. E partindo dali para os Projetos
do Mercado da Madalena e da Boa Vista.
Foram mais de 10 anos se apresentando
em espetáculos e declamando o seu tra-
balho nas QUARTAS LITERÁRIAS. Passando
a entender o que escrevia já na idade
adulta, decidiu retornar ao colegial e con-
cluir os seus estudos. Sendo as aulas de lit-
eratura o Norte para o depertar do poe-
ta, pois é aí quando descobre que o que
escrevia era, simplesmente, pura poesia.
O poeta ainda participou do Recitata Con-
curso, promovido pela Secretária de Cultu-
ra da Cidade do Recife, concorrendo com
nomes como Miró, Samuca Santos e Chico
Pedrosa, além, de haver sido contemplado
com a publicação do poema JERIMUM, no
livro Cem Poetas Sem Livros. Há mais de 10
anos, Almeida escreve e fala sobre tudo em
seus poemas. “Minha inspiração vem dos
meus filhos, da minha vida e principalmente
quando estou apaixonado”, conta o autor.
Hoje, aos 49 anos, Ivan mora sozinho, é
divorciado e tem dois filhos. Mas há exata-
mente dois anos, o poeta descobriu que
estava com glaucoma e que ao longo do
tempo poderia perder totalmente a visão.
Ao saber e notícia, ele lembra que ficou ab-
alado e triste por que sabia que ao decorrer
dos anos não poderia mais escrever. Porém,
essa era mais uma dificuldade que ele pre-
cisaria enfrentar, e foi o que ele fez, ele não
desistiu. “Essa não é a primeira e nem será
a última dificuldade que estou passando,
eu decidi lutar pelo meu sonho” afirma.
No momento, a doença já atingiu mais de
60% da sua visão. E a cada dia tem piorado,
tornando mais difícil o seu trabalho, pois to-
dasasvezesqueénecessárioanotaralgoele
precisa da ajuda de alguém para escrever.
Com mais de 30 anos de poesias e mais de
mil poemas escritos e catalogados, Almei-
da ainda pretende em breve lançar um liv-
ro contando a sua história, um projeto feito
do seu trabalho. Sua proposta vem percor-
rendo escolas públicas e privadas; além de
Saraus, Projetos Culturais e eventos diversos
nas cidades da Região Metropolitana do
Recife no intuito de despertar e fermentar
principalmente no público adolescente e
jovem o interesse pela literatura e a poesia.
A CEGUEIRA QUE NEM TODOS PODEM VER
O desafio de um poeta que luta para manter um sonho vivo
Por Nicole Simões
LITERATURA LITERATURA
Reprodução/Pinterest
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A
arte é o refúgio para quem quer
escapar da realidade dura do
dia-dia. Promove uma extensão
de cargas culturais que traduzem
mudança na vida de milhares de pessoas.
Na escola Assis Chateaubriand, em Bra-
sília Teimosa, as primeiras lições de vida se
encaminhavam através da dança e do
teatro popular. Adolescentes e jovens de-
positavam a esperança de transformar sua
vida no pequeno projeto da escola. No fi-
nal dos anos 70, foi criada a companhia de
dança e teatro, Balé Deveras, que só foi
batizado por este nome anos mais tarde.
Depois de 36 anos, o trabalho de inclusão
social e formar bailarinos profissionais, ainda
é uma luta para a companhia. Atualmente
são 20 pessoas, incluindo bailarinos, coreó-
grafos e figurinistas. Sérgio Cavalcanti foi alu-
no do Assis na época da fundação do balé.
Negro, pobre e homossexual, ele viu
de perto o preconceito até mesmo den-
tro de casa. Um homem participar de um
balé popular era dado na época como
“bicha”. Na visão da família, Sérgio deve-
ria estudar, trabalhar para mudar de vida,
porque balé não traria nenhum futuro dig-
no para ele. “Meus pais achavam que eu
só poderia sair da pobreza se arranjasse
um bom trabalho, mas eu amava dançar.
Eu amo. A dança me ajudou a criar for-
ças para enfrentar a batalha que é a vida.
Aprendi enfrentar o preconceito”, lembra
o bailarino. Mesmo com altos e baixos, Sé-
rgio conseguiu terminar os estudos, passou
no vestibular em administração e tem um
trabalho fixo na área, mas nunca abandon-
ou o balé. Ele enxerga seriedade e acred-
ita ser um profissional na dança popular.
Iggor Pedersoly é novo no balé. Conhe-
BALÉ DEVERAS, DISSEMINAÇÃO DA CULTURA POPULAR
Companhia de balé popular de Brasília Teimosa iniciou seus trabalhos para agregar
valores culturais aos jovens da comunidade
Por Camila Souza
cia a companhia por ser famosa na co-
munidade. Ele já havia assistido aos espe-
táculos do Deveras, mas nunca pensou em
dedica-se a dança popular. Há dois anos,
Iggor foi apenas acompanhar um ensaio
com o amigo que era bailarino na época.
Foi convidado para participar da reunião
sobre o novo espetáculo. E no mesmo dia,
houve um estudo em grupo sobre a origem
do xaxado. Todos os integrantes falavam
de alguma maneira daquela dança e
participaram da criação da coreografia.
“Fiquei encantado. Quando ouvi a história
do xaxado, cada um dando um palpite de
como poderia ser a dança, o outro dizendo
que poderia usar uma roupa de canga-
ceiro, porém com originalidade. Eu fiquei
maravilhado com o trabalho e desempen-
ho de todos. Eu quis participar até o fim
do espetáculo. É um enriquecimento cul-
tural muito grande. Aprendo todos os dias
aqui no Balé Deveras”, conta Pedersolly.
“A dança me ajudou a criar
forças para enfrentar a batalha
que é a vida” Sérgio Cavalcanti,
bailarino
Todas as manifestações populares são
fruto do trabalho artístico e crítico que a
companhia desenvolve. Os espetáculos
vão do caboclinho ao coco; do frevo ao
maracatu. O diretor do balé, Mika Silva,
diz que só se dança bem quando se con-
hece a história da dança: “Chega rapazes
e moças que pensam que para participar
do balé precisa apenas saber dançar com
o corpo. Mas o nosso diferencial é esse. Es-
timulamos aos jovens que eles também pre-
cisam estudar e colocar o intelecto deles
na dança. Assim, é um conjunto que pas-
samos para o público”, finaliza o diretor.
DANÇA DANÇA
Reprodução Internet
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A
té os 15 anos de idade, o olindense
Daniel Ferreira da Silva trabalhava
como mecânico no bairro de Água
Fria, zona norte do Recife. Apren-
deu o quanto pôde, entrou em contato com
materiais considerados inúteis, como euca-
tex e restos de ferro, e resolveu se aventurar
na empreitada de ser artista. Se não desse
certo, sua habilidade com as máquinas lhe
garantiria uma profissão e sustento. Doze
anos depois daquela ideia inicial, Daniel mal
se lembra de seu nome de batismo e não
mais se atreve a consertar carros. Agora,
aos 27 anos, atende pela alcunha de Bozó
Bacamarte e afirma, com um sorriso satisfei-
to, que vive exclusivamente de sua pintura.
No mês de agosto de 2005, Bozó, sem
qualquer estímulo ou estudo formal, fez a
primeira tentativa. Em um pedaço de ma-
deira, pintou uma mulher mascarada em
preto e branco. Gostou do resultado e a de-
nominou de “O núcleo”. Para ele, esse tra-
balho é a base de todos os outros e lhe deu
confiança para seguir aquela intuição de
que seu destino não se encerraria em uma
oficina mecânica. Desde então, leu e estu-
dou de modo autônomo, experimentando
uma série de possibilidades, que vão desde
o grafite até “Fiz questão de chamar minha
primeira exposição de Fragmentos do Nú-
cleo, uma forma de homenagear essa tela.
Inclusive é a única peça que eu não vendo.
Porque o momento em que me encontro
hoje, o meu nível de pintura deve-se a ela,
tem um valor afetivo”, afirma o artista, cuja
estreiaemgaleriasedeunaCasadoCachor-
ro Preto, em Olinda, no começo deste ano.
Espalhadas pelas ruas da Cidade Alta, em
muros do Recife Antigo, embaixo de viadu-
tos ou colorindo postes, na praia de Boa
Viagem, dentro de galerias, casas de fãs e
até estádios de futebol: as obras de Bozó
extrapolam as bem comportadas pare-
des dos museus e têm se multiplicado por
todos os lugares aonde possam ser vistas e
notadas. “Muitas pessoas conhecem meu
trabalho, vêem pelas ruas, mas descon-
hecem a autoria. De qualquer modo, o que
importa é o alcance que as minhas obras
possuem. Fico feliz de ocupar diversos es-
paços e mais feliz ainda de me dedicar in-
tegralmente à arte e conseguir me manter
financeiramente”, conta. Bozó já fechou
parcerias com a Prefeitura do Recife, a ga-
leria Nuvem Produções, o Santa Cruz Fute-
bol Clube e o Centro Cultural do Banco
do Nordeste, apenas para citar algumas.
“Muitas pessoas conhecem meu
trabalho, mas desconhecem a
autoria. [...] O que importa é o
alcance que as minhas obras
possuem”
Professor titular do Departamento de Teoria
da Arte da Universidade Federal de Pernam-
buco (UFPE), o crítico Carlos Newton Júnior
faz questão de apontar a originalidade de
Bozó Bacamarte. “Uma coisa fundamental
é que você olha para as telas, imagens ou
murais de Bozó e reconhece a autoria. E isso
é muito raro, principalmente por se tratar de
BOZÓ BACAMARTE, O ARTISTA IMPROVÁVEL
Ex-mecânico e sem estudo formal, o artista visual Bozó embeleza diversos locais do
Recife com sua pintura
Por Marina Moura
ARTES PLÁSTICAS ARTES PLÁSTICAS
um artista tão jovem”, avalia. Carlos New-
ton também reconhece diversas correntes
artísticas na obra do olindense. “Há uma
forte influência armorial, mas ressignificada
com cores e colagens. E obviamente, as
temáticas e os suportes da arte de rua, a
exemplo daquele que talvez seja o maior
expoente do gênero, o inglês Banksy.”
Munido de lembranças familiares, memóri-
as da infância, recordações carnavalescas
e fatos cotidianos, Bozó tem produzido no-
vas pinturas para a sua segunda exposição,
que deve ocorrer no segundo semestre, em
local ainda não definido. Para ele, um ar-
tista se faz com olhos curiosos e atenção a
todas as pessoas e lugares. “Acredito que
as coisas adormecem dentro de mim e me
dão inspiração. Tudo o que vi e vivi constru-
iu meu imaginário”, avalia o artista. Talvez
por essa razão olhar para as obras de Bozó
Bacamarte seja uma experiência com vári-
as camadas de tempo, com pinturas que
falam para fora e para dentro, e ecoam
de onde estiverem – na rua ou no museu.
Bozó Bacamanrte, O Velho do Cariri
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M
ario Miranda, ilustrador, tatu-
ador, grafiteiro e poeta negro,
tem 22 anos. Morador da perife-
ria de Camaragibe, Região Met-
ropolitana do Recife, a arte, ali, era algo
que poucos tinham contato. Os padrões
impostos sobre ele e o destino relegado ao
negro periférico – a criminalidade –, lhe foi
pungente aos 16 anos, quando começou a
produzir e a questionar seu lugar à margem
do contexto social. Em seu quarto de pare-
des pálidas, usando carvão, fez seu primei-
ro traço: uma mulher negra chorando.
A questão da representatividade do
povo negro nos vários espectros (social,
político, artístico e educacional) está pau-
tado, muitas vezes, em estereótipos e mi-
tos que foram criados sobre eles. Mário,
assim como a maioria dos artistas de rua,
começou no grafite. Lá, na rua, utilizando
da arte enquanto instrumento de luta, a
sua vivência é retratada de forma genuína.
Não há espaço para restrições e dogmas.
Mário traz, eu suas obras, questões políti-
cas que tratam do negro em socie-
dade e o todo silenciamento sofrido.
“Minha arte é preta e da periferia”
Para ele, o circuito de museus é excludente,
porque a cultura hegemônica e branca,
não aceita sofrer grandes questionamen-
tos, pois está assentada, confortavelmente,
sobre uma base sólida de elitismo. “Minha
arte é preta e da periferia. São poucas ga-
lerias que aceitam expôr meus trabalhos,
porque são considerados subversivos. O que
me toca é a questão da visibilidade do meu
povo nesses lugares. Nutrir essa segregação,
num lugar que deveria ser democrático, é
extremamente triste. Mas, enquanto houver
rua e luta dos meus, continuarei produzin-
do e tocando na ferida da elite”, reforça.
Para Izidório Cavalcanti, artista negro e pes-
quisador, é muito complicado essa prob-
lemática acerca dos espaços. Arte deve
ser vista de forma neutra porque é uma
manifestação humana, não mecânica.
“Eu tenho amigos que se negam a entrar
no circuito de museus e, muitas vezes, vejo
mais militância que expressão artística. No
meu ver, se distanciar desse espaço é con-
tribuir para a perpetuação do ideal de que
a arte não é para todo mundo”, destaca.
Hoje, é crescente o número de coletivos
e movimentos que incitam esse desprendi-
mento, dando possibilidades e abrindo
horizontes para novos artistas que vêm
surgindo. Na internet, na rua, em gale-
rias… os espaços estão se ressignificando
e trazendo liberdade para as produções.
Mário, atualmente, está com vários pro-
jetos e expondo em eventos diversos. Le-
vando, dessa forma, tudo aquilo que o
âmago da alma do negro precisa falar.
A PERIFERIA NAS GALERIAS
A celebração da cultura e arte negra, nos mais diversos espaços, por uma nova
leva de artistas que se negam a silenciar
Por Rodrigo Victor
Mário, A Negra do Coque
ARTES PLÁSTICAS ARTES PLÁSTICAS
7. ALARIDO | Maio 2016 ALARIDO | Maio 2016
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A
ilustradora e fotógrafa Priscila San-
tos resolveu reunir arte, fotografia e
homoafetividade. Graduada em
Artes Plásticas pela UFPE, Priscila é
amante da fotografia desde a época em
que clicava apenas como hobby. Já con-
solidada no ramo da ilustração, porém,
ainda fascinada pelo universo fotográfico,
resolveu investir profissionalmente na área.
Interessada nas mais diversas histórias, Pris-
cila tem o ethos fotográfico necessário e
o usa como moinho da sua arte. Trabalha
para documentar a realidade das pessoas e
retratá-las independentemente do gênero.
A fotografia foi canal perfeito para ex-
por a inquietação em não se sentir repre-
sentada como mulher negra, pobre e ho-
mossexual. Surgiu então o projeto “Minhas
cores, Meu amor”, que conta história de
casais gays retratando a homoafetividade
através de uma visão simples e delicada.
“Sempre que pesquisava no Google ou
em qualquer ferramenta de busca sobre
“ensaio de casal” era bombardeada com
imagens de casais heterossexuais. Com-
ecei a me perguntar: Cadê os casais ho-
moafetivos? Será que somos uma parcela
realmente esquecida na sociedade? Será
que nosso tipo de amor é tão ‘impuro’ que
não é digno de ser registrado? Será que
os casais gays não tem interesse em con-
tar suas histórias ou será medo?”, disse.
“Já sofri preconceito, não direto,
na verdade foram algumas com-
plicações durante a realização
dos ensaios fotográficos. Curiosa-
mente as ameaças foram bem pi-
ores quando fomos fazer um ensaio
com um casal de meninas”
Priscila confessa ter sofrido preconceito e
admite que a fotografia ainda é uma área
bastante “dominada” por homens, heteros
e brancos, onde se vê poucas mulheres e
pouquíssimos homossexuais atuando. “Já
sofri preconceito, não direto, na verdade
foram algumas complicações durante a
realização dos ensaios fotográficos. O pre-
conceito foi direcionado aos casais que es-
távamos fotografando, o que foi bem pior,
porque além de estar com minha namora-
da (que também faz parte da equipe), com
equipamentos caríssimos, ainda tinha a vida
e a segurança dos casais que estavam com
a gente e que tinham confiado em partici-
par do projeto. Curiosamente as ameaças
foram bem piores quando fomos fazer um
ensaio com um casal de meninas”, contou.
Além do projeto “Minhas cores Meu amor”,
o ativismo da fotógrafa também se estende
ao movimento negro e feminista. Ela está a
frente do projeto “S!M” que retrata históri-
as de mulheres negras de diversos lugares
e idades, contando suas experiências, seus
desafios no contexto social e político, o que
fazem para mudar o cenário de precon-
ceito e de luta no que diz respeito a repre-
sentatividade da mulher negra atualmente.
O projeto utiliza não apenas da fotogra-
fia, mas também de produções em audio-
visual. O S!M tem uma página recém-cria-
da no Facebook e um canal no Youtube
com vídeos documentários disponíveis.
Priscila usa a fotografia como ferramenta
de estímulo para mudanças e como arma
para dar a visibilidade muitas vezes ren-
egada a grupos socialmente excluídos. O
ponto de partida para a produção da sua
arte é a sua própria vivência e experiên-
cia de vida. Nela estão contidos sonhos,
personalidades, histórias de vida diversas e
ricas. Por trás do registro há o empodera-
mento não só dos fotografados, mas da
própria fotógrafa. Na fotografia podem fi-
nalmente ser quem são. Serem vistos e ou-
vidos como qualquer outra pessoa que tem
seus relacionamentos, seus direitos, seus
momentos, estabelecendo de forma natu-
ral sua relação com o mundo ao redor.
“Acredito que tudo depende de
ter mais pessoas interessadas em
contar as histórias das outras sem
fins lucrativos, apenas pra ajudar a
levar conteúdo, abrir mentes, em-
poderar pessoas, mostrar outros
pontos de vista”
É a partir dessa empatia entre fotógrafo e
fotografados que a arte de Priscila se con-
solida. Ela entende que o mundo precisa
da empatia de enxergar o outro de viver
como se fosse o outro, de ouvir e de ser gen-
til e consegue captar todo esse sentimento
através do registro fotográfico. Para realizar
seu trabalho precisou quebrar diversas bar-
reiras não só dentro de si mesma como na
sua área. “Na fotografia aprendemos uma
coisa: se você não consegue registrar um
sorriso verdadeiro, o espectador vai perce-
ber e você vai construir um trabalho mera-
mente artificial, e não era isso que eu busca-
va”, explica. Acreditando sempre no poder
da arte e no poder que ela tem em transitar
por todos os meios e atingir pontos aonde
quaisquer outras manifestações não artísti-
cas e combativas não chegam, vê na sua
geração o poder e o desejo de mudança.
“Acredito que tudo depende de ter muito
mais pessoas interessadas em contar as
históriasdasoutrassemfinslucrativos,apenas
pra ajudar a levar conteúdo, abrir mentes,
empoderar pessoas, mostrar outros pontos
de vista. Para essa parcela excluída se ver
numa fotografia, se ver produzida, saber que
tem uma equipe dedicada a ela, faz com
que se sintam bem, eleva o ego, a autoes-
tima, é um pequeno gesto de dedicação
que promove uma mudança enorme na
vida das pessoas e principalmente na vida
do fotógrafo. A fotografia liberta”, conclui.
MINHAS CORES, MEU AMOR
Fotógrafa e ilustradora Priscila Santos lança projeto fotográfico que retrata a
homoafetividade
Por Tamyris Pacas
Imagens: Priscila Santos
VISUAIS VISUAIS
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14 15 ENTREVISTAENTREVISTA