1. convidado
Colunista
Divulgação
José Joffily*
Caí na rede
‘‘
Paramos numa birosca precária, de beira de resultados não são espetaculares, são surpre-
estrada, perto de Pilões, Paraíba, onde passei endentes: quase mil espectadores por dia, no
muitas das minhas férias escolares. Descemos do mundo todo. Então, estaríamos contrariando
carro. No balcão, meu pai apontou para um cartaz Cacilda Becker, dando de graça a única coisa que
da Coca-Cola, desviou o dedo para um pacote de temos para vender? Mais louco ainda. Tomamos
Gillette pendurado por ali e, depois de pedir um essa providência sem que ninguém tenha pedido
chiclete Adams, sentenciou: para franquearmos o filme. Pois é o que estamos
— Nada disso custa mais que 50 centavos a fazendo. O que ganharíamos com ele nas salas de
unidade. E, apesar de custarem tão pouco, cinema não seria grande coisa. E o prazer seria
esses produtos estão em qualquer lugar e
representam impérios. Sabe por quê?
cada vez menor, diminuindo juntamente com a
afluência do público.
Estaríamos
Eu, concentrado na abertura da caixinha
amarela sabor hortelã, ouvi:
Os relatórios via internet nos contam, com
precisão, quantos espectadores acessaram o
contrariando
— Porque são bem distribuídos. Em qual-
quer lugar do mundo você encontra chicletes,
filme, e o sexo, a idade e a nacionalidade deles;
se o espectador viu o filme até o fim ou se Cacilda Becker,
Gillette e Coca-Cola. interrompeu a projeção no meio. O resultado
Corria o ano de 1958. Agora, neste janeiro de financeiro direto, como já disse, é nenhum, mas dando de graça
2012, muitos anos depois e a muitos quilô- o prazer é imenso. E a satisfação de romper
metros de distância, passando o mês em Bar-
celona, a memória me volta. Em novembro,
com a inércia revitalizando um filme que de-
morou mais de dois anos para ser concluído?
a única coisa que
distribuímos o documentário “Prova de artista”.
Não é tarefa fácil. Depois de algumas semanas
em cartaz e em poucas salas, garantidas, acho
eu, pela estratégia de exibição horizontal da
cadeia Arteplex, parecia que a exposição estava
chegando ao fim. E sair de cartaz é a pior coisa
que pode acontecer. Afinal, independentemente
do resultado financeiro, enquanto o espetáculo
está em cartaz, há esperança.
Já tínhamos pensado no streaming, e foi nesse
momento que a ideia ganhou força. Na hora da
verdade, a decisão foi difícil: disponibilizar o
filme na internet, de graça?! Apesar do medo,
consultei o Canal Brasil, nosso distribuidor em
home video, e o circuito Arteplex. Limitamos a
disponibilidade gratuita a 30 dias e eles toparam.
Qual o preço disso? Sempre incomoda muito
aquele esforço gigante para se lançar um filme
e morrer na praia. Sem falar na decepção de ver
um trabalho, produzido com recursos incen-
tivados, ter uma audiência tão limitada.
Claro que o streaming não é indicado para
todos os audiovisuais. Cada filme é um pro-
tótipo que tem de achar seu caminho e seu
nicho. Este é apenas mais um. E me remete
àquela sentença paterna de 54 anos atrás. Só
que agora é melhor: a distribuição é virtual e
segue por atalhos, poupando esforços físicos.
Sem falar que pode mostrar um caminho sau-
dável para expor milhares de audiovisuais
espremidos num gargalo de distribuição que
privilegia somente um tipo de filme ou pen-
‘‘
temos para
vender? Mais
louco ainda.
Tomamos essa
providência sem
que ninguém
tenha pedido
27• REVISTA O GLOBO • 15 DE JANEIRO DE 2012
Com o filme no ar desde o dia 1º, as surpresas não samento. Não se trata de uma panaceia, mas a
param. Ele pode ser visto pelo computador em distribuição em streaming democratiza e atua-
qualquer canto, 24 horas por dia, e em duas liza a cultura audiovisual, sintonizando novas
versões — uma legendada em inglês. E se os ideias num novo canal.
O
*JoséJoffilyédiretoreprodutordodocumentário“Provadeartista”,quepodeservistoemwww.provadeartista.com