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COLAGEM: JANIO SANTOS

CON
TI
NEN
TE

LINGUAGEM

REGIONALISMO
Ordem e sentido
para a babel da fala
Publicação de verbetes regionais em livros, como a nova edição do Dicionário do
Nordeste, relançado pela Cepe Editora, responde ao interesse do brasileiro em
conhecer sua variedade cultural, criatividade e identidade através da língua
TEXTO Thiago Corrêa

CONTINENTE DEZEMBRO 2013 | 36
de encarar esses números. Se, antes, o
discurso religioso da Bíblia apontava a
pluralidade de línguas como um castigo
para a evolução de um povo, hoje, ela
é vista como sinal de riqueza cultural,
criatividade e identidade. Num país
com as dimensões do Brasil, onde o
Ethnologue indica a existência de 215
línguas faladas, o discurso positivo
da diversidade linguística também
está vinculado às variantes do idioma
predominante, diferenças de sotaque,
expressões idiomáticas e peculiaridades
do português falado em cada região.

DICIONÁRIOS

Até os homens se estabelecerem

numa planície do Sinar, a Bíblia diz que
o mundo inteiro falava a mesma língua.
Aparentemente, essa vantagem fez com
que eles decidissem cozer tijolos para
substituir as pedras e usassem o piche no
lugar da argamassa. Enquanto erguiam
uma cidade onde poderiam se agrupar
e uma torre tão alta, que chegaria ao
céu, Deus lhes fez uma visita e percebeu
que, para aquele povo de uma só língua,
nenhum projeto seria irrealizável. Ele
então condenou os homens à confusão,
fazendo com que não mais entendessem
a língua dos outros e a construção de
Babel fosse interrompida.
O mito da Torre de Babel, narrado
do versículo 1 ao 9 do capítulo 11 do
Gênesis, tem sido usado como lição
para o atrevimento do homem, mas
também ilustra o surgimento dos vários
idiomas. Espalhados pelo mundo, os
homens precisaram retomar a tarefa que
Deus passou a Adão para dar nome às

coisas. Séculos se passaram, as línguas
se desenvolveram e foram registradas,
frutificaram em arte literária, foram
normatizadas, disseminadas pelos
sistemas educacionais, transmitidas
pelos meios de comunicação e
ganharam a importância de um território
identitário, visto como capaz de guardar
valores, delimitar fronteiras e segredos
de um povo. Um status que tem motivado
discussões sobre a necessidade de
preservação da língua culta e despertado
receios aos estrangeirismos.
No entanto, por maiores que
sejam os esforços de preservação e
estabelecimento de um padrão, os
homens continuam condenados à
confusão dos antepassados da planície
do Sinar. Números do Ethnologue:
languages of the world, que desde 1951
tem catalogado as línguas vivas do
mundo, apontam para a existência
de 7.105 línguas faladas hoje no
mundo. O que mudou foi a maneira

CONTINENTE DEZEMBRO 2013 | 37

Uma mudança de postura pode ser
observada na proliferação de expressões
populares e de dicionários regionais
nas livrarias. O mais recente exemplar
da seção é o Dicionário do Nordeste, do
jornalista pernambucano Fred Navarro,
em sua 3ª edição, lançada no dia 13 deste
mês, no Cais do Sertão Luiz Gonzaga
(Bairro do Recife), pela Cepe Editora.
Fruto de um trabalho de 21 anos,
que envolve a coleta de novos termos
em obras literárias, folhetos de cordel,
músicas e na fala do povo, o volume
atualmente reúne mais de 10 mil
verbetes em suas 711 páginas. São
expressões populares, neologismos
e termos típicos dos nove estados do
Nordeste que remetem à fauna, flora,
culinária, às manifestações culturais
e gírias cheias de duplo sentido.
Tudo devidamente checado, com
classificação gramatical, localização
geográfica e citações de referência para
contextualizar o uso dos termos.
Com uma dimensão regional e um
cuidado maior na descrição dos verbetes,
a reedição do trabalho de Navarro
vem confirmar o interesse do público
pelo vocabulário local, a exemplo do
Dicionário do Ceará, de Tarcísio García, e do
Minidicionário de pernambuquês, de Bertrando
Bernardino. Engenheiro mecânico
de profissão, Bernardino explica que
começou a colecionar palavras ao se
deparar com o Outro e perceber que o
seu português falado era diferente. “Eu
trabalhava numa empresa cuja matriz
era em Blumenau, e, noutra, com
matriz em São Paulo. Então, quando
chegava nesses cantos, o pessoal sentia
certa dificuldade em entender o que
eu estava dizendo. Aí, resolvi fazer um
guia para os sulistas, fiz um guia com
CON
LINGUAGEM
TI
NEN
TE
REPRODUÇÃO

1

umas 300 palavras e divulguei com
o pessoal”, recorda Bernardino.
Como o guia fez sucesso entre os
colegas de trabalho, o autor ficou
estimulado e publicou a 1ª edição do
Minidicionário de pernambuquês, pela Bagaço,
em 1994. Com o tempo, a fome de
Bernardino por novas palavras o levou a
se aprofundar mais na pesquisa, através
de leituras, viagens e conversas com o
povo. “Esse livro não foi feito atrás de
uma mesa. Se você somar a quantidade
de pinga e de cerveja que foi utilizada
pra fazer esse livro... Quando você vai
conversar com um vaqueiro, não tem
como fazê-lo conversar e se soltar
sem um gole. Você tem que se meter
numa vaquejada, tem que conversar
com as pessoas mais simples, pra ver
exatamente como é aquele linguajar”,
explica Bernardino. Hoje, o livro está na
4ª edição, reúne quase 2 mil vocábulos
e suas quatro edições já somam cerca de
20 mil cópias vendidas. “O livro é um

xodó de jornalista. O aeroporto também
é um lugar onde vende muito. Uma coisa
importante é o tamanho do livro, porque
cabe no bolso”, observa o autor.
Nesse sentido, o caso que melhor
revela o filão lucrativo que se tornou
o registro de termos típicos de
uma região é o Dicionário de baianês,
desenvolvido pelo engenheiro Nivaldo
Lariú, publicado pela primeira vez em
1991. De lá para cá, o livro de Lariú já
vendeu 200 mil exemplares (segundo
a pesquisa Produção e Vendas do Setor
Editorial Brasileiro, realizada pela Fipe
em 2011, a média entre exemplares
produzidos e títulos publicados fica
em 8.589 exemplares). Número que
faz o autor alcançar o patamar de
tiragens de livros best-sellers como
O silêncio das montanhas, de Khaled
Hosseini, 1889, de Laurentino Gomes,
e Diário de um banana 7, de Jeff Kinney.
O fenômeno do surgimento de
dicionários regionais, contudo, não deve

CONTINENTE DEZEMBRO 2013 | 38

ser visto apenas como uma simples
oportunidade de mercado. No início do
século passado, pesquisadores como
Câmara Cascudo, no Rio Grande do
Norte, Horácio de Almeida, na Paraíba,
e Pereira da Costa, com o seu Vocabulário
pernambucano (1936), já demonstravam
a preocupação com o registro das
peculiaridades da região.
Esse esforço ganhou amplitude
nacional em 1952, com a publicação de
decreto para a elaboração de um atlas
linguístico do Brasil. Assim, devido
às dimensões do país, ficou definido
que os primeiros passos nesse sentido
deveriam ser os registros regionais,
o que gerou os atlas com as variantes
da Bahia, Minas Gerais, Sergipe,
Paraíba e Paraná. A ideia foi retomada
em 1996 e deu início ao Projeto Atlas
Linguístico do Brasil, rendendo novos
atlas, dessa vez do Pará, da região Sul,
Mato Grosso do Sul e Ceará, além de
um segundo volume de Sergipe.
DIVULGAÇÃO

TIAGO MELO/BAHIA NOTICIAS/DIVULGAÇÃO

1	  ORRE DE BABEL
T
	Mito exemplifica a
confusão gerada pela
pluralidade das idiomas
2	
BERNARDINO
	Ele lançou em 1994
o bem-sucedido
Minidicionário de
pernambuquês
3	
NIVALDO LARIÚ
	O seu Dicionário de
baianês, de 1991, vendeu
200 mil exemplares

2

DEMARCAÇÃO

Entre os seis objetivos do Projeto Atlas está
a identificação dos dialetos do Brasil,
para tornar “evidentes as diferenças
regionais através de resultados
cartografados em mapas linguísticos”
e, assim, renovar o mapa proposto
por Antenor Nascentes em 1922, que
dividiu o país em sete áreas dialetais –
amazônica, nordestina, baiana, mineira,
fluminense, sulista e um território
incaracterístico. Enquanto isso não
acontece, o critério da divisão territorial
oficial tem servido para delimitar a
abrangência dos dicionários regionais.
“O Minidicionário de pernambuquês é muito
genuíno, muitas palavras que estavam
na primeira edição eu descobri que não
eram exclusivas de Pernambuco, então,
na segunda edição, elas já saíram”,
defende Bernardino, que usa dicionários
tradicionais como o Houaiss e o Aurélio no
processo de checagem da origem dos
termos e sua ortografia.
Na prática, ao mesmo tempo em
que partem de divisões estáticas e já
estabelecidas, como as geográficas,
os dicionários instituem fronteiras de
ordem cultural, na tentativa de revelar as
diferenças do país através das palavras.
Segundo a professora de Linguística
da UFPE, Nelly Carvalho, que também
integra o conselho editorial da Cepe,
essa associação é possível porque

Os dicionários
estabelecem fronteiras
de ordem cultural, na
tentativa de revelar
as diferenças do país
através das palavras
grande parte do vocabulário é de origem
cultural. “A língua ajuda a decifrar
uma cultura. O que é que faz parte da
cultura? Cultura é religião, culinária,
arte, literatura e tudo isso a gente diz
com a língua. Então, no fundo, língua
e cultura são uma coisa única. Quando
muda a cultura, a gente muda a língua.
A tese de Sapir-Whorf diz que a língua
e a cultura são indissociáveis”, explica
a professora. A exceção à mutabilidade
é o vocabulário instrumental e o
vocabulário básico (do qual fazem
parte as áreas do corpo, a divisão do
tempo, condições temporais, acidentes
geográficos, graus de parentesco,
elementos da natureza).
Dessa maneira, tomando o
Dicionário do Nordeste como exemplo,
encontramos marcas deixadas na
língua por eventos históricos, como é
o caso do verbete “cabelo a pirulito”,
que remete à presença de soldados
americanos das bases navais instaladas

CONTINENTE DEZEMBRO 2013 | 39

3

na região na década de 1950. Pelas
palavras, também é possível observar
os principais interesses de uma região
através da incidência de termos sobre
o mesmo tema. “O regionalismo
faz alguns divisores de água. Gírias,
à farta, sobretudo no Sudeste, são
fomentadas pelas gangues, sejam de
marginais das cadeias ou de grupos
urbanos, punks, hippies e os linguajares
com cheiro de telurismo, no Nordeste.
Aqui, o meio ambiente grita alto, e
os bichos tomam pé e o meio rural
prevalece. No Norte, a influência
mesológica, a ecologia e a grande selva
amazônica, com seus mistérios, são
os fatores que se sobressaem”, aponta
o professor cearense João Gomes da
Silveira, responsável pelo Dicionário de
expressões populares da língua portuguesa,
cujas páginas registram cerca de
22.500 expressões idiomáticas.

SEXO E CACHAÇA

Nesse sentido, a existência do Dicionário
do frevo (organizado por Nelly Carvalho,
Sophia Karlla Mota e José Ricardo Paes
Barreto) e do Dicionário da aguardente, por
exemplo, já expõe a importância desses
elementos para a sociedade em questão.
Publicado em 1974, pelo cronista
pernambucano Nelson Barbalho, o
Dicionário da aguardente reúne verbetes
em torno da cachaça – seja referente
CON
LINGUAGEM
TI
NEN
TE
a seus tipos, apelidos,
tira-gostos e ao estado de
embriaguez – ao longo de
150 páginas. “Sexo e cachaça
são abundantemente
explorados na fraseologia
de caráter popular. A
cachaça, por exemplo, traz
inumeráveis registros. Vai de
branquinha à abrideira. Por
via de consequência, bêbado
é outro bicho estigmatizado;
puta, nem se fala. Há uma
gama de designações para
esses aí”, reconhece Silveira.
Por outro lado, embora
esses dicionários contribuam
para a reafirmação de uma
identidade nordestina,
a diversidade deles no
mercado já põe em dúvida
a tentativa de colocar nove
estados e populações de
realidades tão diferentes sob
o mesmo guarda-chuva.
Verbetes como “costurar
pra fora”, registrado no
Dicionário do Nordeste, são
um indício disso. Se seu
sentido geral no Nordeste
é o de traição, no Piauí, ela
pode ser aplicada a homens
afeminados, enquanto na
Paraíba ela se refere ao
ato de praticar caridade.
Mais do que revelar
diferenças em amplitudes
cada vez mais locais, o
viés de estranhamento
causado por expressões
regionais já é um indicativo
das relações históricas de
poder. “O Centro-Sul ficou
como modelo de língua,
porque toda a corte foi
para lá. Depois, houve um
congresso em 1954, do
qual participaram Antonio
Houaiss e Celso Cunha, e os
gramáticos resolveram que
o modelo de língua tinha
que ser o do Rio de Janeiro”,
pontua Nelly Carvalho.
A professora explica,
ainda, que as mudanças
numa língua acontecem
por variações diatópicas
(lugar), diacrônicas (tempo)
e diastráticas (classe social).

JANIO SANTOS

“Paul Teyssier, francês que
veio pesquisar o Brasil, diz
que notou mais semelhança
no falar do Recife com o de
Porto Alegre do que o falar
de uma pessoa rica do Recife
com o do seu vizinho pobre.
O que muda muito a língua
portuguesa é a diferença
de classe. E isso a gente vai
ver nos dicionários locais,
porque não são palavras
cultas que aparecem,
são palavras usadas
pela língua do povo. Os
dicionários locais são muito
diacrônicos e diastráticos”,
explica a professora.
Uma reflexão que
também se estende à
própria concepção de
Nordeste. De acordo com o
historiador Durval Muniz
de Albuquerque Jr., até
1910, não havia a noção de
Nordeste. No livro A invenção
do Nordeste e outras artes, ele
explica que essa ideia foi
forjada no meio simbólico e
reflete mudanças ocorridas
nas relações econômicas e
de poder no Brasil, com o
fim da escravidão, o poderio
econômico de São Paulo,
a decadência do ciclo da
cana-de-açúcar e o êxodo de
trabalhadores para o ciclo da
borracha no Norte.
“Uma nova consciência
do espaço surge,
principalmente, entre
intelectuais que se sentem
cada vez mais distantes do
centro de decisão, do poder,
seja no campo político,
seja no da cultura e da
economia. Uma distância
tanto geográfica quanto em
termos de capacidade de
intervenção. Um intelectual
regionalista quase sempre
é aquele que se sente longe
do centro irradiador de
poder e de cultura. Ele faz
da denúncia dessa distância,
dessa carência de poder,
dessa vitimização, o motivo
do seu discurso”, escreve
Albuquerque Jr.

VERBETES
Uma seleção
de fazer rir
As poucas palavras ou
frases reproduzidas abaixo
não dão a mínima conta
das 10 mil que integram o
Dicionário do Nordeste, de Fred Navarro. Aqui, buscamos
apenas rir um pouco do que falamos e usamos o critério
daquilo que o autor denominou como “termos fortes,
rústicos, grosseiros, mas também dotados de lirismo,
sensibilidade poética, bom humor e picardia”. Também
suprimimos várias das informações contidas no volume,
deixando apenas o significado e o seu lugar de origem.

A

ABIGOBAL • Abistuntado. AL. Abobalhado, tonto,
besta como aruá, lelé da cuca.
ALMA SEBOSA • 1. AL/PB/PE. Bandido,

malandro, assaltante, trombadinha. 2. CE/PB. Poeta
de segunda categoria, que faz versos ruins. 3. PE. Pessoa
cruel, “sem coração”, bandido sem compaixão, que deve
ser executado por justiceiros, a mando e “em nome”
da comunidade, por causa de supostos crimes.

AMIZADE DE CAGAR JUNTO • Amizade de cu. PI. Grande amizade,
amizade do outro mundo, ou melhor, “amizade que só o cu pode explicar”.

B

BARONESA • 1. AL. Prostituta já velha, sem mais nenhuma atração
física. 2. NE. Planta aquática (Eichhornia crassipes), conhecida também
como dama-do-lago e aguapé, da família das ninfeáceas, típica de
lagoas e rios, e que acompanha estes nas cheias do período chuvoso.
BEBER SORO AZEDO E ARROTAR COALHADA • CE.
Aparentar ser mais do que se é, se amostrar, exibir-se socialmente.

C

CABELO A PIRULITO • NE. Tem origem nos anos 1950, época em

que os soldados americanos das bases navais instaladas na região
usavam cortes de cabelo em que a nuca era raspada e a cabeça
ficava com uma espécie de topete, semelhante a um pirulito.

CONVERSA DE USINEIRO • PB. Falta de
sinceridade, hipocrisia, cavilação, desfaçatez.

COSTURAR PRA FORA • 1. PI. Expressão aplicada
aos homens efeminados, bandeirosos. 2. PB. Praticar
caridade, fazer beneficência. 3. NE. Ocorre quando
a mulher pratica o adultério e “trai” o parceiro.

CONTINENTE DEZEMBRO 2013 | 40
P

E

PITÓ • 1. PB. Apanhado de cabelo enrolado em espiral ou

ELE E ELA • PE. Dupla composta por caldinho

em forma de concha, e fixado na cabeça por meio de grampos,
varetas, fios elásticos. 2. PB. Cigarro grosseiro de fumo picado,
arromba-peito. 3. PE. Cabelos puxados para os lados e presos com
marias-chiquinhas, num arranjo também chamado de totó.

(de peixe, fava, sururu, chambaril ou camarão)
e uma dose de cachaça de cana pura.

G

GALA-RALA • NE. 1. Diz-se do homem que não esporra
(ejacula) com intensidade. 2. Diz-se do homem que não
tem filhos logo após o casamento: dois anos de casado e
sem filhos, logo vão chamar você de gala-rala por aí.
GUENZO • NE. Que não tem firmeza, com as pernas bambas,

bamboleante. “Palanquim:/ Para que negar? Suporto/ o duro de
certas bundas:/ padrecos brancos, croinhas,/ beatas e velhos
guenzos;/ mas também gozar eu posso/ a maciez tão redonda
de iaiás e sinhazinhas,/ de calor tão excitante/ que minha madeira
fica/ mais rija do que o ferro.” Sobrados e mocambos, Hermilo
Borba Filho. “E, no turbilhão do tempo, o palácio onde dormiu o casal
imperial foi perdendo a sua esplendidez e (...) acabou reduzido a uma
enorme ruína, com os cômodos cheios de goteiras (...), as portas
guenzas, as escadas rangentes (...).” Ninho de cobras, Ledo Ivo.

L

LOIRA DE FARMÁCIA • Loura a pulso. NE • Falsa loura, loura

oxigenada. “Esta mulher de Jaílson é uma puta. Nem conheço ela,
mas está escrito na testa. O cabelo é oxigenado, loira de farmácia.
Jaílson bate um bolão, mas em termos de mulher, está lascado.”
O negro e o branco, Cicero Belmar. V. Loura, linda e japonesa.

LOMBRA • Lombrinha. NE. Leseira física e mental que ocorre
depois de beber cachaça ou fumar maconha. Xangai menciona: “Eu
já bebi toda a minha solidão/ fiquei de lombra na ladeira do luar/ e
na lembrança teu carinho me invade/ e a saudade fez intriga com a
razão,/ fiquei biruta, enlouqueci, perdi o tino/ feito um menino numa
farra de bombom,/ naquela tarde me senti um pescador,/ vi teu
sorriso, se espalhava no batom.” Não é brincadeira, Maciel Melo.

M

Q

QUEBRA-QUEIXO • 1. NE. Puxa-puxa, doce japonês, puxa-

de-coco, feito a base de doce de goiaba e coco ralado. V. espichacouro/ sambongo. 2. NE. Todo tipo de doce que fica ‘ligado’ demais.
Comes e bebes do Nordeste, Mario Souto Maior. V. citação em
pirulito coxão de moça. 3. CE. Qualquer bebida gelada em excesso.
4. CE/PB. Um tipo de charuto (cigarro de folhas secas de palha).

R

RUA DA PALMA Nº 5 • NE. Punheta, gloriosa,
masturbação. V. pecar na rua da palma nº 5.

S

SEBITE BALEADO • Sebito baleado. AL. 1.
Pessoa sebite demais, turbinada, aloprada. 2. PB/
PE. Pessoa magra demais, quase anoréxica. V. ser
magro como um sebite baleado/ vara de bater.
SÓ QUER SER AS PREGAS DA ODETE •

NE. Diz-se de quem quer ser mais do que pode, de
quem vive alardeando as próprias qualidades. “Pra
começo de conversa, eu era puto com os alemães, que só queriam
ser as pregas da Odete. Os felas das putas dos galegos, só porque
tinham armas modernas e dinheiro dando no meio da canela, queriam
abarcar o mundo com as pernas.” Roliúde, Homero Fonseca. V.
quem gaba o sapo é a jia/ vai ser bom assim lá na casa do carái!.

T

TUIUTU • NE. Equivale ao site de vídeos Youtube: “Eu

MALOCA • 1. NE. Nas vaquejadas, o gado juntado pelos vaqueiros

não assisti no dia, mas minha neta me mostrou no tuiutu da
internet e você foi tampa!!!”. Berro novo, Jessier Quirino.

e conduzido ao curral. 2. NE. Gado, chamado também de ‘moloca’, que
costuma pastar em determinados locais, nas fazendas de criação. 3.
AL/PE. Esconderijo próprio dos caranguejos na areia da praia. 4. Para os
adeptos do manguebeat recifense, equivale a moradia, lugar onde as
pessoas ‘se escondem’. 5. NE. Membro de grupo suspeito, maloqueiro,
pessoa que não inspira confiança: não se meta com aqueles malocas.

U

O

V

o tempo, checar se vai chover ou não. 2. PB/PE.
Perder-se em reflexões, matutar, olhar para o
infinito. “E pede pra Rique dar os papéis pra ela,
pra que ela se salve dos alemães. Rique fica
assim, olhando a maçaranduba do tempo, numa
sinuca desgraçada.” Roliúde, Homero Fonseca.

bagunça. 2. Lugar apertado, rua estreita ou loja cheia de gente:
não vou hoje naquele vuco-vuco de jeito nenhum. V. Bater chifre.
3. Relação sexual, cachimbada, trepada. “Mulher é um bicho muito
complicado, não é como vocês, homens, costumam pensar. Vocês
pensam que só basta enfiar, fazer vuco-vuco, e pronto. Não e assim
não, meu filho. Tem que haver poesia, como diz uma amiga minha de
Petrópolis. Tem que haver muita poesia.” As alianças, Ledo Ivo.

OLHAR A MAÇARANDUBA DO TEMPO
• Tomar a maçaranduba do tempo. 1. PB. Consultar

URNA EMPRENHADA • Urna prenha. Urna prenhe. NE. Urna

eleitoral violada, “prenhe” (cheia) de votos falsos. V. emprenhar urna.

VUCO-TE-VUCO • PB. Vuco-vuco. NE. 1. Confusão, fuá,

CONTINENTE DEZEMBRO 2013 | 41
CON
LINGUAGEM
TI
NEN
TE
DIVULGAÇÃO

Entrevista

FRED NAVARRO
“O GRANDE
TRABALHO FOI
SEPARAR O JOIO
DO TRIGO”
Fred Navarro cresceu numa casa no

Bairro de Campo Grande, no Recife.
Já formado em Jornalismo, arrumou
as malas e migrou para São Paulo. No
convívio com os colegas de redação, ele
descobriu diferenças. As palavras que
ouviu da sua babá, e aprendeu a usar
para se comunicar nas suas brincadeiras
de menino, passaram a ser motivo de
risadas no trabalho. A partir de então,
ele adquiriu um novo hábito, passou
a colecionar palavras que remetiam
à sua região. Quando está curtindo
uma praia, conversando, lendo ou
ouvindo música, ele está, na verdade,
caçando palavras. Prática que se tornou
trabalho, já dura 21 anos e frutifica
com a terceira edição do Dicionário do
Nordeste, com mais de 10 mil verbetes.

CONTINENTE Colecionar palavras
tem a ver com sua mudança para SP?
FRED NAVARRO É uma prática de
exílio. Tive que sair do Recife para que
essas palavras ganhassem importância
na minha vida. Antes, eu as usava
normalmente, mas, quando vim para
cá, isso virou um objeto de estudo.
Mudei para São Paulo em 1983, vim
trabalhar na Folha de S.Paulo e, no meio
do caminho, fui parar na revista IstoÉ.
E lá, sempre que eu usava expressões
típicas do Nordeste, como a “coluna
tá troncha” e “ora, pinoia”, era aquela
gargalhada na redação. Então, percebi
que havia alguma coisa a ser explorada.
O riso não era de sarcasmo, de crítica,
mas de desconhecimento, surpresa.
Havia ali um desconhecimento
muito grande e comecei a colecionar
essas palavras, cada vez que
acontecia, ia anotando, rabiscava
num pedaço de papel e guardava.
CONTINENTE Como se deu
essa busca por palavras?
FRED NAVARRO Quando saiu a primeira
edição do dicionário, eu já estava

escrevendo a segunda há muito tempo.
A primeira edição, com 2.500 palavras,
é de 1998, a segunda, com 5 mil, é de
2004. Veja que se passaram quase 10
anos para a terceira edição, que tem 10
mil verbetes. Ele foi crescendo, à medida
que foi sendo escrito; 20% a 30% das
palavras da nova edição fui conhecer
quando escrevia o livro – ia procurar
uma coisa e achava outra. Procurava
uma citação para ancorar um verbete
e achava outras duas palavras que não
conhecia, então ia atrás e confirmava
a origem nordestina delas. Foi um
trabalho em construção. Parti da minha
biblioteca, da minha discografia pessoal.
Também viajei muito pelo Nordeste,
tenho parentes na Bahia, no Ceará,
Paraíba e sou um rato de praia. Então,
cada vez que ia, voltava com centenas de
palavras novas para checar, pesquisar.
O grande trabalho, ao final, foi separar o
joio do trigo, muita coisa que parece ser
do Nordeste, mas não é. É do Amazonas,

CONTINENTE DEZEMBRO 2013 | 42

de Minas, de Goiás. As fontes foram se
multiplicando e o que deu mais trabalho
foi confirmar o que não podia entrar.
CONTINENTE Por mais que você se dedique,
novos termos surgem e é impossível atingir a
totalidade. Isso dá alguma frustração?
FRED NAVARRO Quando vou ao Recife,
no avião, já vou colecionando expressões
novas, já vou com a caderneta no bolso,
porque sei que vão surgir palavras novas.
Como Manuel Bandeira falava, o povo
é o inventa-línguas. Hoje à noite, em
algum barzinho do Pina, alguém está
inventando palavra nova. A riqueza
vocabular da nossa linguagem é uma
no Litoral, outra na Zona da Mata, no
Agreste e no Sertão. E, às vezes, elas
não se confundem. A classe média
de Fortaleza não fala igual à classe
média de Juazeiro do Norte. O sotaque,
as expressões, os termos são muito
diferentes. Assim como a do Recife é
diferente da de Petrolina, o sertanejo não
fala igual ao pescador. São características
próprias de microrregiões. Claro, elas
interagem, fazem um conjunto, mas a
riqueza vocabular é tremenda.
CONTINENTE Como foi o processo de
checagem para saber se o termo é do Nordeste?
FRED NAVARRO É um trabalho duro
de jornalismo investigativo, que é
checar as fontes, ir aos dicionários
tradicionais e clássicos para pesquisar
a origem dessas palavras, encontrar
referências na nossa cultura popular.
Consultei os três dicionários tradicionais,
o Aurélio, o Houaiss e o dicionário da
Academia Brasileira de Letras. Quando
eles identificam, a sigla do estado está
registrada lá. Quando não conseguem
identificar o estado, eles colocam a
região. E, quando não conseguem
identificar a região, colocam como
brasileirismo. Muitas dessas palavras eu
chegava achando que eram do Nordeste
e a fonte era Goiás. Além disso, nossa
cultura popular registra essas palavras
com abundância; você pega 10 cordéis
de Caruaru, Campina Grande ou do
Crato e vai encontrar dezenas de termos
em comum, e outros não, são específicos
do Ceará, específicos da Paraíba. E eu
ia fazendo a triagem. Meu trabalho foi
tentar ver o que era realmente de onde.
Isso deu trabalho. Meus critérios foram
jornalísticos, de checar a veracidade da
informação, de procurar uma citação
digna de confiança.
CONTINENTE É normal que novos termos
sejam criados e muitos acabem se perdendo. Qual
o critério para que ele se torne um verbete?
FRED NAVARRO Useis dois critérios.
Primeiro, o registro em alguma forma
de manifestação cultural, pode ser Lia
de Itamaracá, pode ser Xico Sá ou Chico
Science. Ser registrado por alguém
é uma evidência de que esse termo
continua vivo, não caiu em desuso,
não é um ósculo da vida. O critério
para mim é aquilo que está vivo. O que
é representativo para a comunicação,
o povo adota, assume como seu.
Inclusive, nós temos centenas de
palavras de origem estrangeira, na língua
portuguesa. Se essas palavras foram
incorporadas, é porque elas tiveram uma
utilidade, uma função na comunicação
das pessoas. O critério é a utilidade, às
vezes, entra a beleza, a singularidade, o
humor, mas tem que ser útil, funcional.

CONTINENTE O Dicionário do Nordeste
é resultado de um trabalho anterior, que tinha
como título Assim falava Lampião. Essa
primeira versão não foi bem-recebida no Rio
Grande do Sul por conta da antipatia dos gaúchos
com Lampião. Como foi essa história?
FRED NAVARRO É aquela velha
história do desconhecimento. Para
eles, a imagem de Lampião é lugar
comum, clichê, bandido, bandoleiro,
matar criança. Nunca leram Frederico
Pernambucano de Melo, nunca leram a
grande e boa literatura sobre Lampião
já feita no Nordeste, nunca viram Baile
perfumado. A região Sul e o Nordeste são
as duas regiões mais nacionalistas. O
Rio Grande do Sul já tentou se separar
do Brasil, assim como nós. Lampião era
músico, inventou um ritmo musical,
inventou o xaxado com as marcações
dos fuzis e alpercatas, para comemorar
as vitórias sobre os policiais, compôs
mais de 18 músicas, inclusive Mulher
rendeira. Lampião tinha todo um lado

“Só o Nordeste e o Rio
têm essa expressão
tão rica, com o tom
da brincadeira,
da sacanagem, da
provocação”
fascinante junto ao bandido vingador,
que merece atenção. Esse fato reflete
um pouco nosso distanciamento
cultural, eles não se interessam pelos
livros de Jorge Amado, as músicas de
Fagner. Para eles, tudo isso é o lado
pobre, o lado sem educação, sem
instrução e estrutura do brasileiro. É
preconceito, é falta de informação e
ignorância deles. Mas, quando tiram
férias e conhecem o Nordeste, eles
voltam todo ano.
CONTINENTE Um exemplo que sempre
é citado no campo da linguística é o dos
esquimós, que possuem mais 100 termos
para designar o branco. Esse exemplo nos dá
uma ideia de que a língua se desenvolve de
acordo com as necessidades e características
de cada sociedade. A partir do seu trabalho,
é possível entender o Nordeste?
FRED NAVARRO É possível conhecer o
Nordeste através dele. Vejo o dicionário
como um manual de tradução do

CONTINENTE DEZEMBRO 2013 | 43

Nordeste para outras regiões do Brasil
e outros países. Porque a força da
cultura popular nordestina está na
diversidade, na capacidade que tem de
expressar a voz do homem da rua e do
rico de Boa Viagem ao mesmo tempo.
No cordel, na linguagem sofisticada de
Elomar, na invenção de um Tom Zé,
Francisco Dantas. Essa diversidade cria
uma riqueza vocabular que expressa o
meio ambiente em que vive o homem
nordestino. A chave para entender o
dicionário é a relação do homem com
a natureza, é da sua relação com a
natureza que o vaqueiro, o pescador
e o canavieiro tiram a maior parte
dessas expressões. Muitas delas foram
herdadas de Portugal e adaptadas
ao meio nordestino. Isso aconteceu
em todas as regiões do Brasil, não só
no Nordeste. O número de palavras
que o vaqueiro tem para designar o
boi e que o pescador tem para falar
do barco são equivalentes às do
esquimó com a neve. O mesmo peixe,
no Brasil, tem 18 nomes diferentes.
Essa riqueza remete à questão da
globalização. A globalização passa
réguas nas culturas, mas ela localiza
e destaca as culturas com base nessa
força popular. Não são culturas que
inventaram as coisas artificialmente,
são culturas enraizadas, com história, as
histórias da nossa linguagem remetem
ao tempo medieval português, aos
romanos, à própria origem do latim.
É uma língua que soube acoplar essa
história ao meio ambiente e ao povo.
CONTINENTE No dicionário, há muitos
páginas com verbetes relacionados a
sexo. Isso é um reflexo da importância
que o tema tem no Nordeste?
FRED NAVARRO Ele não entra como
item especial, tem tantos termos quanto
comidas e árvores. Mas a importância
dos termos chulos, com a picardia e
a sacanagem, tem a ver com o bom
humor do nosso povo. Você só encontra
isso, no Brasil, na gíria carioca. A
linguagem falada no Amazonas, no
Pantanal, no Sudeste e no Sul é muito
careta, muito conservadora, sob esse
ponto de vista. Só o Nordeste e o Rio de
Janeiro têm essa expressão tão rica, com
o tom da brincadeira, da sacanagem,
da provocação. Mário Souto Maior já
publicou o Dicionário do Palavrão com 500
e tantos verbetes. THIAGO CORRÊA.

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A língua como marcador cultural e identitário

  • 1. COLAGEM: JANIO SANTOS CON TI NEN TE LINGUAGEM REGIONALISMO Ordem e sentido para a babel da fala Publicação de verbetes regionais em livros, como a nova edição do Dicionário do Nordeste, relançado pela Cepe Editora, responde ao interesse do brasileiro em conhecer sua variedade cultural, criatividade e identidade através da língua TEXTO Thiago Corrêa CONTINENTE DEZEMBRO 2013 | 36
  • 2. de encarar esses números. Se, antes, o discurso religioso da Bíblia apontava a pluralidade de línguas como um castigo para a evolução de um povo, hoje, ela é vista como sinal de riqueza cultural, criatividade e identidade. Num país com as dimensões do Brasil, onde o Ethnologue indica a existência de 215 línguas faladas, o discurso positivo da diversidade linguística também está vinculado às variantes do idioma predominante, diferenças de sotaque, expressões idiomáticas e peculiaridades do português falado em cada região. DICIONÁRIOS Até os homens se estabelecerem numa planície do Sinar, a Bíblia diz que o mundo inteiro falava a mesma língua. Aparentemente, essa vantagem fez com que eles decidissem cozer tijolos para substituir as pedras e usassem o piche no lugar da argamassa. Enquanto erguiam uma cidade onde poderiam se agrupar e uma torre tão alta, que chegaria ao céu, Deus lhes fez uma visita e percebeu que, para aquele povo de uma só língua, nenhum projeto seria irrealizável. Ele então condenou os homens à confusão, fazendo com que não mais entendessem a língua dos outros e a construção de Babel fosse interrompida. O mito da Torre de Babel, narrado do versículo 1 ao 9 do capítulo 11 do Gênesis, tem sido usado como lição para o atrevimento do homem, mas também ilustra o surgimento dos vários idiomas. Espalhados pelo mundo, os homens precisaram retomar a tarefa que Deus passou a Adão para dar nome às coisas. Séculos se passaram, as línguas se desenvolveram e foram registradas, frutificaram em arte literária, foram normatizadas, disseminadas pelos sistemas educacionais, transmitidas pelos meios de comunicação e ganharam a importância de um território identitário, visto como capaz de guardar valores, delimitar fronteiras e segredos de um povo. Um status que tem motivado discussões sobre a necessidade de preservação da língua culta e despertado receios aos estrangeirismos. No entanto, por maiores que sejam os esforços de preservação e estabelecimento de um padrão, os homens continuam condenados à confusão dos antepassados da planície do Sinar. Números do Ethnologue: languages of the world, que desde 1951 tem catalogado as línguas vivas do mundo, apontam para a existência de 7.105 línguas faladas hoje no mundo. O que mudou foi a maneira CONTINENTE DEZEMBRO 2013 | 37 Uma mudança de postura pode ser observada na proliferação de expressões populares e de dicionários regionais nas livrarias. O mais recente exemplar da seção é o Dicionário do Nordeste, do jornalista pernambucano Fred Navarro, em sua 3ª edição, lançada no dia 13 deste mês, no Cais do Sertão Luiz Gonzaga (Bairro do Recife), pela Cepe Editora. Fruto de um trabalho de 21 anos, que envolve a coleta de novos termos em obras literárias, folhetos de cordel, músicas e na fala do povo, o volume atualmente reúne mais de 10 mil verbetes em suas 711 páginas. São expressões populares, neologismos e termos típicos dos nove estados do Nordeste que remetem à fauna, flora, culinária, às manifestações culturais e gírias cheias de duplo sentido. Tudo devidamente checado, com classificação gramatical, localização geográfica e citações de referência para contextualizar o uso dos termos. Com uma dimensão regional e um cuidado maior na descrição dos verbetes, a reedição do trabalho de Navarro vem confirmar o interesse do público pelo vocabulário local, a exemplo do Dicionário do Ceará, de Tarcísio García, e do Minidicionário de pernambuquês, de Bertrando Bernardino. Engenheiro mecânico de profissão, Bernardino explica que começou a colecionar palavras ao se deparar com o Outro e perceber que o seu português falado era diferente. “Eu trabalhava numa empresa cuja matriz era em Blumenau, e, noutra, com matriz em São Paulo. Então, quando chegava nesses cantos, o pessoal sentia certa dificuldade em entender o que eu estava dizendo. Aí, resolvi fazer um guia para os sulistas, fiz um guia com
  • 3. CON LINGUAGEM TI NEN TE REPRODUÇÃO 1 umas 300 palavras e divulguei com o pessoal”, recorda Bernardino. Como o guia fez sucesso entre os colegas de trabalho, o autor ficou estimulado e publicou a 1ª edição do Minidicionário de pernambuquês, pela Bagaço, em 1994. Com o tempo, a fome de Bernardino por novas palavras o levou a se aprofundar mais na pesquisa, através de leituras, viagens e conversas com o povo. “Esse livro não foi feito atrás de uma mesa. Se você somar a quantidade de pinga e de cerveja que foi utilizada pra fazer esse livro... Quando você vai conversar com um vaqueiro, não tem como fazê-lo conversar e se soltar sem um gole. Você tem que se meter numa vaquejada, tem que conversar com as pessoas mais simples, pra ver exatamente como é aquele linguajar”, explica Bernardino. Hoje, o livro está na 4ª edição, reúne quase 2 mil vocábulos e suas quatro edições já somam cerca de 20 mil cópias vendidas. “O livro é um xodó de jornalista. O aeroporto também é um lugar onde vende muito. Uma coisa importante é o tamanho do livro, porque cabe no bolso”, observa o autor. Nesse sentido, o caso que melhor revela o filão lucrativo que se tornou o registro de termos típicos de uma região é o Dicionário de baianês, desenvolvido pelo engenheiro Nivaldo Lariú, publicado pela primeira vez em 1991. De lá para cá, o livro de Lariú já vendeu 200 mil exemplares (segundo a pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro, realizada pela Fipe em 2011, a média entre exemplares produzidos e títulos publicados fica em 8.589 exemplares). Número que faz o autor alcançar o patamar de tiragens de livros best-sellers como O silêncio das montanhas, de Khaled Hosseini, 1889, de Laurentino Gomes, e Diário de um banana 7, de Jeff Kinney. O fenômeno do surgimento de dicionários regionais, contudo, não deve CONTINENTE DEZEMBRO 2013 | 38 ser visto apenas como uma simples oportunidade de mercado. No início do século passado, pesquisadores como Câmara Cascudo, no Rio Grande do Norte, Horácio de Almeida, na Paraíba, e Pereira da Costa, com o seu Vocabulário pernambucano (1936), já demonstravam a preocupação com o registro das peculiaridades da região. Esse esforço ganhou amplitude nacional em 1952, com a publicação de decreto para a elaboração de um atlas linguístico do Brasil. Assim, devido às dimensões do país, ficou definido que os primeiros passos nesse sentido deveriam ser os registros regionais, o que gerou os atlas com as variantes da Bahia, Minas Gerais, Sergipe, Paraíba e Paraná. A ideia foi retomada em 1996 e deu início ao Projeto Atlas Linguístico do Brasil, rendendo novos atlas, dessa vez do Pará, da região Sul, Mato Grosso do Sul e Ceará, além de um segundo volume de Sergipe.
  • 4. DIVULGAÇÃO TIAGO MELO/BAHIA NOTICIAS/DIVULGAÇÃO 1 ORRE DE BABEL T Mito exemplifica a confusão gerada pela pluralidade das idiomas 2 BERNARDINO Ele lançou em 1994 o bem-sucedido Minidicionário de pernambuquês 3 NIVALDO LARIÚ O seu Dicionário de baianês, de 1991, vendeu 200 mil exemplares 2 DEMARCAÇÃO Entre os seis objetivos do Projeto Atlas está a identificação dos dialetos do Brasil, para tornar “evidentes as diferenças regionais através de resultados cartografados em mapas linguísticos” e, assim, renovar o mapa proposto por Antenor Nascentes em 1922, que dividiu o país em sete áreas dialetais – amazônica, nordestina, baiana, mineira, fluminense, sulista e um território incaracterístico. Enquanto isso não acontece, o critério da divisão territorial oficial tem servido para delimitar a abrangência dos dicionários regionais. “O Minidicionário de pernambuquês é muito genuíno, muitas palavras que estavam na primeira edição eu descobri que não eram exclusivas de Pernambuco, então, na segunda edição, elas já saíram”, defende Bernardino, que usa dicionários tradicionais como o Houaiss e o Aurélio no processo de checagem da origem dos termos e sua ortografia. Na prática, ao mesmo tempo em que partem de divisões estáticas e já estabelecidas, como as geográficas, os dicionários instituem fronteiras de ordem cultural, na tentativa de revelar as diferenças do país através das palavras. Segundo a professora de Linguística da UFPE, Nelly Carvalho, que também integra o conselho editorial da Cepe, essa associação é possível porque Os dicionários estabelecem fronteiras de ordem cultural, na tentativa de revelar as diferenças do país através das palavras grande parte do vocabulário é de origem cultural. “A língua ajuda a decifrar uma cultura. O que é que faz parte da cultura? Cultura é religião, culinária, arte, literatura e tudo isso a gente diz com a língua. Então, no fundo, língua e cultura são uma coisa única. Quando muda a cultura, a gente muda a língua. A tese de Sapir-Whorf diz que a língua e a cultura são indissociáveis”, explica a professora. A exceção à mutabilidade é o vocabulário instrumental e o vocabulário básico (do qual fazem parte as áreas do corpo, a divisão do tempo, condições temporais, acidentes geográficos, graus de parentesco, elementos da natureza). Dessa maneira, tomando o Dicionário do Nordeste como exemplo, encontramos marcas deixadas na língua por eventos históricos, como é o caso do verbete “cabelo a pirulito”, que remete à presença de soldados americanos das bases navais instaladas CONTINENTE DEZEMBRO 2013 | 39 3 na região na década de 1950. Pelas palavras, também é possível observar os principais interesses de uma região através da incidência de termos sobre o mesmo tema. “O regionalismo faz alguns divisores de água. Gírias, à farta, sobretudo no Sudeste, são fomentadas pelas gangues, sejam de marginais das cadeias ou de grupos urbanos, punks, hippies e os linguajares com cheiro de telurismo, no Nordeste. Aqui, o meio ambiente grita alto, e os bichos tomam pé e o meio rural prevalece. No Norte, a influência mesológica, a ecologia e a grande selva amazônica, com seus mistérios, são os fatores que se sobressaem”, aponta o professor cearense João Gomes da Silveira, responsável pelo Dicionário de expressões populares da língua portuguesa, cujas páginas registram cerca de 22.500 expressões idiomáticas. SEXO E CACHAÇA Nesse sentido, a existência do Dicionário do frevo (organizado por Nelly Carvalho, Sophia Karlla Mota e José Ricardo Paes Barreto) e do Dicionário da aguardente, por exemplo, já expõe a importância desses elementos para a sociedade em questão. Publicado em 1974, pelo cronista pernambucano Nelson Barbalho, o Dicionário da aguardente reúne verbetes em torno da cachaça – seja referente
  • 5. CON LINGUAGEM TI NEN TE a seus tipos, apelidos, tira-gostos e ao estado de embriaguez – ao longo de 150 páginas. “Sexo e cachaça são abundantemente explorados na fraseologia de caráter popular. A cachaça, por exemplo, traz inumeráveis registros. Vai de branquinha à abrideira. Por via de consequência, bêbado é outro bicho estigmatizado; puta, nem se fala. Há uma gama de designações para esses aí”, reconhece Silveira. Por outro lado, embora esses dicionários contribuam para a reafirmação de uma identidade nordestina, a diversidade deles no mercado já põe em dúvida a tentativa de colocar nove estados e populações de realidades tão diferentes sob o mesmo guarda-chuva. Verbetes como “costurar pra fora”, registrado no Dicionário do Nordeste, são um indício disso. Se seu sentido geral no Nordeste é o de traição, no Piauí, ela pode ser aplicada a homens afeminados, enquanto na Paraíba ela se refere ao ato de praticar caridade. Mais do que revelar diferenças em amplitudes cada vez mais locais, o viés de estranhamento causado por expressões regionais já é um indicativo das relações históricas de poder. “O Centro-Sul ficou como modelo de língua, porque toda a corte foi para lá. Depois, houve um congresso em 1954, do qual participaram Antonio Houaiss e Celso Cunha, e os gramáticos resolveram que o modelo de língua tinha que ser o do Rio de Janeiro”, pontua Nelly Carvalho. A professora explica, ainda, que as mudanças numa língua acontecem por variações diatópicas (lugar), diacrônicas (tempo) e diastráticas (classe social). JANIO SANTOS “Paul Teyssier, francês que veio pesquisar o Brasil, diz que notou mais semelhança no falar do Recife com o de Porto Alegre do que o falar de uma pessoa rica do Recife com o do seu vizinho pobre. O que muda muito a língua portuguesa é a diferença de classe. E isso a gente vai ver nos dicionários locais, porque não são palavras cultas que aparecem, são palavras usadas pela língua do povo. Os dicionários locais são muito diacrônicos e diastráticos”, explica a professora. Uma reflexão que também se estende à própria concepção de Nordeste. De acordo com o historiador Durval Muniz de Albuquerque Jr., até 1910, não havia a noção de Nordeste. No livro A invenção do Nordeste e outras artes, ele explica que essa ideia foi forjada no meio simbólico e reflete mudanças ocorridas nas relações econômicas e de poder no Brasil, com o fim da escravidão, o poderio econômico de São Paulo, a decadência do ciclo da cana-de-açúcar e o êxodo de trabalhadores para o ciclo da borracha no Norte. “Uma nova consciência do espaço surge, principalmente, entre intelectuais que se sentem cada vez mais distantes do centro de decisão, do poder, seja no campo político, seja no da cultura e da economia. Uma distância tanto geográfica quanto em termos de capacidade de intervenção. Um intelectual regionalista quase sempre é aquele que se sente longe do centro irradiador de poder e de cultura. Ele faz da denúncia dessa distância, dessa carência de poder, dessa vitimização, o motivo do seu discurso”, escreve Albuquerque Jr. VERBETES Uma seleção de fazer rir As poucas palavras ou frases reproduzidas abaixo não dão a mínima conta das 10 mil que integram o Dicionário do Nordeste, de Fred Navarro. Aqui, buscamos apenas rir um pouco do que falamos e usamos o critério daquilo que o autor denominou como “termos fortes, rústicos, grosseiros, mas também dotados de lirismo, sensibilidade poética, bom humor e picardia”. Também suprimimos várias das informações contidas no volume, deixando apenas o significado e o seu lugar de origem. A ABIGOBAL • Abistuntado. AL. Abobalhado, tonto, besta como aruá, lelé da cuca. ALMA SEBOSA • 1. AL/PB/PE. Bandido, malandro, assaltante, trombadinha. 2. CE/PB. Poeta de segunda categoria, que faz versos ruins. 3. PE. Pessoa cruel, “sem coração”, bandido sem compaixão, que deve ser executado por justiceiros, a mando e “em nome” da comunidade, por causa de supostos crimes. AMIZADE DE CAGAR JUNTO • Amizade de cu. PI. Grande amizade, amizade do outro mundo, ou melhor, “amizade que só o cu pode explicar”. B BARONESA • 1. AL. Prostituta já velha, sem mais nenhuma atração física. 2. NE. Planta aquática (Eichhornia crassipes), conhecida também como dama-do-lago e aguapé, da família das ninfeáceas, típica de lagoas e rios, e que acompanha estes nas cheias do período chuvoso. BEBER SORO AZEDO E ARROTAR COALHADA • CE. Aparentar ser mais do que se é, se amostrar, exibir-se socialmente. C CABELO A PIRULITO • NE. Tem origem nos anos 1950, época em que os soldados americanos das bases navais instaladas na região usavam cortes de cabelo em que a nuca era raspada e a cabeça ficava com uma espécie de topete, semelhante a um pirulito. CONVERSA DE USINEIRO • PB. Falta de sinceridade, hipocrisia, cavilação, desfaçatez. COSTURAR PRA FORA • 1. PI. Expressão aplicada aos homens efeminados, bandeirosos. 2. PB. Praticar caridade, fazer beneficência. 3. NE. Ocorre quando a mulher pratica o adultério e “trai” o parceiro. CONTINENTE DEZEMBRO 2013 | 40
  • 6. P E PITÓ • 1. PB. Apanhado de cabelo enrolado em espiral ou ELE E ELA • PE. Dupla composta por caldinho em forma de concha, e fixado na cabeça por meio de grampos, varetas, fios elásticos. 2. PB. Cigarro grosseiro de fumo picado, arromba-peito. 3. PE. Cabelos puxados para os lados e presos com marias-chiquinhas, num arranjo também chamado de totó. (de peixe, fava, sururu, chambaril ou camarão) e uma dose de cachaça de cana pura. G GALA-RALA • NE. 1. Diz-se do homem que não esporra (ejacula) com intensidade. 2. Diz-se do homem que não tem filhos logo após o casamento: dois anos de casado e sem filhos, logo vão chamar você de gala-rala por aí. GUENZO • NE. Que não tem firmeza, com as pernas bambas, bamboleante. “Palanquim:/ Para que negar? Suporto/ o duro de certas bundas:/ padrecos brancos, croinhas,/ beatas e velhos guenzos;/ mas também gozar eu posso/ a maciez tão redonda de iaiás e sinhazinhas,/ de calor tão excitante/ que minha madeira fica/ mais rija do que o ferro.” Sobrados e mocambos, Hermilo Borba Filho. “E, no turbilhão do tempo, o palácio onde dormiu o casal imperial foi perdendo a sua esplendidez e (...) acabou reduzido a uma enorme ruína, com os cômodos cheios de goteiras (...), as portas guenzas, as escadas rangentes (...).” Ninho de cobras, Ledo Ivo. L LOIRA DE FARMÁCIA • Loura a pulso. NE • Falsa loura, loura oxigenada. “Esta mulher de Jaílson é uma puta. Nem conheço ela, mas está escrito na testa. O cabelo é oxigenado, loira de farmácia. Jaílson bate um bolão, mas em termos de mulher, está lascado.” O negro e o branco, Cicero Belmar. V. Loura, linda e japonesa. LOMBRA • Lombrinha. NE. Leseira física e mental que ocorre depois de beber cachaça ou fumar maconha. Xangai menciona: “Eu já bebi toda a minha solidão/ fiquei de lombra na ladeira do luar/ e na lembrança teu carinho me invade/ e a saudade fez intriga com a razão,/ fiquei biruta, enlouqueci, perdi o tino/ feito um menino numa farra de bombom,/ naquela tarde me senti um pescador,/ vi teu sorriso, se espalhava no batom.” Não é brincadeira, Maciel Melo. M Q QUEBRA-QUEIXO • 1. NE. Puxa-puxa, doce japonês, puxa- de-coco, feito a base de doce de goiaba e coco ralado. V. espichacouro/ sambongo. 2. NE. Todo tipo de doce que fica ‘ligado’ demais. Comes e bebes do Nordeste, Mario Souto Maior. V. citação em pirulito coxão de moça. 3. CE. Qualquer bebida gelada em excesso. 4. CE/PB. Um tipo de charuto (cigarro de folhas secas de palha). R RUA DA PALMA Nº 5 • NE. Punheta, gloriosa, masturbação. V. pecar na rua da palma nº 5. S SEBITE BALEADO • Sebito baleado. AL. 1. Pessoa sebite demais, turbinada, aloprada. 2. PB/ PE. Pessoa magra demais, quase anoréxica. V. ser magro como um sebite baleado/ vara de bater. SÓ QUER SER AS PREGAS DA ODETE • NE. Diz-se de quem quer ser mais do que pode, de quem vive alardeando as próprias qualidades. “Pra começo de conversa, eu era puto com os alemães, que só queriam ser as pregas da Odete. Os felas das putas dos galegos, só porque tinham armas modernas e dinheiro dando no meio da canela, queriam abarcar o mundo com as pernas.” Roliúde, Homero Fonseca. V. quem gaba o sapo é a jia/ vai ser bom assim lá na casa do carái!. T TUIUTU • NE. Equivale ao site de vídeos Youtube: “Eu MALOCA • 1. NE. Nas vaquejadas, o gado juntado pelos vaqueiros não assisti no dia, mas minha neta me mostrou no tuiutu da internet e você foi tampa!!!”. Berro novo, Jessier Quirino. e conduzido ao curral. 2. NE. Gado, chamado também de ‘moloca’, que costuma pastar em determinados locais, nas fazendas de criação. 3. AL/PE. Esconderijo próprio dos caranguejos na areia da praia. 4. Para os adeptos do manguebeat recifense, equivale a moradia, lugar onde as pessoas ‘se escondem’. 5. NE. Membro de grupo suspeito, maloqueiro, pessoa que não inspira confiança: não se meta com aqueles malocas. U O V o tempo, checar se vai chover ou não. 2. PB/PE. Perder-se em reflexões, matutar, olhar para o infinito. “E pede pra Rique dar os papéis pra ela, pra que ela se salve dos alemães. Rique fica assim, olhando a maçaranduba do tempo, numa sinuca desgraçada.” Roliúde, Homero Fonseca. bagunça. 2. Lugar apertado, rua estreita ou loja cheia de gente: não vou hoje naquele vuco-vuco de jeito nenhum. V. Bater chifre. 3. Relação sexual, cachimbada, trepada. “Mulher é um bicho muito complicado, não é como vocês, homens, costumam pensar. Vocês pensam que só basta enfiar, fazer vuco-vuco, e pronto. Não e assim não, meu filho. Tem que haver poesia, como diz uma amiga minha de Petrópolis. Tem que haver muita poesia.” As alianças, Ledo Ivo. OLHAR A MAÇARANDUBA DO TEMPO • Tomar a maçaranduba do tempo. 1. PB. Consultar URNA EMPRENHADA • Urna prenha. Urna prenhe. NE. Urna eleitoral violada, “prenhe” (cheia) de votos falsos. V. emprenhar urna. VUCO-TE-VUCO • PB. Vuco-vuco. NE. 1. Confusão, fuá, CONTINENTE DEZEMBRO 2013 | 41
  • 7. CON LINGUAGEM TI NEN TE DIVULGAÇÃO Entrevista FRED NAVARRO “O GRANDE TRABALHO FOI SEPARAR O JOIO DO TRIGO” Fred Navarro cresceu numa casa no Bairro de Campo Grande, no Recife. Já formado em Jornalismo, arrumou as malas e migrou para São Paulo. No convívio com os colegas de redação, ele descobriu diferenças. As palavras que ouviu da sua babá, e aprendeu a usar para se comunicar nas suas brincadeiras de menino, passaram a ser motivo de risadas no trabalho. A partir de então, ele adquiriu um novo hábito, passou a colecionar palavras que remetiam à sua região. Quando está curtindo uma praia, conversando, lendo ou ouvindo música, ele está, na verdade, caçando palavras. Prática que se tornou trabalho, já dura 21 anos e frutifica com a terceira edição do Dicionário do Nordeste, com mais de 10 mil verbetes. CONTINENTE Colecionar palavras tem a ver com sua mudança para SP? FRED NAVARRO É uma prática de exílio. Tive que sair do Recife para que essas palavras ganhassem importância na minha vida. Antes, eu as usava normalmente, mas, quando vim para cá, isso virou um objeto de estudo. Mudei para São Paulo em 1983, vim trabalhar na Folha de S.Paulo e, no meio do caminho, fui parar na revista IstoÉ. E lá, sempre que eu usava expressões típicas do Nordeste, como a “coluna tá troncha” e “ora, pinoia”, era aquela gargalhada na redação. Então, percebi que havia alguma coisa a ser explorada. O riso não era de sarcasmo, de crítica, mas de desconhecimento, surpresa. Havia ali um desconhecimento muito grande e comecei a colecionar essas palavras, cada vez que acontecia, ia anotando, rabiscava num pedaço de papel e guardava. CONTINENTE Como se deu essa busca por palavras? FRED NAVARRO Quando saiu a primeira edição do dicionário, eu já estava escrevendo a segunda há muito tempo. A primeira edição, com 2.500 palavras, é de 1998, a segunda, com 5 mil, é de 2004. Veja que se passaram quase 10 anos para a terceira edição, que tem 10 mil verbetes. Ele foi crescendo, à medida que foi sendo escrito; 20% a 30% das palavras da nova edição fui conhecer quando escrevia o livro – ia procurar uma coisa e achava outra. Procurava uma citação para ancorar um verbete e achava outras duas palavras que não conhecia, então ia atrás e confirmava a origem nordestina delas. Foi um trabalho em construção. Parti da minha biblioteca, da minha discografia pessoal. Também viajei muito pelo Nordeste, tenho parentes na Bahia, no Ceará, Paraíba e sou um rato de praia. Então, cada vez que ia, voltava com centenas de palavras novas para checar, pesquisar. O grande trabalho, ao final, foi separar o joio do trigo, muita coisa que parece ser do Nordeste, mas não é. É do Amazonas, CONTINENTE DEZEMBRO 2013 | 42 de Minas, de Goiás. As fontes foram se multiplicando e o que deu mais trabalho foi confirmar o que não podia entrar. CONTINENTE Por mais que você se dedique, novos termos surgem e é impossível atingir a totalidade. Isso dá alguma frustração? FRED NAVARRO Quando vou ao Recife, no avião, já vou colecionando expressões novas, já vou com a caderneta no bolso, porque sei que vão surgir palavras novas. Como Manuel Bandeira falava, o povo é o inventa-línguas. Hoje à noite, em algum barzinho do Pina, alguém está inventando palavra nova. A riqueza vocabular da nossa linguagem é uma no Litoral, outra na Zona da Mata, no Agreste e no Sertão. E, às vezes, elas não se confundem. A classe média de Fortaleza não fala igual à classe média de Juazeiro do Norte. O sotaque, as expressões, os termos são muito diferentes. Assim como a do Recife é diferente da de Petrolina, o sertanejo não
  • 8. fala igual ao pescador. São características próprias de microrregiões. Claro, elas interagem, fazem um conjunto, mas a riqueza vocabular é tremenda. CONTINENTE Como foi o processo de checagem para saber se o termo é do Nordeste? FRED NAVARRO É um trabalho duro de jornalismo investigativo, que é checar as fontes, ir aos dicionários tradicionais e clássicos para pesquisar a origem dessas palavras, encontrar referências na nossa cultura popular. Consultei os três dicionários tradicionais, o Aurélio, o Houaiss e o dicionário da Academia Brasileira de Letras. Quando eles identificam, a sigla do estado está registrada lá. Quando não conseguem identificar o estado, eles colocam a região. E, quando não conseguem identificar a região, colocam como brasileirismo. Muitas dessas palavras eu chegava achando que eram do Nordeste e a fonte era Goiás. Além disso, nossa cultura popular registra essas palavras com abundância; você pega 10 cordéis de Caruaru, Campina Grande ou do Crato e vai encontrar dezenas de termos em comum, e outros não, são específicos do Ceará, específicos da Paraíba. E eu ia fazendo a triagem. Meu trabalho foi tentar ver o que era realmente de onde. Isso deu trabalho. Meus critérios foram jornalísticos, de checar a veracidade da informação, de procurar uma citação digna de confiança. CONTINENTE É normal que novos termos sejam criados e muitos acabem se perdendo. Qual o critério para que ele se torne um verbete? FRED NAVARRO Useis dois critérios. Primeiro, o registro em alguma forma de manifestação cultural, pode ser Lia de Itamaracá, pode ser Xico Sá ou Chico Science. Ser registrado por alguém é uma evidência de que esse termo continua vivo, não caiu em desuso, não é um ósculo da vida. O critério para mim é aquilo que está vivo. O que é representativo para a comunicação, o povo adota, assume como seu. Inclusive, nós temos centenas de palavras de origem estrangeira, na língua portuguesa. Se essas palavras foram incorporadas, é porque elas tiveram uma utilidade, uma função na comunicação das pessoas. O critério é a utilidade, às vezes, entra a beleza, a singularidade, o humor, mas tem que ser útil, funcional. CONTINENTE O Dicionário do Nordeste é resultado de um trabalho anterior, que tinha como título Assim falava Lampião. Essa primeira versão não foi bem-recebida no Rio Grande do Sul por conta da antipatia dos gaúchos com Lampião. Como foi essa história? FRED NAVARRO É aquela velha história do desconhecimento. Para eles, a imagem de Lampião é lugar comum, clichê, bandido, bandoleiro, matar criança. Nunca leram Frederico Pernambucano de Melo, nunca leram a grande e boa literatura sobre Lampião já feita no Nordeste, nunca viram Baile perfumado. A região Sul e o Nordeste são as duas regiões mais nacionalistas. O Rio Grande do Sul já tentou se separar do Brasil, assim como nós. Lampião era músico, inventou um ritmo musical, inventou o xaxado com as marcações dos fuzis e alpercatas, para comemorar as vitórias sobre os policiais, compôs mais de 18 músicas, inclusive Mulher rendeira. Lampião tinha todo um lado “Só o Nordeste e o Rio têm essa expressão tão rica, com o tom da brincadeira, da sacanagem, da provocação” fascinante junto ao bandido vingador, que merece atenção. Esse fato reflete um pouco nosso distanciamento cultural, eles não se interessam pelos livros de Jorge Amado, as músicas de Fagner. Para eles, tudo isso é o lado pobre, o lado sem educação, sem instrução e estrutura do brasileiro. É preconceito, é falta de informação e ignorância deles. Mas, quando tiram férias e conhecem o Nordeste, eles voltam todo ano. CONTINENTE Um exemplo que sempre é citado no campo da linguística é o dos esquimós, que possuem mais 100 termos para designar o branco. Esse exemplo nos dá uma ideia de que a língua se desenvolve de acordo com as necessidades e características de cada sociedade. A partir do seu trabalho, é possível entender o Nordeste? FRED NAVARRO É possível conhecer o Nordeste através dele. Vejo o dicionário como um manual de tradução do CONTINENTE DEZEMBRO 2013 | 43 Nordeste para outras regiões do Brasil e outros países. Porque a força da cultura popular nordestina está na diversidade, na capacidade que tem de expressar a voz do homem da rua e do rico de Boa Viagem ao mesmo tempo. No cordel, na linguagem sofisticada de Elomar, na invenção de um Tom Zé, Francisco Dantas. Essa diversidade cria uma riqueza vocabular que expressa o meio ambiente em que vive o homem nordestino. A chave para entender o dicionário é a relação do homem com a natureza, é da sua relação com a natureza que o vaqueiro, o pescador e o canavieiro tiram a maior parte dessas expressões. Muitas delas foram herdadas de Portugal e adaptadas ao meio nordestino. Isso aconteceu em todas as regiões do Brasil, não só no Nordeste. O número de palavras que o vaqueiro tem para designar o boi e que o pescador tem para falar do barco são equivalentes às do esquimó com a neve. O mesmo peixe, no Brasil, tem 18 nomes diferentes. Essa riqueza remete à questão da globalização. A globalização passa réguas nas culturas, mas ela localiza e destaca as culturas com base nessa força popular. Não são culturas que inventaram as coisas artificialmente, são culturas enraizadas, com história, as histórias da nossa linguagem remetem ao tempo medieval português, aos romanos, à própria origem do latim. É uma língua que soube acoplar essa história ao meio ambiente e ao povo. CONTINENTE No dicionário, há muitos páginas com verbetes relacionados a sexo. Isso é um reflexo da importância que o tema tem no Nordeste? FRED NAVARRO Ele não entra como item especial, tem tantos termos quanto comidas e árvores. Mas a importância dos termos chulos, com a picardia e a sacanagem, tem a ver com o bom humor do nosso povo. Você só encontra isso, no Brasil, na gíria carioca. A linguagem falada no Amazonas, no Pantanal, no Sudeste e no Sul é muito careta, muito conservadora, sob esse ponto de vista. Só o Nordeste e o Rio de Janeiro têm essa expressão tão rica, com o tom da brincadeira, da sacanagem, da provocação. Mário Souto Maior já publicou o Dicionário do Palavrão com 500 e tantos verbetes. THIAGO CORRÊA.