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C a p í t u l o 6
FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR
Álvaro Réa Neto
35
INTRODUÇÃO
CORAÇÃO
Eletrofisiologia do coração
Ciclo cardíaco
Circulação coronária
Débito cardíaco
CIRCULAÇÃO SISTÊMICA
Fluxo sanguíneo
Controle da circulação sistêmica
Controle da pressão arterial
FISIOLOGIA DO TRANSPORTE DE OXIGÊNIO
Transporte de oxigênio
Cascata de oxigênio
Transporte de oxigênio no sangue
Uso metabólico do oxigênio pelas células
Troca de gases no tecido
O equivalente circulatório
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
INTRODUÇÃO
O sistema cardiovascular circula o sangue através dos va-
sos e capilares pulmonares e sistêmicos com o propósito de
troca de oxigênio, gás carbônico, nutrientes, produtos de de-
gradação e água nos tecidos periféricos e nos pulmões.1,2 Ele
é composto pelo coração e dois sistemas vasculares: as circu-
lações sistêmica e pulmonar (Fig. 6-1). O coração, por sua vez,
possui os ventrículos direito e esquerdo que funcionam como
bombas em série, ejetando sangue através de dois sistemas
vasculares – a circulação pulmonar de baixa pressão, onde
ocorre a troca gasosa (captação de oxigênio e liberação de gás
carbônico pela hemoglobina circulante nas hemácias), e a cir-
culação sistêmica que distribui sangue aos órgãos individuais,
suprindo as suas demandas metabólicas.1 O fluxo e a pressão
sanguínea estão sob intenso controle do sistema nervoso au-
tônomo.
Este sistema cardiovascular tem muitas funções diferen-
tes, dependendo dos tecidos e órgãos que recebem seus su-
primentos.1,2 A transferência de oxigênio e gás carbônico en-
tre os pulmões e os tecidos periféricos parece ser o papel
fundamental deste sistema.3,4 Mas os vasos gastrointestinais
absorvem nutrientes dos intestinos e perfundem o fígado. A
circulação renal é essencial para a manutenção da hemosta-
sia da água e eletrólitos e eliminação de produtos de degra-
dação celular e o sistema cardiovascular, também é funda-
mental na distribuição dos líquidos nos diversos comparti-
mentos extracelulares, na distribuição de hormônios nos ór-
gãos-alvo e no transporte de células e substâncias essenciais
para a imunidade e coagulação.
CORAÇÃO
O coração é composto por quatro câmaras e divide-se em
dois lados, direito e esquerdo, cada um dotado de um átrio e
um ventrículo.1 Os átrios agem como reservatórios de sangue
venoso, possuindo leve ação de bombeamento para o enchi-
mento ventricular. Em contraste, os ventrículos são as grandes
câmaras de propulsão para a remessa de sangue à circulação
pulmonar (ventrículo direito) e sistêmica (ventrículo esquerdo).
O ventrículo esquerdo é de formato cônico e tem a missão de
gerar maior quantidade de pressão do que o direito, sendo,
portanto, dotado de parede muscular mais espessa. Quatro vál-
vulas asseguram a direção única do fluxo do átrio para o ventrí-
culo (valvas atrioventriculares, tricúspide e mitral) e depois para
as circulações arteriais (valvas semilunares, pulmonar e aórtica).
O miocárdio é composto por células musculares que podem so-
frer contração espontânea e também por células marca-passo e
de condução dotadas de funções especializadas.
Eletrofisiologia do coração
A contração do miocárdio resulta de uma alteração na volta-
gem, através da membrana celular (despolarização), que leva ao
surgimento de um potencial de ação.1,2 A contração miocárdica
normalmente ocorre como resposta a esta despolarização (Fig.
6-2). Este impulso elétrico inicia-se no nodo sinoatrial (SA), com-
postoporumacoleçãodecélulasmarca-passo,localizadonajun-
ção do átrio direito com a veia cava superior. Tais células especia-
lizadas despolarizam-se espontaneamente, ocasionando uma
onda de contração que passa cruzando o átrio. Após a contração
atrial, o impulso sofre um retardo no nodo atrioventricular (AV),
localizado na parede septal do átrio direito. A partir daí, as fibras
de His-Purkinje promovem a rápida condução do impulso elétri-
co através de suas ramificações direita e esquerda, ocasionando
quase que simultaneamente a despolarização de ambos os ven-
trículos num tempo de aproximadamente 0,2 segundo após a
chegada do impulso inicial no nodo sinoatrial. A despolarização
da membrana celular miocárdica ocasiona grande elevação na
concentração de cálcio no interior da célula, que por sua vez cau-
sa contração através da ligação temporária entre duas proteínas,
actinaemiosina.Opotencialdeaçãocardíacoémaisprolongado
que o do músculo esquelético, e durante esse tempo a célula mi-
ocárdica não responde a novos estímulos elétricos.2
36 Parte II K MONITORIZAÇÃO HEMODINÂMICA
Fig. 6-1. Estrutura esquemática do sistema cardiovascular.
AD
AP VP
Capilares
pulmonares
Capilares
sistêmicos
Vênulas Arteríolas
Grandes
veias
Artérias
VD
AE
VE
Fig. 6-2. Potencial de ação ventricular seguido de contração
mecânica.
Potencial de ação
Contração
+30
-90
mV
1
0
2
3
4
250 ms
Ciclo cardíaco
As relações entre os eventos elétrico e mecânico do ciclo
cardíaco estão resumidas na Figura 6-3.
Existe um ciclo semelhante em ambos os lados do cora-
ção, mas as pressões do ventrículo direito e das artérias pul-
monares são menores que as do ventrículo esquerdo e aor-
ta.1,2,4 Sístole refere-se a contração e diástole a relaxamento. A
contração e o relaxamento podem ser isométricos, quando
ocorrem alterações na pressão intraventricular sem modifica-
ção no comprimento das fibras musculares. O ciclo inicia-se
no nodo sinoatrial com uma despolarização que leva à contra-
ção do átrio. Durante este tempo o fluxo sanguíneo no interi-
or dos ventrículos é passivo, mas a contração atrial aumenta o
seu enchimento em 20 a 30%. A sístole ventricular ocasiona o
fechamento das valvas atrioventriculares (1ª bulha cardíaca)
sendo que a contração é isométrica até que as pressões intra-
ventriculares tornem-se suficientes para abrir as valvas pulmo-
nar e aórtica, dando início à fase de ejeção. O volume de san-
gue ejetado é conhecido como volume de ejeção. Ao final
desta fase ocorre o relaxamento ventricular e o fechamento
das valvas pulmonar e aórtica (2ª bulha cardíaca). Após o rela-
xamento isovolumétrico, as pressões ventriculares diminuem
mais do que as pressões atriais. Isso leva à abertura das valvas
atrioventriculares e ao início do enchimento ventricular dias-
tólico. Todo o ciclo então se repete na seqüência de outro im-
pulso a partir do nodo sinoatrial.
Circulação coronária
O suprimento cardíaco do miocárdio é fornecido pelas ar-
térias coronárias que correm pela superfície do coração e divi-
dem-se em ramos colaterais para o endocárdio (camada inter-
na do miocárdio).1,4
A drenagem venosa é efetuada principalmente através do
seio coronário no átrio direito, mas uma pequena porção de san-
guefluidiretamentenosventrículosatravésdasveiasdeTebésio,
liberando sangue não oxigenado para a circulação sistêmica.
37Capítulo 6 K FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR
Fig. 6-3. Ciclo cardíaco.
120
80
0
Pulso venoso
jugular
Pressão(mmHg)
Enchimento
ventricular
Contração
atrial
Contração
ventricular
isovolumétrica
Ejeção
ventricular
Relachamento
ventricular
isovolumétrico
Enchimento
ventricular
Pressão atrial
Pressão
ventricular
Pressão aórtica
QRS
Eletrocardiograma
P T
a c v
y
x
S1 S2Fonocardiograma
A extração de oxigênio, pelos tecidos, está na dependência do
consumo e da oferta. O consumo de oxigênio do miocárdio é
maiselevadoqueodosmúsculosesqueléticos(nomiocárdiosão
extraídos 65% do oxigênio arterial, nos músculos esqueléticos,
25%). Assim, qualquer aumento na demanda metabólica do mio-
cárdio deve ser compensado por uma elevação do fluxo sanguí-
neo coronário. Esta resposta é local, mediada por alterações do
tônus da artéria coronária, com apenas uma pequena participa-
ção do sistema nervoso autônomo.
Débito cardíaco
O débito cardíaco (DC) é o produto entre a freqüência
cardíaca (FC) e o volume sistólico (VS).4,5
DC = FC ! VS
Para um homem com 70 kg os valores normais são: FC =
72/min e VS = 70 ml, fornecendo um rendimento cardíaco de
aproximadamente 5 litros/minuto. O índice cardíaco (IC) é o
débito cardíaco por metro quadrado da área de superfície cor-
poral. Os valores normais variam de 2,5 a 4,0 litros/min/m.6
A freqüência cardíaca é determinada pelo índice de velo-
cidade da despolarização espontânea no nodo sinoatrial (ver
acima), podendo ser modificada pelo sistema nervoso autô-
nomo. O nervo vago atua nos receptores muscarínicos redu-
zindo a freqüência cardíaca, ao passo que as fibras simpático-
cardíacas estimulam os receptores beta-adrenérgicos, elevan-
do-a.
O volume sistólico é o volume total de sangue ejetado
pelo ventrículo durante uma sístole e é determinado por três
fatores principais: pré-carga, pós-carga e contratilidade, con-
siderados a seguir:
" Pré-carga:éovolumeventricularnofinaldadiástole.Aeleva-
ção da pré-carga leva ao aumento do volume de ejeção. A
pré-carga depende principalmente do retorno do sangue
venosocorporal.3,5 Porsuavez,oretornovenosoéinfluencia-
do por alterações da postura, pressão intratorácica, volume
sanguíneo e do equilíbrio entre a constrição e dilatação (tô-
nus) no sistema venoso. A relação entre o volume diastólico
final do ventrículo e o volume de ejeção é conhecida como
Lei Cardíaca de Starling, determinando que o volume sistóli-
co seja proporcionalmente relacionado ao comprimento ini-
cial da fibra muscular (determinado pela pré-carga). Esta
ilustração gráfica consta na Figura 6-4.
A elevação do volume na fase final da diástole (volume
diastólico final) distende a fibra muscular, aumentando as-
simaenergiadecontraçãoeovolumedeejeçãoatéumpon-
to de sobredistensão, quando então o volume de ejeção não
se eleva mais ou pode até efetivamente diminuir.2,4,5 O débi-
to cardíaco também aumenta em paralelo com o volume sis-
tólico, se não ocorrer alteração na freqüência cardíaca.
A curva A ilustra, no coração normal, a elevação do débi-
to cardíaco através do aumento no volume diastólico final
ventricular (pré-carga). Observe aqui que o aumento da con-
tratilidade ocasiona maior débito cardíaco, para uma mes-
ma quantidade de volume diastólico final do ventrículo (cur-
va D).
Na condição patológica do coração (curvas C e D) o débi-
to cardíaco não se eleva mesmo quando o volume diastólico
final do ventrículo atinge níveis elevados.
" Pós-carga: é a resistência à ejeção (propulsão) ventricular
ocasionada pela resistência ao fluxo sanguíneo na saída do
ventrículo.2,4,5 Ela é determinada principalmente pela resis-
tênciavascularsistêmica.Estaéumafunçãododiâmetrodas
arteríolas e esfíncteres pré-capilares e da viscosidade san-
guínea; quanto mais estreito ou mais contraído os esfíncte-
res ou maior a viscosidade, mais elevada será a resistência e,
conseqüentemente, a pós-carga. O nível de resistência sistê-
mica vascular é controlado pelo sistema simpático, que por
sua vez controla o tônus da musculatura da parede das arte-
ríolas, regulando o diâmetro. A resistência é medida em uni-
dades de dina/segundo/cm.5 A série de curvas do volume sis-
tólico com diferentes pós-cargas está mostrada na Figura 6-5,
demonstrando a queda do débito cardíaco quando ocorrem
aumentos nas pós-cargas (desde que a freqüência cardíaca
não se altere).
As curvas mostram o comportamento do coração em di-
ferentes estados de contratilidade, iniciando a partir da si-
tuação cardíaca normal até o choque cardiogênico.5 Essa
condição surge quando o coração se torna tão afetado pela
doençaqueodébitocardíacomostra-seincapazdemantera
perfusão dos tecidos. Também são mostrados os níveis ele-
vados impostos pela atividade física ou a adição de inotrópi-
cos que requisitam uma elevação correspondente do rendi-
mento cardíaco.
" Contratilidade: representa a capacidade de contração do mi-
ocárdio na ausência de quaisquer alterações na pré-carga ou
pós-carga.4,5 Em outras palavras, é a “potência” do músculo
cardíaco. A influência mais importante na contratilidade é a
do sistema nervoso simpático. Os receptores beta-adre-
nérgicos são estimulados pela noradrenalina liberada pelas
terminações nervosas, aumentando a contratilidade. Um e-
38 Parte II K MONITORIZAÇÃO HEMODINÂMICA
Fig. 6-4. Lei cardíaca de Starling e curvas de Starling relacionando
pré-carga com volume sistólico para diferentes estados de
contratilidade.
Volumesistólico
Pré-carga
D
A
B
C
Contratilidade
aumentada
Contratilidade
diminuída
Normal
Choque cardiogênico
Inotrópicos
Exercício físico
Estímulo simpático
Hipóxia e hipercapnia
Isquemia miocárdica
Depressão cardíaca
Estímulo vagal
feitosemelhantepodeserobservadonaadrenalinacirculan-
te e em drogas como digoxina e cálcio. A contratilidade é re-
duzidapelahipóxia,isquemiadomiocárdio,doençadomio-
cárdio e pela administração de beta-bloqueadores ou agen-
tes antiarrítmicos.
O débito cardíaco sofre modificação para adaptar-se às
alterações das demandas metabólicas corporais.4,5,6 Os ren-
dimentos apresentados por ambos os ventrículos devem ser
idênticosetambémiguaisaoretornovenosodosanguecor-
poral. O equilíbrio entre o débito cardíaco e o retorno veno-
so pode ser observado durante o processo de resposta à ati-
vidade física. Quando o músculo é exercitado, os vasos san-
guíneos sofrem dilatação devido ao aumento do metabolis-
mo e incremento do fluxo sanguíneo. Isso promove eleva-
ções no retorno venoso e na pré-carga do ventrículo direito.
Conseqüentemente, maior quantidade de sangue será libe-
rada para o ventrículo esquerdo, elevando o débito cardía-
co.Tambémhaveráaumentonacontratilidadeenafreqüên-
cia cardíaca devido à atividade simpática associada à ativida-
de física, aumentando, conseqüentemente, o débito cardía-
co para compensar as necessidades dos tecidos.
CIRCULAÇÃO SISTÊMICA
Os vasos sanguíneos sistêmicos dividem-se em artérias,
arteríolas, capilares e veias.2,7 As artérias carregam sangue aos
órgãos sob altas pressões, enquanto que as arteríolas são va-
sos menores dotados de paredes musculares que permitem
um controle direto do fluxo através de cada leito capilar (Fig.
6-6). Os capilares são constituídos por uma camada única de
células endoteliais cujas paredes delgadas permitem trocas de
nutrientes entre o sangue e os tecidos. As veias promovem o
retorno do sangue, a partir dos leitos capilares, até o coração
e contém cerca de 70% do volume sanguíneo circulante con-
trastando com os 15% representados pelo sistema arterial. As
veias atuam como reservatórios e o tônus venoso é importan-
te no processo de manutenção do retorno do sangue em dire-
ção ao coração; por exemplo, no caso de hemorragia grave
quando o estímulo simpático ocasiona venoconstrição.
Fluxo sanguíneo
A relação entre o fluxo e a pressão motriz é dada através
da fórmula de Hagen-Poiseuille, a qual estabelece que o fluxo,
no interior de um tubo, é proporcional a:
Pressão motriz raio
Comprimento viscosidade
4
!
!
Nos vasos sanguíneos o fluxo é de caráter pulsátil ao in-
vés de contínuo e a viscosidade varia com a velocidade do flu-
xo.7 Assim, a fórmula não é estritamente aplicável, mas serve
para ilustrar um ponto importante: pequenas modificações
no raio do vaso resultam em grandes alterações no fluxo. As
alterações na velocidade do fluxo, tanto nas arteríolas como
nos capilares, são devidas a modificações do tônus e conse-
qüentemente da circunferência dos vasos, principalmente, e
por modificações na pressão motriz e na viscosidade do san-
gue. A variável comprimento aqui não é manipulável e é relati-
vamente fixa. A pressão motriz é a diferença entre a pressão
de entrada e a pressão de saída num determinado segmento.
Por exemplo, num leito capilar ela é a diferença entre a pres-
39Capítulo 6 K FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR
Fig. 6-5. Relação entre o volume sistólico e a pós-carga.
Volumesistólico
Contratilidade
aumentada
Normal
Contratilidade
diminuída
Pós-carga
Fig. 6-6. Distribuição das pressões dentro da
circulação sistêmica.120
100
80
60
40
20
Pressãoarterialmédia(mmHg)
103 103200 100
Diâmetro interno ( m)"
3 100
Grandes
artérias Pequenas
artérias
Arteríolas
Vênulas
Veias
PVC
PMAo
Capilares
são arteriolar e a pressão venular. Neste caso, ela pode tam-
bém ser chamada de pressão de perfusão capilar.
A viscosidade descreve a tendência do líquido a resistir ao
fluxo.2,4,5 Em fluxos lentos, as células sanguíneas vermelhas
tendem a se juntar, aumentando a viscosidade, e a permane-
cer na área central do vaso. A porção de sangue mais próxima
à parede do vaso (que irriga os ramos colaterais) apresentará,
assim, um valor menor de hematócrito. Esse processo é co-
nhecido como deslizamento plasmático. A viscosidade sofre
redução na presença de anemia e o resultante incremento na
velocidade do fluxo auxilia na manutenção do transporte de
oxigênio aos tecidos.
Controle da circulação sistêmica
O tônus das arteríolas determina a velocidade do fluxo
em direção aos leitos capilares.7 Uma série de fatores influen-
cia o tônus arteriolar incluindo o controle autônomo, hormô-
nios circulantes, fatores próprios do endotélio e concentração
local de metabólitos.
Controle autônomo é amplamente dependente do siste-
ma nervoso simpático que inerva todos os vasos à exceção
dos capilares. As fibras simpáticas provêm dos segmentos to-
rácico e lombar da medula espinhal onde são controladas pe-
lo centro vasomotor da medula, que por sua vez é dotado de
zonas distintas de vasoconstrição e vasodilatação. Embora
exista uma descarga simpática basal adequada para a manu-
tenção do tônus vascular, um aumento desse estímulo afeta
mais alguns órgãos do que outros (Fig. 6-7).
Com isso ocorre uma distribuição do sangue a partir da
pele, músculo e vísceras para o cérebro, coração e rins.4,7,8 A
elevação da descarga simpática constitui-se numa das respos-
tas à hipovolemia, por exemplo, em casos de perdas sanguí-
neas graves com o propósito de proteger o suprimento san-
guíneo dos órgãos vitais. A influência simpática predominante
é a vasoconstrição através dos receptores alfa-adrenérgicos.
No entanto, o sistema simpático também pode ocasionar va-
soconstrição por estimulação de receptores beta-adrenérgi-
cos e colinérgicos, mas apenas na musculatura esquelética. A
elevação do fluxo sanguíneo que aporta ao músculo toma par-
te importante da reação de “combate ou fuga” quando há pre-
visão de atividade física (exercício).
Hormônios circulantes como a adrenalina e angiotensina
II são potentes vasoconstritores, mas provavelmente ocasio-
nam pouco efeito agudo no mecanismo de controle cardio-
vascular. Por outro lado, fatores derivados do endotélio de-
sempenham papel importante no controle local do fluxo san-
guíneo. Tais substâncias podem tanto ser produzidas como
modificadas no endotélio vascular e incluem a prostaciclina e
o óxido nítrico, ambos potentes vasodilatadores. O acúmulo
de metabólitos como CO2, K+, H+, adenosina e lactato ocasio-
nam vasodilatação. Essa resposta constitui-se, provavelmen-
te, num importante mecanismo de auto-regulação, processo
pelo qual o fluxo sanguíneo, através de um órgão, é controla-
do localmente permanecendo constante mesmo quando sub-
metido a amplo espectro de pressão de perfusão. A au-
to-regulação desempenha papel importante principalmente
nas circulações cerebral e renal.8,9
Controle da pressão arterial
A pressão arterial sistêmica é submetida a um controle
cuidadoso no sentido de manutenção da perfusão tecidu-
al.2,4,5 A pressão arterial média (PAM) leva em consideração o
fluxo sanguíneo pulsátil das artérias e constitui-se no melhor
valor de medida para o grau da pressão de perfusão de um ór-
gão. A PAM é definida por:
PAM = Pressão arterial diastólica + pressão de pulso/3
onde a pressão de pulso é a diferença entre as pressões
arteriais sistólica e diastólica.
A PAM é o produto entre o débito cardíaco (DC) e a
resistência vascular sistêmica (RVS).
PAM = RC ! RVS
Se o débito cardíaco decresce (p. ex.: quando o retorno
venoso diminui na hipovolemia) o valor da PAM também dimi-
nuirá, a não ser que surja um aumento compensatório da RVS
através da vasoconstrição das arteríolas.5,9 Essa resposta é
mediada por barorreceptores, sensores especializados da
pressão, localizados no seio carotídeo e arco da aorta e conec-
tados ao centro vasomotor. A diminuição da pressão sanguí-
nea ocasiona redução de estímulo nos barorreceptores e con-
seqüente redução na descarga que esses remetem ao centro
vasomotor. Isso causará aumento da descarga simpática, le-
vando à vasoconstrição, aumento do índice cardíaco e da con-
tratilidade, além da secreção de adrenalina. Da mesma manei-
ra, elevações da pressão sanguínea estimulam os barorrecep-
tores ocasionando elevação da descarga parassimpática car-
40 Parte II K MONITORIZAÇÃO HEMODINÂMICA
Fig. 6-7. Resposta vascular ao estímulo simpático.
1
0 2 4 6 8 10
3
5
10
30
50
100 Pele
Resistência vascular
Músculo
Rim
Basal
Coração
Cérebro
díaca, através dos ramos do nervo vago, desacelerando o co-
ração. Também ocorre redução da estimulação simpática nos
vasos periféricos levando à vasodilatação.
As respostas dos barorreceptores propiciam o controle
imediato da pressão sanguínea; se a hipotensão for prolonga-
da, outros mecanismos entram em operação, como a libera-
ção de angiotensina II e aldosterona, a partir dos rins e glân-
dulas adrenais, permitindo a retenção circulatória de sais e
água e mais vasoconstrição.
FISIOLOGIA DO TRANSPORTE DE OXIGÊNIO
O sistema cardiovascular deve suprir continuamente os
tecidos de nutrientes para sustentar a vida. Nossas células são
incapazes de armazenar oxigênio e necessitam deste substra-
to para gerar continuamente energia nas mitocôndrias e sus-
tentar forças vitais, como o gradiente eletroquímico das
membranas celulares, as contrações musculares e a síntese de
macromoléculas complexas.9 A falta de oxigênio pode causar
lesão tecidual direta devido à exaustão de ATP ou outros in-
termediários de alta energia necessários para a manutenção
da integridade estrutural das células. Além disso, lesões celu-
lares também podem ser intensificadas por radicais livres
quando a oferta de oxigênio segue um período de disóxia
com acúmulo de adenosina e outros metabólitos celulares.
Em organismos unicelulares, a captação de O2 e a elimina-
ção de CO2 podem ser realizadas por difusão simples a partir
do meio ambiente por causa das distâncias curtas de difusão.
Entretanto, organismos mais complexos, como o homem,
com grandes distâncias para o transporte de gases, as limita-
ções de difusão são sobrepujadas com estruturas especifica-
mente projetadas para entregar O2 e remover CO2 das bilhões
de células do nosso corpo.6 O modo ativo de vida do homem
requer uma disponibilidade abundante e contínua de O2 para
a energia necessária para trabalhar e dar apoio à vida. Várias
estruturas ajudam a realizar esta tarefa:6 1. os pulmões e sua
rede de capilares que proporcionam uma grande área de su-
perfície para troca de gases com ar de ambiente; 2. a hemoglo-
bina que funciona como portadora especializada para aumen-
tar a capacidade de carregar O2 através do sangue; e 3. um sis-
tema circulatório, que consiste no coração e no sistema vas-
cular que transporta o sangue entre os capilares de troca pul-
monares e teciduais.
Transporte de oxigênio
A microcirculação tem um papel importante na oxigena-
ção tecidual porque é através de suas paredes que o oxigênio
atravessa do sangue para atingir as células dos tecidos perifé-
ricos.7 Cada tecido possui uma arquitetura da microvasculatu-
ra que lhe é característica e que, provavelmente, foi adaptada
para as necessidades específicas daquele tecido. O oxigênio
trafega pelo sistema circulatório dos pulmões até às células,
por convecção e difusão.8 Convecção é o processo pelo qual
grandes quantidades de oxigênio podem ser transportadas
em grandes distâncias (macroscópicas). Os grandes vasos do
sistema circulatório são responsáveis pela distribuição efici-
ente do sangue oxigenado para todos os órgãos. A convecção
continua sendo importante para a distribuição do oxigênio
mesmo dentro da rede de microvasos. A difusão é um meca-
nismo eficiente de transporte de oxigênio em pequenas dis-
tâncias (frações de mícron) e é o meio de transporte de oxigê-
nio dos pequenos vasos e capilares para as células.
Uma das observações mais interessantes e intrigantes
com relação ao transporte de oxigênio através dos capilares é
o alto grau de heterogeneidade da perfusão neste nível.6,8
Esta heterogeneidade se expressa pela grande variabilidade
na velocidade de trânsito das hemácias e pelo número de he-
mácias que transitam pelos capilares na unidade de tempo.
Isto se deve a falta de uniformidade nas dimensões dos capila-
res nos diversos tecidos.
Uma das funções mais importantes do sistema circulató-
rio é fornecer uma oferta adequada de oxigênio (DO2) a todos
os tecidos do organismo.6,8,9 Vários mecanismos existem para
regular esta oferta em resposta às constantes modificações
nas necessidades. Nas situações de exercício, há um aumento
global na DO2, regulada principalmente pelo sistema nervoso
autônomo com aumento na contratilidade e na freqüência
cardíaca e aumento no débito cardíaco. Na microcirculação, o
aumento na perfusão em resposta a um tecido com demanda
aumentada por oxigênio se dá por dois mecanismos: 1. uma
diminuição na resistência dos vasos pré-capilares, e 2. um au-
mento na taxa de extração de oxigênio.7,8
Cascata de oxigênio
A pressão parcial de oxigênio (PO2) apresenta uma queda
progressiva desde o ar ambiente até o interior das células, um
preço pago pelos animais multicelulares de grande porte (Fig.
6-8).6,10 A PO2 no ar ambiente ao nível do mar é de aproxima-
damente 159 mmHg (PiO2 no ar ambiente). Entretanto, no ar
inspirado há uma queda na PO2 para 149 mmHg, à medida
que o vapor de água é adicionado ao ar inspirado na via aérea
superior. A PO2 alveolar é de aproximadamente 104 mmHg
porque ar inspirado é diluído quando misturado com ar alveo-
41Capítulo 6 K FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR
Fig. 6-8. Cascata de oxigênio.
150
100
50
PO2
Ar
quente
Traquéia Alvéolo Aorta Capilar Interstício Célula
lar rico em CO2. Posteriormente, há mais um declínio na PO2
entre o alvéolo (PAO2) e o sangue arterial (PaO2), o que é deno-
minado de diferença alvéolo-arterial de O2 (D(A-a)O2), a qual,
geralmente, é menor que 10 mmHg. Isto se deve ao peque-
no shunt fisiológico intrapulmonar (cerca de 2% do débito
cardíaco). No sangue arterial, a PO2 normal é entre 95 e 100
mmHg no nível do mar.
O transporte de moléculas livres de oxigênio entre dois
pontos é descrito pela primeira lei da difusão de Fick, que diz
que a força de movimento é a diferença de PO2 entre os dois
pontos.8,9 O local mais fácil de transporte de oxigênio do san-
gue para os tecidos é através dos capilares, devido a sua pare-
de mais fina (praticamente uma única camada de células en-
doteliais), maior superfície de contato (relação volume/área),
baixa velocidade das hemácias circulantes e uma menor dis-
tância de difusão entre os capilares e as células parenquimato-
sas. No começo do século passado, Krogh formulou um con-
ceito matemático simples no qual os capilares eram rodeados
por um cilindro concêntrico de tecido e este modelo foi usado
para predizer a magnitude da diferença de PO2 necessária
para suprir o cilindro com oxigênio e transportar oxigênio até
as camadas mais externas do cilindro. Entretanto, nos últimos
30 anos, foi demonstrado que há perda de oxigênio já pelos
vasos pré-capilares, embora os capilares continuem a ser os
principais vasos de oxigenação tecidual.8 Uma parte conside-
rável do oxigênio perdido pelas arteríolas pré-capilares é para
as vênulas pós-capilares contíguas às arteríolas. Por isso, a PO2
capilar é bem mais baixa que a das pequenas artérias. Em situ-
ações de grande consumo de oxigênio ou de hipoperfusão,
uma parte considerável do oxigênio celular pode vir direto
das arteríolas.8
Fisiologicamente, quando o sangue arterial sai dos pul-
mões e alcança a microcirculação, sua PO2 ainda é cerca de 95
mmHg, mas nos capilares e no líquido intersticial a PO2 média
é de 40 mmHg e somente cerca de 23 mmHg dentro das célu-
las. A PO2 capilar média é a mesma do líquido intersticial e,
conseqüentemente, a PO2 média das vênulas também é de 40
mmHg. Portanto, fisiologicamente, existe uma tremenda dife-
rença de pressão inicial (cerca de 40 para 23 mmHg), o que
leva o oxigênio a se difundir muito rapidamente do sangue
aos tecidos.6,9,10
Transporte de oxigênio no sangue
Quando o sangue do capilar pulmonar se equilibra com ar
alveolar, a quantidade de oxigênio fisicamente dissolvida no
plasma é de apenas 0,3 ml de O2/100 ml de sangue (0,3 vol%).
É esta pequena quantidade de oxigênio que é medida na PO2
de 95 mmHg. Quase todo o oxigênio transportado pelo san-
gue está reversivelmente ligado à hemoglobina contida den-
tro das hemácias.9,11 Dentro dos níveis normais de hemoglo-
bina, 98% do oxigênio contido no sangue está ligado nesta
forma. Então, o movimento das hemácias representa uma for-
ma substancial de transporte de oxigênio. A baixa solubilida-
de do oxigênio no plasma resulta numa quantidade negligen-
ciável de seu transporte no sangue, exceto sob condições de
alta tensão de oxigênio. O conteúdo arterial de oxigênio
(CaO2) é dado pela seguinte fórmula:9
CaO2 = (Hb ! SaO2 ! 1,34) + (PaO2 ! 0,0031)
onde, Hb é a concentração de hemoglobina no sangue
(em g/dl), SaO2 é a saturação arterial de oxigênio (em%), 1,34 é
a capacidade máxima de oxigênio que 1 g de Hb é capaz de
carregar, PaO2 é a pressão parcial arterial de oxigênio e 0,0031
é o coeficiente de solubilidade do oxigênio no plasma. Em
uma pessoa normal, o CaO2 é (15 ! 0,98 ! 1,34) + (95 !
0,0031), ou 19,69 + 0,29, ou aproximadamente 20 ml de
O2/dl de sangue arterial. Embora quase todo o oxigênio seja
transportado ligado à Hb, a PaO2 é essencial porque é ela que
determina a quantidade de oxigênio carregado pela hemoglo-
bina (e, portanto, o conteúdo arterial de oxigênio).11
As hemácias são uma forma ideal de transporte de oxigê-
nio. A hemácia tem a forma de um disco bicôncavo, o que per-
mite expansão de volume e diminuição nas distâncias de difu-
são extracelular.6,10 A membrana da hemácia é livremente per-
meável a H2O, CO2 e O2, e exibe consideravelmente mais per-
meabilidade a ânions que a cátions. Esta membrana é imper-
meável à hemoglobina (Hb), seu principal constituinte. É a he-
moglobina dentro da hemácia que se combina com o O2 e o
transporta aos tecidos. Cada molécula de Hb é capaz de se
combinar com 4 moléculas de oxigênio. Isto fornece uma ca-
pacidade máxima de combinação de 1,34 ml de O2/g de Hb.
Quando oxigênio combina-se com a Hb, ela é apropriada-
mente denominada de oxiemoglobina (oxi-Hb). Quando a Hb
está totalmente livre de O2 ela tem uma afinidade relativa-
mente baixa para o O2. Entretanto, as cadeias de polipeptídio
da Hb interagem de tal maneira que uma vez tendo a primeira
molécula de O2 se unido à Hb, há um aumento na facilidade
de união com outras moléculas de O2. Esta característica ex-
plica a curva de dissociação de oxiemoglobina na forma sig-
moidal (Fig. 6-9).6 A quantidade de O2 que se une à Hb é rela-
cionada à PO2 do plasma adjacente. No capilar pulmonar nor-
mal, a PO2 do plasma é normalmente quase o mesmo da PO2
alveolar.11 A extensão da combinação do O2 com a Hb é deno-
minada de saturação da Hb e é medida em porcentagem da
capacidade total (SO2). A curva de dissociação de oxiemoglo-
bina é formada pela plotagem da SO2 como uma função da
PO2. A Hb torna-se aproximadamente 100% saturada com o O2
(SO2 = 100%) quando a PO2 atinge cerca de 250 mmHg. Nor-
malmente, a Hb arterial encontra-se tipicamente 97,5% satura-
da (SaO2 de 97,5%) em uma PO2 alveolar normal de 95-100
mmHg por causa da forma rara sigmoidal da curva de dissoci-
ação da oxi-Hb. O sangue venoso da artéria pulmonar tem
uma PO2 normal de 40 mmHg e a SvO2 normal é de 75%.
Então, o conteúdo de O2 aumenta no pulmão de cerca de 15
ml/dl de sangue para 20 ml/dl. Normalmente, um paciente
adulto com cerca de 70 kg, 15 g/dl de Hb e débito cardíaco de
5 l/min, acrescenta 250 ml de oxigênio no sangue do capilar
pulmonar por minuto.9
42 Parte II K MONITORIZAÇÃO HEMODINÂMICA
A forma de sigmoidal da curva de dissociação de oxi-Hb
tem importância fisiológica tanto para carregar a Hb de O2
nos pulmões quanto para descarregar O2 nos capilares tecidu-
ais.6,10 Notem que a porção superior da curva, entre uma PO2
de 70 a 100 mmHg, é quase plana. Esta porção da curva fre-
qüentemente é referida como a parte de associação da curva
porque é importante no carregamento de O2 (a associação do
O2 com a Hb) no capilar pulmonar. A parte de associação da
curva assegura uma oxigenação da maior parte da Hb mesmo
quando a PO2 alveolar é diminuída devido à altitude ou a do-
ença pulmonar. A SO2 diminui de 97,5% numa PO2 de 100
mmHg para 92% numa PO2 de 70 mmHg, ou seja, uma mudan-
ça de apenas 1,0 ml/dl no conteúdo O2 de sangue. Assim, esta
porção plana da curva de dissociação de oxi-Hb assegura um
carregamento quase normal da Hb com O2 mesmo quando a
PO2 alveolar é abaixo do normal.6
Por outro lado, a parte inclinada da curva, entre uma PO2 de
20 a 50 mmHg, é denominada a porção de dissociação da cur-
va. A porção de dissociação da curva é importante nos capila-
res teciduais onde uma quantia grande de O2 pode ser descar-
regada com uma mudança relativamente pequena na PO2. Por
exemplo, uma diminuição no PO2 de 50 a 20 mmHg reduz o
conteúdo O2 de sangue para mais de 10 ml/dl ou aproximada-
mente 50%. Assim, uma porção relativamente grande do O2
carregada pela Hb estará disponível para uso pelos tecidos
mesmo com uma mudança relativamente pequena na PO2. Em
outras palavras, a Hb libera uma quantia relativamente grande
de O2 para uma mudança pequena no PO2.8 A transição da
porção de associação para a porção de dissociação da curva
ocorre normalmente numa PO2 ao redor de 60 mmHg. A
curva é muito inclinada para baixo, e relativamente plana aci-
ma desta PO2.
A P50 é definida como a PO2 do sangue em que 50% da Hb
está saturada de oxigênio. Normalmente, a P50 normal é de
26,6 mmHg. A curva de dissociação de oxi-Hb é também ca-
paz de se desviar à direita ou à esquerda.6,8,10 Um aumento na
PCO2 do sangue ou na concentração do íon de hidrogênio
(acidemia) desvia a curva para a direita, ao passo que uma di-
minuição em PCO2 ou alcalemia desvia a curva para a esquer-
da. Estes desvios na dissociação de oxi-Hb devido às variações
na PCO2 ou no pH do sangue são denominados de efeito Bohr.
Um aumento na temperatura do sangue ou na concentração
eritrocitária da 2,3-difosfoglicerato (2,3-DPG) também desvi-
am a curva de dissociação de oxi-Hb para a direita, enquanto
uma diminuição na temperatura ou na 2,3-DPG desviam a cur-
va para a esquerda. Uma mudança na curva de dissociação de
oxi-Hb para a direita significa que mais O2 é liberado para uma
dada diminuição na PO2. Dito de outra forma, uma mudança
na curva para a direita indica que a afinidade de Hb para O2 é
reduzida, de modo que para uma dada PO2 no plasma, mais
O2 é libertado da Hb para os tecidos. Em contraste, uma mu-
dança na curva para a esquerda significa que mais O2 será uni-
do a Hb (afinidade aumentada) para uma dada PO2 e menos O2
está disponível aos tecidos ou é libertado da Hb para uma
dada PO2.
Pouca mudança significativa ocorre na porção de associa-
ção da curva de oxi-Hb com os desvios para a direita ou a es-
querda, mas grandes modificações ocorrem na porção de dis-
sociação da curva.6 Desvios da curva para a direita significam
maior PO2 no plasma para um mesmo conteúdo de O2 no san-
gue. Esta maior PO2 plasmática na periferia aumenta o gradi-
ente de oxigênio entre o capilar e as células, facilitando a ofer-
ta de O2. Um tecido com aumento do seu metabolismo, como
um músculo esquelético em exercício, tem aumento na libera-
ção de CO2 local, queda no pH microvascular e aumento na
temperatura pelo aumento do metabolismo. Todos estes efei-
tos facilitam a liberação do oxigênio pela hemoglobina na mi-
crovasculatura e garantem uma oxigenação tecidual fisio-
lógica.1,9
Uso metabólico do oxigênio pelas células
Se o fluxo sanguíneo para um determinado tecido tor-
na-se aumentado ou seu metabolismo diminui, a PO2 intersti-
cial aumenta, assim como a PO2 venular. A PO2 intersticial e
venular diminuem se houver queda do fluxo sanguíneo (vaso-
constrição, queda do débito cardíaco etc.) ou se o metabolis-
mo tecidual aumentar desproporcionalmente ao fluxo. Em
suma, a PO2 tecidual é determinada pelo equilíbrio entre a
taxa de oferta de oxigênio aos tecidos e a taxa de consumo de
oxigênio por eles mesmos.1,7,8
O oxigênio, sendo incapaz de ser armazenado, é constan-
temente consumido pelas células. Portanto, a PO2 intracelular
é sempre menor que a PO2 capilar e intersticial. Também, em
muitos casos, existe uma considerável distância entre os capi-
43Capítulo 6 K FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR
Fig. 6-9. Transporte de oxigênio.
SO %2
PO (mmHg)2
100
80
50
20
90
60
30
70
40
10
0 10 30 60 90 12020 50 80 11040 70 100 130
pH = 7,38
ponto V
pH = 7,40
ponto A
D(a-v)PO2
D(a-v)SO2
! H , PCO+
2
!
!
Temp.
2,3 DPG
P50 =
27 mmHg
38°C
O fisicamente
dissolvido no plasma
2
Ponto V
(Artéria pulmonar)
Ponto A
(Veia pulmonar)
PVO =
SvO =
CvO
2
2
2 "
PaO =
SaO =
CaO
2
2
2 "
40 mmHg
75%
15 ml/dl
100 mmHg
97,5%
20 ml/dl
lares e as células. Isto explica porque a PO2 normal intracelular
pode variar desde valores tão baixos quanto 5 mmHg quanto
valores próximos aos 40 mmHg dos capilares, com uma média
de 23 mmHg. Desde que valores muito baixos de até somente
1 a 3 mmHg de pressão de oxigênio podem suportar um me-
tabolismo celular aeróbio, pode-se ver que uma PO2 de 23
mmHg é mais que adequada e fornece uma considerável re-
serva de segurança.6
Somente uma pequena quantidade de PO2 é necessária
para que as reações químicas normais intracelulares ocorram.
A razão para isto é que o sistema de enzimas respiratório é
movimentado mesmo quando a PO2 intracelular é tão baixa
quanto 1 a 3 mmHg. Numa PO2 neste nível, a disponibilidade
de oxigênio deixa de ser o fator limitante para o metabolismo
aeróbio. O principal fator limitante a partir daí passa a ser a
concentração de ADP (difosfato de adenosina).6,10 Mesmo que
a disponibilidade de oxigênio aumente, seu consumo aumen-
tará somente se a concentração de ADP intracelular aumentar,
o que significa um aumento nas necessidades de energia devi-
do a um consumo aumentado do ATP celular. Somente em
condições de hipóxia extrema a disponibilidade de oxigênio
torna-se um fator limitante para o metabolismo aeróbio.
Quando o oxigênio é utilizado pelas células, a maior par-
te dele torna-se dióxido de carbono com um aumento na
PCO2 intracelular. A partir daí, o CO2 difunde-se das células
para os capilares até os pulmões, onde ele é eliminado pela
ventilação alveolar.11 Então, em cada ponto da cadeia de
transporte de gases, o CO2 é transportado na direção exata-
mente oposta da do oxigênio. A maior diferença é que o CO2
difunde-se 20 vezes mais rapidamente que o oxigênio e, por-
tanto, necessita de diferenças ainda menores de pressão par-
cial.11
Normalmente, a PCO2 intracelular é de 46 mmHg, a PCO2
intersticial e capilar é de 45 mmHg e a PCO2 arterial é de 40
mmHg. O fluxo de sangue capilar e o metabolismo tecidual
afetam a PCO2 intersticial de forma exatamente oposta a que
afetam a PO2.10
Troca de gases no tecido
Os tecidos em constante metabolismo estão usando O2 e
produzindo CO2. As células necessitam de um estoque contí-
nuo de O2 para metabolismo aeróbio e requerem remoção
contínua de CO2 para conservar o equilíbrio ácido-básico. O
fluxo de sangue é essencial tanto para transportar como para
manter um gradiente de concentração de O2 e remoção de
CO2 nos capilares teciduais. Nos capilares, o O2 difunde-se
para a célula, enquanto a difusão de CO2 está na direção inver-
sa. Ambos gases movem entre o tubo concêntrico de células
por difusão simples em resposta a um gradiente de concen-
tração. Vários fatores podem agudamente ou cronicamente
aumentar a oferta de O2 ou a remoção de CO2 dos tecidos.1,8
O fluxo de sangue é o principal fator que afeta a oferta de
O2 aos tecidos.7 Um aumento no fluxo de sangue tipicamente
resulta em um aumento equivalente na entrega de O2. Au-
mentar o número de capilares abertos ao fluxo de sangue é
um outro meio de aumentar a entrega de O2 a um tecido. Um
aumento no gradiente de pressão parcial entre o capilar e o
tecido também aumenta a entrega de O2. As mudanças na cur-
va de dissociação de oxi-Hb com relação às mudanças no
equilíbrio ácido-básico característico do sangue também po-
dem alterar a entrega de O2 aos tecidos. Da mesma forma, um
aumento no número de hemácias ou no hematócrito (e con-
seqüentemente na concentração de hemoglobina) também
aumenta a quantia de O2 entregue aos tecidos. Muitos dos fa-
tores que aumentam a entrega de O2 também facilitam a re-
moção do CO2 (Quadro 6-1).6
O equivalente circulatório
Todos os tecidos consomem O2 a uma taxa particular (VO2)
e têm taxas típicas de fluxo de sangue em repouso.6,9,11 O equi-
valente circulatório (CEO2) reflete quão bem o fluxo de sangue
está equilibrado para o consumo de oxigênio do tecido (Qua-
dro 6-2).6 Como uma referência, o CEO2 para o corpo inteiro é
calculado dividindo-se o débito cardíaco total pelo consumo de
oxigênio total do organismo (VO2). O CEO2 para o corpo todo é
aproximadamente 20 (Quadro 6-2). Se algum órgão específico
tem um CEO2 maior que 20, pode-se considerar que ele está hi-
perperfundido para o seu VO2. Neste caso, a captação de oxigê-
nio e a diferença arteriovenosa de O2 seriam pequenas (é o que
ocorre com os rins, por exemplo). Por outro lado, órgãos como
o coração têm um CEO2 muito baixo e são considerados hipo-
perfundidos com relação ao seu consumo de oxigênio. Um
CEO2 baixo resulta em uma grande diferença arteriovenosa de
O2 e uma PvO2 relativamente baixa. Estes tecidos têm uma taxa
de extração de oxigênio aumentada.
Como se pode notar na tabela, órgãos ou tecidos diferen-
tes exibem CEO2 com larga variação. Entretanto, o sangue de
todos os tecidos, mesmo com CEO2 bem diferente, mistura-se
no coração direito e na artéria pulmonar de modo que a dife-
rença no conteúdo arteriovenoso de O2 de todo o corpo é de
aproximadamente 5,0 ml/dl em repouso. O sangue venoso
misto entra no capilar pulmonar para oxigenação com um
conteúdo de O2 de 15,0 ml/dl e uma PO2 de 40 mmHg. Assim,
aproximadamente três quartos dos locais de ligação do O2 na
hemoglobina já estão ocupados antes de oxigenação iniciar
no capilar pulmonar. Isto indica que em repouso, apenas um
quarto do conteúdo arterial total de O2 foi removido pelos te-
cidos perfundidos pela circulação sistêmica. Assim, muitos te-
cidos podem extrair O2 adicional se necessário mesmo sem
aumentar o fluxo de sangue, apenas aumentando a taxa de ex-
44 Parte II K MONITORIZAÇÃO HEMODINÂMICA
Quadro 6-1. Fatores que afetam a oferta de O2 e a remoção
de CO2 dos tecidos
1. Fluxo de sangue tecidual
2. Número de capilares perfundidos
3. Gradiente de PO2 ou PCO2 entre os capilares e as células
4. Desvios da curva de dissociação da oxi-Hb
5. Concentração da hemoglobina no sangue
tração de oxigênio da hemoglobina.9 Entretanto, a reserva de
conteúdo de O2 de sangue é mais alta em alguns órgãos (pele)
que em outros (cérebro), como refletido por seus respectivos
CEO2.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Philadelphia: Lippincott, 1996.
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disease. 6. ed. Philadelphia: W.B. Saunders Company,
1997. 324-336.
11. West JB. Respiratory physiology, the essentials. 5. ed.
Baltimore: Williams & Wilkins, 1995. 71-88.
45Capítulo 6 K FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR
Quadro 6-2. Equivalente circulatório
Órgão VO2 (ml/min) Q (ml/min) CEO2
CaO2-CvO2
(ml/dl)
CvO2 (ml/dl)
CaO2 = 20 PvO2 (mmHg)
Cérebro 46 700 15,3 6,5 13,0 34
Coração 30 250 8,4 11,6 8,0 22
Abdome 50 1.400 28 3,5 16,0 47
Rins 17 1.100 65 1,5 18,0 64
Músculos 50 850 17 6,0 13,5 36
Pele 12 400 33,3 3,0 16,5 49
Miscelânea 45 300 6,6 15,6 4,0 14
Total 250 5.000 20 5,0 15,0 40
C a p í t u l o 1 7
FISIOLOGIA RESPIRATÓRIA
Álvaro Réa Neto
129
INTRODUÇÃO
ANATOMIA
Laringe
Traquéia e brônquios
Pulmões e pleura
Suprimento sanguíneo
MECANISMO DA RESPIRAÇÃO
Vias motoras
Controle central
PROCESSO RESPIRATÓRIO
Volumes respiratórios
Resistência/complacência
Trabalho da respiração
Difusão
Ventilação/perfusão e “Shunt”
Surfactante
Transporte de oigênio
Circunstâncias especiais
Exercício
Altitude
Causas de hpóxia
FUNÇÕES PULMONARES NÃO-RESPIRATÓRIAS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
INTRODUÇÃO
Todos os tecidos do organismo necessitam de oxigênio
para produzir energia e estão dependentes do seu suprimen-
to contínuo para manter suas funções normais.1 O gás carbô-
nico é o principal produto final da utilização do oxigênio e
também necessita ser continuamente retirado das vizinhan-
ças desses tecidos.
A principal função dos pulmões é de realizar a troca gaso-
sa contínua entre o ar inspirado e o sangue da circulação pul-
monar, suprindo oxigênio e removendo gás carbônico que é
eliminado dos pulmões através da expiração.1-3 A nossa sobre-
vivência depende da integridade, eficiência e manutenção
desse processo, mesmo na vigência de alterações patológicas
ou de um ambiente desfavorável. Para isso, o desenvolvimen-
to evolucionário produziu diversos mecanismos complexos e
uma boa compreensão da fisiologia respiratória torna-se es-
sencial para a segurança do paciente internado numa Unidade
de Terapia Intensiva.
ANATOMIA
O trato respiratório estende-se da boca e do nariz até os
alvéolos.4 As vias aéreas superiores filtram as partículas aéreas
e umidificam e aquecem os gases inspirados. A permeabilida-
de (desobstrução) da via aérea, no nariz e cavidade oral, é
mantida primordialmente pelo esqueleto ósseo, mas na farin-
ge torna-se dependente do tônus dos músculos da língua, pa-
lato mole e paredes da faringe.
Laringe
A laringe situa-se ao nível das vértebras cervicais supe-
riores, C4-6, e seus principais componentes estruturais são as
cartilagens tiróide, cricóide e aritenóides, às quais se junta a
epiglote, que se assenta na abertura laringiana superior.4 Tais
estruturas são conectadas por uma série de ligamentos e
músculos que, através de uma seqüência coordenada de a-
ções, protegem a entrada da laringe dos materiais sólidos e lí-
quidos envolvidos na deglutição, assim como regulam a ten-
são das cordas vocais para a fonação (fala). A técnica compres-
siva da cricóide assenta-se no fato de que sua cartilagem tem
a forma de um anel completo, utilizado para comprimir o esô-
fago (situado posteriormente) contra os corpos vertebrais
C5-6, prevenindo a regurgitação do conteúdo gástrico para a
faringe, principalmente nos momentos em que o paciente se
encontra inconsciente. As cartilagens tiróide e cricóide estão
conectadas anteriormente através da membrana cricotiróide
por onde o acesso à via aérea pode ser obtido em situações
emergenciais.
Traquéia e brônquios
A traquéia estende-se abaixo da cartilagem cricóide até a
carina, ponto onde ocorre sua divisão para os brônquios es-
querdo e direito (em adultos: 12 a 15 cm de comprimento e
diâmetro interno de 1,5 a 2,0 cm).4 Na expiração, a carina si-
tua-se ao nível de T5 (5ª vértebra torácica) e na inspiração em
T6. A maioria de sua circunferência é composta por uma série
de cartilagens em forma de C, sendo que o músculo traqueal,
correndo na vertical, forma a face posterior.
Quando a traquéia bifurca-se, o ângulo do brônquio prin-
cipal direito é menos angulado, em relação à traquéia, do que
o esquerdo. Com isso, materiais que porventura sejam aspira-
dos tendem a dirigir-se mais para o pulmão direito.5,6 Além
disso, o brônquio do lobo superior direito emerge a apenas
2,5 cm da carina, necessitando de acomodação específica em
casos de intubação endobrônquica.
Pulmões e pleura
O pulmão direito divide-se em três lobos (superior, médio
e inferior), ao passo que o esquerdo em apenas dois (superior
e inferior), com divisões posteriores para os segmentos bron-
copulmonares (em número de 10 à direita e 9 à esquerda). No
total existem 23 divisões das vias aéreas entre a traquéia e os
alvéolos.4,6 A parede dos brônquios contém musculatura lisa e
tecido elástico, bem como cartilagens nas vias maiores. A mo-
vimentação gasosa se faz por convecção ou através de um flu-
xo de maré nas grandes vias aéreas, contrastando com a difu-
são que ocorre nas visa aéreas menores (além da divisão 17)
(Fig. 17-1).
A pleura é uma camada dupla que reveste os pulmões; a
que entra em contato com o pulmão propriamente dito é
chamada de pleura visceral, a que reveste a cavidade torácica
130 Parte III K MONITORIZAÇÃO RESPIRATÓRIA
Fig. 17-1. Vias respiratórias.
Z
0
1
2
3
4
17
18
19
20
21
22
23
Traquéia
Brônquios
principais
Brônquios de
transição
Brônquíolos
respiratórios
Sacos
alveolares
Zonadecondução
Espaçomortoanatômico
Zonadedifusão
Zonarespiratória
denomina-se pleura parietal.4 Em circunstâncias normais, o
espaço interpleural, entre as duas camadas, contém apenas
uma pequena quantidade de líquido lubrificante. Os pulmões
e a pleura estendem-se, anteriormente, logo acima da
clavícula até a altura do 8º arco costal, lateralmente ao nível
da 10ª costela e posteriormente até T12.
Suprimento sanguíneo
Os pulmões são dotados de duplo suprimento sanguí-
neo, a circulação pulmonar, para trocas gasosas com os alvéolos
e a circulação brônquica para suprimento do parênquima (teci-
do) do próprio pulmão.3,4,6 A maior parte do sangue da circu-
lação brônquica é drenada para o lado esquerdo do coração,
através das veias pulmonares, sendo que essa quantidade de
sangue não-oxigenado faz parte do shunt fisiológico normal
do organismo. O outro componente desse shunt fisiológico
vem das veias de Thebesian que drenam parte do sangue co-
ronário diretamente às câmaras cardíacas.
A circulação pulmonar constitui-se num sistema de baixa
pressão (25/10 mmHg) e baixa resistência, capaz de acomodar
qualquer aumento substancial no fluxo sanguíneo sem acarre-
tar grandes alterações na pressão graças aos mecanismos de
distensão vascular e recrutamento de capilares não perfundi-
dos.3,4 O principal estímulo capaz de produzir aumento mar-
cante da resistência vascular pulmonar é a hipóxia.
MECANISMO DA RESPIRAÇÃO
Para gerar fluxo aéreo é necessário um gradiente de pres-
são.1,3,6 Na respiração espontânea, o fluxo inspiratório é con-
seguido através da criação de uma pressão subatmosférica
nos alvéolos (da ordem de 5 cmH2O durante a respiração em
estado de repouso) através do aumento no volume da cavida-
de torácica, sob ação da cadeia de músculos inspiratórios. Du-
rante a expiração, a pressão intra-alveolar torna-se levemente
mais elevada do que a pressão atmosférica resultando no flu-
xo de gás em direção à boca.
Vias motoras
O principal músculo responsável pela geração de pressão
intratorácica negativa, que ocasiona a inspiração, é o diafrag-
ma; uma lâmina musculotendinosa que separa o tórax do ab-
dome.2,4 Sua porção muscular é periférica e insere-se nas cos-
telas e vértebras lombares, sendo que a porção central é ten-
dinosa. A inervação é suprida pelos nervos frênicos (C3-5) res-
ponsáveis pela contração que desloca o diafragma em direção
ao conteúdo abdominal, forçando-o para baixo e para fora. Os
músculos intercostais externos produzem o esforço da inspira-
ção adicional (inervados pelos nervos intercostais T1-12) e pe-
los músculos acessórios da respiração, esterno-mastóide e esca-
leno, embora o último tenha importância apenas durante o
exercício ou em processos de estresse respiratório.
Durante o estado de repouso a expiração é um processo
passivo, dependente do recolhimento elástico do pulmão e
da parede torácica. Quando a ventilação é aumentada, no
caso de exercícios, a expiração torna-se ativa através da con-
tração dos músculos da parede abdominal e os intercostais
externos.4 Esses mesmos músculos também são acionados
quando se efetua a manobra de Valsalva.
Controle central
O mecanismo que controla a respiração é complexo. Exis-
te um grupo de centros respiratórios localizados na base do cé-
rebro que produz a atividade respiratória automática.2,4 Essa
será regulada, principalmente, pela descarga de quimiorrecep-
tores (ver abaixo). Este controle pode ser suprimido pelo con-
trole voluntário a partir do córtex cerebral. Os atos voluntários
de segurar a respiração, ofegar ou suspirar constituem-se em
exemplos de tal controle voluntário. O principal centro respi-
ratório situa-se no assoalho do 4º ventrículo, dotado de gru-
pos neuronais inspiratório (dorsal) e expiratório (ventral). Os
neurônios inspiratórios atuam automaticamente, mas os ex-
piratórios são utilizados apenas durante a expiração forçada.
Os dois outros centros principais são o centro apnêustico,
que estimula a inspiração, e o centro pneumotáxico que en-
cerra a inspiração inibindo o grupo neuronal dorsal (citado
acima).
Os quimiorreceptores que regulam a respiração têm loca-
lização central e periférica.1,2 Normalmente, o controle é exer-
cido pelos receptores centrais localizados na medula espinhal
que respondem à concentração de hidrogênio iônico do líqui-
do cefaloespinhal (LCE). Esta é determinada pelo CO2 que se
difunde livremente através da barreira hematocerebral (BHC)
a partir do sangue arterial. A resposta é rápida e sensível a pe-
quenas alterações do CO2 arterial (PaCO2). Além desses, exis-
tem quimiorreceptores periféricos localizados nos corpos ca-
rotídeos e aórticos, a maioria dos quais responde às quedas
de O2 e alguns também às elevações do CO2 arterial. O grau de
hipoxemia necessária para ocasionar uma ativação significati-
va dos receptores de O2, de modo diferente daquela ocasiona-
da em circunstâncias normais, é < 60 mmHg.3 Estes recepto-
res são ativados, por exemplo, na respiração em altitudes ele-
vadas ou na falta de resposta ao CO2 (quando a PaCO2 torna-se
cronicamente elevada ocorre embotamento da sensibilidade
do receptor central). Nesse caso, o bicarbonato plasmático
(HCO3) também estará elevado.2,4
PROCESSO RESPIRATÓRIO
Volumes respiratórios
Os inúmeros termos utilizados para descrever a excursão
(movimentação) pulmonar durante o repouso e na respiração
maximizada estão mostrados na Figura 17-2.1-3
O volume corrente (500 ml) multiplicado pela freqüência
respiratória (14 movimentos respiratórios/minuto) consti-
tui-se no volume minuto (cerca de 7.000 ml/min). Nem todo o
volume corrente toma parte na troca respiratória, já que o
processo só é iniciado quando o ar, ou gás, alcança os bron-
quíolos respiratórios (a partir da divisão 17 da árvore respira-
131Capítulo 17 K FISIOLOGIA RESPIRATÓRIA
tória). Acima deste nível a passagem aérea funciona apenas
como condutora e seu volume é conhecido por espaço morto
anatômico. O volume do espaço morto anatômico é de aproxi-
madamente 2 ml/kg ou 150 ml nos adultos, aproximadamente
30% do volume corrente. A porção do volume corrente que
toma parte da troca respiratória, multiplicada pela freqüência
respiratória é conhecida como ventilação alveolar (cerca de
5.000 ml/min).
A capacidade residual funcional (CRF) é o volume do ar
que permanece nos pulmões no final de uma expiração nor-
mal.3 O ponto no qual ela ocorre (portanto, o valor da CRF) é
determinado através do equilíbrio entre as forças elásticas in-
ternas do pulmão e as forças externas da caixa respiratória (a
maior parte através do tônus muscular). A CRF diminui no de-
cúbito supino, obesidade, gravidez e anestesia, embora não
ocorra diminuição importante com o passar da idade. A CRF
reveste-se de particular importância nos períodos anestési-
cos, a saber:5 1. durante a apnéia, constitui-se no reservatório
do suprimento de oxigênio para o sangue; 2. quando ela dimi-
nui, a distribuição da ventilação dentro dos pulmões sofre al-
teração, ocasionando desequilíbrio com o fluxo sanguíneo
pulmonar (desequilíbrio V/Q); 3. se diminuir abaixo de deter-
minado volume (capacidade de fechamento) ocorre fecha-
mento da via aérea levando ao shunt (ver adiante Ventila-
ção/Perfusão/Shunt).
Resistência/complacência
Na ausência de esforço respiratório, o pulmão repousará
no ponto da CRF. Para mover-se a partir dessa posição e gerar
o movimento respiratório, deverão ser considerados os as-
pectos que se opõem à expansão pulmonar e ao fluxo aéreo,
tornando necessária a interferência da atividade muscular.1,2,5
São eles: a resistência da via aérea e a complacência do pul-
mão e da parede torácica.
Resistência das vias aéreas constitui-se na reação con-
trária ao fluxo aéreo através das vias aéreas condutoras.
Ocorre principalmente nas grandes passagens aéreas (até as
divisões 6-7), além da contribuição fornecida pela resistência
tecidual (produzida pela fricção entre os tecidos pulmonares,
quando deslizam entre si, durante a respiração). O aumento
da resistência, resultante de um estreitamento das vias aéreas
como no broncoespasmo, leva à doença obstrutiva das vias
aéreas.
Complacência denota a capacidade de distensão (elastici-
dade) e no conceito clínico refere-se à combinação entre o
pulmão e a parede torácica, sendo definida como a alteração
do volume por unidade de pressão alterada. Quando a com-
placência é baixa os pulmões tornam-se mais rígidos sendo
necessário esforço maior para inflar o alvéolo. Condições clí-
nicas que pioram a complacência, tais como a fibrose pulmo-
nar, ocasionam doença pulmonar restritiva.
A complacência também pode variar no interior do pul-
mão de acordo com o grau de insuflação como demonstrado
na Figura 17-3. Uma complacência baixa pode ser observada
tanto em volumes baixos (pela dificuldade inicial do pulmão
em inflar) quanto também em volumes elevados (devido à
limitação da expansão da cavidade torácica).1,2,3 Um melhor
grau de complacência pode ser observado no ponto médio da
expansão.
132 Parte III K MONITORIZAÇÃO RESPIRATÓRIA
Fig. 17-2. Volumes respiratórios
em repouso e forçados.
Homem de 70 kg
Capacidade
pulmonar
total
(5.800ml)
Capacidade
vital
(4.600ml)
Capacidade
inspiratória
(3.500ml)
Capacidade
residual
funcional
(2.300ml)
Volume de
reserva
inspiratória
(3.000ml)
Volume
corrente
(450-550 ml)
Volume de
reserva
espiratória
(1.100 ml)
Volume
residual
(1.200 ml)
Volume
residual
(1.200ml)
Fig. 17-3. Curva de complacência para diferentes níveis de
insuflação pulmonar.
V
Ápice
Zona
intermediária
Base
Complacência =
dV
dP
P
P
P
P
V
V
V
Trabalho da respiração
Dentre as duas barreiras limitantes da respiração, resis-
tência aérea e complacência, apenas a primeira requer produ-
ção de trabalho efetivo para ser sobrepujada.3,5,6 A resistência
da passagem aérea ao fluxo está presente durante a inspira-
ção como também na expiração e a energia necessária para
sobrepujá-la, que representa o trabalho da respiração, é dissi-
pada na forma de calor.
Embora, durante a expansão pulmonar, também seja ne-
cessário energia para vencer a complacência, ela não contri-
bui para o trabalho efetivo da respiração e não sofre dissipa-
ção, mas é convertida em potencial energético nos tecidos
elásticos distendidos. Uma parte dessa energia estocada é uti-
lizada para efetuar o trabalho da respiração produzido pela
resistência aérea durante a expiração.
O trabalho da respiração pode ser mais bem representa-
do através de uma curva de pressão/volume do ciclo respira-
tório (Fig. 17-4) que mostra os diferentes caminhos para a ex-
piração e inspiração conhecidos como histerese.2,3,7 O trabalho
total da respiração dentro de um ciclo é a área contida na alça.
Difusão
Os alvéolos possuem uma enorme superfície de área para
efetuar a troca gasosa com o sangue pulmonar (entre 50-100
m2) e são dotados de uma membrana delgada pela qual os ga-
ses devem difundir. A solubilidade do oxigênio é tal que sua
difusão através da membrana alveolocapilar normal consti-
tui-se num processo rápido e eficiente.3,6 Em condições de re-
pouso, o sangue capilar pulmonar entra em contato com o al-
véolo por cerca de 0,75 segundos, atingindo completo equilí-
brio com o oxigênio alveolar logo após cerca de um terço de
seu caminho ao longo desse percurso. Mesmo havendo doen-
ça pulmonar, que restringe a difusão, ainda haverá tempo sufi-
ciente, geralmente, para o completo equilíbrio do oxigênio
no repouso (Fig. 17-5). No entanto, durante o exercício físico,
o fluxo sanguíneo pulmonar é mais rápido, diminuindo a
quantidade disponível de tempo para a troca gasosa. Dessa
forma os portadores de doença pulmonar são incapazes de
oxigenar por completo o sangue pulmonar, apresentando as-
sim uma limitação da habilidade de exercício.
No caso do dióxido de carbono, cuja difusão através da
membrana alveolocapilar é 20 vezes mais rápida que a do oxi-
gênio, os fatores acima relacionados são menos capazes de
influenciar na troca entre sangue e alvéolo.
Ventilação/perfusão e “Shunt”
Numa situação ideal, a ventilação liberada de uma deter-
minada área pulmonar seria suficiente para propiciar a troca
completa entre oxigênio e dióxido de carbono com o sangue
que perfunde essa área. Mas no pulmão normal, nem a venti-
lação (V) ou a perfusão (Q) são distribuídas uniformemente
através da superfície, combinando-se, porém, de modo equili-
brado, sendo que as bases recebem quantidades substancial-
mente maiores de V e Q do que os ápices pulmonares (Fig.
17-6).2,3,5
Em relação à perfusão, a distribuição através do pulmão
depende amplamente dos efeitos da gravidade. Assim, na po-
sição ereta, a pressão de perfusão nas bases pulmonares é
igual à pressão média da artéria pulmonar (15 a 20 cmH2O)
acrescida do valor da pressão hidrostática entre a principal ar-
téria pulmonar e a região da base (aproximadamente 15
cmH2O). Nos ápices pulmonares, a diferença da pressão hi-
drostática é subtraída da pressão da artéria pulmonar, resul-
tando num valor muito baixo da pressão de perfusão. Tal valor
pode, por vezes, ficar abaixo da pressão no alvéolo acarretan-
do compressão do vaso e interrupção intermitente do fluxo
sanguíneo durante a diástole.5
133Capítulo 17 K FISIOLOGIA RESPIRATÓRIA
Fig. 17-4. Trabalho da respiração.
V
P
Expiração
Inspiração
Trabalho da inspiração
Trabalho da expiração
Fig. 17-5. Tempo de difusão do O2 no capilar pulmonar em
condições normais e nas doenças pulmonares.
0 0,25
Tempo no capilar(s)
0,50 0,75
Pressãoparcial
Início do
capilar
Alvéolo
Fim do
capilar
CO2 O (Normal)2
O (Exercício)2
O (Anormal)2
A distribuição da ventilação através do pulmão depende
da posição de cada área na curva de complacência, logo no
início da inspiração normal “em onda de maré” (ponto da
CRF). Como as bases situam-se numa porção de melhor com-
placência da curva, em relação à porção ocupada pelos ápices,
recebem, portanto, maior alteração de volume a partir da al-
teração de pressão aplicada e conseqüentemente maior grau
de ventilação.3,5
Embora a disparidade entre bases e ápices seja menor
para a ventilação do que para a perfusão, no final ocorre uma
boa combinação V/Q e uma eficiente oxigenação do sangue
que passa através dos pulmões.
Distúrbios que interferem nessa distribuição ocasionam
desequilíbrio da relação V/Q (Fig. 17-7).2,3,5 Numa área de baixo
índice V/Q, o sangue que passa por ela será oxigenado por in-
completo, causando redução do nível de oxigênio no sangue
arterial (hipoxemia). Uma vez fornecida ventilação adequada
nessa área de baixo V/Q, a hipoxemia será normalmente corri-
gida através do aumento da FiO2 que restaura a liberação de
oxigênio alveolar em níveis suficientes para a completa oxige-
nação corporal.
O desequilíbrio V/Q é muito comum durante a sedação,
pois a CRF decresce levando a uma alteração da posição do
pulmão na curva de complacência. Assim, os ápices estarão
posicionados na porção mais favorável da curva, enquanto as
bases estarão localizadas na porção menos favorável, na parte
mais baixa da curva.
No desequilíbrio extremo da relação V/Q, uma área pul-
monar que não receba perfusão apresentará o índice V/Q de
valor (infinito) referido como espaço morto alveolar que em
conjunto com o espaço morto anatômico forma o espaço mor-
to fisiológico. A ventilação do espaço morto constitui-se, efeti-
vamente, num desperdício da ventilação.3,5
Por outro lado, uma área pulmonar que não receba venti-
lação, por fechamento ou bloqueio da passagem aérea, apre-
sentará índice V/Q de valor zero, sendo designada como shunt.
O sangue emergirá de uma área de shunt com a PO2 venosa
inalterada (40 mmHg), ocasionando grave hipoxemia arterial.
Essa hipoxemia não pode ser corrigida através do aumento
em FiO2 mesmo em 100% uma vez que a área de shunt não re-
cebe ventilação alguma.3,5
As partes pulmonares bem ventiladas não conseguem
compensar as zonas de shunt, pois a hemoglobina encontra-se
quase completamente saturada numa PO2 normal. Um au-
mento da PO2 desse sangue não será capaz de aumentar subs-
tancialmente o conteúdo de oxigênio.
Portanto, no caso de shunt, a oxigenação adequada ape-
nas poderá ser restabelecida através da restauração da venti-
lação nessas áreas, a partir de medidas fisioterápicas, como a
pressão expiratória final positiva (PEEP) ou CPAP, que liberam
o bloqueio das passagens aéreas e reinsuflam áreas pulmona-
res colapsadas. Uma vez que a capacidade de fechamento (CF)
aumenta progressivamente com a idade, sendo também ele-
vada nos recém-natos, tais pacientes encontram-se sob condi-
ção de risco durante procedimentos anestésicos ou sedativos,
já que a CRF pode tomar um valor abaixo da CF, resultando no
bloqueio da passagem aérea e shunt.3,7,8
Surfactante
Qualquer superfície líquida apresenta uma tensão super-
ficial com tendência das moléculas dessa superfície em se
agregar.3,6 Por esta razão, quando a água repousa sobre uma
superfície, ocorre a formação de gotas arredondadas. Se a
tensão superficial for reduzida, adicionando pequena quanti-
dade de um saponáceo, as gotas entrarão em colapso e a água
formará uma película delgada.
Quando a superfície de um líquido é esférica, ela age no
sentido de gerar uma pressão no interior dessa esfera, de
acordo com a lei de Laplace: P = 2T/R, onde P é a pressão, T é
a tensão e R é a resistência.6
134 Parte III K MONITORIZAÇÃO RESPIRATÓRIA
Fig. 17-6. Distribuição da Ventilação e da Perfusão dentro do
pulmão normal.
Ventilação (V)
Perfusão (P)
Q
V
Base
pulmonar
Ápice
pulmonar
Fig. 17-7. Distúrbios da relação V/Q intrapulmonar normal (A).
Do shunt total (B) até a ventilação de espaço morto alveolar (C).
Desequilíbrio ventilação – Perfusão
O = 402
O2 = 40
0 NORMAL !
O = 1002 O = 1502
CO = 502
CO = 452
CO = 402
CO = 02
CO = 02
B A C
Diminuição
da relação
Aumento
da relação
V /QA
(Perfusão sem ventilação)
V /QA
(Ventilação sem perfusão)
A película do revestimento líquido alveolar exibe uma
tensão superficial que aumenta a pressão nos alvéolos (au-
mentos mais elevados nos alvéolos menores do que nos maio-
res). O surfactante é a substância secretada pelas células epi-
teliais alveolares do tipo II que diminui, de modo intenso, a
tensão superficial dessa superfície respiratória. A substância é
um fosfolipídio (dipalmitol lecitina) e apresenta os seguintes
benefícios fisiológicos: aumento da complacência pulmonar;
redução na tendência que os alvéolos menores apresentam
em esvaziar-se dentro dos maiores acarretando colapso, e re-
dução no extravasamento de fluido, a partir dos capilares pul-
monares, para o interior dos alvéolos através do aumento que
a tensão superficial imprime no gradiente de pressão hidros-
tática dos capilares para os alvéolos.
Transporte de oxigênio
Partindo do índice atmosférico de 159,6 mmHg (21%) ou
21 kPa, o valor da pressão parcial do oxigênio (PO2) sofre 3
etapas de declínio antes de alcançar o sangue arterial.3,8,9 Pri-
meiramente o ar inspirado é umidificado no trato respiratório
superior. A pressão do vapor d'água saturado (47 mmHg) re-
duz a PO2 para um valor em torno de 148 mmHg. Nos alvéo-
los, a troca contínua de dióxido de carbono por oxigênio re-
duz a PO2 para 108 mmHg e finalmente o pequeno shunt fisio-
lógico, normalmente presente, reduz a PO2 para aproximada-
mente 100 mmHg. Portanto, fisiologicamente, a PO2 alveolar
(PAO2) normal num paciente respirando ar ambiente no nível
do mar é cerca de 100 mmHg.
Esta PAO2 pode ser calculada a partir da equação de gás
alveolar:3,6 PAO2 = (PiO2 – 47) – (PACO2/R), onde PAO2 é a pres-
são parcial de oxigênio dentro do alvéolo, PiO2 é a pressão
parcial do oxigênio no gás inspirado, PACO2 é a pressão parcial
do gás carbônico dentro do espaço alveolar e R é o quociente
respiratório, geralmente ao redor de 0,8.
Depois de ocorrida a transferência de oxigênio, através
da membrana capilar alveolar, torna-se necessária a presença
de um sistema eficiente de transporte para os tecidos que se
utilizam do oxigênio para a respiração celular.9 O conteúdo de
oxigênio no sangue representa a soma do oxigênio ligado à
hemoglobina (Hb) e daquele dissolvido no plasma (que pouco
contribui para o total). A Hb é uma grande proteína composta
por 4 subunidades, cada qual contendo o íon ferroso (Fe2+)
dentro da fração heme. Até 4 moléculas de oxigênio são
capazes de se ligar, reversivelmente, a cada molécula de Hb,
uma em cada íon ferroso. O principal fator determinante da
quantidade de oxigênio ligado à Hb é a PO2 (ver capítulo de fi-
siologia cardiovascular).
O achatamento inicial da curva ocorre porque a ligação
da primeira molécula de oxigênio ocasiona uma leve alteração
estrutural na Hb facilitando ligações subseqüentes das demais
moléculas.9 O formato da curva significa que a queda na PO2,
a partir do valor arterial normal, imprime pouco efeito na
saturação de Hb (portanto no conteúdo de oxigênio) até que a
porção mais íngreme da curva seja alcançada, geralmente, por
volta de 60 mmHg. No entanto, uma vez alcançado tal nível de
PO2, o decréscimo posterior resultará em queda dramática da
saturação de Hb.
Diversos fatores podem alterar a afinidade da Hb por
oxigênio, resultando na movimentação da curva para a direita
(acidose, aumento na temperatura ou na concentração da
2,3-DPG) ou para a esquerda (Hb fetal, alcalose, diminuição na
temperatura ou na 2,3-DPG).6,9 O grau de intensidade da
curva de dissociação da oxiemoglobina é dado através da P50,
o nível de PO2 no qual a Hb encontra-se saturada em 50%.
A movimentação da curva para a direita diminui a afinida-
de da Hb por oxigênio. Isso é fisiologicamente útil para os te-
cidos, onde o ambiente levemente ácido estimula a descarga
do oxigênio a partir do sangue – Efeito Bohr. Um desvio da
curva à esquerda aumenta a afinidade da Hb por oxigênio,
ocasionando saturação elevada em determinada PO2. Isso aju-
da a descarga de oxigênio nos capilares pulmonares (levemen-
te alcalinos) sendo de grande vantagem para o feto onde o ní-
vel da PO2 é baixo.
Um grama de Hb, completamente saturada, pode carregar
até 1,34 ml de oxigênio. Numa PO2 de 100 mmHg a Hb estará
normalmente saturada de oxigênio em 97%.6,9 Se a concentra-
ção de Hb for de 150 g/l (15 g/100 ml), o sangue arterial com-
portará aproximadamente 200 ml de oxigênio por litro de san-
gue. Num débito cardíaco de 5 l/min, a quantidade disponível
de oxigênio na circulação periférica será de 1.000 ml/min. Des-
ses, aproximadamente 250 ml/min são utilizados no repouso
perfazendo uma saturação de Hb no sangue venoso de 75%.
A quantidade de oxigênio dissolvido no plasma é de ape-
nas 0,03 ml/litro/mmHg. Quando ar ambiente é respirado ela é
de apenas 3 ml/litro, podendo ser substancialmente elevada
através da utilização da pressão hiperbárica, que torna possí-
vel alcançar um nível adequado para o suprimento das neces-
sidades teciduais (respiração de oxigênio 100% em pressão de
3 atmosferas). Esse procedimento pode ser utilizado para su-
prir a oxigenação nas situações em que a Hb do paciente mos-
trar-se insuficiente ou ineficaz.
Circunstâncias especiais
O estudo das diversas respostas e adaptações fisiológicas
específicas, que ocorrem como resposta às alterações das cir-
cunstâncias normais, torna-se útil no sentido de compreender
de forma mais clara os diferentes mecanismos fisiológicos já
descritos anteriormente. São elas:
Exercício
Durante a atividade física o consumo de oxigênio pode
elevar-se a partir de 250 até 3.000 ml/min 6. As alterações em
resposta a essa demanda aumentada de oxigênio incluem:
Aumento no débito cardíaco, na ventilação e na extração
do oxigênio a partir do sangue.
Acima de determinado nível, o suprimento de oxigênio
não consegue atingir o grau de necessidade, ocorrendo então
o metabolismo anaeróbio que leva à produção de ácido lático.
135Capítulo 17 K FISIOLOGIA RESPIRATÓRIA
Altitude
A resposta aguda à baixa PO2 arterial, resultante da expo-
sição a altitudes elevadas, é regida pela ação dos quimiorre-
ceptores periféricos que ocasionam a hiperventilação (bem
como aumento do débito cardíaco).6 A conseqüente queda da
PCO2 alveolar leva ao aumento da PO2 alveolar (através da
equação dos gases alveolares) elevando a PO2 arterial. No en-
tanto, o decréscimo associado na PCO2 arterial reduz a in-
fluência dos quimiorreceptores centrais, limitando a resposta
hiperventilatória. Tal efeito indesejado é reduzido através de
um mecanismo de compensação metabólica, que surge no
decorrer de 2-3 dias, envolvendo o aumento da excreção renal
de HCO–
3com a queda subseqüente dos níveis de HCO–
3 plas-
mático e da CRF.
Respostas posteriores que melhoram o transporte do
oxigênio incluem a elevação da concentração de 2,3-DPG na
hemácia, levando ao desvio à direita da curva de dissociação
da oxiemoglobina, e a policitemia.
Causas de hipóxia
Hipóxia indica uma situação em que os tecidos são
incapazes de processar as reações oxidativas normais devido
à falência no suprimento ou na utilização do oxigênio. Suas
causas podem ser agrupadas em 4 categorias:5,9
! Hipóxia hipoxêmica: é definida como uma PO2 inadequada no
sangue arterial. Isso pode ser resultado de uma PO2 inade-
quada do ar inspirado (como na altitude), hipoventilação (de
causas periférica ou central) ou por transferência alveoloca-
pilar inapropriada (no shunt ou no desequilíbrio da relação
V/Q).
! Hipóxia anêmica: o conteúdo de oxigênio do sangue arterial
está quase todo ligado à Hb. Na presença de anemia grave,
portanto, o conteúdo de oxigênio diminuirá proporcional-
mente ao grau de redução na concentração de Hb, mesmo
que a PO2 permaneça normal. O mecanismo compensatório
normal que restaura o suprimento de oxigênio é a elevação
do débito cardíaco, mas quando esse não puder mais ser
mantido ocorrerá a hipóxia tecidual. Condições nas quais a
ligação entre a Hb e o oxigênio torna-se comprometida,
como na intoxicação por monóxido de carbono, ocasionam
redução do transporte de O2 de forma semelhante ao que
ocorre na anemia.
! Hipóxia circulatória ou estagnante: na ocorrência de falência
circulatória, mesmo se o conteúdo de oxigênio estiver ade-
quado, o suprimento aos tecidos estará comprometido. Ini-
cialmente a oxigenação tecidual é mantida através do au-
mento na extração de oxigênio do sangue, mas com a piora
da perfusão tecidual este mecanismo torna-se insuficiente
instalando-se a hipóxia dos tecidos.
! Hipóxia citopática ou histotóxica: descreve a situação em que
os processos metabólicos celulares encontram-se diminuí-
dos, bloqueando a utilização do oxigênio pela célula, mes-
mo quando o suprimento de oxigênio aos tecidos está nor-
mal. A causa mais conhecida de hipóxia citopática é a intoxi-
cação por cianeto que inibe a citocromo-oxidase.
FUNÇÕES PULMONARES NÃO-RESPIRATÓRIAS
Enquanto a função principal dos pulmões consiste na tro-
ca respiratória de gás, eles também desempenham outros im-
portantes papéis fisiológicos, incluindo:2,6 reservatório de
sangue disponibilizado para a compensação circulatória, fil-
tragem da circulação (trombos, microagregados etc.), ativida-
de metabólica como ativação da angiotensina I e sua transfor-
mação na angiotensina II e inativação da noradrenalina, bradi-
cinina, serotonina e prostaglandinas e atividade imunológica
como ativação do macrófago alveolar e secreção de IgA no
muco dos brônquios.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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McGraw-Hill, 1995.
2. Nunn JF. Applied respiratory physiology. 3. ed. London:
Butterworth, 1987. 207-239p.
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Baltimore: Williams & Wilkins, 1995. 71-88p.
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Philadelphia: Lippincott, 1996.
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anaesthetist. London: Arnold Publishers, 2001.
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disease. 6. ed. Philadelphia: W.B. Saunders Company,
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wellness. In: Pinsky MR, Dhainaut JFA. Pathophysiologic
foundations of critical care. Baltimore, Williams and
Wilkins, 1993. 119-139p.
136 Parte III K MONITORIZAÇÃO RESPIRATÓRIA
C a p í t u l o 2 3
FISIOLOGIA NEUROLÓGICA
Álvaro Réa Neto
183
INTRODUÇÃO
PRESSÃO INTRACRANIANA
PRESSÃO DE PERFUSÃO CEREBRAL
FLUXO SANGUÍNEO CEREBRAL
AUTO-REGULAÇÃO
ACOPLAMENTO METABÓLICO
DIÓXIDO DE CARBONO
OXIGÊNIO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
INTRODUÇÃO
Muitos pacientes criticamente doentes se apresentam
com doenças neurológicas graves ou desenvolvem complica-
ções neurológicas.1 Uma grande parte destas complicações
resultam de hipoperfusão cerebral.2 Por isso, o conhecimento
da fisiologia do fluxo sanguíneo e do consumo de oxigênio ce-
rebral é importante para aqueles que trabalham em unidades
de terapia intensiva.
Qualquer injúria neurológica pode ter conseqüências de-
vastadoras. Lesão neurológica definitiva do tecido cerebral
com seqüela permanente pode ocorrer no momento da injúria
primária.3 Mas o risco de injúria neurológica adicional por alte-
ração da dinâmica intracraniana também é alto e dependente
de hipertensão intracraniana e de vários outros fatores poten-
cialmente deletérios.4-6 Um grande número de alterações clíni-
cas pode afetar a dinâmica cerebral e o cérebro secundaria-
mente, ampliando a injúria primária. Muitas dessas alterações
podem ser prevenidas ou tratadas precocemente, aumen-
tando a chance de recuperação neurológica desses pacientes.1
Nisso reside a importância do conhecimento da fisiologia e da
monitorização neurológica e a suas conseqüentes interven-
ções efetivas.
Alguns dos fatores envolvidos na injúria neurológica rela-
cionada às alterações da dinâmica cerebral incluem hiper-
tensão intracraniana, regulação do fluxo sanguíneo cerebral,
formação de edema cerebral e alterações no líquor.4,7 Uma
compreensão fisiopatológica plena dos princípios subjacen-
tes à dinâmica cerebral é essencial para o manejo adequado
dos pacientes neurológicos graves.
As alterações fisiológicas que mantêm o fluxo sanguíneo
cerebral (FSC) e acomodam as alterações no volume cerebral
são relativamente complexas, mas fáceis de se entender. Gran-
des avanços no atendimento dos pacientes com graves doen-
ças cerebrais têm se desenvolvido nos últimos 10-15 anos e ba-
seiam-se fundamentalmente na compreensão das regras fisio-
lógicas básicas e do processo fisiopatológico subjacente.1,7,8
O cérebro é capaz de suportar apenas períodos muito
curtos de isquemia, diferentemente dos rins, do fígado e dos
músculos, por exemplo.2,7 Então o FSC deve ser mantido para
assegurar uma oferta constante de oxigênio e glicose, além de
retirar os produtos do metabolismo cerebral.1,8 A manutenção
do FSC depende de um equilíbrio entre a pressão dentro do
crânio, a pressão intracraniana (PIC) e a pressão arterial do
sangue (PAM). É importante manter um FSC relativamente
constante. Assim, quando a PAM diminui, alguns mecanismos
fisiológicos são ativados para manter o FSC e evitar isquemia
neuronal. Este processo é denominado de auto-regulação e
será melhor explicado posteriormente. Da mesma forma, se a
PAM se eleva, o FSC também deve ser mantido senão o cére-
bro incharia pelo aumento do FSC e a PIC se elevaria.
PRESSÃO INTRACRANIANA
O crânio possui, nos adultos, um compartimento rígido
preenchido com 3 componentes: tecido cerebral, sangue e
líquor.3,4,6 De acordo com a doutrina de Monro-Kellie, todos
os três componentes estão em um estado de equilíbrio
dinâmico. Se o volume de um dos componentes aumenta, o
volume de um ou mais dos outros componentes deve di-
minuir ou a pressão intracraniana irá aumentar. Dentro dos
ventrículos, a pressão intracraniana deve ser menor que 15
mmHg.
Os principais elementos dentro do crânio são o encéfalo
(80%), sangue (10-12%) e líquor (8-10%).3,4,6 O volume total é de
cerca de 1600 ml. Como o crânio pode ser visto fisiologi-
camente como uma caixa rígida cheia de líquido, se o volume
de um de seus constituintes aumentar, a pressão dentro do
crânio deverá aumentar a não ser que algum de seus elemen-
tos líquidos possa escapar. E este não pode ser o cérebro, mas
o sangue ou o líquor.
Se o cérebro aumenta de volume, algum sangue ou líquor
deverá escapar de dentro do crânio para que a pressão não se
eleve. Quando isto não puder mais ocorrer, a PIC irá se elevar
acima de seu valor normal (5-15 mmHg). Normalmente, a
resposta inicial é uma redução no volume de líquor do crânio.
O líquor é desviado para dentro do saco espinhal. Desta for-
ma, a PIC é inicialmente controlada. Se o processo patológico
inicial progride com mais aumento de volume, sangue venoso
dos seios e eventualmente mais líquor podem ser forçados a
sair do crânio. Quando este mecanismo de compensação é
exaurido, qualquer aumento maior de volume intracraniano
irá causar um rápido aumento da PIC.
As relações entre as variações de volume e de pressão
dentro do crânio são representadas na Figura 23-1. Ela indica
que um aumento no volume com pouca mudança de pressão
ocorre até um certo ponto, quando pequenos aumentos de vo-
lume acarretam grandes aumentos de pressão. Este ponto
geralmente indica que os mecanismos de compensação se tor-
naram exauridos e uma fase de aumento da PIC compensada
foi sucedida por uma fase descompensada.3
É interessante notar que esta curva clássica representa as
alterações de pressão quando um único compartimento
dentro do crânio varia, neste caso, o líquor. Na prática, quan-
do o aumento do volume cerebral ocorre por um tumor ou
hematoma, a curva é menos íngreme. Gradientes de pressão
se desenvolvem dentro da substância cerebral e, dependendo
184 Parte IV K MONITORIZAÇÃO NEUROLÓGICA
Fig. 23-1. Curva de Langfitt que expressa a relação entre pressão e
volume intracraniano.
PIC
V
Complacência
Elastância
=
=
dV
dPdP
dV
da complacência e da compressibilidade das estruturas adja-
centes e do desenvolvimento de hérnias cerebrais, a curva se
torna geralmente menos abrupta. Aumentos de volume
cerebral localizado podem levar a herniações cerebrais inter-
nas ou externas, acarretar torções do tronco cerebral e lesão
cerebral irreversível (Fig. 23-2).4,5
A complacência intracraniana é de grande importância
para a manutenção da dinâmica intracraniana.2,4 Complacên-
cia intracraniana é a capacidade do crânio de tolerar aumen-
tos no volume sem um aumento correspondente na pressão
intracraniana. Quando a complacência é adequada, um au-
mento no volume do tecido cerebral, de sangue ou de líquor
não produz inicialmente aumento na pressão intracraniana.
Quando a complacência é diminuída, mesmo um pequeno
aumento no volume de qualquer componente intracraniano é
suficiente para causar uma grande elevação na pressão intra-
craniana.
A extensão da elevação da PIC decorrente do aumento do
volume intracraniano é determinada pela complacência ou
compressibilidade do conteúdo intracraniano.4 Quando a
complacência é baixa, o conteúdo é pouco compressível e a
PIC irá se elevar bastante mesmo que com pequenos aumen-
tos de volume. A complacência também afeta a elastância ou a
distensibilidade da parede dos ventrículos. Quando a elastân-
cia é reduzida, a distensibilidade da parede dos ventrículos é
reduzida e, portanto, mais rígida. Conseqüentemente, haverá
uma maior variação de pressão para uma mudança de volume.
Se um cateter estiver inserido dentro de um dos ventrículos
laterais, esta complacência poderá ser avaliada pela injeção
cuidadosa de 1 ml de solução salina isotônica e subseqüente
verificação da variação de pressão. Se a elevação de pressão
for maior que 5 mmHg, então o paciente está numa fase avan-
çada à direita da curva pressão-volume intracraniano, de bai-
xa complacência e sem mais capacidade de compensação.3,6
O volume de sangue contido dentro dos seios venosos é
reduzido a um mínimo como parte do processo de compensa-
ção. Entretanto, se o fluxo livre de sangue venoso for impedi-
do, mesmo que por algumas razões corriqueiras (tosse, au-
mento da pressão intratorácica, veias jugulares obstruídas),
este aumento no volume de sangue venoso num cérebro criti-
camente inchado irá levar a um rápido aumento na PIC. Na
prática é imperativo assegurar que estes pacientes mante-
nham a cabeceira da cama elevada a 30º e a cabeça seja manti-
da numa posição neutra. Isto melhora a drenagem venosa
sem interferência significativa da pressão arterial. A drena-
gem venosa é passiva e maximizada se garantida que nenhu-
ma interferência existe no fluxo livre através das jugulares.
PRESSÃO DE PERFUSÃO CEREBRAL
A pressão de perfusão cerebral (PPC) é definida como a di-
ferença entre a pressão arterial média (PAM) e a pressão veno-
sa jugular (PVJ).2,7 Como esta última é difícil de ser medida e é
influenciada pela PIC, a PVJ geralmente é substituída pela PIC
na avaliação da PPC. A PAM é a pressão arterial diastólica mais
um terço da pressão de pulso (diferença entre a pressão sistó-
lica e diastólica). A PAM então está entre as pressões diastólica
e sistólica, mais próxima da diastólica. Ela é usada como uma
estimativa da “cabeça de pressão” que perfunde o cérebro.
PPC = PAM ! PIC
A PPC normal é de cerca de 80 mmHg, mas quando reduzi-
da abaixo de 50 mmHg aparecem sinais evidentes de isquemia
e atividade elétrica reduzida.1,7 Existem alguns estudos em pa-
cientes com trauma cranioencefálico (TCE) que mostram um
aumento da mortalidade ou de seqüelas neurológicas quando a
PPC cai abaixo de 60-70 mmHg. A monitorização da saturação
do bulbo jugular (SjvO2) pode ser usada para avaliar a adequa-
ção do fluxo sanguíneo cerebral (FSC).1,2,8 A SjvO2 é a saturação
venosa do sangue que deixa o cérebro na base do crânio e sua
variação normal é entre 65-75%. Se o FSC está diminuído abaixo
de um nível crítico, o sangue venoso que deixa o cérebro irá de-
monstrar também uma diminuição na SjvO2. Mais especifica-
mente, quando a PPC é inadequada para o consumo de oxigê-
nio cerebral, a SjvO2 cai demonstrando uma maior extração de
oxigênio pelo cérebro.
185Capítulo 23 K FISIOLOGIA NEUROLÓGICA
Fig. 23-2. Principais herniações cerebrais.HÉRNIAS CEREBRAIS
1-
2-
3-
4-
5-
6-
7-
8-
Injúria cerebral primária
Edema cerebral
Hérnia do giro do cíngulo
Hérnia de Húncus
Kernohan
Hérnia central
Hemorragias de Duret
Hérnia de amígdalas
Falx cerebri
Ventrículo lateral
3º ventrículo
Artéria
cerebral
posterior
Artéria cerebral anterior
Kernohan
Hemorragias
de Duret
Amígdalas
cerebelares
Foramen magnum
Artéria cerebral
posterior
Tenda do cerebelo
Hipocampo
Giro do cíngulo
1
23
45 6
7
8
FLUXO SANGUÍNEO CEREBRAL
O cérebro recebe aproximadamente 750 ml/min de sangue
arterial ou cerca de 15% do total do débito cardíaco em repou-
so, e tem cerca de 20% do consumo de oxigênio corporal.1,2,7
Sob condições normais, este suprimento sanguíneo permane-
ce relativamente constante.
O fluxo sanguíneo cerebral (FSC) é definido como a
velocidade do sangue através da circulação cerebral.5 Uma vez
determinado o FSC, é possível calcular a oferta e o consumo
de oxigênio cerebral (Fig. 23-3).2,5 O FSC normal é de 50-60
ml/100 g/min, variando desde 20 ml/100 g/min na substância
branca até 70 ml/100 g/min em algumas áreas da substância
cinzenta. Crianças entre 2 e 4 anos têm fluxos mais altos, ao
redor de 100-110 ml/100 g/min, e que se “normalizam” ao
longo da adolescência. Se o FSC cair, ocorrerá primeiro uma
diminuição da função neuronal e, posteriormente, lesão irre-
versível. Se, entretanto, o FSC se elevar acima de limites fisio-
lógicos, edema cerebral e áreas de hemorragia podem apare-
cer. Desta forma, o FSC deve ser mantido dentro de valores
normais apesar das flutuações da PPC.1
De acordo com a lei de Ohm, o fluxo é diretamente rela-
cionado com a pressão de perfusão e inversamente relacio-
nado com a resistência cerebrovascular.2,7 Os principais vasos
de resistência cerebral são as pequenas artérias e as arte-
ríolas, as quais são capazes de alterar em até 300% seu diâ-
metro normal. O FSC é mantido e regulado pelas variáveis
presentes na lei de Poiseuille, a qual relaciona o fluxo fisio-
lógico e as variáveis anatômicas do sistema cerebrovascular:
Q = !P " r4/8 l #
Desta forma, o fluxo (Q ou FSC) é diretamente propor-
cional ao gradiente de pressão (!P ou PPC) e à quarta potência
do raio dos vasos de resistência (r4), e inversamente propor-
cional ao comprimento da árvore vascular (l) e a viscosidade
do sangue (#). A PPC é o estímulo primário para as alterações
de auto-regulação, mediada principalmente pelos vasos de
resistência.
Em pacientes com uma injúria intracraniana, essencial-
mente três padrões de fluxo podem ser vistos: hiperêmico,
normal e oligoêmico.1,5 Hiperemia pode causar edema na área
envolvida e predispor a sangramento. Também pode causar
isquemia de áreas adjacentes pelo fenômeno de roubo.
Oligoemia aumenta a vulnerabilidade da área envolvida a
isquemia.
Sob circunstâncias normais, 30 a 40% do oxigênio consu-
mido pelo cérebro é necessário para manutenção da sua in-
tegridade celular,1,2 enquanto o restante é utilizado para rea-
lizar trabalho eletrofisiológico. A energia necessária para a
manutenção da integridade celular do neurônio é direta-
mente relacionada à temperatura cerebral (Fig. 23-4).2 Em
geral, um declínio de 10ºC está associado com uma queda na
taxa de consumo de oxigênio cerebral em 50% (isto significa
um Q10 de 2, ou seja, a mudança no consumo de oxigênio
associada com a alteração na temperatura cerebral). Na prá-
tica clínica isso significa que a depressão metabólica produ-
zida pela hipotermia pode fornecer alguma proteção cerebral
em pacientes adequadamente selecionados. Da mesma
forma, uma elevação na temperatura pode aumentar o risco
de lesão cerebral permanente.
Modificações no nível de atividade elétrica do cérebro
também alteram o consumo de oxigênio (Fig. 23-4).1,2 Depres-
são profunda da atividade, como a produzida por doses eleva-
das de barbitúricos ou benzodiazepínicos, suficiente para ge-
rar eletroencefalogramas com atividade suprimida, podem di-
minuir até a metade o consumo de oxigênio. Pelo contrário,
186 Parte IV K MONITORIZAÇÃO NEUROLÓGICA
Fig. 23-3. Fluxo sanguíneo
cerebral normal e seus limites
funcionais. 100%
35%
20%
0%
Fluxo sanguíneo
cerebral (FSC)
Atividade funcional
da célula
Função
normal
Preservação da
integridade estrutural
Limiar de fluxo
para disfunção
Limiar de fluxo para
lesão da membrana
Lesão
irreversível
FSC
(ml/100g/min)
> 60 Hiperemia
50-60 Normal (± 55)
30-40 EEG lento
20-30 Metab. anaeróbico
15-20 Paralisia fisiológica
< 10-15 Morte celular
Clínica
agitação psicomotora e crises convulsivas aumentam bastan-
te o consumo de oxigênio cerebral. A diminuição da taxa me-
tabólica pode fornecer proteção contra injúria isquêmica, en-
quanto o aumento da taxa metabólica pode precipitar isque-
mia se o paciente não for capaz de aumentar o fluxo sanguí-
neo cerebral para satisfazer o aumento adicional de demanda
metabólica.2
AUTO-REGULAÇÃO
O FSC é mantido num nível relativamente constante mes-
mo frente às flutuações normais na PAM pelo mecanismo de
auto-regulação.2,5,7 Este é um mecanismo vascular de vaso-
constrição e vasodilatação ainda dependendo de uma melhor
compreensão dos seus mecanismos fisiopatológicos. Uma
queda da PPC é compensada com vasodilatação, assim como
uma elevação da PPC é compensada por vasoconstrição, den-
tro de limites fisiológicos. Estes ajustes são regulados prin-
cipalmente pela demanda metabólica, pela inervação sim-
pática e parassimpática e pela concentração de algumas subs-
tâncias como adenosina, óxido nítrico, PaO2 e PaCO2.7
Normalmente a auto-regulação mantém o FSC normal en-
tre uma PAM de 50-60 a 130-140 mmHg. O FSC normal de
50-60 ml/100 g/min a uma PAM de 80-100 mmHg pode ser
mantida às custas de vasodilatação (quando a PAM cai até um li-
mite de 50-60 mmHg) ou vasoconstrição arteriolar cerebral
(quando a PAM se eleva até um limite de 130-140 mmHg), o
que protege o cérebro de isquemia ou hiperemia, apesar das
flutuações fisiológicas da PPC (Fig. 23-5).2,5,7 Nos pacientes com
hipertensão arterial crônica, tanto os limites inferiores quanto
superiores são mais elevados. O uso agressivo de anti-hiper-
tensivos pode diminuir a PAM para valores normais mas abaixo
da capacidade de auto-regulação, podendo comprometer sig-
nificativamente o FSC.
Pacientes com TCE, isquemia cerebral ou agentes vasodi-
latadores (anestésicos voláteis, nitroprussiato de sódio) po-
dem ter diminuição ou perda da auto-regulação cerebral e o
FSC torna-se dependente da PAM. Então, se a PAM se eleva, o
FSC também se eleva e causa um aumento no volume ce-
rebral. Se a PAM cai, o FSC também diminui, reduzindo a PIC
mas podendo acarretar isquemia e necrose.
ACOPLAMENTO METABÓLICO
Acoplamento metabólico refere-se ao equilíbrio da oferta
e demanda de oxigênio e glicose cerebrais.2,5 Normalmente,
estas funções estão intimamente relacionadas e se alteram
proporcionalmente. Durante a ativação cortical, o aumento
no consumo de oxigênio e de glicose é compensado por um
aumento concomitante no FSC regional (Fig. 23-4). O contrá-
rio ocorre durante sedação, anestesia e hipotermia.
Vários mediadores têm sido imputados na mediação en-
tre consumo e demanda metabólica.5 Os principais vasodila-
tadores são o íon hidrogênio, o ácido lático, a concentração
extracelular de potássio, a prostaciclina, a adenosina como
produto de degradação do ATP e o óxido nítrico. O tromboxa-
ne A2 é um importante vasoconstritor.
187Capítulo 23 K FISIOLOGIA NEUROLÓGICA
Fig. 23-4. Efeitos da atividade cerebral e da temperatura sobre o
fluxo sanguíneo e o consumo de oxigênio cerebral.
Fluxosanguíneocerebral
Consumo de oxigênio
Temperatura °C
Consumodeoxigênio
Sedação Acordado Convulsão
6,8
(ml.100g min)-1
5,1
3,4
1,7
27 37 47
Fig. 23-5. Auto-regulação cerebral normal e
alterada patologicamente.
0 50 100 150
PAM (mmHg)
PAM
PAM
Hipóxia
cerebral
Ruptura da BHC
Edema
Banda
Auto-regulatória
FSC
200
Fluxo
Fluxo
Normal
Normal
Hipertensão arterial
crônica
Injúria cerebral
grave
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Fisiologia cardiovascular: circulação, transporte de oxigênio e controle da pressão arterial

  • 1. C a p í t u l o 6 FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR Álvaro Réa Neto 35 INTRODUÇÃO CORAÇÃO Eletrofisiologia do coração Ciclo cardíaco Circulação coronária Débito cardíaco CIRCULAÇÃO SISTÊMICA Fluxo sanguíneo Controle da circulação sistêmica Controle da pressão arterial FISIOLOGIA DO TRANSPORTE DE OXIGÊNIO Transporte de oxigênio Cascata de oxigênio Transporte de oxigênio no sangue Uso metabólico do oxigênio pelas células Troca de gases no tecido O equivalente circulatório REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
  • 2. INTRODUÇÃO O sistema cardiovascular circula o sangue através dos va- sos e capilares pulmonares e sistêmicos com o propósito de troca de oxigênio, gás carbônico, nutrientes, produtos de de- gradação e água nos tecidos periféricos e nos pulmões.1,2 Ele é composto pelo coração e dois sistemas vasculares: as circu- lações sistêmica e pulmonar (Fig. 6-1). O coração, por sua vez, possui os ventrículos direito e esquerdo que funcionam como bombas em série, ejetando sangue através de dois sistemas vasculares – a circulação pulmonar de baixa pressão, onde ocorre a troca gasosa (captação de oxigênio e liberação de gás carbônico pela hemoglobina circulante nas hemácias), e a cir- culação sistêmica que distribui sangue aos órgãos individuais, suprindo as suas demandas metabólicas.1 O fluxo e a pressão sanguínea estão sob intenso controle do sistema nervoso au- tônomo. Este sistema cardiovascular tem muitas funções diferen- tes, dependendo dos tecidos e órgãos que recebem seus su- primentos.1,2 A transferência de oxigênio e gás carbônico en- tre os pulmões e os tecidos periféricos parece ser o papel fundamental deste sistema.3,4 Mas os vasos gastrointestinais absorvem nutrientes dos intestinos e perfundem o fígado. A circulação renal é essencial para a manutenção da hemosta- sia da água e eletrólitos e eliminação de produtos de degra- dação celular e o sistema cardiovascular, também é funda- mental na distribuição dos líquidos nos diversos comparti- mentos extracelulares, na distribuição de hormônios nos ór- gãos-alvo e no transporte de células e substâncias essenciais para a imunidade e coagulação. CORAÇÃO O coração é composto por quatro câmaras e divide-se em dois lados, direito e esquerdo, cada um dotado de um átrio e um ventrículo.1 Os átrios agem como reservatórios de sangue venoso, possuindo leve ação de bombeamento para o enchi- mento ventricular. Em contraste, os ventrículos são as grandes câmaras de propulsão para a remessa de sangue à circulação pulmonar (ventrículo direito) e sistêmica (ventrículo esquerdo). O ventrículo esquerdo é de formato cônico e tem a missão de gerar maior quantidade de pressão do que o direito, sendo, portanto, dotado de parede muscular mais espessa. Quatro vál- vulas asseguram a direção única do fluxo do átrio para o ventrí- culo (valvas atrioventriculares, tricúspide e mitral) e depois para as circulações arteriais (valvas semilunares, pulmonar e aórtica). O miocárdio é composto por células musculares que podem so- frer contração espontânea e também por células marca-passo e de condução dotadas de funções especializadas. Eletrofisiologia do coração A contração do miocárdio resulta de uma alteração na volta- gem, através da membrana celular (despolarização), que leva ao surgimento de um potencial de ação.1,2 A contração miocárdica normalmente ocorre como resposta a esta despolarização (Fig. 6-2). Este impulso elétrico inicia-se no nodo sinoatrial (SA), com- postoporumacoleçãodecélulasmarca-passo,localizadonajun- ção do átrio direito com a veia cava superior. Tais células especia- lizadas despolarizam-se espontaneamente, ocasionando uma onda de contração que passa cruzando o átrio. Após a contração atrial, o impulso sofre um retardo no nodo atrioventricular (AV), localizado na parede septal do átrio direito. A partir daí, as fibras de His-Purkinje promovem a rápida condução do impulso elétri- co através de suas ramificações direita e esquerda, ocasionando quase que simultaneamente a despolarização de ambos os ven- trículos num tempo de aproximadamente 0,2 segundo após a chegada do impulso inicial no nodo sinoatrial. A despolarização da membrana celular miocárdica ocasiona grande elevação na concentração de cálcio no interior da célula, que por sua vez cau- sa contração através da ligação temporária entre duas proteínas, actinaemiosina.Opotencialdeaçãocardíacoémaisprolongado que o do músculo esquelético, e durante esse tempo a célula mi- ocárdica não responde a novos estímulos elétricos.2 36 Parte II K MONITORIZAÇÃO HEMODINÂMICA Fig. 6-1. Estrutura esquemática do sistema cardiovascular. AD AP VP Capilares pulmonares Capilares sistêmicos Vênulas Arteríolas Grandes veias Artérias VD AE VE Fig. 6-2. Potencial de ação ventricular seguido de contração mecânica. Potencial de ação Contração +30 -90 mV 1 0 2 3 4 250 ms
  • 3. Ciclo cardíaco As relações entre os eventos elétrico e mecânico do ciclo cardíaco estão resumidas na Figura 6-3. Existe um ciclo semelhante em ambos os lados do cora- ção, mas as pressões do ventrículo direito e das artérias pul- monares são menores que as do ventrículo esquerdo e aor- ta.1,2,4 Sístole refere-se a contração e diástole a relaxamento. A contração e o relaxamento podem ser isométricos, quando ocorrem alterações na pressão intraventricular sem modifica- ção no comprimento das fibras musculares. O ciclo inicia-se no nodo sinoatrial com uma despolarização que leva à contra- ção do átrio. Durante este tempo o fluxo sanguíneo no interi- or dos ventrículos é passivo, mas a contração atrial aumenta o seu enchimento em 20 a 30%. A sístole ventricular ocasiona o fechamento das valvas atrioventriculares (1ª bulha cardíaca) sendo que a contração é isométrica até que as pressões intra- ventriculares tornem-se suficientes para abrir as valvas pulmo- nar e aórtica, dando início à fase de ejeção. O volume de san- gue ejetado é conhecido como volume de ejeção. Ao final desta fase ocorre o relaxamento ventricular e o fechamento das valvas pulmonar e aórtica (2ª bulha cardíaca). Após o rela- xamento isovolumétrico, as pressões ventriculares diminuem mais do que as pressões atriais. Isso leva à abertura das valvas atrioventriculares e ao início do enchimento ventricular dias- tólico. Todo o ciclo então se repete na seqüência de outro im- pulso a partir do nodo sinoatrial. Circulação coronária O suprimento cardíaco do miocárdio é fornecido pelas ar- térias coronárias que correm pela superfície do coração e divi- dem-se em ramos colaterais para o endocárdio (camada inter- na do miocárdio).1,4 A drenagem venosa é efetuada principalmente através do seio coronário no átrio direito, mas uma pequena porção de san- guefluidiretamentenosventrículosatravésdasveiasdeTebésio, liberando sangue não oxigenado para a circulação sistêmica. 37Capítulo 6 K FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR Fig. 6-3. Ciclo cardíaco. 120 80 0 Pulso venoso jugular Pressão(mmHg) Enchimento ventricular Contração atrial Contração ventricular isovolumétrica Ejeção ventricular Relachamento ventricular isovolumétrico Enchimento ventricular Pressão atrial Pressão ventricular Pressão aórtica QRS Eletrocardiograma P T a c v y x S1 S2Fonocardiograma
  • 4. A extração de oxigênio, pelos tecidos, está na dependência do consumo e da oferta. O consumo de oxigênio do miocárdio é maiselevadoqueodosmúsculosesqueléticos(nomiocárdiosão extraídos 65% do oxigênio arterial, nos músculos esqueléticos, 25%). Assim, qualquer aumento na demanda metabólica do mio- cárdio deve ser compensado por uma elevação do fluxo sanguí- neo coronário. Esta resposta é local, mediada por alterações do tônus da artéria coronária, com apenas uma pequena participa- ção do sistema nervoso autônomo. Débito cardíaco O débito cardíaco (DC) é o produto entre a freqüência cardíaca (FC) e o volume sistólico (VS).4,5 DC = FC ! VS Para um homem com 70 kg os valores normais são: FC = 72/min e VS = 70 ml, fornecendo um rendimento cardíaco de aproximadamente 5 litros/minuto. O índice cardíaco (IC) é o débito cardíaco por metro quadrado da área de superfície cor- poral. Os valores normais variam de 2,5 a 4,0 litros/min/m.6 A freqüência cardíaca é determinada pelo índice de velo- cidade da despolarização espontânea no nodo sinoatrial (ver acima), podendo ser modificada pelo sistema nervoso autô- nomo. O nervo vago atua nos receptores muscarínicos redu- zindo a freqüência cardíaca, ao passo que as fibras simpático- cardíacas estimulam os receptores beta-adrenérgicos, elevan- do-a. O volume sistólico é o volume total de sangue ejetado pelo ventrículo durante uma sístole e é determinado por três fatores principais: pré-carga, pós-carga e contratilidade, con- siderados a seguir: " Pré-carga:éovolumeventricularnofinaldadiástole.Aeleva- ção da pré-carga leva ao aumento do volume de ejeção. A pré-carga depende principalmente do retorno do sangue venosocorporal.3,5 Porsuavez,oretornovenosoéinfluencia- do por alterações da postura, pressão intratorácica, volume sanguíneo e do equilíbrio entre a constrição e dilatação (tô- nus) no sistema venoso. A relação entre o volume diastólico final do ventrículo e o volume de ejeção é conhecida como Lei Cardíaca de Starling, determinando que o volume sistóli- co seja proporcionalmente relacionado ao comprimento ini- cial da fibra muscular (determinado pela pré-carga). Esta ilustração gráfica consta na Figura 6-4. A elevação do volume na fase final da diástole (volume diastólico final) distende a fibra muscular, aumentando as- simaenergiadecontraçãoeovolumedeejeçãoatéumpon- to de sobredistensão, quando então o volume de ejeção não se eleva mais ou pode até efetivamente diminuir.2,4,5 O débi- to cardíaco também aumenta em paralelo com o volume sis- tólico, se não ocorrer alteração na freqüência cardíaca. A curva A ilustra, no coração normal, a elevação do débi- to cardíaco através do aumento no volume diastólico final ventricular (pré-carga). Observe aqui que o aumento da con- tratilidade ocasiona maior débito cardíaco, para uma mes- ma quantidade de volume diastólico final do ventrículo (cur- va D). Na condição patológica do coração (curvas C e D) o débi- to cardíaco não se eleva mesmo quando o volume diastólico final do ventrículo atinge níveis elevados. " Pós-carga: é a resistência à ejeção (propulsão) ventricular ocasionada pela resistência ao fluxo sanguíneo na saída do ventrículo.2,4,5 Ela é determinada principalmente pela resis- tênciavascularsistêmica.Estaéumafunçãododiâmetrodas arteríolas e esfíncteres pré-capilares e da viscosidade san- guínea; quanto mais estreito ou mais contraído os esfíncte- res ou maior a viscosidade, mais elevada será a resistência e, conseqüentemente, a pós-carga. O nível de resistência sistê- mica vascular é controlado pelo sistema simpático, que por sua vez controla o tônus da musculatura da parede das arte- ríolas, regulando o diâmetro. A resistência é medida em uni- dades de dina/segundo/cm.5 A série de curvas do volume sis- tólico com diferentes pós-cargas está mostrada na Figura 6-5, demonstrando a queda do débito cardíaco quando ocorrem aumentos nas pós-cargas (desde que a freqüência cardíaca não se altere). As curvas mostram o comportamento do coração em di- ferentes estados de contratilidade, iniciando a partir da si- tuação cardíaca normal até o choque cardiogênico.5 Essa condição surge quando o coração se torna tão afetado pela doençaqueodébitocardíacomostra-seincapazdemantera perfusão dos tecidos. Também são mostrados os níveis ele- vados impostos pela atividade física ou a adição de inotrópi- cos que requisitam uma elevação correspondente do rendi- mento cardíaco. " Contratilidade: representa a capacidade de contração do mi- ocárdio na ausência de quaisquer alterações na pré-carga ou pós-carga.4,5 Em outras palavras, é a “potência” do músculo cardíaco. A influência mais importante na contratilidade é a do sistema nervoso simpático. Os receptores beta-adre- nérgicos são estimulados pela noradrenalina liberada pelas terminações nervosas, aumentando a contratilidade. Um e- 38 Parte II K MONITORIZAÇÃO HEMODINÂMICA Fig. 6-4. Lei cardíaca de Starling e curvas de Starling relacionando pré-carga com volume sistólico para diferentes estados de contratilidade. Volumesistólico Pré-carga D A B C Contratilidade aumentada Contratilidade diminuída Normal Choque cardiogênico Inotrópicos Exercício físico Estímulo simpático Hipóxia e hipercapnia Isquemia miocárdica Depressão cardíaca Estímulo vagal
  • 5. feitosemelhantepodeserobservadonaadrenalinacirculan- te e em drogas como digoxina e cálcio. A contratilidade é re- duzidapelahipóxia,isquemiadomiocárdio,doençadomio- cárdio e pela administração de beta-bloqueadores ou agen- tes antiarrítmicos. O débito cardíaco sofre modificação para adaptar-se às alterações das demandas metabólicas corporais.4,5,6 Os ren- dimentos apresentados por ambos os ventrículos devem ser idênticosetambémiguaisaoretornovenosodosanguecor- poral. O equilíbrio entre o débito cardíaco e o retorno veno- so pode ser observado durante o processo de resposta à ati- vidade física. Quando o músculo é exercitado, os vasos san- guíneos sofrem dilatação devido ao aumento do metabolis- mo e incremento do fluxo sanguíneo. Isso promove eleva- ções no retorno venoso e na pré-carga do ventrículo direito. Conseqüentemente, maior quantidade de sangue será libe- rada para o ventrículo esquerdo, elevando o débito cardía- co.Tambémhaveráaumentonacontratilidadeenafreqüên- cia cardíaca devido à atividade simpática associada à ativida- de física, aumentando, conseqüentemente, o débito cardía- co para compensar as necessidades dos tecidos. CIRCULAÇÃO SISTÊMICA Os vasos sanguíneos sistêmicos dividem-se em artérias, arteríolas, capilares e veias.2,7 As artérias carregam sangue aos órgãos sob altas pressões, enquanto que as arteríolas são va- sos menores dotados de paredes musculares que permitem um controle direto do fluxo através de cada leito capilar (Fig. 6-6). Os capilares são constituídos por uma camada única de células endoteliais cujas paredes delgadas permitem trocas de nutrientes entre o sangue e os tecidos. As veias promovem o retorno do sangue, a partir dos leitos capilares, até o coração e contém cerca de 70% do volume sanguíneo circulante con- trastando com os 15% representados pelo sistema arterial. As veias atuam como reservatórios e o tônus venoso é importan- te no processo de manutenção do retorno do sangue em dire- ção ao coração; por exemplo, no caso de hemorragia grave quando o estímulo simpático ocasiona venoconstrição. Fluxo sanguíneo A relação entre o fluxo e a pressão motriz é dada através da fórmula de Hagen-Poiseuille, a qual estabelece que o fluxo, no interior de um tubo, é proporcional a: Pressão motriz raio Comprimento viscosidade 4 ! ! Nos vasos sanguíneos o fluxo é de caráter pulsátil ao in- vés de contínuo e a viscosidade varia com a velocidade do flu- xo.7 Assim, a fórmula não é estritamente aplicável, mas serve para ilustrar um ponto importante: pequenas modificações no raio do vaso resultam em grandes alterações no fluxo. As alterações na velocidade do fluxo, tanto nas arteríolas como nos capilares, são devidas a modificações do tônus e conse- qüentemente da circunferência dos vasos, principalmente, e por modificações na pressão motriz e na viscosidade do san- gue. A variável comprimento aqui não é manipulável e é relati- vamente fixa. A pressão motriz é a diferença entre a pressão de entrada e a pressão de saída num determinado segmento. Por exemplo, num leito capilar ela é a diferença entre a pres- 39Capítulo 6 K FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR Fig. 6-5. Relação entre o volume sistólico e a pós-carga. Volumesistólico Contratilidade aumentada Normal Contratilidade diminuída Pós-carga Fig. 6-6. Distribuição das pressões dentro da circulação sistêmica.120 100 80 60 40 20 Pressãoarterialmédia(mmHg) 103 103200 100 Diâmetro interno ( m)" 3 100 Grandes artérias Pequenas artérias Arteríolas Vênulas Veias PVC PMAo Capilares
  • 6. são arteriolar e a pressão venular. Neste caso, ela pode tam- bém ser chamada de pressão de perfusão capilar. A viscosidade descreve a tendência do líquido a resistir ao fluxo.2,4,5 Em fluxos lentos, as células sanguíneas vermelhas tendem a se juntar, aumentando a viscosidade, e a permane- cer na área central do vaso. A porção de sangue mais próxima à parede do vaso (que irriga os ramos colaterais) apresentará, assim, um valor menor de hematócrito. Esse processo é co- nhecido como deslizamento plasmático. A viscosidade sofre redução na presença de anemia e o resultante incremento na velocidade do fluxo auxilia na manutenção do transporte de oxigênio aos tecidos. Controle da circulação sistêmica O tônus das arteríolas determina a velocidade do fluxo em direção aos leitos capilares.7 Uma série de fatores influen- cia o tônus arteriolar incluindo o controle autônomo, hormô- nios circulantes, fatores próprios do endotélio e concentração local de metabólitos. Controle autônomo é amplamente dependente do siste- ma nervoso simpático que inerva todos os vasos à exceção dos capilares. As fibras simpáticas provêm dos segmentos to- rácico e lombar da medula espinhal onde são controladas pe- lo centro vasomotor da medula, que por sua vez é dotado de zonas distintas de vasoconstrição e vasodilatação. Embora exista uma descarga simpática basal adequada para a manu- tenção do tônus vascular, um aumento desse estímulo afeta mais alguns órgãos do que outros (Fig. 6-7). Com isso ocorre uma distribuição do sangue a partir da pele, músculo e vísceras para o cérebro, coração e rins.4,7,8 A elevação da descarga simpática constitui-se numa das respos- tas à hipovolemia, por exemplo, em casos de perdas sanguí- neas graves com o propósito de proteger o suprimento san- guíneo dos órgãos vitais. A influência simpática predominante é a vasoconstrição através dos receptores alfa-adrenérgicos. No entanto, o sistema simpático também pode ocasionar va- soconstrição por estimulação de receptores beta-adrenérgi- cos e colinérgicos, mas apenas na musculatura esquelética. A elevação do fluxo sanguíneo que aporta ao músculo toma par- te importante da reação de “combate ou fuga” quando há pre- visão de atividade física (exercício). Hormônios circulantes como a adrenalina e angiotensina II são potentes vasoconstritores, mas provavelmente ocasio- nam pouco efeito agudo no mecanismo de controle cardio- vascular. Por outro lado, fatores derivados do endotélio de- sempenham papel importante no controle local do fluxo san- guíneo. Tais substâncias podem tanto ser produzidas como modificadas no endotélio vascular e incluem a prostaciclina e o óxido nítrico, ambos potentes vasodilatadores. O acúmulo de metabólitos como CO2, K+, H+, adenosina e lactato ocasio- nam vasodilatação. Essa resposta constitui-se, provavelmen- te, num importante mecanismo de auto-regulação, processo pelo qual o fluxo sanguíneo, através de um órgão, é controla- do localmente permanecendo constante mesmo quando sub- metido a amplo espectro de pressão de perfusão. A au- to-regulação desempenha papel importante principalmente nas circulações cerebral e renal.8,9 Controle da pressão arterial A pressão arterial sistêmica é submetida a um controle cuidadoso no sentido de manutenção da perfusão tecidu- al.2,4,5 A pressão arterial média (PAM) leva em consideração o fluxo sanguíneo pulsátil das artérias e constitui-se no melhor valor de medida para o grau da pressão de perfusão de um ór- gão. A PAM é definida por: PAM = Pressão arterial diastólica + pressão de pulso/3 onde a pressão de pulso é a diferença entre as pressões arteriais sistólica e diastólica. A PAM é o produto entre o débito cardíaco (DC) e a resistência vascular sistêmica (RVS). PAM = RC ! RVS Se o débito cardíaco decresce (p. ex.: quando o retorno venoso diminui na hipovolemia) o valor da PAM também dimi- nuirá, a não ser que surja um aumento compensatório da RVS através da vasoconstrição das arteríolas.5,9 Essa resposta é mediada por barorreceptores, sensores especializados da pressão, localizados no seio carotídeo e arco da aorta e conec- tados ao centro vasomotor. A diminuição da pressão sanguí- nea ocasiona redução de estímulo nos barorreceptores e con- seqüente redução na descarga que esses remetem ao centro vasomotor. Isso causará aumento da descarga simpática, le- vando à vasoconstrição, aumento do índice cardíaco e da con- tratilidade, além da secreção de adrenalina. Da mesma manei- ra, elevações da pressão sanguínea estimulam os barorrecep- tores ocasionando elevação da descarga parassimpática car- 40 Parte II K MONITORIZAÇÃO HEMODINÂMICA Fig. 6-7. Resposta vascular ao estímulo simpático. 1 0 2 4 6 8 10 3 5 10 30 50 100 Pele Resistência vascular Músculo Rim Basal Coração Cérebro
  • 7. díaca, através dos ramos do nervo vago, desacelerando o co- ração. Também ocorre redução da estimulação simpática nos vasos periféricos levando à vasodilatação. As respostas dos barorreceptores propiciam o controle imediato da pressão sanguínea; se a hipotensão for prolonga- da, outros mecanismos entram em operação, como a libera- ção de angiotensina II e aldosterona, a partir dos rins e glân- dulas adrenais, permitindo a retenção circulatória de sais e água e mais vasoconstrição. FISIOLOGIA DO TRANSPORTE DE OXIGÊNIO O sistema cardiovascular deve suprir continuamente os tecidos de nutrientes para sustentar a vida. Nossas células são incapazes de armazenar oxigênio e necessitam deste substra- to para gerar continuamente energia nas mitocôndrias e sus- tentar forças vitais, como o gradiente eletroquímico das membranas celulares, as contrações musculares e a síntese de macromoléculas complexas.9 A falta de oxigênio pode causar lesão tecidual direta devido à exaustão de ATP ou outros in- termediários de alta energia necessários para a manutenção da integridade estrutural das células. Além disso, lesões celu- lares também podem ser intensificadas por radicais livres quando a oferta de oxigênio segue um período de disóxia com acúmulo de adenosina e outros metabólitos celulares. Em organismos unicelulares, a captação de O2 e a elimina- ção de CO2 podem ser realizadas por difusão simples a partir do meio ambiente por causa das distâncias curtas de difusão. Entretanto, organismos mais complexos, como o homem, com grandes distâncias para o transporte de gases, as limita- ções de difusão são sobrepujadas com estruturas especifica- mente projetadas para entregar O2 e remover CO2 das bilhões de células do nosso corpo.6 O modo ativo de vida do homem requer uma disponibilidade abundante e contínua de O2 para a energia necessária para trabalhar e dar apoio à vida. Várias estruturas ajudam a realizar esta tarefa:6 1. os pulmões e sua rede de capilares que proporcionam uma grande área de su- perfície para troca de gases com ar de ambiente; 2. a hemoglo- bina que funciona como portadora especializada para aumen- tar a capacidade de carregar O2 através do sangue; e 3. um sis- tema circulatório, que consiste no coração e no sistema vas- cular que transporta o sangue entre os capilares de troca pul- monares e teciduais. Transporte de oxigênio A microcirculação tem um papel importante na oxigena- ção tecidual porque é através de suas paredes que o oxigênio atravessa do sangue para atingir as células dos tecidos perifé- ricos.7 Cada tecido possui uma arquitetura da microvasculatu- ra que lhe é característica e que, provavelmente, foi adaptada para as necessidades específicas daquele tecido. O oxigênio trafega pelo sistema circulatório dos pulmões até às células, por convecção e difusão.8 Convecção é o processo pelo qual grandes quantidades de oxigênio podem ser transportadas em grandes distâncias (macroscópicas). Os grandes vasos do sistema circulatório são responsáveis pela distribuição efici- ente do sangue oxigenado para todos os órgãos. A convecção continua sendo importante para a distribuição do oxigênio mesmo dentro da rede de microvasos. A difusão é um meca- nismo eficiente de transporte de oxigênio em pequenas dis- tâncias (frações de mícron) e é o meio de transporte de oxigê- nio dos pequenos vasos e capilares para as células. Uma das observações mais interessantes e intrigantes com relação ao transporte de oxigênio através dos capilares é o alto grau de heterogeneidade da perfusão neste nível.6,8 Esta heterogeneidade se expressa pela grande variabilidade na velocidade de trânsito das hemácias e pelo número de he- mácias que transitam pelos capilares na unidade de tempo. Isto se deve a falta de uniformidade nas dimensões dos capila- res nos diversos tecidos. Uma das funções mais importantes do sistema circulató- rio é fornecer uma oferta adequada de oxigênio (DO2) a todos os tecidos do organismo.6,8,9 Vários mecanismos existem para regular esta oferta em resposta às constantes modificações nas necessidades. Nas situações de exercício, há um aumento global na DO2, regulada principalmente pelo sistema nervoso autônomo com aumento na contratilidade e na freqüência cardíaca e aumento no débito cardíaco. Na microcirculação, o aumento na perfusão em resposta a um tecido com demanda aumentada por oxigênio se dá por dois mecanismos: 1. uma diminuição na resistência dos vasos pré-capilares, e 2. um au- mento na taxa de extração de oxigênio.7,8 Cascata de oxigênio A pressão parcial de oxigênio (PO2) apresenta uma queda progressiva desde o ar ambiente até o interior das células, um preço pago pelos animais multicelulares de grande porte (Fig. 6-8).6,10 A PO2 no ar ambiente ao nível do mar é de aproxima- damente 159 mmHg (PiO2 no ar ambiente). Entretanto, no ar inspirado há uma queda na PO2 para 149 mmHg, à medida que o vapor de água é adicionado ao ar inspirado na via aérea superior. A PO2 alveolar é de aproximadamente 104 mmHg porque ar inspirado é diluído quando misturado com ar alveo- 41Capítulo 6 K FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR Fig. 6-8. Cascata de oxigênio. 150 100 50 PO2 Ar quente Traquéia Alvéolo Aorta Capilar Interstício Célula
  • 8. lar rico em CO2. Posteriormente, há mais um declínio na PO2 entre o alvéolo (PAO2) e o sangue arterial (PaO2), o que é deno- minado de diferença alvéolo-arterial de O2 (D(A-a)O2), a qual, geralmente, é menor que 10 mmHg. Isto se deve ao peque- no shunt fisiológico intrapulmonar (cerca de 2% do débito cardíaco). No sangue arterial, a PO2 normal é entre 95 e 100 mmHg no nível do mar. O transporte de moléculas livres de oxigênio entre dois pontos é descrito pela primeira lei da difusão de Fick, que diz que a força de movimento é a diferença de PO2 entre os dois pontos.8,9 O local mais fácil de transporte de oxigênio do san- gue para os tecidos é através dos capilares, devido a sua pare- de mais fina (praticamente uma única camada de células en- doteliais), maior superfície de contato (relação volume/área), baixa velocidade das hemácias circulantes e uma menor dis- tância de difusão entre os capilares e as células parenquimato- sas. No começo do século passado, Krogh formulou um con- ceito matemático simples no qual os capilares eram rodeados por um cilindro concêntrico de tecido e este modelo foi usado para predizer a magnitude da diferença de PO2 necessária para suprir o cilindro com oxigênio e transportar oxigênio até as camadas mais externas do cilindro. Entretanto, nos últimos 30 anos, foi demonstrado que há perda de oxigênio já pelos vasos pré-capilares, embora os capilares continuem a ser os principais vasos de oxigenação tecidual.8 Uma parte conside- rável do oxigênio perdido pelas arteríolas pré-capilares é para as vênulas pós-capilares contíguas às arteríolas. Por isso, a PO2 capilar é bem mais baixa que a das pequenas artérias. Em situ- ações de grande consumo de oxigênio ou de hipoperfusão, uma parte considerável do oxigênio celular pode vir direto das arteríolas.8 Fisiologicamente, quando o sangue arterial sai dos pul- mões e alcança a microcirculação, sua PO2 ainda é cerca de 95 mmHg, mas nos capilares e no líquido intersticial a PO2 média é de 40 mmHg e somente cerca de 23 mmHg dentro das célu- las. A PO2 capilar média é a mesma do líquido intersticial e, conseqüentemente, a PO2 média das vênulas também é de 40 mmHg. Portanto, fisiologicamente, existe uma tremenda dife- rença de pressão inicial (cerca de 40 para 23 mmHg), o que leva o oxigênio a se difundir muito rapidamente do sangue aos tecidos.6,9,10 Transporte de oxigênio no sangue Quando o sangue do capilar pulmonar se equilibra com ar alveolar, a quantidade de oxigênio fisicamente dissolvida no plasma é de apenas 0,3 ml de O2/100 ml de sangue (0,3 vol%). É esta pequena quantidade de oxigênio que é medida na PO2 de 95 mmHg. Quase todo o oxigênio transportado pelo san- gue está reversivelmente ligado à hemoglobina contida den- tro das hemácias.9,11 Dentro dos níveis normais de hemoglo- bina, 98% do oxigênio contido no sangue está ligado nesta forma. Então, o movimento das hemácias representa uma for- ma substancial de transporte de oxigênio. A baixa solubilida- de do oxigênio no plasma resulta numa quantidade negligen- ciável de seu transporte no sangue, exceto sob condições de alta tensão de oxigênio. O conteúdo arterial de oxigênio (CaO2) é dado pela seguinte fórmula:9 CaO2 = (Hb ! SaO2 ! 1,34) + (PaO2 ! 0,0031) onde, Hb é a concentração de hemoglobina no sangue (em g/dl), SaO2 é a saturação arterial de oxigênio (em%), 1,34 é a capacidade máxima de oxigênio que 1 g de Hb é capaz de carregar, PaO2 é a pressão parcial arterial de oxigênio e 0,0031 é o coeficiente de solubilidade do oxigênio no plasma. Em uma pessoa normal, o CaO2 é (15 ! 0,98 ! 1,34) + (95 ! 0,0031), ou 19,69 + 0,29, ou aproximadamente 20 ml de O2/dl de sangue arterial. Embora quase todo o oxigênio seja transportado ligado à Hb, a PaO2 é essencial porque é ela que determina a quantidade de oxigênio carregado pela hemoglo- bina (e, portanto, o conteúdo arterial de oxigênio).11 As hemácias são uma forma ideal de transporte de oxigê- nio. A hemácia tem a forma de um disco bicôncavo, o que per- mite expansão de volume e diminuição nas distâncias de difu- são extracelular.6,10 A membrana da hemácia é livremente per- meável a H2O, CO2 e O2, e exibe consideravelmente mais per- meabilidade a ânions que a cátions. Esta membrana é imper- meável à hemoglobina (Hb), seu principal constituinte. É a he- moglobina dentro da hemácia que se combina com o O2 e o transporta aos tecidos. Cada molécula de Hb é capaz de se combinar com 4 moléculas de oxigênio. Isto fornece uma ca- pacidade máxima de combinação de 1,34 ml de O2/g de Hb. Quando oxigênio combina-se com a Hb, ela é apropriada- mente denominada de oxiemoglobina (oxi-Hb). Quando a Hb está totalmente livre de O2 ela tem uma afinidade relativa- mente baixa para o O2. Entretanto, as cadeias de polipeptídio da Hb interagem de tal maneira que uma vez tendo a primeira molécula de O2 se unido à Hb, há um aumento na facilidade de união com outras moléculas de O2. Esta característica ex- plica a curva de dissociação de oxiemoglobina na forma sig- moidal (Fig. 6-9).6 A quantidade de O2 que se une à Hb é rela- cionada à PO2 do plasma adjacente. No capilar pulmonar nor- mal, a PO2 do plasma é normalmente quase o mesmo da PO2 alveolar.11 A extensão da combinação do O2 com a Hb é deno- minada de saturação da Hb e é medida em porcentagem da capacidade total (SO2). A curva de dissociação de oxiemoglo- bina é formada pela plotagem da SO2 como uma função da PO2. A Hb torna-se aproximadamente 100% saturada com o O2 (SO2 = 100%) quando a PO2 atinge cerca de 250 mmHg. Nor- malmente, a Hb arterial encontra-se tipicamente 97,5% satura- da (SaO2 de 97,5%) em uma PO2 alveolar normal de 95-100 mmHg por causa da forma rara sigmoidal da curva de dissoci- ação da oxi-Hb. O sangue venoso da artéria pulmonar tem uma PO2 normal de 40 mmHg e a SvO2 normal é de 75%. Então, o conteúdo de O2 aumenta no pulmão de cerca de 15 ml/dl de sangue para 20 ml/dl. Normalmente, um paciente adulto com cerca de 70 kg, 15 g/dl de Hb e débito cardíaco de 5 l/min, acrescenta 250 ml de oxigênio no sangue do capilar pulmonar por minuto.9 42 Parte II K MONITORIZAÇÃO HEMODINÂMICA
  • 9. A forma de sigmoidal da curva de dissociação de oxi-Hb tem importância fisiológica tanto para carregar a Hb de O2 nos pulmões quanto para descarregar O2 nos capilares tecidu- ais.6,10 Notem que a porção superior da curva, entre uma PO2 de 70 a 100 mmHg, é quase plana. Esta porção da curva fre- qüentemente é referida como a parte de associação da curva porque é importante no carregamento de O2 (a associação do O2 com a Hb) no capilar pulmonar. A parte de associação da curva assegura uma oxigenação da maior parte da Hb mesmo quando a PO2 alveolar é diminuída devido à altitude ou a do- ença pulmonar. A SO2 diminui de 97,5% numa PO2 de 100 mmHg para 92% numa PO2 de 70 mmHg, ou seja, uma mudan- ça de apenas 1,0 ml/dl no conteúdo O2 de sangue. Assim, esta porção plana da curva de dissociação de oxi-Hb assegura um carregamento quase normal da Hb com O2 mesmo quando a PO2 alveolar é abaixo do normal.6 Por outro lado, a parte inclinada da curva, entre uma PO2 de 20 a 50 mmHg, é denominada a porção de dissociação da cur- va. A porção de dissociação da curva é importante nos capila- res teciduais onde uma quantia grande de O2 pode ser descar- regada com uma mudança relativamente pequena na PO2. Por exemplo, uma diminuição no PO2 de 50 a 20 mmHg reduz o conteúdo O2 de sangue para mais de 10 ml/dl ou aproximada- mente 50%. Assim, uma porção relativamente grande do O2 carregada pela Hb estará disponível para uso pelos tecidos mesmo com uma mudança relativamente pequena na PO2. Em outras palavras, a Hb libera uma quantia relativamente grande de O2 para uma mudança pequena no PO2.8 A transição da porção de associação para a porção de dissociação da curva ocorre normalmente numa PO2 ao redor de 60 mmHg. A curva é muito inclinada para baixo, e relativamente plana aci- ma desta PO2. A P50 é definida como a PO2 do sangue em que 50% da Hb está saturada de oxigênio. Normalmente, a P50 normal é de 26,6 mmHg. A curva de dissociação de oxi-Hb é também ca- paz de se desviar à direita ou à esquerda.6,8,10 Um aumento na PCO2 do sangue ou na concentração do íon de hidrogênio (acidemia) desvia a curva para a direita, ao passo que uma di- minuição em PCO2 ou alcalemia desvia a curva para a esquer- da. Estes desvios na dissociação de oxi-Hb devido às variações na PCO2 ou no pH do sangue são denominados de efeito Bohr. Um aumento na temperatura do sangue ou na concentração eritrocitária da 2,3-difosfoglicerato (2,3-DPG) também desvi- am a curva de dissociação de oxi-Hb para a direita, enquanto uma diminuição na temperatura ou na 2,3-DPG desviam a cur- va para a esquerda. Uma mudança na curva de dissociação de oxi-Hb para a direita significa que mais O2 é liberado para uma dada diminuição na PO2. Dito de outra forma, uma mudança na curva para a direita indica que a afinidade de Hb para O2 é reduzida, de modo que para uma dada PO2 no plasma, mais O2 é libertado da Hb para os tecidos. Em contraste, uma mu- dança na curva para a esquerda significa que mais O2 será uni- do a Hb (afinidade aumentada) para uma dada PO2 e menos O2 está disponível aos tecidos ou é libertado da Hb para uma dada PO2. Pouca mudança significativa ocorre na porção de associa- ção da curva de oxi-Hb com os desvios para a direita ou a es- querda, mas grandes modificações ocorrem na porção de dis- sociação da curva.6 Desvios da curva para a direita significam maior PO2 no plasma para um mesmo conteúdo de O2 no san- gue. Esta maior PO2 plasmática na periferia aumenta o gradi- ente de oxigênio entre o capilar e as células, facilitando a ofer- ta de O2. Um tecido com aumento do seu metabolismo, como um músculo esquelético em exercício, tem aumento na libera- ção de CO2 local, queda no pH microvascular e aumento na temperatura pelo aumento do metabolismo. Todos estes efei- tos facilitam a liberação do oxigênio pela hemoglobina na mi- crovasculatura e garantem uma oxigenação tecidual fisio- lógica.1,9 Uso metabólico do oxigênio pelas células Se o fluxo sanguíneo para um determinado tecido tor- na-se aumentado ou seu metabolismo diminui, a PO2 intersti- cial aumenta, assim como a PO2 venular. A PO2 intersticial e venular diminuem se houver queda do fluxo sanguíneo (vaso- constrição, queda do débito cardíaco etc.) ou se o metabolis- mo tecidual aumentar desproporcionalmente ao fluxo. Em suma, a PO2 tecidual é determinada pelo equilíbrio entre a taxa de oferta de oxigênio aos tecidos e a taxa de consumo de oxigênio por eles mesmos.1,7,8 O oxigênio, sendo incapaz de ser armazenado, é constan- temente consumido pelas células. Portanto, a PO2 intracelular é sempre menor que a PO2 capilar e intersticial. Também, em muitos casos, existe uma considerável distância entre os capi- 43Capítulo 6 K FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR Fig. 6-9. Transporte de oxigênio. SO %2 PO (mmHg)2 100 80 50 20 90 60 30 70 40 10 0 10 30 60 90 12020 50 80 11040 70 100 130 pH = 7,38 ponto V pH = 7,40 ponto A D(a-v)PO2 D(a-v)SO2 ! H , PCO+ 2 ! ! Temp. 2,3 DPG P50 = 27 mmHg 38°C O fisicamente dissolvido no plasma 2 Ponto V (Artéria pulmonar) Ponto A (Veia pulmonar) PVO = SvO = CvO 2 2 2 " PaO = SaO = CaO 2 2 2 " 40 mmHg 75% 15 ml/dl 100 mmHg 97,5% 20 ml/dl
  • 10. lares e as células. Isto explica porque a PO2 normal intracelular pode variar desde valores tão baixos quanto 5 mmHg quanto valores próximos aos 40 mmHg dos capilares, com uma média de 23 mmHg. Desde que valores muito baixos de até somente 1 a 3 mmHg de pressão de oxigênio podem suportar um me- tabolismo celular aeróbio, pode-se ver que uma PO2 de 23 mmHg é mais que adequada e fornece uma considerável re- serva de segurança.6 Somente uma pequena quantidade de PO2 é necessária para que as reações químicas normais intracelulares ocorram. A razão para isto é que o sistema de enzimas respiratório é movimentado mesmo quando a PO2 intracelular é tão baixa quanto 1 a 3 mmHg. Numa PO2 neste nível, a disponibilidade de oxigênio deixa de ser o fator limitante para o metabolismo aeróbio. O principal fator limitante a partir daí passa a ser a concentração de ADP (difosfato de adenosina).6,10 Mesmo que a disponibilidade de oxigênio aumente, seu consumo aumen- tará somente se a concentração de ADP intracelular aumentar, o que significa um aumento nas necessidades de energia devi- do a um consumo aumentado do ATP celular. Somente em condições de hipóxia extrema a disponibilidade de oxigênio torna-se um fator limitante para o metabolismo aeróbio. Quando o oxigênio é utilizado pelas células, a maior par- te dele torna-se dióxido de carbono com um aumento na PCO2 intracelular. A partir daí, o CO2 difunde-se das células para os capilares até os pulmões, onde ele é eliminado pela ventilação alveolar.11 Então, em cada ponto da cadeia de transporte de gases, o CO2 é transportado na direção exata- mente oposta da do oxigênio. A maior diferença é que o CO2 difunde-se 20 vezes mais rapidamente que o oxigênio e, por- tanto, necessita de diferenças ainda menores de pressão par- cial.11 Normalmente, a PCO2 intracelular é de 46 mmHg, a PCO2 intersticial e capilar é de 45 mmHg e a PCO2 arterial é de 40 mmHg. O fluxo de sangue capilar e o metabolismo tecidual afetam a PCO2 intersticial de forma exatamente oposta a que afetam a PO2.10 Troca de gases no tecido Os tecidos em constante metabolismo estão usando O2 e produzindo CO2. As células necessitam de um estoque contí- nuo de O2 para metabolismo aeróbio e requerem remoção contínua de CO2 para conservar o equilíbrio ácido-básico. O fluxo de sangue é essencial tanto para transportar como para manter um gradiente de concentração de O2 e remoção de CO2 nos capilares teciduais. Nos capilares, o O2 difunde-se para a célula, enquanto a difusão de CO2 está na direção inver- sa. Ambos gases movem entre o tubo concêntrico de células por difusão simples em resposta a um gradiente de concen- tração. Vários fatores podem agudamente ou cronicamente aumentar a oferta de O2 ou a remoção de CO2 dos tecidos.1,8 O fluxo de sangue é o principal fator que afeta a oferta de O2 aos tecidos.7 Um aumento no fluxo de sangue tipicamente resulta em um aumento equivalente na entrega de O2. Au- mentar o número de capilares abertos ao fluxo de sangue é um outro meio de aumentar a entrega de O2 a um tecido. Um aumento no gradiente de pressão parcial entre o capilar e o tecido também aumenta a entrega de O2. As mudanças na cur- va de dissociação de oxi-Hb com relação às mudanças no equilíbrio ácido-básico característico do sangue também po- dem alterar a entrega de O2 aos tecidos. Da mesma forma, um aumento no número de hemácias ou no hematócrito (e con- seqüentemente na concentração de hemoglobina) também aumenta a quantia de O2 entregue aos tecidos. Muitos dos fa- tores que aumentam a entrega de O2 também facilitam a re- moção do CO2 (Quadro 6-1).6 O equivalente circulatório Todos os tecidos consomem O2 a uma taxa particular (VO2) e têm taxas típicas de fluxo de sangue em repouso.6,9,11 O equi- valente circulatório (CEO2) reflete quão bem o fluxo de sangue está equilibrado para o consumo de oxigênio do tecido (Qua- dro 6-2).6 Como uma referência, o CEO2 para o corpo inteiro é calculado dividindo-se o débito cardíaco total pelo consumo de oxigênio total do organismo (VO2). O CEO2 para o corpo todo é aproximadamente 20 (Quadro 6-2). Se algum órgão específico tem um CEO2 maior que 20, pode-se considerar que ele está hi- perperfundido para o seu VO2. Neste caso, a captação de oxigê- nio e a diferença arteriovenosa de O2 seriam pequenas (é o que ocorre com os rins, por exemplo). Por outro lado, órgãos como o coração têm um CEO2 muito baixo e são considerados hipo- perfundidos com relação ao seu consumo de oxigênio. Um CEO2 baixo resulta em uma grande diferença arteriovenosa de O2 e uma PvO2 relativamente baixa. Estes tecidos têm uma taxa de extração de oxigênio aumentada. Como se pode notar na tabela, órgãos ou tecidos diferen- tes exibem CEO2 com larga variação. Entretanto, o sangue de todos os tecidos, mesmo com CEO2 bem diferente, mistura-se no coração direito e na artéria pulmonar de modo que a dife- rença no conteúdo arteriovenoso de O2 de todo o corpo é de aproximadamente 5,0 ml/dl em repouso. O sangue venoso misto entra no capilar pulmonar para oxigenação com um conteúdo de O2 de 15,0 ml/dl e uma PO2 de 40 mmHg. Assim, aproximadamente três quartos dos locais de ligação do O2 na hemoglobina já estão ocupados antes de oxigenação iniciar no capilar pulmonar. Isto indica que em repouso, apenas um quarto do conteúdo arterial total de O2 foi removido pelos te- cidos perfundidos pela circulação sistêmica. Assim, muitos te- cidos podem extrair O2 adicional se necessário mesmo sem aumentar o fluxo de sangue, apenas aumentando a taxa de ex- 44 Parte II K MONITORIZAÇÃO HEMODINÂMICA Quadro 6-1. Fatores que afetam a oferta de O2 e a remoção de CO2 dos tecidos 1. Fluxo de sangue tecidual 2. Número de capilares perfundidos 3. Gradiente de PO2 ou PCO2 entre os capilares e as células 4. Desvios da curva de dissociação da oxi-Hb 5. Concentração da hemoglobina no sangue
  • 11. tração de oxigênio da hemoglobina.9 Entretanto, a reserva de conteúdo de O2 de sangue é mais alta em alguns órgãos (pele) que em outros (cérebro), como refletido por seus respectivos CEO2. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Matthews LR: Cardiopulmonary anatomy and physiology. Philadelphia: Lippincott, 1996. 2. Aaronson PI, Ward JPT: The cardiovascular system. Oxford: Blackwell Sciences, 1999. 3. Singer M, Grant I. ABC of intensive care. Chicago: BMJ Books, 1999. 4. Power I, Kam P. Principles of physiology for the anaesthetist. Arnold Publishers, 2001. 5. Schlichtig R. O2 Uptake, critical O2 delivery and tissue wellness. In: Pinsky MR, Dhainaut JFA. Pathophysiologic foundations of critical care. Baltimore: Williams and Wilkins, 1993, 119-139. 6. Nunn JF: Applied respiratory physiology. 3. ed. London: Butterworth, 1987. 207-239P. 7. Berne RM, Levy MN. The microcirculation, in cardiovascular physiology. 8. ed. St Loius: Mosby, Inc, 2001. 155-174. 8. Pittman RN: The microcirculation and tissue oxygenation. In: Sibbald WJ, Messner KFW, Fink MP. Tissue oxygenation in acute medicine. Berlin: Springer-Verlag, 1998. 36-54. 9. Bartlett RH. Oxygen kinetics: integrating hemodynamics, respiratory, and metabolic physiology. In: Bartlett RH. Critical care physiology. Boston: Little, Brown and Company, 1996. 1-23. 10. Guyton AC, Hall JE. Human physiology and mechanisms of disease. 6. ed. Philadelphia: W.B. Saunders Company, 1997. 324-336. 11. West JB. Respiratory physiology, the essentials. 5. ed. Baltimore: Williams & Wilkins, 1995. 71-88. 45Capítulo 6 K FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR Quadro 6-2. Equivalente circulatório Órgão VO2 (ml/min) Q (ml/min) CEO2 CaO2-CvO2 (ml/dl) CvO2 (ml/dl) CaO2 = 20 PvO2 (mmHg) Cérebro 46 700 15,3 6,5 13,0 34 Coração 30 250 8,4 11,6 8,0 22 Abdome 50 1.400 28 3,5 16,0 47 Rins 17 1.100 65 1,5 18,0 64 Músculos 50 850 17 6,0 13,5 36 Pele 12 400 33,3 3,0 16,5 49 Miscelânea 45 300 6,6 15,6 4,0 14 Total 250 5.000 20 5,0 15,0 40
  • 12. C a p í t u l o 1 7 FISIOLOGIA RESPIRATÓRIA Álvaro Réa Neto 129 INTRODUÇÃO ANATOMIA Laringe Traquéia e brônquios Pulmões e pleura Suprimento sanguíneo MECANISMO DA RESPIRAÇÃO Vias motoras Controle central PROCESSO RESPIRATÓRIO Volumes respiratórios Resistência/complacência Trabalho da respiração Difusão Ventilação/perfusão e “Shunt” Surfactante Transporte de oigênio Circunstâncias especiais Exercício Altitude Causas de hpóxia FUNÇÕES PULMONARES NÃO-RESPIRATÓRIAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
  • 13. INTRODUÇÃO Todos os tecidos do organismo necessitam de oxigênio para produzir energia e estão dependentes do seu suprimen- to contínuo para manter suas funções normais.1 O gás carbô- nico é o principal produto final da utilização do oxigênio e também necessita ser continuamente retirado das vizinhan- ças desses tecidos. A principal função dos pulmões é de realizar a troca gaso- sa contínua entre o ar inspirado e o sangue da circulação pul- monar, suprindo oxigênio e removendo gás carbônico que é eliminado dos pulmões através da expiração.1-3 A nossa sobre- vivência depende da integridade, eficiência e manutenção desse processo, mesmo na vigência de alterações patológicas ou de um ambiente desfavorável. Para isso, o desenvolvimen- to evolucionário produziu diversos mecanismos complexos e uma boa compreensão da fisiologia respiratória torna-se es- sencial para a segurança do paciente internado numa Unidade de Terapia Intensiva. ANATOMIA O trato respiratório estende-se da boca e do nariz até os alvéolos.4 As vias aéreas superiores filtram as partículas aéreas e umidificam e aquecem os gases inspirados. A permeabilida- de (desobstrução) da via aérea, no nariz e cavidade oral, é mantida primordialmente pelo esqueleto ósseo, mas na farin- ge torna-se dependente do tônus dos músculos da língua, pa- lato mole e paredes da faringe. Laringe A laringe situa-se ao nível das vértebras cervicais supe- riores, C4-6, e seus principais componentes estruturais são as cartilagens tiróide, cricóide e aritenóides, às quais se junta a epiglote, que se assenta na abertura laringiana superior.4 Tais estruturas são conectadas por uma série de ligamentos e músculos que, através de uma seqüência coordenada de a- ções, protegem a entrada da laringe dos materiais sólidos e lí- quidos envolvidos na deglutição, assim como regulam a ten- são das cordas vocais para a fonação (fala). A técnica compres- siva da cricóide assenta-se no fato de que sua cartilagem tem a forma de um anel completo, utilizado para comprimir o esô- fago (situado posteriormente) contra os corpos vertebrais C5-6, prevenindo a regurgitação do conteúdo gástrico para a faringe, principalmente nos momentos em que o paciente se encontra inconsciente. As cartilagens tiróide e cricóide estão conectadas anteriormente através da membrana cricotiróide por onde o acesso à via aérea pode ser obtido em situações emergenciais. Traquéia e brônquios A traquéia estende-se abaixo da cartilagem cricóide até a carina, ponto onde ocorre sua divisão para os brônquios es- querdo e direito (em adultos: 12 a 15 cm de comprimento e diâmetro interno de 1,5 a 2,0 cm).4 Na expiração, a carina si- tua-se ao nível de T5 (5ª vértebra torácica) e na inspiração em T6. A maioria de sua circunferência é composta por uma série de cartilagens em forma de C, sendo que o músculo traqueal, correndo na vertical, forma a face posterior. Quando a traquéia bifurca-se, o ângulo do brônquio prin- cipal direito é menos angulado, em relação à traquéia, do que o esquerdo. Com isso, materiais que porventura sejam aspira- dos tendem a dirigir-se mais para o pulmão direito.5,6 Além disso, o brônquio do lobo superior direito emerge a apenas 2,5 cm da carina, necessitando de acomodação específica em casos de intubação endobrônquica. Pulmões e pleura O pulmão direito divide-se em três lobos (superior, médio e inferior), ao passo que o esquerdo em apenas dois (superior e inferior), com divisões posteriores para os segmentos bron- copulmonares (em número de 10 à direita e 9 à esquerda). No total existem 23 divisões das vias aéreas entre a traquéia e os alvéolos.4,6 A parede dos brônquios contém musculatura lisa e tecido elástico, bem como cartilagens nas vias maiores. A mo- vimentação gasosa se faz por convecção ou através de um flu- xo de maré nas grandes vias aéreas, contrastando com a difu- são que ocorre nas visa aéreas menores (além da divisão 17) (Fig. 17-1). A pleura é uma camada dupla que reveste os pulmões; a que entra em contato com o pulmão propriamente dito é chamada de pleura visceral, a que reveste a cavidade torácica 130 Parte III K MONITORIZAÇÃO RESPIRATÓRIA Fig. 17-1. Vias respiratórias. Z 0 1 2 3 4 17 18 19 20 21 22 23 Traquéia Brônquios principais Brônquios de transição Brônquíolos respiratórios Sacos alveolares Zonadecondução Espaçomortoanatômico Zonadedifusão Zonarespiratória
  • 14. denomina-se pleura parietal.4 Em circunstâncias normais, o espaço interpleural, entre as duas camadas, contém apenas uma pequena quantidade de líquido lubrificante. Os pulmões e a pleura estendem-se, anteriormente, logo acima da clavícula até a altura do 8º arco costal, lateralmente ao nível da 10ª costela e posteriormente até T12. Suprimento sanguíneo Os pulmões são dotados de duplo suprimento sanguí- neo, a circulação pulmonar, para trocas gasosas com os alvéolos e a circulação brônquica para suprimento do parênquima (teci- do) do próprio pulmão.3,4,6 A maior parte do sangue da circu- lação brônquica é drenada para o lado esquerdo do coração, através das veias pulmonares, sendo que essa quantidade de sangue não-oxigenado faz parte do shunt fisiológico normal do organismo. O outro componente desse shunt fisiológico vem das veias de Thebesian que drenam parte do sangue co- ronário diretamente às câmaras cardíacas. A circulação pulmonar constitui-se num sistema de baixa pressão (25/10 mmHg) e baixa resistência, capaz de acomodar qualquer aumento substancial no fluxo sanguíneo sem acarre- tar grandes alterações na pressão graças aos mecanismos de distensão vascular e recrutamento de capilares não perfundi- dos.3,4 O principal estímulo capaz de produzir aumento mar- cante da resistência vascular pulmonar é a hipóxia. MECANISMO DA RESPIRAÇÃO Para gerar fluxo aéreo é necessário um gradiente de pres- são.1,3,6 Na respiração espontânea, o fluxo inspiratório é con- seguido através da criação de uma pressão subatmosférica nos alvéolos (da ordem de 5 cmH2O durante a respiração em estado de repouso) através do aumento no volume da cavida- de torácica, sob ação da cadeia de músculos inspiratórios. Du- rante a expiração, a pressão intra-alveolar torna-se levemente mais elevada do que a pressão atmosférica resultando no flu- xo de gás em direção à boca. Vias motoras O principal músculo responsável pela geração de pressão intratorácica negativa, que ocasiona a inspiração, é o diafrag- ma; uma lâmina musculotendinosa que separa o tórax do ab- dome.2,4 Sua porção muscular é periférica e insere-se nas cos- telas e vértebras lombares, sendo que a porção central é ten- dinosa. A inervação é suprida pelos nervos frênicos (C3-5) res- ponsáveis pela contração que desloca o diafragma em direção ao conteúdo abdominal, forçando-o para baixo e para fora. Os músculos intercostais externos produzem o esforço da inspira- ção adicional (inervados pelos nervos intercostais T1-12) e pe- los músculos acessórios da respiração, esterno-mastóide e esca- leno, embora o último tenha importância apenas durante o exercício ou em processos de estresse respiratório. Durante o estado de repouso a expiração é um processo passivo, dependente do recolhimento elástico do pulmão e da parede torácica. Quando a ventilação é aumentada, no caso de exercícios, a expiração torna-se ativa através da con- tração dos músculos da parede abdominal e os intercostais externos.4 Esses mesmos músculos também são acionados quando se efetua a manobra de Valsalva. Controle central O mecanismo que controla a respiração é complexo. Exis- te um grupo de centros respiratórios localizados na base do cé- rebro que produz a atividade respiratória automática.2,4 Essa será regulada, principalmente, pela descarga de quimiorrecep- tores (ver abaixo). Este controle pode ser suprimido pelo con- trole voluntário a partir do córtex cerebral. Os atos voluntários de segurar a respiração, ofegar ou suspirar constituem-se em exemplos de tal controle voluntário. O principal centro respi- ratório situa-se no assoalho do 4º ventrículo, dotado de gru- pos neuronais inspiratório (dorsal) e expiratório (ventral). Os neurônios inspiratórios atuam automaticamente, mas os ex- piratórios são utilizados apenas durante a expiração forçada. Os dois outros centros principais são o centro apnêustico, que estimula a inspiração, e o centro pneumotáxico que en- cerra a inspiração inibindo o grupo neuronal dorsal (citado acima). Os quimiorreceptores que regulam a respiração têm loca- lização central e periférica.1,2 Normalmente, o controle é exer- cido pelos receptores centrais localizados na medula espinhal que respondem à concentração de hidrogênio iônico do líqui- do cefaloespinhal (LCE). Esta é determinada pelo CO2 que se difunde livremente através da barreira hematocerebral (BHC) a partir do sangue arterial. A resposta é rápida e sensível a pe- quenas alterações do CO2 arterial (PaCO2). Além desses, exis- tem quimiorreceptores periféricos localizados nos corpos ca- rotídeos e aórticos, a maioria dos quais responde às quedas de O2 e alguns também às elevações do CO2 arterial. O grau de hipoxemia necessária para ocasionar uma ativação significati- va dos receptores de O2, de modo diferente daquela ocasiona- da em circunstâncias normais, é < 60 mmHg.3 Estes recepto- res são ativados, por exemplo, na respiração em altitudes ele- vadas ou na falta de resposta ao CO2 (quando a PaCO2 torna-se cronicamente elevada ocorre embotamento da sensibilidade do receptor central). Nesse caso, o bicarbonato plasmático (HCO3) também estará elevado.2,4 PROCESSO RESPIRATÓRIO Volumes respiratórios Os inúmeros termos utilizados para descrever a excursão (movimentação) pulmonar durante o repouso e na respiração maximizada estão mostrados na Figura 17-2.1-3 O volume corrente (500 ml) multiplicado pela freqüência respiratória (14 movimentos respiratórios/minuto) consti- tui-se no volume minuto (cerca de 7.000 ml/min). Nem todo o volume corrente toma parte na troca respiratória, já que o processo só é iniciado quando o ar, ou gás, alcança os bron- quíolos respiratórios (a partir da divisão 17 da árvore respira- 131Capítulo 17 K FISIOLOGIA RESPIRATÓRIA
  • 15. tória). Acima deste nível a passagem aérea funciona apenas como condutora e seu volume é conhecido por espaço morto anatômico. O volume do espaço morto anatômico é de aproxi- madamente 2 ml/kg ou 150 ml nos adultos, aproximadamente 30% do volume corrente. A porção do volume corrente que toma parte da troca respiratória, multiplicada pela freqüência respiratória é conhecida como ventilação alveolar (cerca de 5.000 ml/min). A capacidade residual funcional (CRF) é o volume do ar que permanece nos pulmões no final de uma expiração nor- mal.3 O ponto no qual ela ocorre (portanto, o valor da CRF) é determinado através do equilíbrio entre as forças elásticas in- ternas do pulmão e as forças externas da caixa respiratória (a maior parte através do tônus muscular). A CRF diminui no de- cúbito supino, obesidade, gravidez e anestesia, embora não ocorra diminuição importante com o passar da idade. A CRF reveste-se de particular importância nos períodos anestési- cos, a saber:5 1. durante a apnéia, constitui-se no reservatório do suprimento de oxigênio para o sangue; 2. quando ela dimi- nui, a distribuição da ventilação dentro dos pulmões sofre al- teração, ocasionando desequilíbrio com o fluxo sanguíneo pulmonar (desequilíbrio V/Q); 3. se diminuir abaixo de deter- minado volume (capacidade de fechamento) ocorre fecha- mento da via aérea levando ao shunt (ver adiante Ventila- ção/Perfusão/Shunt). Resistência/complacência Na ausência de esforço respiratório, o pulmão repousará no ponto da CRF. Para mover-se a partir dessa posição e gerar o movimento respiratório, deverão ser considerados os as- pectos que se opõem à expansão pulmonar e ao fluxo aéreo, tornando necessária a interferência da atividade muscular.1,2,5 São eles: a resistência da via aérea e a complacência do pul- mão e da parede torácica. Resistência das vias aéreas constitui-se na reação con- trária ao fluxo aéreo através das vias aéreas condutoras. Ocorre principalmente nas grandes passagens aéreas (até as divisões 6-7), além da contribuição fornecida pela resistência tecidual (produzida pela fricção entre os tecidos pulmonares, quando deslizam entre si, durante a respiração). O aumento da resistência, resultante de um estreitamento das vias aéreas como no broncoespasmo, leva à doença obstrutiva das vias aéreas. Complacência denota a capacidade de distensão (elastici- dade) e no conceito clínico refere-se à combinação entre o pulmão e a parede torácica, sendo definida como a alteração do volume por unidade de pressão alterada. Quando a com- placência é baixa os pulmões tornam-se mais rígidos sendo necessário esforço maior para inflar o alvéolo. Condições clí- nicas que pioram a complacência, tais como a fibrose pulmo- nar, ocasionam doença pulmonar restritiva. A complacência também pode variar no interior do pul- mão de acordo com o grau de insuflação como demonstrado na Figura 17-3. Uma complacência baixa pode ser observada tanto em volumes baixos (pela dificuldade inicial do pulmão em inflar) quanto também em volumes elevados (devido à limitação da expansão da cavidade torácica).1,2,3 Um melhor grau de complacência pode ser observado no ponto médio da expansão. 132 Parte III K MONITORIZAÇÃO RESPIRATÓRIA Fig. 17-2. Volumes respiratórios em repouso e forçados. Homem de 70 kg Capacidade pulmonar total (5.800ml) Capacidade vital (4.600ml) Capacidade inspiratória (3.500ml) Capacidade residual funcional (2.300ml) Volume de reserva inspiratória (3.000ml) Volume corrente (450-550 ml) Volume de reserva espiratória (1.100 ml) Volume residual (1.200 ml) Volume residual (1.200ml) Fig. 17-3. Curva de complacência para diferentes níveis de insuflação pulmonar. V Ápice Zona intermediária Base Complacência = dV dP P P P P V V V
  • 16. Trabalho da respiração Dentre as duas barreiras limitantes da respiração, resis- tência aérea e complacência, apenas a primeira requer produ- ção de trabalho efetivo para ser sobrepujada.3,5,6 A resistência da passagem aérea ao fluxo está presente durante a inspira- ção como também na expiração e a energia necessária para sobrepujá-la, que representa o trabalho da respiração, é dissi- pada na forma de calor. Embora, durante a expansão pulmonar, também seja ne- cessário energia para vencer a complacência, ela não contri- bui para o trabalho efetivo da respiração e não sofre dissipa- ção, mas é convertida em potencial energético nos tecidos elásticos distendidos. Uma parte dessa energia estocada é uti- lizada para efetuar o trabalho da respiração produzido pela resistência aérea durante a expiração. O trabalho da respiração pode ser mais bem representa- do através de uma curva de pressão/volume do ciclo respira- tório (Fig. 17-4) que mostra os diferentes caminhos para a ex- piração e inspiração conhecidos como histerese.2,3,7 O trabalho total da respiração dentro de um ciclo é a área contida na alça. Difusão Os alvéolos possuem uma enorme superfície de área para efetuar a troca gasosa com o sangue pulmonar (entre 50-100 m2) e são dotados de uma membrana delgada pela qual os ga- ses devem difundir. A solubilidade do oxigênio é tal que sua difusão através da membrana alveolocapilar normal consti- tui-se num processo rápido e eficiente.3,6 Em condições de re- pouso, o sangue capilar pulmonar entra em contato com o al- véolo por cerca de 0,75 segundos, atingindo completo equilí- brio com o oxigênio alveolar logo após cerca de um terço de seu caminho ao longo desse percurso. Mesmo havendo doen- ça pulmonar, que restringe a difusão, ainda haverá tempo sufi- ciente, geralmente, para o completo equilíbrio do oxigênio no repouso (Fig. 17-5). No entanto, durante o exercício físico, o fluxo sanguíneo pulmonar é mais rápido, diminuindo a quantidade disponível de tempo para a troca gasosa. Dessa forma os portadores de doença pulmonar são incapazes de oxigenar por completo o sangue pulmonar, apresentando as- sim uma limitação da habilidade de exercício. No caso do dióxido de carbono, cuja difusão através da membrana alveolocapilar é 20 vezes mais rápida que a do oxi- gênio, os fatores acima relacionados são menos capazes de influenciar na troca entre sangue e alvéolo. Ventilação/perfusão e “Shunt” Numa situação ideal, a ventilação liberada de uma deter- minada área pulmonar seria suficiente para propiciar a troca completa entre oxigênio e dióxido de carbono com o sangue que perfunde essa área. Mas no pulmão normal, nem a venti- lação (V) ou a perfusão (Q) são distribuídas uniformemente através da superfície, combinando-se, porém, de modo equili- brado, sendo que as bases recebem quantidades substancial- mente maiores de V e Q do que os ápices pulmonares (Fig. 17-6).2,3,5 Em relação à perfusão, a distribuição através do pulmão depende amplamente dos efeitos da gravidade. Assim, na po- sição ereta, a pressão de perfusão nas bases pulmonares é igual à pressão média da artéria pulmonar (15 a 20 cmH2O) acrescida do valor da pressão hidrostática entre a principal ar- téria pulmonar e a região da base (aproximadamente 15 cmH2O). Nos ápices pulmonares, a diferença da pressão hi- drostática é subtraída da pressão da artéria pulmonar, resul- tando num valor muito baixo da pressão de perfusão. Tal valor pode, por vezes, ficar abaixo da pressão no alvéolo acarretan- do compressão do vaso e interrupção intermitente do fluxo sanguíneo durante a diástole.5 133Capítulo 17 K FISIOLOGIA RESPIRATÓRIA Fig. 17-4. Trabalho da respiração. V P Expiração Inspiração Trabalho da inspiração Trabalho da expiração Fig. 17-5. Tempo de difusão do O2 no capilar pulmonar em condições normais e nas doenças pulmonares. 0 0,25 Tempo no capilar(s) 0,50 0,75 Pressãoparcial Início do capilar Alvéolo Fim do capilar CO2 O (Normal)2 O (Exercício)2 O (Anormal)2
  • 17. A distribuição da ventilação através do pulmão depende da posição de cada área na curva de complacência, logo no início da inspiração normal “em onda de maré” (ponto da CRF). Como as bases situam-se numa porção de melhor com- placência da curva, em relação à porção ocupada pelos ápices, recebem, portanto, maior alteração de volume a partir da al- teração de pressão aplicada e conseqüentemente maior grau de ventilação.3,5 Embora a disparidade entre bases e ápices seja menor para a ventilação do que para a perfusão, no final ocorre uma boa combinação V/Q e uma eficiente oxigenação do sangue que passa através dos pulmões. Distúrbios que interferem nessa distribuição ocasionam desequilíbrio da relação V/Q (Fig. 17-7).2,3,5 Numa área de baixo índice V/Q, o sangue que passa por ela será oxigenado por in- completo, causando redução do nível de oxigênio no sangue arterial (hipoxemia). Uma vez fornecida ventilação adequada nessa área de baixo V/Q, a hipoxemia será normalmente corri- gida através do aumento da FiO2 que restaura a liberação de oxigênio alveolar em níveis suficientes para a completa oxige- nação corporal. O desequilíbrio V/Q é muito comum durante a sedação, pois a CRF decresce levando a uma alteração da posição do pulmão na curva de complacência. Assim, os ápices estarão posicionados na porção mais favorável da curva, enquanto as bases estarão localizadas na porção menos favorável, na parte mais baixa da curva. No desequilíbrio extremo da relação V/Q, uma área pul- monar que não receba perfusão apresentará o índice V/Q de valor (infinito) referido como espaço morto alveolar que em conjunto com o espaço morto anatômico forma o espaço mor- to fisiológico. A ventilação do espaço morto constitui-se, efeti- vamente, num desperdício da ventilação.3,5 Por outro lado, uma área pulmonar que não receba venti- lação, por fechamento ou bloqueio da passagem aérea, apre- sentará índice V/Q de valor zero, sendo designada como shunt. O sangue emergirá de uma área de shunt com a PO2 venosa inalterada (40 mmHg), ocasionando grave hipoxemia arterial. Essa hipoxemia não pode ser corrigida através do aumento em FiO2 mesmo em 100% uma vez que a área de shunt não re- cebe ventilação alguma.3,5 As partes pulmonares bem ventiladas não conseguem compensar as zonas de shunt, pois a hemoglobina encontra-se quase completamente saturada numa PO2 normal. Um au- mento da PO2 desse sangue não será capaz de aumentar subs- tancialmente o conteúdo de oxigênio. Portanto, no caso de shunt, a oxigenação adequada ape- nas poderá ser restabelecida através da restauração da venti- lação nessas áreas, a partir de medidas fisioterápicas, como a pressão expiratória final positiva (PEEP) ou CPAP, que liberam o bloqueio das passagens aéreas e reinsuflam áreas pulmona- res colapsadas. Uma vez que a capacidade de fechamento (CF) aumenta progressivamente com a idade, sendo também ele- vada nos recém-natos, tais pacientes encontram-se sob condi- ção de risco durante procedimentos anestésicos ou sedativos, já que a CRF pode tomar um valor abaixo da CF, resultando no bloqueio da passagem aérea e shunt.3,7,8 Surfactante Qualquer superfície líquida apresenta uma tensão super- ficial com tendência das moléculas dessa superfície em se agregar.3,6 Por esta razão, quando a água repousa sobre uma superfície, ocorre a formação de gotas arredondadas. Se a tensão superficial for reduzida, adicionando pequena quanti- dade de um saponáceo, as gotas entrarão em colapso e a água formará uma película delgada. Quando a superfície de um líquido é esférica, ela age no sentido de gerar uma pressão no interior dessa esfera, de acordo com a lei de Laplace: P = 2T/R, onde P é a pressão, T é a tensão e R é a resistência.6 134 Parte III K MONITORIZAÇÃO RESPIRATÓRIA Fig. 17-6. Distribuição da Ventilação e da Perfusão dentro do pulmão normal. Ventilação (V) Perfusão (P) Q V Base pulmonar Ápice pulmonar Fig. 17-7. Distúrbios da relação V/Q intrapulmonar normal (A). Do shunt total (B) até a ventilação de espaço morto alveolar (C). Desequilíbrio ventilação – Perfusão O = 402 O2 = 40 0 NORMAL ! O = 1002 O = 1502 CO = 502 CO = 452 CO = 402 CO = 02 CO = 02 B A C Diminuição da relação Aumento da relação V /QA (Perfusão sem ventilação) V /QA (Ventilação sem perfusão)
  • 18. A película do revestimento líquido alveolar exibe uma tensão superficial que aumenta a pressão nos alvéolos (au- mentos mais elevados nos alvéolos menores do que nos maio- res). O surfactante é a substância secretada pelas células epi- teliais alveolares do tipo II que diminui, de modo intenso, a tensão superficial dessa superfície respiratória. A substância é um fosfolipídio (dipalmitol lecitina) e apresenta os seguintes benefícios fisiológicos: aumento da complacência pulmonar; redução na tendência que os alvéolos menores apresentam em esvaziar-se dentro dos maiores acarretando colapso, e re- dução no extravasamento de fluido, a partir dos capilares pul- monares, para o interior dos alvéolos através do aumento que a tensão superficial imprime no gradiente de pressão hidros- tática dos capilares para os alvéolos. Transporte de oxigênio Partindo do índice atmosférico de 159,6 mmHg (21%) ou 21 kPa, o valor da pressão parcial do oxigênio (PO2) sofre 3 etapas de declínio antes de alcançar o sangue arterial.3,8,9 Pri- meiramente o ar inspirado é umidificado no trato respiratório superior. A pressão do vapor d'água saturado (47 mmHg) re- duz a PO2 para um valor em torno de 148 mmHg. Nos alvéo- los, a troca contínua de dióxido de carbono por oxigênio re- duz a PO2 para 108 mmHg e finalmente o pequeno shunt fisio- lógico, normalmente presente, reduz a PO2 para aproximada- mente 100 mmHg. Portanto, fisiologicamente, a PO2 alveolar (PAO2) normal num paciente respirando ar ambiente no nível do mar é cerca de 100 mmHg. Esta PAO2 pode ser calculada a partir da equação de gás alveolar:3,6 PAO2 = (PiO2 – 47) – (PACO2/R), onde PAO2 é a pres- são parcial de oxigênio dentro do alvéolo, PiO2 é a pressão parcial do oxigênio no gás inspirado, PACO2 é a pressão parcial do gás carbônico dentro do espaço alveolar e R é o quociente respiratório, geralmente ao redor de 0,8. Depois de ocorrida a transferência de oxigênio, através da membrana capilar alveolar, torna-se necessária a presença de um sistema eficiente de transporte para os tecidos que se utilizam do oxigênio para a respiração celular.9 O conteúdo de oxigênio no sangue representa a soma do oxigênio ligado à hemoglobina (Hb) e daquele dissolvido no plasma (que pouco contribui para o total). A Hb é uma grande proteína composta por 4 subunidades, cada qual contendo o íon ferroso (Fe2+) dentro da fração heme. Até 4 moléculas de oxigênio são capazes de se ligar, reversivelmente, a cada molécula de Hb, uma em cada íon ferroso. O principal fator determinante da quantidade de oxigênio ligado à Hb é a PO2 (ver capítulo de fi- siologia cardiovascular). O achatamento inicial da curva ocorre porque a ligação da primeira molécula de oxigênio ocasiona uma leve alteração estrutural na Hb facilitando ligações subseqüentes das demais moléculas.9 O formato da curva significa que a queda na PO2, a partir do valor arterial normal, imprime pouco efeito na saturação de Hb (portanto no conteúdo de oxigênio) até que a porção mais íngreme da curva seja alcançada, geralmente, por volta de 60 mmHg. No entanto, uma vez alcançado tal nível de PO2, o decréscimo posterior resultará em queda dramática da saturação de Hb. Diversos fatores podem alterar a afinidade da Hb por oxigênio, resultando na movimentação da curva para a direita (acidose, aumento na temperatura ou na concentração da 2,3-DPG) ou para a esquerda (Hb fetal, alcalose, diminuição na temperatura ou na 2,3-DPG).6,9 O grau de intensidade da curva de dissociação da oxiemoglobina é dado através da P50, o nível de PO2 no qual a Hb encontra-se saturada em 50%. A movimentação da curva para a direita diminui a afinida- de da Hb por oxigênio. Isso é fisiologicamente útil para os te- cidos, onde o ambiente levemente ácido estimula a descarga do oxigênio a partir do sangue – Efeito Bohr. Um desvio da curva à esquerda aumenta a afinidade da Hb por oxigênio, ocasionando saturação elevada em determinada PO2. Isso aju- da a descarga de oxigênio nos capilares pulmonares (levemen- te alcalinos) sendo de grande vantagem para o feto onde o ní- vel da PO2 é baixo. Um grama de Hb, completamente saturada, pode carregar até 1,34 ml de oxigênio. Numa PO2 de 100 mmHg a Hb estará normalmente saturada de oxigênio em 97%.6,9 Se a concentra- ção de Hb for de 150 g/l (15 g/100 ml), o sangue arterial com- portará aproximadamente 200 ml de oxigênio por litro de san- gue. Num débito cardíaco de 5 l/min, a quantidade disponível de oxigênio na circulação periférica será de 1.000 ml/min. Des- ses, aproximadamente 250 ml/min são utilizados no repouso perfazendo uma saturação de Hb no sangue venoso de 75%. A quantidade de oxigênio dissolvido no plasma é de ape- nas 0,03 ml/litro/mmHg. Quando ar ambiente é respirado ela é de apenas 3 ml/litro, podendo ser substancialmente elevada através da utilização da pressão hiperbárica, que torna possí- vel alcançar um nível adequado para o suprimento das neces- sidades teciduais (respiração de oxigênio 100% em pressão de 3 atmosferas). Esse procedimento pode ser utilizado para su- prir a oxigenação nas situações em que a Hb do paciente mos- trar-se insuficiente ou ineficaz. Circunstâncias especiais O estudo das diversas respostas e adaptações fisiológicas específicas, que ocorrem como resposta às alterações das cir- cunstâncias normais, torna-se útil no sentido de compreender de forma mais clara os diferentes mecanismos fisiológicos já descritos anteriormente. São elas: Exercício Durante a atividade física o consumo de oxigênio pode elevar-se a partir de 250 até 3.000 ml/min 6. As alterações em resposta a essa demanda aumentada de oxigênio incluem: Aumento no débito cardíaco, na ventilação e na extração do oxigênio a partir do sangue. Acima de determinado nível, o suprimento de oxigênio não consegue atingir o grau de necessidade, ocorrendo então o metabolismo anaeróbio que leva à produção de ácido lático. 135Capítulo 17 K FISIOLOGIA RESPIRATÓRIA
  • 19. Altitude A resposta aguda à baixa PO2 arterial, resultante da expo- sição a altitudes elevadas, é regida pela ação dos quimiorre- ceptores periféricos que ocasionam a hiperventilação (bem como aumento do débito cardíaco).6 A conseqüente queda da PCO2 alveolar leva ao aumento da PO2 alveolar (através da equação dos gases alveolares) elevando a PO2 arterial. No en- tanto, o decréscimo associado na PCO2 arterial reduz a in- fluência dos quimiorreceptores centrais, limitando a resposta hiperventilatória. Tal efeito indesejado é reduzido através de um mecanismo de compensação metabólica, que surge no decorrer de 2-3 dias, envolvendo o aumento da excreção renal de HCO– 3com a queda subseqüente dos níveis de HCO– 3 plas- mático e da CRF. Respostas posteriores que melhoram o transporte do oxigênio incluem a elevação da concentração de 2,3-DPG na hemácia, levando ao desvio à direita da curva de dissociação da oxiemoglobina, e a policitemia. Causas de hipóxia Hipóxia indica uma situação em que os tecidos são incapazes de processar as reações oxidativas normais devido à falência no suprimento ou na utilização do oxigênio. Suas causas podem ser agrupadas em 4 categorias:5,9 ! Hipóxia hipoxêmica: é definida como uma PO2 inadequada no sangue arterial. Isso pode ser resultado de uma PO2 inade- quada do ar inspirado (como na altitude), hipoventilação (de causas periférica ou central) ou por transferência alveoloca- pilar inapropriada (no shunt ou no desequilíbrio da relação V/Q). ! Hipóxia anêmica: o conteúdo de oxigênio do sangue arterial está quase todo ligado à Hb. Na presença de anemia grave, portanto, o conteúdo de oxigênio diminuirá proporcional- mente ao grau de redução na concentração de Hb, mesmo que a PO2 permaneça normal. O mecanismo compensatório normal que restaura o suprimento de oxigênio é a elevação do débito cardíaco, mas quando esse não puder mais ser mantido ocorrerá a hipóxia tecidual. Condições nas quais a ligação entre a Hb e o oxigênio torna-se comprometida, como na intoxicação por monóxido de carbono, ocasionam redução do transporte de O2 de forma semelhante ao que ocorre na anemia. ! Hipóxia circulatória ou estagnante: na ocorrência de falência circulatória, mesmo se o conteúdo de oxigênio estiver ade- quado, o suprimento aos tecidos estará comprometido. Ini- cialmente a oxigenação tecidual é mantida através do au- mento na extração de oxigênio do sangue, mas com a piora da perfusão tecidual este mecanismo torna-se insuficiente instalando-se a hipóxia dos tecidos. ! Hipóxia citopática ou histotóxica: descreve a situação em que os processos metabólicos celulares encontram-se diminuí- dos, bloqueando a utilização do oxigênio pela célula, mes- mo quando o suprimento de oxigênio aos tecidos está nor- mal. A causa mais conhecida de hipóxia citopática é a intoxi- cação por cianeto que inibe a citocromo-oxidase. FUNÇÕES PULMONARES NÃO-RESPIRATÓRIAS Enquanto a função principal dos pulmões consiste na tro- ca respiratória de gás, eles também desempenham outros im- portantes papéis fisiológicos, incluindo:2,6 reservatório de sangue disponibilizado para a compensação circulatória, fil- tragem da circulação (trombos, microagregados etc.), ativida- de metabólica como ativação da angiotensina I e sua transfor- mação na angiotensina II e inativação da noradrenalina, bradi- cinina, serotonina e prostaglandinas e atividade imunológica como ativação do macrófago alveolar e secreção de IgA no muco dos brônquios. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Levitzki MG. Pulmonary physiology. 4. ed. New York: McGraw-Hill, 1995. 2. Nunn JF. Applied respiratory physiology. 3. ed. London: Butterworth, 1987. 207-239p. 3. West JB. Respiratory physiology, the essentials. 5. ed. Baltimore: Williams & Wilkins, 1995. 71-88p. 4. Matthews LR. Cardiopulmonary anatomy and physiology. Philadelphia: Lippincott, 1996. 5. Power I, Kam P. Principles of physiology for the anaesthetist. London: Arnold Publishers, 2001. 6. Guyton AC, Hall JE. Human physiology and mechanisms of disease. 6. ed. Philadelphia: W.B. Saunders Company, 1997. 324-336p. 7. Davidson C, Treacher D. Respiratory critical care. London: Arnold Publishers, 2002. 8. Griffiths MJD, Evans TW. Respiratory management in critical care. Navarra: BMJ Publishing Group, 2004. 9. Schlichtig R. O2 uptake, critical O2 delivery and tissue wellness. In: Pinsky MR, Dhainaut JFA. Pathophysiologic foundations of critical care. Baltimore, Williams and Wilkins, 1993. 119-139p. 136 Parte III K MONITORIZAÇÃO RESPIRATÓRIA
  • 20. C a p í t u l o 2 3 FISIOLOGIA NEUROLÓGICA Álvaro Réa Neto 183 INTRODUÇÃO PRESSÃO INTRACRANIANA PRESSÃO DE PERFUSÃO CEREBRAL FLUXO SANGUÍNEO CEREBRAL AUTO-REGULAÇÃO ACOPLAMENTO METABÓLICO DIÓXIDO DE CARBONO OXIGÊNIO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
  • 21. INTRODUÇÃO Muitos pacientes criticamente doentes se apresentam com doenças neurológicas graves ou desenvolvem complica- ções neurológicas.1 Uma grande parte destas complicações resultam de hipoperfusão cerebral.2 Por isso, o conhecimento da fisiologia do fluxo sanguíneo e do consumo de oxigênio ce- rebral é importante para aqueles que trabalham em unidades de terapia intensiva. Qualquer injúria neurológica pode ter conseqüências de- vastadoras. Lesão neurológica definitiva do tecido cerebral com seqüela permanente pode ocorrer no momento da injúria primária.3 Mas o risco de injúria neurológica adicional por alte- ração da dinâmica intracraniana também é alto e dependente de hipertensão intracraniana e de vários outros fatores poten- cialmente deletérios.4-6 Um grande número de alterações clíni- cas pode afetar a dinâmica cerebral e o cérebro secundaria- mente, ampliando a injúria primária. Muitas dessas alterações podem ser prevenidas ou tratadas precocemente, aumen- tando a chance de recuperação neurológica desses pacientes.1 Nisso reside a importância do conhecimento da fisiologia e da monitorização neurológica e a suas conseqüentes interven- ções efetivas. Alguns dos fatores envolvidos na injúria neurológica rela- cionada às alterações da dinâmica cerebral incluem hiper- tensão intracraniana, regulação do fluxo sanguíneo cerebral, formação de edema cerebral e alterações no líquor.4,7 Uma compreensão fisiopatológica plena dos princípios subjacen- tes à dinâmica cerebral é essencial para o manejo adequado dos pacientes neurológicos graves. As alterações fisiológicas que mantêm o fluxo sanguíneo cerebral (FSC) e acomodam as alterações no volume cerebral são relativamente complexas, mas fáceis de se entender. Gran- des avanços no atendimento dos pacientes com graves doen- ças cerebrais têm se desenvolvido nos últimos 10-15 anos e ba- seiam-se fundamentalmente na compreensão das regras fisio- lógicas básicas e do processo fisiopatológico subjacente.1,7,8 O cérebro é capaz de suportar apenas períodos muito curtos de isquemia, diferentemente dos rins, do fígado e dos músculos, por exemplo.2,7 Então o FSC deve ser mantido para assegurar uma oferta constante de oxigênio e glicose, além de retirar os produtos do metabolismo cerebral.1,8 A manutenção do FSC depende de um equilíbrio entre a pressão dentro do crânio, a pressão intracraniana (PIC) e a pressão arterial do sangue (PAM). É importante manter um FSC relativamente constante. Assim, quando a PAM diminui, alguns mecanismos fisiológicos são ativados para manter o FSC e evitar isquemia neuronal. Este processo é denominado de auto-regulação e será melhor explicado posteriormente. Da mesma forma, se a PAM se eleva, o FSC também deve ser mantido senão o cére- bro incharia pelo aumento do FSC e a PIC se elevaria. PRESSÃO INTRACRANIANA O crânio possui, nos adultos, um compartimento rígido preenchido com 3 componentes: tecido cerebral, sangue e líquor.3,4,6 De acordo com a doutrina de Monro-Kellie, todos os três componentes estão em um estado de equilíbrio dinâmico. Se o volume de um dos componentes aumenta, o volume de um ou mais dos outros componentes deve di- minuir ou a pressão intracraniana irá aumentar. Dentro dos ventrículos, a pressão intracraniana deve ser menor que 15 mmHg. Os principais elementos dentro do crânio são o encéfalo (80%), sangue (10-12%) e líquor (8-10%).3,4,6 O volume total é de cerca de 1600 ml. Como o crânio pode ser visto fisiologi- camente como uma caixa rígida cheia de líquido, se o volume de um de seus constituintes aumentar, a pressão dentro do crânio deverá aumentar a não ser que algum de seus elemen- tos líquidos possa escapar. E este não pode ser o cérebro, mas o sangue ou o líquor. Se o cérebro aumenta de volume, algum sangue ou líquor deverá escapar de dentro do crânio para que a pressão não se eleve. Quando isto não puder mais ocorrer, a PIC irá se elevar acima de seu valor normal (5-15 mmHg). Normalmente, a resposta inicial é uma redução no volume de líquor do crânio. O líquor é desviado para dentro do saco espinhal. Desta for- ma, a PIC é inicialmente controlada. Se o processo patológico inicial progride com mais aumento de volume, sangue venoso dos seios e eventualmente mais líquor podem ser forçados a sair do crânio. Quando este mecanismo de compensação é exaurido, qualquer aumento maior de volume intracraniano irá causar um rápido aumento da PIC. As relações entre as variações de volume e de pressão dentro do crânio são representadas na Figura 23-1. Ela indica que um aumento no volume com pouca mudança de pressão ocorre até um certo ponto, quando pequenos aumentos de vo- lume acarretam grandes aumentos de pressão. Este ponto geralmente indica que os mecanismos de compensação se tor- naram exauridos e uma fase de aumento da PIC compensada foi sucedida por uma fase descompensada.3 É interessante notar que esta curva clássica representa as alterações de pressão quando um único compartimento dentro do crânio varia, neste caso, o líquor. Na prática, quan- do o aumento do volume cerebral ocorre por um tumor ou hematoma, a curva é menos íngreme. Gradientes de pressão se desenvolvem dentro da substância cerebral e, dependendo 184 Parte IV K MONITORIZAÇÃO NEUROLÓGICA Fig. 23-1. Curva de Langfitt que expressa a relação entre pressão e volume intracraniano. PIC V Complacência Elastância = = dV dPdP dV
  • 22. da complacência e da compressibilidade das estruturas adja- centes e do desenvolvimento de hérnias cerebrais, a curva se torna geralmente menos abrupta. Aumentos de volume cerebral localizado podem levar a herniações cerebrais inter- nas ou externas, acarretar torções do tronco cerebral e lesão cerebral irreversível (Fig. 23-2).4,5 A complacência intracraniana é de grande importância para a manutenção da dinâmica intracraniana.2,4 Complacên- cia intracraniana é a capacidade do crânio de tolerar aumen- tos no volume sem um aumento correspondente na pressão intracraniana. Quando a complacência é adequada, um au- mento no volume do tecido cerebral, de sangue ou de líquor não produz inicialmente aumento na pressão intracraniana. Quando a complacência é diminuída, mesmo um pequeno aumento no volume de qualquer componente intracraniano é suficiente para causar uma grande elevação na pressão intra- craniana. A extensão da elevação da PIC decorrente do aumento do volume intracraniano é determinada pela complacência ou compressibilidade do conteúdo intracraniano.4 Quando a complacência é baixa, o conteúdo é pouco compressível e a PIC irá se elevar bastante mesmo que com pequenos aumen- tos de volume. A complacência também afeta a elastância ou a distensibilidade da parede dos ventrículos. Quando a elastân- cia é reduzida, a distensibilidade da parede dos ventrículos é reduzida e, portanto, mais rígida. Conseqüentemente, haverá uma maior variação de pressão para uma mudança de volume. Se um cateter estiver inserido dentro de um dos ventrículos laterais, esta complacência poderá ser avaliada pela injeção cuidadosa de 1 ml de solução salina isotônica e subseqüente verificação da variação de pressão. Se a elevação de pressão for maior que 5 mmHg, então o paciente está numa fase avan- çada à direita da curva pressão-volume intracraniano, de bai- xa complacência e sem mais capacidade de compensação.3,6 O volume de sangue contido dentro dos seios venosos é reduzido a um mínimo como parte do processo de compensa- ção. Entretanto, se o fluxo livre de sangue venoso for impedi- do, mesmo que por algumas razões corriqueiras (tosse, au- mento da pressão intratorácica, veias jugulares obstruídas), este aumento no volume de sangue venoso num cérebro criti- camente inchado irá levar a um rápido aumento na PIC. Na prática é imperativo assegurar que estes pacientes mante- nham a cabeceira da cama elevada a 30º e a cabeça seja manti- da numa posição neutra. Isto melhora a drenagem venosa sem interferência significativa da pressão arterial. A drena- gem venosa é passiva e maximizada se garantida que nenhu- ma interferência existe no fluxo livre através das jugulares. PRESSÃO DE PERFUSÃO CEREBRAL A pressão de perfusão cerebral (PPC) é definida como a di- ferença entre a pressão arterial média (PAM) e a pressão veno- sa jugular (PVJ).2,7 Como esta última é difícil de ser medida e é influenciada pela PIC, a PVJ geralmente é substituída pela PIC na avaliação da PPC. A PAM é a pressão arterial diastólica mais um terço da pressão de pulso (diferença entre a pressão sistó- lica e diastólica). A PAM então está entre as pressões diastólica e sistólica, mais próxima da diastólica. Ela é usada como uma estimativa da “cabeça de pressão” que perfunde o cérebro. PPC = PAM ! PIC A PPC normal é de cerca de 80 mmHg, mas quando reduzi- da abaixo de 50 mmHg aparecem sinais evidentes de isquemia e atividade elétrica reduzida.1,7 Existem alguns estudos em pa- cientes com trauma cranioencefálico (TCE) que mostram um aumento da mortalidade ou de seqüelas neurológicas quando a PPC cai abaixo de 60-70 mmHg. A monitorização da saturação do bulbo jugular (SjvO2) pode ser usada para avaliar a adequa- ção do fluxo sanguíneo cerebral (FSC).1,2,8 A SjvO2 é a saturação venosa do sangue que deixa o cérebro na base do crânio e sua variação normal é entre 65-75%. Se o FSC está diminuído abaixo de um nível crítico, o sangue venoso que deixa o cérebro irá de- monstrar também uma diminuição na SjvO2. Mais especifica- mente, quando a PPC é inadequada para o consumo de oxigê- nio cerebral, a SjvO2 cai demonstrando uma maior extração de oxigênio pelo cérebro. 185Capítulo 23 K FISIOLOGIA NEUROLÓGICA Fig. 23-2. Principais herniações cerebrais.HÉRNIAS CEREBRAIS 1- 2- 3- 4- 5- 6- 7- 8- Injúria cerebral primária Edema cerebral Hérnia do giro do cíngulo Hérnia de Húncus Kernohan Hérnia central Hemorragias de Duret Hérnia de amígdalas Falx cerebri Ventrículo lateral 3º ventrículo Artéria cerebral posterior Artéria cerebral anterior Kernohan Hemorragias de Duret Amígdalas cerebelares Foramen magnum Artéria cerebral posterior Tenda do cerebelo Hipocampo Giro do cíngulo 1 23 45 6 7 8
  • 23. FLUXO SANGUÍNEO CEREBRAL O cérebro recebe aproximadamente 750 ml/min de sangue arterial ou cerca de 15% do total do débito cardíaco em repou- so, e tem cerca de 20% do consumo de oxigênio corporal.1,2,7 Sob condições normais, este suprimento sanguíneo permane- ce relativamente constante. O fluxo sanguíneo cerebral (FSC) é definido como a velocidade do sangue através da circulação cerebral.5 Uma vez determinado o FSC, é possível calcular a oferta e o consumo de oxigênio cerebral (Fig. 23-3).2,5 O FSC normal é de 50-60 ml/100 g/min, variando desde 20 ml/100 g/min na substância branca até 70 ml/100 g/min em algumas áreas da substância cinzenta. Crianças entre 2 e 4 anos têm fluxos mais altos, ao redor de 100-110 ml/100 g/min, e que se “normalizam” ao longo da adolescência. Se o FSC cair, ocorrerá primeiro uma diminuição da função neuronal e, posteriormente, lesão irre- versível. Se, entretanto, o FSC se elevar acima de limites fisio- lógicos, edema cerebral e áreas de hemorragia podem apare- cer. Desta forma, o FSC deve ser mantido dentro de valores normais apesar das flutuações da PPC.1 De acordo com a lei de Ohm, o fluxo é diretamente rela- cionado com a pressão de perfusão e inversamente relacio- nado com a resistência cerebrovascular.2,7 Os principais vasos de resistência cerebral são as pequenas artérias e as arte- ríolas, as quais são capazes de alterar em até 300% seu diâ- metro normal. O FSC é mantido e regulado pelas variáveis presentes na lei de Poiseuille, a qual relaciona o fluxo fisio- lógico e as variáveis anatômicas do sistema cerebrovascular: Q = !P " r4/8 l # Desta forma, o fluxo (Q ou FSC) é diretamente propor- cional ao gradiente de pressão (!P ou PPC) e à quarta potência do raio dos vasos de resistência (r4), e inversamente propor- cional ao comprimento da árvore vascular (l) e a viscosidade do sangue (#). A PPC é o estímulo primário para as alterações de auto-regulação, mediada principalmente pelos vasos de resistência. Em pacientes com uma injúria intracraniana, essencial- mente três padrões de fluxo podem ser vistos: hiperêmico, normal e oligoêmico.1,5 Hiperemia pode causar edema na área envolvida e predispor a sangramento. Também pode causar isquemia de áreas adjacentes pelo fenômeno de roubo. Oligoemia aumenta a vulnerabilidade da área envolvida a isquemia. Sob circunstâncias normais, 30 a 40% do oxigênio consu- mido pelo cérebro é necessário para manutenção da sua in- tegridade celular,1,2 enquanto o restante é utilizado para rea- lizar trabalho eletrofisiológico. A energia necessária para a manutenção da integridade celular do neurônio é direta- mente relacionada à temperatura cerebral (Fig. 23-4).2 Em geral, um declínio de 10ºC está associado com uma queda na taxa de consumo de oxigênio cerebral em 50% (isto significa um Q10 de 2, ou seja, a mudança no consumo de oxigênio associada com a alteração na temperatura cerebral). Na prá- tica clínica isso significa que a depressão metabólica produ- zida pela hipotermia pode fornecer alguma proteção cerebral em pacientes adequadamente selecionados. Da mesma forma, uma elevação na temperatura pode aumentar o risco de lesão cerebral permanente. Modificações no nível de atividade elétrica do cérebro também alteram o consumo de oxigênio (Fig. 23-4).1,2 Depres- são profunda da atividade, como a produzida por doses eleva- das de barbitúricos ou benzodiazepínicos, suficiente para ge- rar eletroencefalogramas com atividade suprimida, podem di- minuir até a metade o consumo de oxigênio. Pelo contrário, 186 Parte IV K MONITORIZAÇÃO NEUROLÓGICA Fig. 23-3. Fluxo sanguíneo cerebral normal e seus limites funcionais. 100% 35% 20% 0% Fluxo sanguíneo cerebral (FSC) Atividade funcional da célula Função normal Preservação da integridade estrutural Limiar de fluxo para disfunção Limiar de fluxo para lesão da membrana Lesão irreversível FSC (ml/100g/min) > 60 Hiperemia 50-60 Normal (± 55) 30-40 EEG lento 20-30 Metab. anaeróbico 15-20 Paralisia fisiológica < 10-15 Morte celular Clínica
  • 24. agitação psicomotora e crises convulsivas aumentam bastan- te o consumo de oxigênio cerebral. A diminuição da taxa me- tabólica pode fornecer proteção contra injúria isquêmica, en- quanto o aumento da taxa metabólica pode precipitar isque- mia se o paciente não for capaz de aumentar o fluxo sanguí- neo cerebral para satisfazer o aumento adicional de demanda metabólica.2 AUTO-REGULAÇÃO O FSC é mantido num nível relativamente constante mes- mo frente às flutuações normais na PAM pelo mecanismo de auto-regulação.2,5,7 Este é um mecanismo vascular de vaso- constrição e vasodilatação ainda dependendo de uma melhor compreensão dos seus mecanismos fisiopatológicos. Uma queda da PPC é compensada com vasodilatação, assim como uma elevação da PPC é compensada por vasoconstrição, den- tro de limites fisiológicos. Estes ajustes são regulados prin- cipalmente pela demanda metabólica, pela inervação sim- pática e parassimpática e pela concentração de algumas subs- tâncias como adenosina, óxido nítrico, PaO2 e PaCO2.7 Normalmente a auto-regulação mantém o FSC normal en- tre uma PAM de 50-60 a 130-140 mmHg. O FSC normal de 50-60 ml/100 g/min a uma PAM de 80-100 mmHg pode ser mantida às custas de vasodilatação (quando a PAM cai até um li- mite de 50-60 mmHg) ou vasoconstrição arteriolar cerebral (quando a PAM se eleva até um limite de 130-140 mmHg), o que protege o cérebro de isquemia ou hiperemia, apesar das flutuações fisiológicas da PPC (Fig. 23-5).2,5,7 Nos pacientes com hipertensão arterial crônica, tanto os limites inferiores quanto superiores são mais elevados. O uso agressivo de anti-hiper- tensivos pode diminuir a PAM para valores normais mas abaixo da capacidade de auto-regulação, podendo comprometer sig- nificativamente o FSC. Pacientes com TCE, isquemia cerebral ou agentes vasodi- latadores (anestésicos voláteis, nitroprussiato de sódio) po- dem ter diminuição ou perda da auto-regulação cerebral e o FSC torna-se dependente da PAM. Então, se a PAM se eleva, o FSC também se eleva e causa um aumento no volume ce- rebral. Se a PAM cai, o FSC também diminui, reduzindo a PIC mas podendo acarretar isquemia e necrose. ACOPLAMENTO METABÓLICO Acoplamento metabólico refere-se ao equilíbrio da oferta e demanda de oxigênio e glicose cerebrais.2,5 Normalmente, estas funções estão intimamente relacionadas e se alteram proporcionalmente. Durante a ativação cortical, o aumento no consumo de oxigênio e de glicose é compensado por um aumento concomitante no FSC regional (Fig. 23-4). O contrá- rio ocorre durante sedação, anestesia e hipotermia. Vários mediadores têm sido imputados na mediação en- tre consumo e demanda metabólica.5 Os principais vasodila- tadores são o íon hidrogênio, o ácido lático, a concentração extracelular de potássio, a prostaciclina, a adenosina como produto de degradação do ATP e o óxido nítrico. O tromboxa- ne A2 é um importante vasoconstritor. 187Capítulo 23 K FISIOLOGIA NEUROLÓGICA Fig. 23-4. Efeitos da atividade cerebral e da temperatura sobre o fluxo sanguíneo e o consumo de oxigênio cerebral. Fluxosanguíneocerebral Consumo de oxigênio Temperatura °C Consumodeoxigênio Sedação Acordado Convulsão 6,8 (ml.100g min)-1 5,1 3,4 1,7 27 37 47 Fig. 23-5. Auto-regulação cerebral normal e alterada patologicamente. 0 50 100 150 PAM (mmHg) PAM PAM Hipóxia cerebral Ruptura da BHC Edema Banda Auto-regulatória FSC 200 Fluxo Fluxo Normal Normal Hipertensão arterial crônica Injúria cerebral grave