Comportamentos eleitorais - Prof. Doutor Rui Teixeira Santos
1. Sistemas Políticos Comparados
Comportamentos Eleitorais: Voto Sincero e Voto
Estratégico
Sistemas Políticos e Económicos
Docente: Prof. Doutor Rui Teixeira Santos
[Escrito segundo as regras do novo Acordo Ortográfico]
2. Introdução
• Em eleições políticas o comportamento dos eleitores é diferenciado, não só no
sistema eleitoral do próprio país, como varia entre os países, de acordo com os seus
próprios sistemas políticos.
• O livro Sistemas Políticos Comparados, de Gianfranco Pasquino, professor de Ciência
Política na Universidade de Bolonha, analisa os sistemas políticos de França,
Alemanha, Grã-Bretanha, Estados Unidos da América (EUA), Portugal e Itália,
fazendo a comparação dos sistemas maioritários e proporcionais.
• No Cap. 2, Comportamentos Eleitorais: Voto Sincero e Voto Estratégico, págs. 49 a
83, o autor analisa o comportamento dos eleitores quando exprimem o seu voto, o
qual, influenciado pelo sistema partidário pode assumir-se como um voto sincero ou
como um voto estratégico, de acordo com as circunstâncias que se apresentem.
3. • As particularidades de cada sistema eleitoral refletem-se na repartição dos votos
pelos mandatos e produzem consequências nas formações dos parlamentos e dos
governos. Saber como a expressão do voto, em cada um dos países alvo de análise, é
influenciada quer pelo sistema partidário, quer pelo sistema eleitoral de cada país, é
o objecto da análise comparada deste capítulo do livro.
• A análise ao sistema eleitoral em Portugal que se apresenta neste trabalho de grupo,
embora seguindo a linha de raciocínio traçada neste livro, é uma elaboração
autónoma do mesmo e, por isso, não aparece enquadrada na estrutura deste
trabalho, que segue a ordem dos sistemas analisados na obra de Gianfranco
Pasquino, mas no final da nossa análise ao mesmo.
4. Oferta dos partidos e resposta dos
eleitores
• Os eleitores decidem o seu voto de acordo com vários parâmetros, de acordo com o
sistema político do respectivo país, atribuindo maior ou menor grau de importância
aos seguintes elementos: a identificação com o partido; as temáticas relevantes; a
personalidade dos candidatos.
• De acordo com estes elementos, o voto do eleitor constitui uma resposta à oferta que
na campanha eleitoral lhe foi feita pelos candidatos, partidos e coligações. A
natureza da resposta é feita, também, com base nas preferências do eleitor e na
credibilidade do candidato, face ao desempenho político deste, o chamado voto
retrospetivo. Ou, na fiabilidade que esse candidato ou força política dá a um
determinado eleitor, o voto prospectivo. Ou seja, o voto de um eleitor “pode ser
influenciado pelo seu conhecimento do sistema eleitoral” (Pasquino, pág. 51).
5. • A persuasão dos eleitores por parte dos candidatos e dos partidos varia de acordo
com cada sistema eleitoral ou sistema partidário e, também, pela forma como os
processos de coordenação da oferta é apresentada ao eleitor, o qual, poderá estar,
ainda, disponível ou não para acatar indicações do partido da sua preferência. O voto,
nestas circunstâncias, tem a designação de “voto sincero/voto estratégico, ou tático”.
• O voto poderá ser considerado sincero quando o eleitor decide votar no candidato ou
no partido preferido. O eleitor pode decidir votar não no candidato ou no partido da
sua preferência mas em outrem, por diversas razões. Fá-lo porque este lhe dará mais
confiança, ou porque queira votar no candidato que à partida seja o que se apresente
como vitorioso. Ou, ainda, porque queira garantir que determinado partido tenha
representação parlamentar, deseje manifestar desacordo com o candidato ou o
partido, pretenda que determinado partido mantenha força política para intervir na
política. Nestes casos, trata-se do voto estratégico.
6. • A esta capacidade de decisão dos eleitores, os candidatos e os partidos intervêm na
tentativa de influenciar as decisões de voto e fazê-lo-ão quanto melhor interpretarem
os mecanismos eleitorais e souberem influenciar o comportamento dos eleitores. Os
sistemas eleitorais, condicionam ou facilitam o uso estratégico do voto. Neste
contexto, o sistema eleitoral proporcional será, segundo Pasquino (pág. 52), “o que
menos se presta à utilização estratégia do voto”. O sistema proporcional permite aos
eleitores manifestar as suas verdadeiras preferências, o que poderia representar, em
absoluto, o melhor sistema eleitoral. Muitos fatores, porém, segundo Pasquino, pág.
53, condicionam este sistema, designadamente, quanto a cláusula de representação
parlamentar, número dos círculos eleitorais, recuperação de votos, existência ou não
do voto de preferência, assim como, ainda, do “jogo de coordenação” desenvolvido
pelos dirigentes políticos.
7. Voto sincero e voto estratégico em
sistemas proporcionais
NA ALEMANHA
• Na Alemanha o eleitor dispõe de dois votos, que pode assinalar no mesmo boletim de
voto, facilitando-lhe o uso do voto estratégico. Nesse boletim, o eleitor escolhe um
candidato para o mandato uninominal do seu círculo eleitoral e, também, o partido
que concorre pelo mesmo círculo.
• A particularidade reside no facto do mandato uninominal poder ser ganho por um
candidato de um partido que obtenha, a nível nacional, menos de 5% dos votos e não
eleja, por essa via, nenhum candidato. Existe, ainda, a peculiaridade dos mandatos
do Bundestag, o parlamento alemão, serem atribuídos de forma proporcional aos
partidos que obtenham mais de 5% dos votos e, também, aqueles que, embora não
tenham alcançado esta fasquia, tenham eleito três candidatos em lugares
uninominais.
8. • Deste modo, este sistema de representação na Alemanha é um sistema proporcional.
O comportamento eleitoral dos alemães pode, assim, permitir o voto estratégico e a
coordenação partidária, esta última, por exemplo, quanto à formação das coligações
de governo. Aliás, é na formação de coligações de governo que reside boa parte da
estratégia eleitoral dos partidos alemães quanto ao voto estratégico. A análise a
alguns atos eleitorais permite verificar que existem coligações que alcançaram mais
votos nas suas listas regionais do que nos seus candidatos uninominais. Aqui resulta
a estratégia de concentrar os votos, em cada círculo, no candidato de um dos partidos
com melhores condições a ganhar. Estas opções dos eleitores são “encorajadas” pelos
dirigentes partidários.
• O voto estratégico, em geral, no sistema alemão funciona bem quando os interesses e
preferências dos eleitores são expressos numa perspetiva de governo, e constituem
uma resposta do eleitorado de aprovação de alianças políticas. Mas, como salienta
Pasquino (pág. 59), tal facto é facilitado pela existência do voto duplo e cláusula
dupla para o acesso à representação parlamentar.
9. EM ITÁLIA
• Em Itália, a representação proporcional não facilitou o voto estratégico. Até 1993, o
sistema proporcional que vigorava no sistema italiano baseava-se em dois patamares
de acesso ao parlamento: Um exigia que um partido atingisse o mínimo de 300 mil
votos; outro, para eleger um candidato a nível de um círculo teria de alcançar 65 mil
votos. Estes limites tiveram como primeira consequência varrerem da cena política
largas dezenas de pequenos partidos.
• Este sistema também permitia que o eleitor manifestasse as suas preferências em
relação aos candidatos da lista do partido, situação que foi muito criticada pelo facto
de permitir a exploração do voto, a nível local ou regional, em troca de favores em
decisões de interesse local.
10. • O eleitor italiano tinha, porém, pouco incentivo para o voto estratégico, dado que os
partidos estavam mais interessados nos seus próprios votos. Raros foram os casos de
eleições com apelo ao voto estratégico. Na história da democracia italiana do pós-II
guerra mundial, as coligações nem sempre resultaram como previsto, muitas vezes
com os eleitores a deslocarem o seu voto tradicional para outro partido em melhores
condições para derrotarem um partido indesejável que se apresentaria com hipóteses
de ganhar. Estas foram das poucas vezes que utilizaram o voto estratégico, muitas
vezes “tapando o nariz” mas atento às consequências do seu voto.
11. O voto estratégico nos sistemas
maioritários
CASO BRITÂNICO
• No caso britânico os eleitores são, em grande medida, os principais responsáveis pela
atual estrutura do sistema partidário, como efeito do seu comportamento estratégico.
Um sistema maioritário uninominal pode levar, em determinadas condições, a um
sistema bipartido. Dado que, no sistema maioritário o mandato é ganho pelo
candidato com maior número de votos, ao longo dos anos, após a sequência de
consultas eleitorais, os eleitores foram abandonando os candidatos não ganhadores e
dirigiram a sua escolha para os candidatos de entre os que poderão serem
vencedores.
12. • Pasquino considera existirem dois fatores que explicam as motivações deste voto
estratégico: mecânico e psicológico (pág. 67). O grau de estruturação do sistema
partidário, com lideranças credíveis, transmitem ao eleitor confiança (fator
mecânico); por sua vez, quando o candidato preferido do eleitor está numa situação
em que poderá não ganhar, este é incentivado a votar no candidato que menos lhe
desagrada, como meio para não desperdiçar o voto e, desse modo, impedir a vitória a
um candidato não desejado.
• Esta tendência para optarem pelo menos mau dos candidatos, impedindo o sucesso
do considerado pior, significa que os eleitores compreendem que o seu voto pode ser
considerado perdido se votarem no partido da sua simpatia, caso este se apresente
sem condições para ganhar. O resultado deste fenómeno de “polarização” conduz à
bipolarização, pois favorece os mais favoritos.
13. • No contexto, há, contudo, o exercício do voto estratégico quando os partidos anunciam
coligações de governo, ou estratégias eleitorais comuns, com outras formações partidárias
de menor expressão. É o caso do Partido Liberal que, ao longo dos anos, tem servido, quer
aos partidos, quer aos eleitores, para derrotar um dos principais partidos – o Conservador
ou o Trabalhista – ou conduzi-lo ao poder. Um dos melhores exemplos da utilização de
táticas concertadas ocorreu nas eleições de 1997 e 2001, que deram a vitória ao Partido
Trabalhista de Tony Blair. Nos círculos onde o candidato liberal se apresentava em
melhores condições do que candidato trabalhista para ganhar ao candidato conservador,
muito eleitores trabalhistas votaram no liberal, para derrotar o candidato conservador.
Onde o candidato trabalhista se encontrava em equilíbrio com o conservador, os liberais
convergiram o seu voto no candidato trabalhista.
• Concluindo, como frisa Pasquino (pág. 68), o uso do voto estratégico de “uma parte dos
eleitores cujo candidato preferido não se encontre em condições de ganhar”, fazendo
confluir “os votos no menos desejado dos dois potenciais vencedores”, ocorre nas situações
mais competitivas, de maior pluralidade de resultados e os candidatos estejam mais
próximos em termos de consenso eleitoral.
14. CASO EUA
• O sistema político dos EUA carateriza-se pelas eleições para a Presidência, para a Câmara
dos Representantes e para o Senado, sob a liderança de dois grandes partidos. Terceiros
candidatos e partidos não têm tido qualquer oportunidade de vender eleições aos vários
níveis.
• Neste sistema, à partida, o voto estratégico não terá margem de manobra, exceto em
algumas situações, não menos importantes, caso das eleições dos candidatos a Presidente e
nas votações nas primárias. Ocorre nas primárias que os eleitores, sejam os “ativistas”, os
mais conscientes e informados, escolham para candidatos à Câmara dos Representantes
ou ao Senado, não o seu candidato preferido, mas sim aquele que tenha maiores
possibilidades para derrotar o candidato do outro partido, o que, na prática, é um voto
estratégico. Situação idêntica ocorre nas primárias presidenciais.
15. • Em várias situações, aquele tipo de eleitores atrás referenciados, ao avaliarem de
entre os candidatos quem poderá vencer, poderão orientar o seu voto no sentido de
fazer perder o candidato não desejado e, assim, abrir o caminho para a nomeação ao
candidato mais desejado. Os candidatos derrotados, com frequência, apelam aos seus
eleitores a confluência dos seus votos para permitir a vitória de determinado
candidato de entre os que ficaram na corrida eleitoral.
16. • Em síntese, salienta Pasquino (pág. 70), o voto estratégico, seja no caso britânico ou
no dos EUA, “também é possível onde o sistema eleitoral é maioritário a uma só
volta”. E acrescenta que existem “condições facilitadoras” nos EUA. Refere que, nas
primárias, “é frequentemente pedida uma vitória por maioria absoluta”, a fim de se
impedir um segundo escrutínio, cujos resultados poderiam ser negativos, face às
informações que recolheram no decorrer da primeira volta da votação. Nas primárias
presidenciais, por sua vez, o processo repete-se, de forma sequencial, de Estado para
Estado, recolhendo-se informações e experiências que permitem aos candidatos e aos
eleitores fazerem apelos ao voto estratégico.
• O exercício do voto estratégico encontra uma situação ideal, como define Pasquino
(pág. 70), nos sistemas eleitorais a duas voltas, que aponta o caso francês, com
numerosas variantes do sistema a duas voltas, como dos mais interessantes.
17. CASO FRANCÊS
• Em França, a fórmula de desempate eleitoral é muito peculiar. A lei define como se
podem apresentar candidatos à primeira volta, a partir da recolha de um número
mínimo de assinaturas, o que permite a um número indeterminado de candidatos
apresentarem-se às eleições. Mas só passam à segunda volta os dois candidatos mais
votados. Nesta perspetiva seria lógico o voto sincero por uma elevada percentagem de
eleitores na primeira volta. Pode, contudo, ser influente a motivação de muitos
eleitores para que passe à segunda volta, não o seu candidato preferido, mas aquele
que se apresente com mais hipóteses de derrotar o candidato mais indesejável. Na
segunda volta a situação apresenta-se diferente, pois os eleitores sentem-se obrigados
a votar, de entre dois candidatos, no da sua preferência. Observa Pasquino (pág. 71),
que, caso o candidato preferido não estivesse em liça, “o voto sincero seria expressa
de melhor forma através da abstenção”, mas, neste caso, funcionará o voto
estratégico, dado que muitos eleitores irão votar para derrotar o candidato menos
desejado.
18. • O voto sincero poderá, por vezes, ter efeitos catastróficos. São disso exemplo as eleições
presidenciais de 2002. O primeiro-ministro socialista Lionel Jospin era o mais forte
candidato da esquerda e todas as sondagens davam como certa a sua passagem à sua volta.
Tendo isso em conta, os eleitores de esquerda expressaram o seu voto sincero ao votarem
no candidato da sua preferência. O resultado foi uma estrondosa derrota de Jospin, que se
viu relegado para terceiro lugar e ultrapassado, por 200 mil votos, pelo candidato da
extrema direita Jean-Marie Le Pen. A situação teria sido evitada caso a esquerda não se
tivesse apresentado às eleições com oito candidatos, o que causou dispersão de votos, os
quais não teriam sido inúteis se um significativo número de eleitores de esquerda tivesse
feito uso do voto estratégico. Na segunda volta, para impedir a vitória de Le Pen, os
dirigentes dos partidos de esquerda, com a lição aprendida, apelaram ao voto em Jacques
Chirac. O voto estratégico resultou, recolhendo Chirac cinco vezes mais votos do que na
primeira volta, alcançando 82,21% dos votos expressos. Na prática, este comportamento
“estratégico” significa que um número significativo de eleitores, ao votar em Chirac, o fez,
não propriamente a favor do mesmo, mas sim contra o racista Le Pen.
19. • Pasquino sustenta que os objectivos alcançados por um sistema eleitoral são
múltiplos (pág. 73), a saber: os eleitores obtêm mais informação e poder, dado que o
seu voto decide na segunda volta; o trabalho de coordenação dos partidos tem melhor
informação sobre a popularidade do candidato e a receptividade quanto às suas
políticas; os partidos estão em melhores condições para fazerem acordos de formação
do governo. Conclui Pasquino que “os sistemas maioritários a duas voltas oferecem
grandes oportunidades políticas”, como é exemplo o sistema adotado pela V
República francesa. De referir, no entanto, que o voto mais seguro nestas estratégias
dos partidos, se verifica caso as propostas de coligação entre partidos se afirme como
credível.
20. Efeitos da votação a duas voltas
francesa
• Na eleição da Assembleia Nacional, o sistema a duas voltas em França permite e
encoraja, o voto estratégico, a coordenação pelos partidos, a formação de alianças de
governo. Pasquino faz notar que este sistema “encerra nos seus mecanismos eleições
primárias incorporadas” (pág. 75).
• Durante muitos anos, este sistema conduziu à formação de dois grupos de coligação,
um na esquerda (socialistas e comunistas) e outro no centro-direita (gaullistas e
giscardianos). A consistência destas coligações foi sempre um fator que influenciou o
eleitor e ditou o resultado das eleições.
• De facto, a história demonstrou que a falta de coordenação a nível dos dirigentes
partidários, somada ao voto sincero, dá origem a derrotas eleitorais, pelo simples
facto de não serem dadas alternativas estratégicas aos eleitores.
• A constatação destas peculiaridades tem-se mostrado útil aos partidos, ao
permitirem interpretarem e prever como os eleitores se vão comportar. Pasquino
afirma não haver qualquer “dúvida sobre o facto de o sistema a duas voltas, qualquer
que ele seja, facilitar e mesmo encorajar o exercício do voto estratégico”. E conclui
que o mesmo “constitui um verdadeiro recurso nas mãos de hábeis dirigentes
partidários” e, também, “especialmente, dos eleitores informados e competentes”.
21. O voto estratégico em Itália
• A reforma do sistema eleitoral italiano ocorreu em 1993, abandonando o sistema de
representação proporcional. No sistema atual o eleitor dispõe de dois votos, o voto
dividido, que pode caraterizar-se, ou não, como voto estratégico. Assim, o eleitor
pode exprimir os dois votos em diversos boletins, escolhendo, num, o candidato ao
colégio uninominal, e, noutro, vota num partido. Este novo sistema, como observa
Pasquino (pág. 78), não tinha por objectivo favorecer o voto estratégico. Na prática,
para o eleitor, o voto dividido pode caracterizar-se , ou não, como voto estratégico. É
o caso do eleitor votar num candidato para presidente municipal mas, para que ele
não tenha a maioria no conselho municipal, com o outro voto escolhe um partido
oposto. Contudo, esta opção é muito aleatória, pois o resultado pode não ser o
esperado pelo eleitor. O voto dividido só raramente é também um voto estratégico,
ou seja, como faz notar Pasquino, a questão é que “o voto dividido não é, de facto,
automaticamente assimilável ao voto estratégico” (pág. 78).
• Outra particularidade deste sistema eleitoral italiano reside no facto do chamado
boletim proporcional, onde estão inseridos os partidos, permitir a atribuição de um
quarto dos mandatos com repartição/recuperação, desde que se obtenha, pelo
menos, 4% dos votos a nível nacional. Os objectivos são dois, um, para reduzir o
efeito maioritário das circunscrições uninominais e, outro, salvaguardar a eleição dos
dirigentes partidários, garantindo a sua eleição.
22. • O voto nos partidos, neste segundo boletim, não se presta a um voto estratégico, mas
sim ao voto sincero, dado que os partidos se empenham para convergir os votos no
seu símbolo inscrito no boletim. É sintomático, porém, que um partido obtenha
resultados muito diferentes nos dois boletins, o que ocorre por diversas razões, seja
por não ter expressão nacional, seja porque integra uma coligação que não seja do
agrado do eleitor, entre outros motivos. No sistema partidário italiano as coligações
ainda não se encontram consolidadas e, também por esse facto, o eleitor avalia e faz
as suas escolhas de entre candidatos, coligações, partidos, liderança. Esta opção de
voto dividido acaba por se revelar como um sinal de vitalidade pois, com a deslocação
do seu voto, o eleitor contribui para a alternância no governo.
23. Conclusão
• Os eleitores, nos diversos sistemas eleitorais analisados, podem fazer uso do voto
sincero para eleger o seu candidato preferido mas, também, poderão usar o voto
estratégico para evitar a eleição de um candidato indesejável. Em vários sistemas, os
dirigentes partidários sugerem e coordenam o voto estratégico, muitas vezes para
potenciar coligações de governo. Pasquino aponta três grandes conclusões, a saber
(pág. 82/83):
• Todos os sistemas eleitorais permitem o voto estratégico e que o mesmo seja
orientado pelos dirigentes partidários;
• Alguns sistemas eleitorais, por exemplo, o de voto a duas voltas, de tipo francês (e em
alguma medida, o alemão), permite maiores oportunidades ao recurso ao voto
estratégico;
• O voto estratégico é de fundamental importância para a formação de coligações
eleitorais com vista à conquista do governo.
24. O sistema político português
• Em Portugal o sistema eleitoral é um sistema proporcional e assenta no método de Hondt
(método dos quocientes ou método da média mais alta D'Hondt), que vigora desde
a Constituinte de 1976. É um sistema de representação proporcional que visou, segundo os
constitucionalistas, numa forma direta de legitimidade democrática, contrariando alguns
sistemas eleitorais “revolucionários”, que permitiria, segundo os seus defensores, numa
“descoberta, o mais fiel possível, do desenho da opinião pública do país, durante tantos
anos ignorada, que reforçasse os partidos políticos emergentes, ainda pouco
consolidados, e favorecesse a consociatividade, em reacção à longa governabilidade
maioritária do autoritarismo do regime anterior”. [1]
• A grande questão e tema de discussão, junto dos constitucionalistas, prende-se com o facto
de ser um método de eleição direta que há muito passou a ser para eleger um primeiro-
ministro e não os representantes partidários nas regiões, acabando por existir uma
personalização da escolha e do eleito, sem que os eleitores se interroguem primeiro quem é
o candidato da região ou que melhor pode servir os interesses do Concelho ou Distrito.
Uma ideia que é defendida por alguns constitucionalistas mas que vem contrariar o artigo
152 , número 2, da Constituição que afirma serem os deputados eleitos representantes do
país e não de uma região.
25. • Ainda segundo Nuno Sampaio, “…como se escolhe sobretudo quem liderar o governo,
tem havido uma pessoalização da escolha, que sobreleva sobre a escolha partidária. A
pessoalização que tem falhado é a dos deputados, não a dos governantes. O que explica,
em parte, conjuntamente com a debilitação da função de enquadramento dos partidos e
com o aumento da volatilidade eleitoral, a capacidade desses líderes mais fortes de
superar o “eleitorado de origem” dos partidos, atingindo-se maiorias num sistema
proporcional que não pretendia favorecê-las. As maiorias conseguiu-as, não o sistema
eleitoral, mas a capacidade de mobilização carismática dos líderes…”[2]
• Há, no entanto, quem defenda uma revisão da Constituição e do sistema eleitoral, de
forma a permitir que grupos de cidadãos possam aparecer a sufrágio, com o fim de
terminar com um sistema que só permite organizações partidárias de concorrerem ao ato
eleitoral, tornando-se num sistema eleitoral fechado, já que só os partidos podem
apresentar listas bem como os nomes de quem as compõe.
26. • Lembrando atos eleitorais recentes e principalmente os dois maiores partidos
representados na Assembleia da República, os seus dirigentes pareciam estar em
consonância de pensamento ao falarem pela primeira vez na criação dos círculos
uninominais. Argumentos que caíram por terra, já que o PS e José Sócrates venceram
com maioria absoluta, mas que voltaram a ser tema na última campanha eleitoral,
com o PSD e Passos Coelho a querer discutir o assunto em sede de revisão
constitucional. Existem, no entanto, perigos: “…Caso seja implantado, este sistema
vai provocar um “abalo sísmico” na proporcionalidade do sistema político e poderá
levar à extinção dos pequenos partidos (PCP, BE e CDS/PP). Partidos estes que
consideram que este sistema, proporcionará um maior bipartidarismo, entre PS e
PSD/PPD, pelo que temem perder representatividade e, no limite, “desaparecer” do
espectro político…”[3]
• Curiosamente, a Constituição, no seu artigo 149, prevê a constituição de círculos
uninominais, mas também assegura o sistema de representação proporcional. Mas
afinal quais as diferenças entre o sistema proporcional e o de criação de círculos
uninominais?
27. • O sistema proporcional “representa” uma pessoa um voto, ou cem mil pessoas, cem
mil votos. Neste sistema são minimizadas as diferenças entre a percentagem de votos
e o número de deputados, ou seja, quem tem 25% de votos tem 25% dos deputados.
Mas aqui chegados, temos de entender o que é o método de Hondt, já que este
significa numa fórmula matemática, destinada a calcular a distribuição dos mandatos
pelas listas concorrentes, em que cada mandato é sucessivamente alocado à lista cujo
número total de votos dividido pelos números inteiros sucessivos, começando na
unidade (isto é no número 1) seja maior. O processo de divisão prossegue até se
esgotarem todos os mandatos e todas as possibilidades de aparecerem quocientes
iguais aos quais ainda caiba um mandato. Em caso de igualdade em qualquer
quociente, o mandato é atribuído à lista menos votada.
28. • No sistema de círculos uninominais é dado a quem vota a capacidade de identificar
cada deputado com o seu círculo de origem, isto é, existe uma maior identificação
entre eleitores e eleitos, o que, por hipótese, permite uma melhor avaliação do seu
trabalho e uma decisão mais “informada” aquando da votação. Além disso, pode-se
ter a certeza de que o eleito cumpre o seu mandato até ao fim (ou que, se o não fizer,
o seu lugar não será preenchido por um obscuro suplente, como atualmente acontece,
mas sim substituído por uma nova eleição parcial). E neste particular é um ato
normal, um deputado eleito por um determinado círculo, também ser candidato a
presidente de câmara, o que no caso de ser eleito virá a abandonar a Assembleia da
República, sendo sempre substituído por alguém que não teve votos suficientes para
ser eleito deputado.
• Uma certeza fica, no entanto, a quem estuda e acredita que o sistema eleitoral tem
mesmo de ser mudado. Se olharmos para os números de abstenção constatamos que
em 1975, ano das primeiras eleições livres no nosso país, o nível de abstenção ficou-se
pelos 8,34%, enquanto nos anos de 2009 e 2011 ultrapassaram a fasquia dos 40 por
cento.
• [1] e [2] Nuno Sampaio, O Sistema Eleitoral Português, Alêtheia Editores, Lisboa, 2009
• [3] Enrique Neto, Que sistema eleitoral para Portugal?