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MÓDULO 1: POLÍTICA E ESTADO
Conteúdo Programático: 1.1. O Fenômeno do
Poder. 1.2. Diferentes Concepções de Política.
1.2.1. Política e a Esfera do que é Comum a
Todos. 1.2.2. Política e Liberdade. 1.2.3.
Política, Poder e Estado. 1.3. Estado Moderno:
formação, conceito e elementos fundamentais.
1.4. Questões para debate. 1.5. Bibliografia para
aprofundamento.
O poder é um fenômeno característico de todas as relações sociais. Todavia, é no
âmbito do Estado que ele se manifesta de maneira mais marcante.
A vida em sociedade exige certa ordem e obediência a regras de convivência
estabelecidas por diferentes formas de poder. Mas o poder se expressa por meio de relações de
dominação, o que limita a liberdade, que também é um desejo humano. Deste conflito resultam
dois grandes problemas que envolvem o fenômeno do poder: como controlá-lo e como justificá-lo
(Quando o poder é legítimo? Por que devo obedecer? A quem devo obedecer?)
1.1. O Fenômeno do Poder
- Em que consiste o fenômeno do poder?
O poder consiste na capacidade de um sujeito impor sua vontade a outro, o que não
depende somente das habilidades do primeiro, mas também da cooperação e do consentimento do
último. O poder não se confunde com a força física, pois esta suprimiria a própria vontade de seu
destinatário. Porém, o potencial do uso da força é inerente ao poder, pois, em caso contrário,
haveria somente persuasão e não sujeição1
. Portanto, entende-se o poder como a
capacidade que um sujeito tem de influenciar, condicionar,
determinar o comportamento de outro sujeito. A relação entre
governantes e governados, na qual se resume a relação política
principal, é uma típica relação de poder (BOBBIO, 2000, p. 216).
- Quais as formas de manifestação do poder?
Existem diferentes formas de poder: político, econômico, religioso, moral, técnico etc.
Estas diferentes formas de poder se relacionam e se influenciam mutuamente. Note-se, por
exemplo, o poder político justificado pela religião nos períodos medieval e absolutista, a influência
do poder econômico sobre a política, e dos conhecimentos técnicos sobre a política e a economia.
Além disso, todas as formas de poder apresentam uma tendência ilimitada de expansão e
fortalecimento, a qual precisa ser contida por instituições sociais capazes de impor limites e
impedir o arbítrio2
(COMPARATO, 2005, p. XV – XVI).
A busca pela conquista e manutenção do poder, tanto político, como econômico e
religioso, mostra-se como uma das mais fortes paixões do homem. Ressalta-se que o objeto dessa
paixão não é o resultado do exercício do poder, ou seja, as transformações na realidade que podem
decorrer da ação daquele que detém o poder, mas o seu próprio exercício, pois o respeito, a
veneração e a submissão que ele muitas vezes desperta é que causam prazer no seu detentor. Esta
1
Cf. BEETHAM, 1991, p. 38 e BASTOS, 1988, p. 132.
2
A coação é o “elemento essencial do poder nas sociedades humanas”. “O poder é parcialmente um
fenômeno de força, coação e coerção. Primeiro, coação física” (...). “Coação econômica em seguida. Aquele
que pode privar um homem de comer obtém facilmente sua obediência. Quantos operários obedecem a seu
patrão por esse motivo?” Existem outras formas de coação, como a “pressão social difusa” e a propaganda,
uma forma de “coação psicológica” (DUVERGER, 1981, p. 13 – 14).
6
paixão acaba fazendo com que aquele que exerce o poder sem limitações acabe sendo dominado
por ele, procurando conservá-lo e ampliá-lo a qualquer custo, inclusive se corrompendo
(COMPARATO, 2006, p. 589 – 591).
1.2. Diferentes Concepções de Política
1.2.1. Política e a Esfera do que é Comum a Todos
Em um sentido amplo, e cujas origens se encontram na Antiguidade, a política3
se
identifica com o governo daquilo que é comum a todos,4
daquilo que é global. Há necessidades
humanas que não podem ser satisfeitas individualmente, ou por meio de sociedades menores, como
a família, requerendo-se uma ação de toda a coletividade solidariamente organizada. Refere-se,
pois, à “vida em comum”, aos fins gerais da coletividade e à busca dos meios adequados para
atingi-los5
. Assim, o poder político é o
o poder exercido na polis (que em grego significa ‘cidade’, definida
pelo próprio Aristóteles como comunidade auto-suficiente de
indivíduos que convivem em um território)6
(BOBBIO, 2000, p. 216
– 217).
1.2.2. Política e Liberdade
Também na Antiguidade Clássica, encontramos uma concepção de política relacionada
com a ideia de liberdade.
Desde o surgimento da antiga cidade-estado, passou a haver uma distinção entre a
esfera privada e a esfera da vida pública. Na primeira, os homens estavam submetidos às
necessidades materiais de sobrevivência, enquanto a segunda constituía a esfera da liberdade. A
relação entre essas duas esferas encontrava-se no fato de que, para poder ingressar na liberdade da
política, o homem precisava superar sua submissão às necessidades da vida privada. Diante das
necessidades, a violência se justificava para superá-las e alcançar a liberdade (inclusive com a
prática do escravismo, pois somente assim o homem se libertava da necessidade de trabalhar).
Porém, na esfera pública (esfera da liberdade, da política), não se admitia a violência, pois “tudo
era decidido mediante palavras7
e persuasão” (ARENDT, 2009, p. 37 – 40).
A ação política, desenvolvida na esfera pública, de acordo com o pensamento da
Grécia Antiga, tinha como sentido a liberdade, ou seja, uma ação desenvolvida entre iguais, que
não eram dominados, nem dominavam, mas que tentavam regular os problemas da convivência por
meio do diálogo e do convencimento. Assim, ao contrário do que é comum se afirmar, a política
(netse sentido específico empregado pelos gregos) não é um fenômeno que sempre existiu na
sociedade humana, não coincide com qualquer forma de organização da vida em sociedade, com
3
“Derivado do adjetivo de pólis (polilikós), significando tudo aquilo que se refere à cidade, e, portanto ao
cidadão, civil, público e também sociável e social, o termo “política” foi transmitido por influência da grande
obra de Aristóteles, intitulada Política, que deve ser considerada o primeiro tratado sobre a natureza, as
funções, as divisões do Estado, e sobre as várias formas de governo, predominantemente no significado de
arte ou ciência do governo, isto é, de reflexão, não importa se com intenções meramente descritivas ou
também prescritivas (mas os dois aspectos são de difícil distinção), sobre as coisas da cidade” (BOBBIO,
2000, p. 159).
4
Cf. Arendt, 2009, p. 59 – 62; 68.
5
Cf. Miranda, 2002, p. 248 – 249. Essa concepção se manifesta, por exemplo, na expressão de Comparato
(2006, p. 585): a política é “a arte de comandar ou dirigir toda a vida social, em função de uma finalidade
comum a todos”. Ou, no entendimento de Miranda (2002, p. 249): “o político é o global; é tudo aquilo que
assume relevância para toda uma sociedade ou um conjunto de sociedades, em certo tempo e em certo lugar”.
6
Aristóteles (2003, p. 99) ressalta que todas as ciências e artes têm como finalidade o bem, sendo que a
política é a maior de todas as ciências e sua finalidade é o maior de todos os bens: a justiça.
7
Aristóteles (2003, p. 14) afirma que “somente o homem, entre todos os animais, possui o dom da palavra; a
voz indica dor e prazer, e por essa razão é que ela foi outorgada aos outros animais. (...) A palavra, contudo,
tem a finalidade de fazer entender o que é útil ou prejudicial, e, conseqüentemente, o que é justo e o injusto”.
7
quaisquer instrumentos que possibilitem a convivência social ou o suprimento daquilo que os
homens não conseguem prover individualmente. Na verdade, não se entendia a política como algo
natural e comum a todos os tempos e lugares, mas como algo restrito a um específico local e num
período relativamente curto da Grécia antiga, pois, para que os homens convivessem na polis
(desenvolvessem a ação política) era necessário que fossem livres, ou seja, que não estivessem
submetidos a um senhor (o que se dava com os escravos), nem às necessidades de sobrevivência
(como a produção de alimentos, vestuário, moradia etc.), o que só era possível por meio da
“sociedade escravagista”. Consequentemente, de acordo com esta concepção que liga política e
liberdade, os regimes autoritários são, na verdade, antipolíticos8
.
Este conceito pode ser utilizado contemporaneamente como a indicação de um ideal de
convivência, de mediação dos conflitos sociais: a política enquanto campo da escolha humana livre
realizada após o debate entre iguais, e sem o recurso à violência. Tal concepção de política cumpre
um papel importante, enquanto horizonte axiológico, pois, como afirma Arendt (2007, p. 44):
se esperar um milagre for um traço característico da falta de saída em que nosso
mundo chegou, então essa expectativa não nos remete, de modo nenhum, para
fora do âmbito político. Se o sentido de política é a liberdade, isso significa que
nesse espaço – e em nenhum outro – temos de fato o direito de esperar milagres.
Não porque fôssemos crentes em milagres, mas sim porque os homens, enquanto
puderem agir, estão em condições de fazer o improvável e incalculável e, saibam
eles ou não, estão sempre fazendo.
1.2.3. Política, Poder e Estado
A terceira concepção de política utilizada neste módulo tem um caráter descritivo e,
consequentemente, o objetivo de servir como um instrumento de análise. De acordo com ela, não se
define a política a partir de uma finalidade a ela atribuída, como a realização do bem comum, pois a
atribuição de um fim à política é um juízo de valor, não de fato (não diz o que a política é, mas o
que ela deve ser)9
. Neste sentido,
o critério mais adequado para distinguir o poder político das outras
formas de poder, e portanto para delimitar o campo da política e de
outras ações políticas, é aquele que se funda sobre os meios dos
quais as diversas formas de poder se servem para obter os efeitos
desejados: o meio do qual se serve o poder político, embora, em
última instância, diferente do poder econômico e do poder
ideológico, é a força”, enquanto que o segundo se vale da
“disposição exclusiva de um bem”, e o último da “posse de certas
formas de saber inacessíveis aos demais” (...) Uma vez que o poder
político se caracteriza pelo uso da força, ele é o sumo poder ou poder
soberano, cuja posse distingue, em toda sociedade organizada, a
classe dominante” (BOBBIO, 2000, p. 221).
Trata-se da compreensão da política como exercício do poder, à capacidade que os
diferentes atores sociais têm de transformar ou manter o ambiente em que atuam, em termos físicos
ou sociais. Trata-se, pois, de um fenômeno presente em todos os grupos e instituições da sociedade:
sempre que exista a necessidade de cooperação, negociação ou luta sobre o uso e a distribuição de
recursos (materiais e imateriais) haverá política (HELD, 2006, p. 270).
8
Cf. Arendt, 2009, p. 41 – 51.
9
Assim, de acordo com Bobbio (2000, p. 167), as definições teleológicas da política não podem ser
consideradas como descritivas, mas sim como prescritivas, pois “não definem o que é concretamente e
normalmente a política, mas indicam como deveria ser a política para ser uma boa política”.
8
De maneira mais específica, como explica Bobbio (2007, p. 137), o termo política
costuma designar “a esfera das ações que têm relação direta ou indireta com a conquista e o
exercício do poder último (supremo ou soberano) sobre a comunidade de indivíduos em um
território”, ou ainda, a “exclusividade do uso da força em relação a todos os grupos que agem em
um determinado contexto social” (BOBBIO, 2000, p. 164).
Acrescentando-se a esta ideia a de que o poder político também se caracteriza por sua
abrangência (a “organização global de uma sociedade complexa” (BOBBIO, 1983, p. 55)), acaba-
se por identificar a política com o Estado, pois na modernidade, a instituição que detém o
monopólio do uso da força e cuida da organização global da sociedade é o Estado10
.
Por fim, ressalta-se que, enquanto exercício do poder, a política apresenta um caráter
intrinsecamente conflitual: não se refere às escolhas estritamente técnicas a serem feitas por
especialistas, pois sempre envolvem alternativas conflitantes, as quais não se limitam a interesses
econômicos e racionais de atores individuais, nem a questões morais, pois também apresentam um
componente de paixão e antagonismo, entre indivíduos e sujeitos coletivos11
. Portanto, enquanto
tipo de relação conflitual, a política sempre envolve a luta pelo poder e para derrotar o adversário12
.
Em síntese, nesta terceira e última concepção, a política é compreendida como uma
forma de exercício do poder, que apresenta o antagonismo como um elemento essencial, tem a
força como meio e, em sentido mais estrito, identifica-se com o Estado. De acordo com essa
compreensão, a política se aproxima muito mais da ideia de coerção do que de liberdade,
representa muito mais relações assimétricas do que simboliza a igualdade.
1.3. Estado Moderno: formação, conceito e elementos fundamentais
A definição sobre o que é o Estado é objeto de intensas controvérsias13
desde a
filosofia da Antiguidade, bem como após a consolidação histórica do que se denominou de “Estado
Moderno”.
O que há de comum ao longo da história quando se trata da organização política
estatal, em sentido amplo, é a existência de “um conjunto de partes ligadas entre si formando um
corpo unitário”, portanto, sempre há um princípio e um centro unificador, sem os quais não se
poderia falar em Estado, seja em sentido amplo ou estrito (BOBBIO, 1999a, p. 200 – 2002).
Porém, quando se trata da forma de Estado ainda predominante atualmente, refere-se
ao “Estado Moderno”, ou seja, uma organização política que surgiu na Europa Ocidental
(espalhando-se, depois, pelo mundo) no final da Idade Média, atrelada ao desenvolvimento do
10
Weber (1999, p. 525) explica que “do ponto de vista da consideração sociológica, uma associação
“política”, e particularmente um “Estado”, não pode ser definida pelo conteúdo daquilo que faz. Não há
quase nenhuma tarefa que alguma associação política, em algum momento, não tivesse tomado em suas
mãos, mas, por outro lado, também não há nenhuma da qual se poderia dizer que tivesse sido própria, em
todos os momentos e exclusivamente, daquelas associações que se chamam política (ou hoje: Estados) ou que
são historicamente as precursoras do Estado moderno. Ao contrário, somente se pode, afinal, definir
sociologicamente o Estado moderno por um meio específico que lhe é próprio, como também a toda
associação política: o da coação física. Assim, o Estado consiste em uma “relação de dominação de homens
sobre homens, apoiada no meio de coação legítima (quer dizer, considerada legítima)”. A partir dessas ideias,
Weber (1999, p. 526) define a política como “tentativa de participar no poder ou de influenciar a distribuição
do poder, seja entre vários Estados, seja dentro de um Estado entre os grupos de pessoas que abrange”.
11
Cf. Mouffe, 2003, p. 12 – 13, 2006, p. 10, 13 – 14, 28 – 29.
12
Cf. Bobbio, 2001, p. 11, 2002, p. 14; 2007, p. 139 – 141.
13
Tais controvérsias se dão, inclusive, com relação a diferentes perspectivas axiológicas que compreendem o
Estado como fenômeno positivo (jusnaturalismo), negativo (como Santo Agostinho, que o compreende como
um “mal necessário”, ou Marx que afirma ser um “mal não-necessário”), ou neutro (BOBBIO, 2000, p. 120 –
124). Cf. Marx e Engels, 2005, p. 42. Para um panorama sobre as grandes correntes doutrinárias acerca da
natureza ou essência do Estado, cf. Miranda, 2002, p. 236 – 248.
9
Capitalismo, e que perdura até hoje, apesar dos questionamentos que seus postulados vêm
sofrendo14
.
Mais precisamente, a afirmação do Estado Moderno, ou Estado Nacional, relaciona-se
com a evolução histórica do princípio da territorialidade ao longo do Feudalismo, culminando com
a “emergência da ordem internacional delineada pela “Paz de Westfália”, assinada em 1648, por
meio da qual se encerrou a “Guerra dos Trinta Anos”. A partir de então, “as comunidades políticas
passaram a definir-se em relação ao território, que se torna o âmbito da jurisdição do poder
soberano do Estado”. Isso ocorre em virtude de “dois processos simultâneos: a separação entre o
espiritual e o temporal, e a gradativa concentração do poder na figura do monarca”. Atribuiu-se,
então, ao Estado, o direito exclusivo de utilizar a força dentro de seu território e em relação à sua
população, ou seja, “o conjunto de pessoas submetidas às decisões do governo”. A concentração e a
centralização do poder, no Estado, fez com que qualquer outra forma de poder em seu interior seja
sempre derivada e submetida ao estatal. Inicia-se também naquele momento a constituição da
“sociedade internacional” (AMARAL, P. 26 – 32).
O Estado Moderno, constituído a partir da formação das comunidades nacionais,
diferencia-se, pois, de outras formas de organização política a partir do atributo da soberania,
conceito que encontra seus pressupostos nas obras de Bodin, considerado seu primeiro teórico, e de
Hobbes, autores cujas ideias foram fundamentais para a justificação do absolutismo monárquico.
Naquele momento histórico, o titular do poder soberano era o próprio rei. Com as Revoluções
Liberais, a titularidade passou para a nação e, com o avançar das ideias democráticas e a
universalização do sufrágio, para o povo.
Pode-se compreender a soberania como um poder “supremo, reconhecido como o mais
alto de todos dentro de uma precisa delimitação territorial”. Este poder, denominado de soberania,
apresenta quatro características essenciais: (1) unidade, (2) indivisibilidade, (3) inalienabilidade e
(4) imprescritibilidade. Ou seja: (1) dentro de um Estado só pode haver uma soberania, pois é um
poder que, internamente, está acima de todos os outros e perante o qual nem um outro pode se
opor; e, no âmbito externo, é um poder independente, pois pode haver outros iguais, mas não
superiores; (2) aplica-se à “à universalidade dos fatos ocorridos no Estado”; (3) não pode ser
transmitida, “pois aquele que a detém desaparece quando ficar sem ela”; (4) não pode apresentar
“prazo certo de duração”, porque se isso fosse possível, “jamais seria verdadeiramente superior”
(DALLARI, 2010, p. 70, 81 – 83).
Pondera-se que a ideia de soberania ilimitada encontrou, primeiramente, sua superação
da perspectiva interna, com o constitucionalismo e a afirmação dos direitos fundamentais, os quais
não podem ser violados nem mesmo pelo Estado e não podem ser afastados sequer pelo poder
constituinte. Posteriormente, o mesmo ocorreu de uma perspectiva externa, sobretudo a partir da
Carta e da Declaração de Direitos Humanos das Nações Unidas.
Além da soberania, outros três elementos caracterizam o Estado: o território (que
delimita o espaço em que incide a soberania), o povo (conjunto de pessoas que se submetem à
soberania e, de acordo com as teorias democráticas, de onde ela se origina), e os fins15
.
14
Cf. Ferrajoli, 2007, p. 2.
15
De acordo com Dallari (2010, p. 108) “o Estado, como sociedade política, tem um fim geral, constituindo-
se em meio para que os indivíduos e as demais sociedades possam atingir seus respectivos fins particulares”,
de maneira que se pode concluir que o “fim do Estado é o bem comum, entendido este como conceituou o
Papa João XXIII, ou seja, o conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o
desenvolvimento integral da personalidade humana”. Considera-se, ainda, que a concepção de bem comum
varia “para cada Estado, em função das particularidades de cada povo”. Cf. Fleiner-Gerster, 2006, p. 74.
Adverte-se que existem muitas maneiras de se conceituar bem comum (Lopes, 2003, p. 93 – 97) e
controvérsias sobre a própria possibilidade de ser definido. Por exemplo, de acordo com Schumpeter (1961,
p. 306 – 308) não há como determinar de maneira racional e inequívoca o que é o bem comum, pois “para
diferentes indivíduos e grupos, o bem comum provavelmente significará coisas muito diversas”, o que
também inviabilizaria a existência de uma “vontade geral”, fundamento da doutrina clássica da democracia.
No mesmo sentido, cf. Kelsen, 2000, p. 140 – 142.
10
A partir dessas características, Dallari (2010, p. 119) define Estado16
como “a ordem
jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território”,
entendendo que tal conceito contempla “todos os elementos que compõe o Estado, e só esses
elementos”, abrangendo a noção de poder (soberania), de politicidade (finalidade do bem comum),
e sua expressão jurídica.
Já, de acordo com Bobbio (1999c, 178 – 180), o que fundamentalmente caracteriza o
Estado é seu “poder coercitivo, que exige o monopólio da força física”. Assim, “no mundo dos
Estados, a única lei reconhecida é a lei do mais forte, porque o Estado ou é a maior concentração de
força existente num determinado território ou não é Estado”17
.
Adota-se a compreensão de que o Estado, em geral, caracteriza-se pelo seu meio
peculiar de agir, qual seja, a coação física, detendo o monopólio de seu uso legítimo. Todavia, para
que esse uso seja legítimo, é preciso estar conforme o direito e estar a serviço da realização de
determinados fins, os quais podem ser racionalmente definidos e compreendidos, mas não como
um a priori teórico e dogmático, e sim como um produto do desenvolvimento histórico.
1.4. Questões para debate
- Como compreender e enfrentar, no mundo contemporâneo, o problema do controle do poder
político como condição da liberdade humana?
- Quais desafios o fenômeno da globalização impõe para o exercício da soberania pelos Estados?
- Como podemos entender e aplicar perante os principais problemas políticos brasileiros atuais a
seguinte expressão de Hanna Arendt (2007, p. 44): “se o sentido de política é a liberdade, isso
significa que nesse espaço – e em nenhum outro – temos de fato o direito de esperar milagres. Não
porque fôssemos crentes em milagres, mas sim porque os homens, enquanto puderem agir, estão
em condições de fazer o improvável e incalculável e, saibam eles ou não, estão sempre fazendo”?
1.5. Bibliografia para aprofundamento
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 10. ed.. Trad. Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2009.
_______________. O que é política? Trad. Reinaldo Guarany. 7ª. ed.. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2007.
ARISTÓTELES. Política. Trad. Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2003.
AZAMBUJA, Darcy. Introdução à Ciência Política. 13ª ed.. São Paulo: Globo, 2001, p. 7 – 9.
BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política – A Filosofia Política e as Lições dos Clássicos. Org.
Michelangelo Bovero. Trad. Daniela Beccaccia Versiani. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000, p. 67 –
78, 216 – 222.
16
Para uma explicação mais detalhada sobre o conceito de Estado e seus elementos, cf. Dallari, 2010, p. 116
– 120, Fleiner-Gerster, 2006, p. 179 – 233.
17
“Que a possibilidade de recorrer à força seja o elemento que distingue o poder político das outras formas
de poder não significa que o poder político se resume ao uso da força: o uso da força é uma condição
necessária, mas não suficiente para a existência do poder político. Nem todo grupo social com condições de
usar, até mesmo com certa continuidade, a força (uma associação de delinqüentes, um bando de piratas, um
grupo subversivo etc.) exerce um poder político. O que caracteriza o poder político é a exclusividade do uso
da força em relação a todos os grupos que agem em um determinado contexto social, exclusividade que é
resultado de um processo que se desenvolve, em toda sociedade organizada, na direção da monopolização da
posse e do uso dos meios com os quais é possível exercer a coação física. Esse processo de monopolização
caminha pari passu com o processo de criminalização e penalização de todos os atos de violência que não
forem cumpridos por pessoas autorizadas pelos detentores e beneficiários desse monopólio” (BOBBIO, 2000,
p. 164).
11
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 106 – 110.
COMPARATO, Fábio Konder. Ética: Direito, Moral e Religião no Mundo Moderno. São Paulo:
Companhia das Letras, 2006, pp. 589 – 591.
DUVERGER, Maurice. Ciência Política – Teoria e Método. 3ª ed. Trad. Heloísa de Castro Lima.
Rio de Janeiro: Zahar, 1981, p. 13 – 17.
LUHMANN, Niklas. Poder. Trad. Martine Creusot de Rezende Martins. Brasília: Unb, 1985.
MOUFFE, Chantal. Democracia, Cidadania e a Questão do Pluralismo. In: Política e Sociedade, p.
11 – 26, n.º 3, out. de 2003.
________________. On the Political. London: Routledge, 2006.
WEBER, Max. A Política como Vocação. In: Ciência e Política – Duas Vocações. Trad. Jean
Melville. São Paulo: Martin Claret, 2006.

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  • 1. 5 MÓDULO 1: POLÍTICA E ESTADO Conteúdo Programático: 1.1. O Fenômeno do Poder. 1.2. Diferentes Concepções de Política. 1.2.1. Política e a Esfera do que é Comum a Todos. 1.2.2. Política e Liberdade. 1.2.3. Política, Poder e Estado. 1.3. Estado Moderno: formação, conceito e elementos fundamentais. 1.4. Questões para debate. 1.5. Bibliografia para aprofundamento. O poder é um fenômeno característico de todas as relações sociais. Todavia, é no âmbito do Estado que ele se manifesta de maneira mais marcante. A vida em sociedade exige certa ordem e obediência a regras de convivência estabelecidas por diferentes formas de poder. Mas o poder se expressa por meio de relações de dominação, o que limita a liberdade, que também é um desejo humano. Deste conflito resultam dois grandes problemas que envolvem o fenômeno do poder: como controlá-lo e como justificá-lo (Quando o poder é legítimo? Por que devo obedecer? A quem devo obedecer?) 1.1. O Fenômeno do Poder - Em que consiste o fenômeno do poder? O poder consiste na capacidade de um sujeito impor sua vontade a outro, o que não depende somente das habilidades do primeiro, mas também da cooperação e do consentimento do último. O poder não se confunde com a força física, pois esta suprimiria a própria vontade de seu destinatário. Porém, o potencial do uso da força é inerente ao poder, pois, em caso contrário, haveria somente persuasão e não sujeição1 . Portanto, entende-se o poder como a capacidade que um sujeito tem de influenciar, condicionar, determinar o comportamento de outro sujeito. A relação entre governantes e governados, na qual se resume a relação política principal, é uma típica relação de poder (BOBBIO, 2000, p. 216). - Quais as formas de manifestação do poder? Existem diferentes formas de poder: político, econômico, religioso, moral, técnico etc. Estas diferentes formas de poder se relacionam e se influenciam mutuamente. Note-se, por exemplo, o poder político justificado pela religião nos períodos medieval e absolutista, a influência do poder econômico sobre a política, e dos conhecimentos técnicos sobre a política e a economia. Além disso, todas as formas de poder apresentam uma tendência ilimitada de expansão e fortalecimento, a qual precisa ser contida por instituições sociais capazes de impor limites e impedir o arbítrio2 (COMPARATO, 2005, p. XV – XVI). A busca pela conquista e manutenção do poder, tanto político, como econômico e religioso, mostra-se como uma das mais fortes paixões do homem. Ressalta-se que o objeto dessa paixão não é o resultado do exercício do poder, ou seja, as transformações na realidade que podem decorrer da ação daquele que detém o poder, mas o seu próprio exercício, pois o respeito, a veneração e a submissão que ele muitas vezes desperta é que causam prazer no seu detentor. Esta 1 Cf. BEETHAM, 1991, p. 38 e BASTOS, 1988, p. 132. 2 A coação é o “elemento essencial do poder nas sociedades humanas”. “O poder é parcialmente um fenômeno de força, coação e coerção. Primeiro, coação física” (...). “Coação econômica em seguida. Aquele que pode privar um homem de comer obtém facilmente sua obediência. Quantos operários obedecem a seu patrão por esse motivo?” Existem outras formas de coação, como a “pressão social difusa” e a propaganda, uma forma de “coação psicológica” (DUVERGER, 1981, p. 13 – 14).
  • 2. 6 paixão acaba fazendo com que aquele que exerce o poder sem limitações acabe sendo dominado por ele, procurando conservá-lo e ampliá-lo a qualquer custo, inclusive se corrompendo (COMPARATO, 2006, p. 589 – 591). 1.2. Diferentes Concepções de Política 1.2.1. Política e a Esfera do que é Comum a Todos Em um sentido amplo, e cujas origens se encontram na Antiguidade, a política3 se identifica com o governo daquilo que é comum a todos,4 daquilo que é global. Há necessidades humanas que não podem ser satisfeitas individualmente, ou por meio de sociedades menores, como a família, requerendo-se uma ação de toda a coletividade solidariamente organizada. Refere-se, pois, à “vida em comum”, aos fins gerais da coletividade e à busca dos meios adequados para atingi-los5 . Assim, o poder político é o o poder exercido na polis (que em grego significa ‘cidade’, definida pelo próprio Aristóteles como comunidade auto-suficiente de indivíduos que convivem em um território)6 (BOBBIO, 2000, p. 216 – 217). 1.2.2. Política e Liberdade Também na Antiguidade Clássica, encontramos uma concepção de política relacionada com a ideia de liberdade. Desde o surgimento da antiga cidade-estado, passou a haver uma distinção entre a esfera privada e a esfera da vida pública. Na primeira, os homens estavam submetidos às necessidades materiais de sobrevivência, enquanto a segunda constituía a esfera da liberdade. A relação entre essas duas esferas encontrava-se no fato de que, para poder ingressar na liberdade da política, o homem precisava superar sua submissão às necessidades da vida privada. Diante das necessidades, a violência se justificava para superá-las e alcançar a liberdade (inclusive com a prática do escravismo, pois somente assim o homem se libertava da necessidade de trabalhar). Porém, na esfera pública (esfera da liberdade, da política), não se admitia a violência, pois “tudo era decidido mediante palavras7 e persuasão” (ARENDT, 2009, p. 37 – 40). A ação política, desenvolvida na esfera pública, de acordo com o pensamento da Grécia Antiga, tinha como sentido a liberdade, ou seja, uma ação desenvolvida entre iguais, que não eram dominados, nem dominavam, mas que tentavam regular os problemas da convivência por meio do diálogo e do convencimento. Assim, ao contrário do que é comum se afirmar, a política (netse sentido específico empregado pelos gregos) não é um fenômeno que sempre existiu na sociedade humana, não coincide com qualquer forma de organização da vida em sociedade, com 3 “Derivado do adjetivo de pólis (polilikós), significando tudo aquilo que se refere à cidade, e, portanto ao cidadão, civil, público e também sociável e social, o termo “política” foi transmitido por influência da grande obra de Aristóteles, intitulada Política, que deve ser considerada o primeiro tratado sobre a natureza, as funções, as divisões do Estado, e sobre as várias formas de governo, predominantemente no significado de arte ou ciência do governo, isto é, de reflexão, não importa se com intenções meramente descritivas ou também prescritivas (mas os dois aspectos são de difícil distinção), sobre as coisas da cidade” (BOBBIO, 2000, p. 159). 4 Cf. Arendt, 2009, p. 59 – 62; 68. 5 Cf. Miranda, 2002, p. 248 – 249. Essa concepção se manifesta, por exemplo, na expressão de Comparato (2006, p. 585): a política é “a arte de comandar ou dirigir toda a vida social, em função de uma finalidade comum a todos”. Ou, no entendimento de Miranda (2002, p. 249): “o político é o global; é tudo aquilo que assume relevância para toda uma sociedade ou um conjunto de sociedades, em certo tempo e em certo lugar”. 6 Aristóteles (2003, p. 99) ressalta que todas as ciências e artes têm como finalidade o bem, sendo que a política é a maior de todas as ciências e sua finalidade é o maior de todos os bens: a justiça. 7 Aristóteles (2003, p. 14) afirma que “somente o homem, entre todos os animais, possui o dom da palavra; a voz indica dor e prazer, e por essa razão é que ela foi outorgada aos outros animais. (...) A palavra, contudo, tem a finalidade de fazer entender o que é útil ou prejudicial, e, conseqüentemente, o que é justo e o injusto”.
  • 3. 7 quaisquer instrumentos que possibilitem a convivência social ou o suprimento daquilo que os homens não conseguem prover individualmente. Na verdade, não se entendia a política como algo natural e comum a todos os tempos e lugares, mas como algo restrito a um específico local e num período relativamente curto da Grécia antiga, pois, para que os homens convivessem na polis (desenvolvessem a ação política) era necessário que fossem livres, ou seja, que não estivessem submetidos a um senhor (o que se dava com os escravos), nem às necessidades de sobrevivência (como a produção de alimentos, vestuário, moradia etc.), o que só era possível por meio da “sociedade escravagista”. Consequentemente, de acordo com esta concepção que liga política e liberdade, os regimes autoritários são, na verdade, antipolíticos8 . Este conceito pode ser utilizado contemporaneamente como a indicação de um ideal de convivência, de mediação dos conflitos sociais: a política enquanto campo da escolha humana livre realizada após o debate entre iguais, e sem o recurso à violência. Tal concepção de política cumpre um papel importante, enquanto horizonte axiológico, pois, como afirma Arendt (2007, p. 44): se esperar um milagre for um traço característico da falta de saída em que nosso mundo chegou, então essa expectativa não nos remete, de modo nenhum, para fora do âmbito político. Se o sentido de política é a liberdade, isso significa que nesse espaço – e em nenhum outro – temos de fato o direito de esperar milagres. Não porque fôssemos crentes em milagres, mas sim porque os homens, enquanto puderem agir, estão em condições de fazer o improvável e incalculável e, saibam eles ou não, estão sempre fazendo. 1.2.3. Política, Poder e Estado A terceira concepção de política utilizada neste módulo tem um caráter descritivo e, consequentemente, o objetivo de servir como um instrumento de análise. De acordo com ela, não se define a política a partir de uma finalidade a ela atribuída, como a realização do bem comum, pois a atribuição de um fim à política é um juízo de valor, não de fato (não diz o que a política é, mas o que ela deve ser)9 . Neste sentido, o critério mais adequado para distinguir o poder político das outras formas de poder, e portanto para delimitar o campo da política e de outras ações políticas, é aquele que se funda sobre os meios dos quais as diversas formas de poder se servem para obter os efeitos desejados: o meio do qual se serve o poder político, embora, em última instância, diferente do poder econômico e do poder ideológico, é a força”, enquanto que o segundo se vale da “disposição exclusiva de um bem”, e o último da “posse de certas formas de saber inacessíveis aos demais” (...) Uma vez que o poder político se caracteriza pelo uso da força, ele é o sumo poder ou poder soberano, cuja posse distingue, em toda sociedade organizada, a classe dominante” (BOBBIO, 2000, p. 221). Trata-se da compreensão da política como exercício do poder, à capacidade que os diferentes atores sociais têm de transformar ou manter o ambiente em que atuam, em termos físicos ou sociais. Trata-se, pois, de um fenômeno presente em todos os grupos e instituições da sociedade: sempre que exista a necessidade de cooperação, negociação ou luta sobre o uso e a distribuição de recursos (materiais e imateriais) haverá política (HELD, 2006, p. 270). 8 Cf. Arendt, 2009, p. 41 – 51. 9 Assim, de acordo com Bobbio (2000, p. 167), as definições teleológicas da política não podem ser consideradas como descritivas, mas sim como prescritivas, pois “não definem o que é concretamente e normalmente a política, mas indicam como deveria ser a política para ser uma boa política”.
  • 4. 8 De maneira mais específica, como explica Bobbio (2007, p. 137), o termo política costuma designar “a esfera das ações que têm relação direta ou indireta com a conquista e o exercício do poder último (supremo ou soberano) sobre a comunidade de indivíduos em um território”, ou ainda, a “exclusividade do uso da força em relação a todos os grupos que agem em um determinado contexto social” (BOBBIO, 2000, p. 164). Acrescentando-se a esta ideia a de que o poder político também se caracteriza por sua abrangência (a “organização global de uma sociedade complexa” (BOBBIO, 1983, p. 55)), acaba- se por identificar a política com o Estado, pois na modernidade, a instituição que detém o monopólio do uso da força e cuida da organização global da sociedade é o Estado10 . Por fim, ressalta-se que, enquanto exercício do poder, a política apresenta um caráter intrinsecamente conflitual: não se refere às escolhas estritamente técnicas a serem feitas por especialistas, pois sempre envolvem alternativas conflitantes, as quais não se limitam a interesses econômicos e racionais de atores individuais, nem a questões morais, pois também apresentam um componente de paixão e antagonismo, entre indivíduos e sujeitos coletivos11 . Portanto, enquanto tipo de relação conflitual, a política sempre envolve a luta pelo poder e para derrotar o adversário12 . Em síntese, nesta terceira e última concepção, a política é compreendida como uma forma de exercício do poder, que apresenta o antagonismo como um elemento essencial, tem a força como meio e, em sentido mais estrito, identifica-se com o Estado. De acordo com essa compreensão, a política se aproxima muito mais da ideia de coerção do que de liberdade, representa muito mais relações assimétricas do que simboliza a igualdade. 1.3. Estado Moderno: formação, conceito e elementos fundamentais A definição sobre o que é o Estado é objeto de intensas controvérsias13 desde a filosofia da Antiguidade, bem como após a consolidação histórica do que se denominou de “Estado Moderno”. O que há de comum ao longo da história quando se trata da organização política estatal, em sentido amplo, é a existência de “um conjunto de partes ligadas entre si formando um corpo unitário”, portanto, sempre há um princípio e um centro unificador, sem os quais não se poderia falar em Estado, seja em sentido amplo ou estrito (BOBBIO, 1999a, p. 200 – 2002). Porém, quando se trata da forma de Estado ainda predominante atualmente, refere-se ao “Estado Moderno”, ou seja, uma organização política que surgiu na Europa Ocidental (espalhando-se, depois, pelo mundo) no final da Idade Média, atrelada ao desenvolvimento do 10 Weber (1999, p. 525) explica que “do ponto de vista da consideração sociológica, uma associação “política”, e particularmente um “Estado”, não pode ser definida pelo conteúdo daquilo que faz. Não há quase nenhuma tarefa que alguma associação política, em algum momento, não tivesse tomado em suas mãos, mas, por outro lado, também não há nenhuma da qual se poderia dizer que tivesse sido própria, em todos os momentos e exclusivamente, daquelas associações que se chamam política (ou hoje: Estados) ou que são historicamente as precursoras do Estado moderno. Ao contrário, somente se pode, afinal, definir sociologicamente o Estado moderno por um meio específico que lhe é próprio, como também a toda associação política: o da coação física. Assim, o Estado consiste em uma “relação de dominação de homens sobre homens, apoiada no meio de coação legítima (quer dizer, considerada legítima)”. A partir dessas ideias, Weber (1999, p. 526) define a política como “tentativa de participar no poder ou de influenciar a distribuição do poder, seja entre vários Estados, seja dentro de um Estado entre os grupos de pessoas que abrange”. 11 Cf. Mouffe, 2003, p. 12 – 13, 2006, p. 10, 13 – 14, 28 – 29. 12 Cf. Bobbio, 2001, p. 11, 2002, p. 14; 2007, p. 139 – 141. 13 Tais controvérsias se dão, inclusive, com relação a diferentes perspectivas axiológicas que compreendem o Estado como fenômeno positivo (jusnaturalismo), negativo (como Santo Agostinho, que o compreende como um “mal necessário”, ou Marx que afirma ser um “mal não-necessário”), ou neutro (BOBBIO, 2000, p. 120 – 124). Cf. Marx e Engels, 2005, p. 42. Para um panorama sobre as grandes correntes doutrinárias acerca da natureza ou essência do Estado, cf. Miranda, 2002, p. 236 – 248.
  • 5. 9 Capitalismo, e que perdura até hoje, apesar dos questionamentos que seus postulados vêm sofrendo14 . Mais precisamente, a afirmação do Estado Moderno, ou Estado Nacional, relaciona-se com a evolução histórica do princípio da territorialidade ao longo do Feudalismo, culminando com a “emergência da ordem internacional delineada pela “Paz de Westfália”, assinada em 1648, por meio da qual se encerrou a “Guerra dos Trinta Anos”. A partir de então, “as comunidades políticas passaram a definir-se em relação ao território, que se torna o âmbito da jurisdição do poder soberano do Estado”. Isso ocorre em virtude de “dois processos simultâneos: a separação entre o espiritual e o temporal, e a gradativa concentração do poder na figura do monarca”. Atribuiu-se, então, ao Estado, o direito exclusivo de utilizar a força dentro de seu território e em relação à sua população, ou seja, “o conjunto de pessoas submetidas às decisões do governo”. A concentração e a centralização do poder, no Estado, fez com que qualquer outra forma de poder em seu interior seja sempre derivada e submetida ao estatal. Inicia-se também naquele momento a constituição da “sociedade internacional” (AMARAL, P. 26 – 32). O Estado Moderno, constituído a partir da formação das comunidades nacionais, diferencia-se, pois, de outras formas de organização política a partir do atributo da soberania, conceito que encontra seus pressupostos nas obras de Bodin, considerado seu primeiro teórico, e de Hobbes, autores cujas ideias foram fundamentais para a justificação do absolutismo monárquico. Naquele momento histórico, o titular do poder soberano era o próprio rei. Com as Revoluções Liberais, a titularidade passou para a nação e, com o avançar das ideias democráticas e a universalização do sufrágio, para o povo. Pode-se compreender a soberania como um poder “supremo, reconhecido como o mais alto de todos dentro de uma precisa delimitação territorial”. Este poder, denominado de soberania, apresenta quatro características essenciais: (1) unidade, (2) indivisibilidade, (3) inalienabilidade e (4) imprescritibilidade. Ou seja: (1) dentro de um Estado só pode haver uma soberania, pois é um poder que, internamente, está acima de todos os outros e perante o qual nem um outro pode se opor; e, no âmbito externo, é um poder independente, pois pode haver outros iguais, mas não superiores; (2) aplica-se à “à universalidade dos fatos ocorridos no Estado”; (3) não pode ser transmitida, “pois aquele que a detém desaparece quando ficar sem ela”; (4) não pode apresentar “prazo certo de duração”, porque se isso fosse possível, “jamais seria verdadeiramente superior” (DALLARI, 2010, p. 70, 81 – 83). Pondera-se que a ideia de soberania ilimitada encontrou, primeiramente, sua superação da perspectiva interna, com o constitucionalismo e a afirmação dos direitos fundamentais, os quais não podem ser violados nem mesmo pelo Estado e não podem ser afastados sequer pelo poder constituinte. Posteriormente, o mesmo ocorreu de uma perspectiva externa, sobretudo a partir da Carta e da Declaração de Direitos Humanos das Nações Unidas. Além da soberania, outros três elementos caracterizam o Estado: o território (que delimita o espaço em que incide a soberania), o povo (conjunto de pessoas que se submetem à soberania e, de acordo com as teorias democráticas, de onde ela se origina), e os fins15 . 14 Cf. Ferrajoli, 2007, p. 2. 15 De acordo com Dallari (2010, p. 108) “o Estado, como sociedade política, tem um fim geral, constituindo- se em meio para que os indivíduos e as demais sociedades possam atingir seus respectivos fins particulares”, de maneira que se pode concluir que o “fim do Estado é o bem comum, entendido este como conceituou o Papa João XXIII, ou seja, o conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana”. Considera-se, ainda, que a concepção de bem comum varia “para cada Estado, em função das particularidades de cada povo”. Cf. Fleiner-Gerster, 2006, p. 74. Adverte-se que existem muitas maneiras de se conceituar bem comum (Lopes, 2003, p. 93 – 97) e controvérsias sobre a própria possibilidade de ser definido. Por exemplo, de acordo com Schumpeter (1961, p. 306 – 308) não há como determinar de maneira racional e inequívoca o que é o bem comum, pois “para diferentes indivíduos e grupos, o bem comum provavelmente significará coisas muito diversas”, o que também inviabilizaria a existência de uma “vontade geral”, fundamento da doutrina clássica da democracia. No mesmo sentido, cf. Kelsen, 2000, p. 140 – 142.
  • 6. 10 A partir dessas características, Dallari (2010, p. 119) define Estado16 como “a ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território”, entendendo que tal conceito contempla “todos os elementos que compõe o Estado, e só esses elementos”, abrangendo a noção de poder (soberania), de politicidade (finalidade do bem comum), e sua expressão jurídica. Já, de acordo com Bobbio (1999c, 178 – 180), o que fundamentalmente caracteriza o Estado é seu “poder coercitivo, que exige o monopólio da força física”. Assim, “no mundo dos Estados, a única lei reconhecida é a lei do mais forte, porque o Estado ou é a maior concentração de força existente num determinado território ou não é Estado”17 . Adota-se a compreensão de que o Estado, em geral, caracteriza-se pelo seu meio peculiar de agir, qual seja, a coação física, detendo o monopólio de seu uso legítimo. Todavia, para que esse uso seja legítimo, é preciso estar conforme o direito e estar a serviço da realização de determinados fins, os quais podem ser racionalmente definidos e compreendidos, mas não como um a priori teórico e dogmático, e sim como um produto do desenvolvimento histórico. 1.4. Questões para debate - Como compreender e enfrentar, no mundo contemporâneo, o problema do controle do poder político como condição da liberdade humana? - Quais desafios o fenômeno da globalização impõe para o exercício da soberania pelos Estados? - Como podemos entender e aplicar perante os principais problemas políticos brasileiros atuais a seguinte expressão de Hanna Arendt (2007, p. 44): “se o sentido de política é a liberdade, isso significa que nesse espaço – e em nenhum outro – temos de fato o direito de esperar milagres. Não porque fôssemos crentes em milagres, mas sim porque os homens, enquanto puderem agir, estão em condições de fazer o improvável e incalculável e, saibam eles ou não, estão sempre fazendo”? 1.5. Bibliografia para aprofundamento ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 10. ed.. Trad. Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. _______________. O que é política? Trad. Reinaldo Guarany. 7ª. ed.. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. ARISTÓTELES. Política. Trad. Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2003. AZAMBUJA, Darcy. Introdução à Ciência Política. 13ª ed.. São Paulo: Globo, 2001, p. 7 – 9. BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política – A Filosofia Política e as Lições dos Clássicos. Org. Michelangelo Bovero. Trad. Daniela Beccaccia Versiani. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000, p. 67 – 78, 216 – 222. 16 Para uma explicação mais detalhada sobre o conceito de Estado e seus elementos, cf. Dallari, 2010, p. 116 – 120, Fleiner-Gerster, 2006, p. 179 – 233. 17 “Que a possibilidade de recorrer à força seja o elemento que distingue o poder político das outras formas de poder não significa que o poder político se resume ao uso da força: o uso da força é uma condição necessária, mas não suficiente para a existência do poder político. Nem todo grupo social com condições de usar, até mesmo com certa continuidade, a força (uma associação de delinqüentes, um bando de piratas, um grupo subversivo etc.) exerce um poder político. O que caracteriza o poder político é a exclusividade do uso da força em relação a todos os grupos que agem em um determinado contexto social, exclusividade que é resultado de um processo que se desenvolve, em toda sociedade organizada, na direção da monopolização da posse e do uso dos meios com os quais é possível exercer a coação física. Esse processo de monopolização caminha pari passu com o processo de criminalização e penalização de todos os atos de violência que não forem cumpridos por pessoas autorizadas pelos detentores e beneficiários desse monopólio” (BOBBIO, 2000, p. 164).
  • 7. 11 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 106 – 110. COMPARATO, Fábio Konder. Ética: Direito, Moral e Religião no Mundo Moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, pp. 589 – 591. DUVERGER, Maurice. Ciência Política – Teoria e Método. 3ª ed. Trad. Heloísa de Castro Lima. Rio de Janeiro: Zahar, 1981, p. 13 – 17. LUHMANN, Niklas. Poder. Trad. Martine Creusot de Rezende Martins. Brasília: Unb, 1985. MOUFFE, Chantal. Democracia, Cidadania e a Questão do Pluralismo. In: Política e Sociedade, p. 11 – 26, n.º 3, out. de 2003. ________________. On the Political. London: Routledge, 2006. WEBER, Max. A Política como Vocação. In: Ciência e Política – Duas Vocações. Trad. Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2006.