A crise na Argentina pode ser o início de dificuldades para outros mercados emergentes devido à exaustão de seus modelos de crescimento baseados no crescimento chinês e fluxos financeiros globais. Muitos países emergentes, incluindo o Brasil, precisam se reinventar para gerar novo crescimento, o que pode exigir impopulares ajustes macroeconômicos. Investidores podem punir empresas com exposição a emergentes se esses países não tomarem medidas necessárias para estimular o crescimento.
A crise na Argentina é apenas o começo para os mercados emergentes
1. 30/01/2014 às 05h00
A Argentina é somente o começo
Por Tony Volpon
Se engana quem pensa que a crise que eclodiu na Argentina nos
últimos dias não vai apresentar dificuldades adicionais não
somente para o Brasil, mas para todos os mercados emergentes.
Os otimistas podem argumentar que não há muito com que se
preocupar, afinal a Argentina é um caso à parte dentro do
complexo das economias emergente. A Argentina adotou como
ponto mestre da sua política um tipo de "autarquia financeira"
como reação à sua crise de 2002. Não querendo "se curvar" às
demandas do capital internacional, o regime dos Kirchners fechou a Argentina aos mercados, adotando
atitude beligerante com uma longa lista de atores, do FMI ao Clube de Paris e aos investidores
reclamando seus direitos na Justiça americana.
Durante os primeiros anos de recuperação da crise de 2002, que por sorte se deu no mesmo período
em que a economia chinesa começou a devorar quantias crescentes de matérias primas como a soja, e
ajudada por uma taxa de câmbio bastante depreciada pela sua própria crise, a heterodoxa autarquia
financeira funcionou. Gerando superávits em sua conta corrente, a Argentina conseguiu a proeza de
pagar sua reestruturada dívida e acumular reservas sem se relacionar com os mercados financeiros
internacionais.
Este "modelo", que diga-se de passagem, recebeu muitos elogios de alguns economistas no Brasil, entra
em franca decadência devido aos efeitos sobre a taxa de câmbio e a competitividade dos excessos fiscais
do governo argentino financiados por emissão monetária. Os superávits da conta corrente se
transformam em déficits, os níveis de reservas começam a cair, e apesar da criação do "cepo
cambiário", da manipulação da taxa de inflação e da repressão das importações (negativamente
afetando a indústria brasileira), a Argentina hoje enfrenta uma clássica crise cambial.
Devemos nos diferenciar de outros emergentes que relutam em tomar as decisões
necessárias
A "boa noticia" é que a peculiar autarquia financeira dos Kirchners fez a Argentina não participar do
longo "boom" dos mercados emergentes da ultima década. Combinado com a baixíssima nota dada ao
país pelas agências de crédito, poucos investidores têm títulos argentinos nas suas carteiras: operar
títulos deste país virou uma arriscada especialidade de investidores procurando altíssimos retornos
aceitando altíssimos riscos. Assim, não devemos ver, no episódio atual, a dinâmica de contágio onde
investidores, sofrendo perdas em suas carteiras devido à crise em um determinado país, são forçados a
vender títulos de outros países para cobrir suas perdas.
Mas apesar das excentricidades da Argentina, ela tem com muitas outras economias emergentes um
problema em comum: a exaustão de seu modelo de crescimento. A Argentina pode ser o "elo mais
fraco", mas é somente um entre muitos países emergentes, inclusive o Brasil, que tem visto forte queda
no seu crescimento econômico. O que hoje une um arco de países que passa da Argentina ao Brasil,
Turquia e Índia, é a exaustão de modelos de crescimento que tiveram como bases externas o acelerado
crescimento chinês e a expansão de liquidez monetária nos países desenvolvidos, levando a fortíssimos
fluxos financeiros (a época da "guerra cambial"). Cada país, do seu jeito e modo, aproveitou essa
combinação excepcional para crescer, com muitos deles passando por ciclos de expansão do crédito e
do consumo.