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NO TEMPO DOS
           MOSQUETEIROS


                                                      7 de Abril
                                           Dia Mundial da Saúde




  Confidenciava o Joca ao avô:
  – Gostava de ter vivido no tempo dos homens das
espadas...
  Isto dito depois de ambos terem visto um filme daqueles
de espadachins de bigodes eriçados, capa ao vento e
chapéus emplumados. Fervia a espadeirada por pátios,
corredores, salões, escadarias de palácios intermináveis. A
meio dos duelos, gritavam: "À fé de quem sou que vos
hei-de trespassar, tratante!" E, enquanto não davam conta
dos vilões bandidos, os mosqueteiros decepavam velas,
fendiam cadeirões, estilhaçavam jarras, rasgavam
cortinados. O Joca saltava da cadeira, entusiasmado. Quem
lhe dera ser um deles!

                            1
Já o avô não partilhava da mesma opinião:
   – Se vivesses nesse tempo, havia coisas com que não
podias contar. Olha, por exemplo, automóveis...
   – Bá. Não me importava. Andava a cavalo.
   – Pois. Talvez sim – reconheceu o avô. – Mas havia
outros inconvenientes...
   – Quais?
   O avô estendeu os dedos da mão esquerda e pôs-se a
enumerar:
   – Naquele tempo, não havia playstations nem cinema
nem televisão nem telemóveis e, sobretudo, os cuidados de
saúde deixavam muito a desejar. Se alguém tinha febre,
recomendavam-lhe que se metesse dentro de uma tina de
água gelada, para fazer baixar a temperatura.
   O Joca arrepiou-se.
   – Por tudo e por nada, a ordem do médico era:
"Sangrem-no!"
   O Joca ainda mais se arrepiou.
   – É que tu tens de perceber que, naquela época, ainda
não tinham sido descobertos os remédios, hoje correntes.
   – E já havia doenças? – perguntou o Joca.
   O avô sorriu:
   – As mesmas que há agora e mais ainda, mas estava-se,
completamente, às escuras sobre as causas que
provocavam essas doenças. Não havia antibióticos. Não
havia vacinas. A propósito: tu sabes quem foi Pasteur?
   O Joca não sabia. Se vocês também não sabem, deixem-
-me que seja eu a fazer as vezes do avô do Joca. Ora tomem
atenção.



                            2
Luís Pasteur foi um notável cientista francês, que
revolucionou a Medicina, a partir dos meados do século
dezanove, isto é, desde há cerca de cento e cinquenta anos.
   Neste passo, o Joca terá dito:
   – Já sei, avô. Foi ele que "inventou" os micróbios.
   Talvez fosse melhor que o Joca tivesse ficado calado...
De facto, microrganismos invisíveis a olho nu sempre
existiram. O que o Pasteur provou foi que estes
minúsculos seres em suspensão no ar eram responsáveis
pelo aparecimento e transmissão das mais diversas
doenças.
   Hoje, qualquer pessoa fala de micróbios, bacilos,
bactérias. Dantes, à falta de microscópios potentes que os
comprovassem, só deles se tinha conhecimento pelos seus
efeitos.
   No Sul de França grassara uma doença que punha em
risco as culturas dos bichos-da-seda. Os fabricantes de seda
de Lyon punham as mãos à cabeça, já se vendo na ruína.
Chamado a investigar a causa, Pasteur isolou as bactérias
portadoras da enfermidade, impediu o contágio e salvou a
indústria.
   Outras epidemias animais foram por ele estudadas e
combatidas, graças a um método experimental que
consistia em tornar inofensivo o bacilo que provocava a
doença. Era como se conseguisse, quimicamente, tirar-lhe
a violência e a perigosidade e torná-lo pacífico, a ponto de
combater e eliminar os bacilos violentos que atacavam o
organismo.
   – O bandido tornava-se mosqueteiro do rei – comparava
o Joca, desta feita com muito acerto.


                             3
Uma vez, Pasteur foi chamado de urgência, em socorro
de uma criança que tinha sido mordida por um cão raivoso.
O seu destino seria uma morte atroz.
   Pasteur nunca tinha experimentado a vacina contra a
raiva em seres humanos, mas não hesitou. E o menino
salvou-se.
   Tempos perigosos esses...
   – Afinal, já não queria viver no tempo dos mosqueteiros
– suspirou o Joca, depois de ouvir os esclarecimentos do
avô.
   Não nos custa a ter a mesma opinião.


  FIM




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A importância de Pasteur na medicina do século XIX

  • 1. NO TEMPO DOS MOSQUETEIROS 7 de Abril Dia Mundial da Saúde Confidenciava o Joca ao avô: – Gostava de ter vivido no tempo dos homens das espadas... Isto dito depois de ambos terem visto um filme daqueles de espadachins de bigodes eriçados, capa ao vento e chapéus emplumados. Fervia a espadeirada por pátios, corredores, salões, escadarias de palácios intermináveis. A meio dos duelos, gritavam: "À fé de quem sou que vos hei-de trespassar, tratante!" E, enquanto não davam conta dos vilões bandidos, os mosqueteiros decepavam velas, fendiam cadeirões, estilhaçavam jarras, rasgavam cortinados. O Joca saltava da cadeira, entusiasmado. Quem lhe dera ser um deles! 1
  • 2. Já o avô não partilhava da mesma opinião: – Se vivesses nesse tempo, havia coisas com que não podias contar. Olha, por exemplo, automóveis... – Bá. Não me importava. Andava a cavalo. – Pois. Talvez sim – reconheceu o avô. – Mas havia outros inconvenientes... – Quais? O avô estendeu os dedos da mão esquerda e pôs-se a enumerar: – Naquele tempo, não havia playstations nem cinema nem televisão nem telemóveis e, sobretudo, os cuidados de saúde deixavam muito a desejar. Se alguém tinha febre, recomendavam-lhe que se metesse dentro de uma tina de água gelada, para fazer baixar a temperatura. O Joca arrepiou-se. – Por tudo e por nada, a ordem do médico era: "Sangrem-no!" O Joca ainda mais se arrepiou. – É que tu tens de perceber que, naquela época, ainda não tinham sido descobertos os remédios, hoje correntes. – E já havia doenças? – perguntou o Joca. O avô sorriu: – As mesmas que há agora e mais ainda, mas estava-se, completamente, às escuras sobre as causas que provocavam essas doenças. Não havia antibióticos. Não havia vacinas. A propósito: tu sabes quem foi Pasteur? O Joca não sabia. Se vocês também não sabem, deixem- -me que seja eu a fazer as vezes do avô do Joca. Ora tomem atenção. 2
  • 3. Luís Pasteur foi um notável cientista francês, que revolucionou a Medicina, a partir dos meados do século dezanove, isto é, desde há cerca de cento e cinquenta anos. Neste passo, o Joca terá dito: – Já sei, avô. Foi ele que "inventou" os micróbios. Talvez fosse melhor que o Joca tivesse ficado calado... De facto, microrganismos invisíveis a olho nu sempre existiram. O que o Pasteur provou foi que estes minúsculos seres em suspensão no ar eram responsáveis pelo aparecimento e transmissão das mais diversas doenças. Hoje, qualquer pessoa fala de micróbios, bacilos, bactérias. Dantes, à falta de microscópios potentes que os comprovassem, só deles se tinha conhecimento pelos seus efeitos. No Sul de França grassara uma doença que punha em risco as culturas dos bichos-da-seda. Os fabricantes de seda de Lyon punham as mãos à cabeça, já se vendo na ruína. Chamado a investigar a causa, Pasteur isolou as bactérias portadoras da enfermidade, impediu o contágio e salvou a indústria. Outras epidemias animais foram por ele estudadas e combatidas, graças a um método experimental que consistia em tornar inofensivo o bacilo que provocava a doença. Era como se conseguisse, quimicamente, tirar-lhe a violência e a perigosidade e torná-lo pacífico, a ponto de combater e eliminar os bacilos violentos que atacavam o organismo. – O bandido tornava-se mosqueteiro do rei – comparava o Joca, desta feita com muito acerto. 3
  • 4. Uma vez, Pasteur foi chamado de urgência, em socorro de uma criança que tinha sido mordida por um cão raivoso. O seu destino seria uma morte atroz. Pasteur nunca tinha experimentado a vacina contra a raiva em seres humanos, mas não hesitou. E o menino salvou-se. Tempos perigosos esses... – Afinal, já não queria viver no tempo dos mosqueteiros – suspirou o Joca, depois de ouvir os esclarecimentos do avô. Não nos custa a ter a mesma opinião. FIM 4