1. ORIGENS DA PÁSCOA
Origem
“Moisés chamou os anciãos de Israel e disse-lhes:
“Escolhei e tomai um animal do rebanho, segundo os vossos clãs, e
imolai a Páscoa. Tomareis depois um ramo de hissopo, mer-
gulhá-lo-eis no sangue que estiver na bacia, e marcareis o dintel
e as duas ombreiras da porta com o sangue que estiver na
bacia, e nenhum de vós sairá da porta da sua casa até pela manhã. O
Senhor passará para ferir o Egito, verá o sangue sobre o dintel e sobre
as duas ombreiras da porta, e o Senhor passará ao largo da porta e não
deixará que o Exterminador entre nas vossas casas para ferir.””
(Ex 12,21-23)
Esta celebração estando ligada ao Êxodo, tem na sua gênese um rito ou festa nómada das
comunidades pastoris, anterior a este acontecimento bíblico, sendo que estas práticas eram
comuns noutros povos, não se circunscrevendo aos hebreus.
O ritual consistia na imolação de um cordeiro, em que o seu sangue deveria aspergir as en-
tradas das tendas. O objetivo consistia em preservar a vida dos membros dos clãs e dos seus
animais de todos os perigos (“Exterminador”), era portanto uma ação eminentemente comu-
nitária voltada para a defesa e não para o ataque ou agressão.
Era uma prática acentuadamente nómada, em que a carne era assada ao fogo, o pão era ser-
vido sem qualquer fermente (como ainda hoje acontece com os beduínos), usavam-se as ervas
amargas (as ervas do deserto), etc. Todo o rito tinha lugar na primeira lua cheia da primave-
ra, altura em que os pastores partiam com o gado em busca de novas pastagens.
A vida como que se renovava, uma vida que se tinha que confrontar com os perigos, estes
eram personificados no “exterminador”, sendo que ao aspergir as portas com o sangue do
cordeiro imolado contribuíram para sua sobrevivência. Este seria o sacrifício em louvor a
Deus no deserto que Moisés teria pedido ao faraó.
2. A Páscoa e o Êxodo
O rito de preservação pastoril vai ser aquele que irá transformar-se para o Povo Eleito como
a festa mais importante do seu calendário, simbolizando a saída do Egito, a passagem da
prisão para a liberdade, a Páscoa.
Como se deu esta transformação?
Em Ex 11,1-13,6 notamos que a Páscoa aparece vinculada à décima praga, irá assim ser esta
a determinante na saída dos israelitas.
No entanto esta noção obriga a uma atenção na leitura do texto; na realidade o que aparece
escrito não é uma crónica de acontecimentos, mas uma releitura posterior, numa altura em
que a Páscoa tinha adquirido uma importância central no culto de Israel.
Segundo vários exegetas terá existido uma coincidência temporal entre a celebração da
Páscoa e o flagelo que terá vitimado os egípcios. Esta coincidência, que possibilitou a saída
dos hebreus, foi determinante para a transformação do rito pascal. Assim a interpretação
colocou-se centrada na visão de que Javé “passou”, e esta passagem poupo-os do flagelo da
morte. Isto aconteceu porque o sangue do cordeiro assinalou as suas casas (cf. Ex 12,24)
O “exterminador” converteu-se no executante da praga (cf. Ex 12,33), as vestes de pastores
transformaram-se nas vestes de viajantes prontos a sair (cf. Ex 12,11); o pão sem fermento no
símbolo da saída do Egito (cf. Ex 12,34-35)
A Páscoa assume-se como a festa que comemora os acontecimentos que atualiza, conservan-
do-os para as gerações futuras.
A vítima pascal, no seu sangue derramado, assume-se como a possibilidade da saída que
comemora, o imolado é aquele que liberta, que salva e que preserva a vida.
A releitura não pode deixar de se ligar ao seu carácter significativo dos acontecimentos. A
Páscoa, sendo uma festa da primavera, assinala o início da vida, o caminhar na busca de no-
vos e revigorantes fontes de vida.
O Êxodo foi vivido da mesma forma, aqui se reflete a primavera do Povo de Deus enquanto
o Povo Eleito de Deus. Na Páscoa inicia-se o caminhar para a terra prometida, a terra da
felicidade e da liberdade, um percurso assente sempre na promessa e fidelidade a Javé.
Foi neste contexto que se transformou um rito pastoril num rito de nova vida e de renovada
esperança.
3. Páscoa, Peregrinação a Jerusalém
A Páscoa inicialmente celebrava-se ao nível familiar, no entanto, e com a alteração da vida
nómada ara vide sedentária, esta situação irá alterar-se. Sendo uma festa eminentemente pas-
toril, vai perder parte da sua importância, ao contrário e paralelamente a festa dos Ázimos,
de características marcantemente agrícolas, vai ganhar destaque, sendo que tanto uma como
a outra celebravam os mesmos acontecimentos.
Mas com o passar dos anos, e com as raízes profundas no povo, a Páscoa assimilar a própria
festa dos Ázimos, sendo as duas celebradas na mesma altura - na primavera, no mês de Ni-
zan -, vão agora fundir-se numa só e com o seu nome definitivo: Páscoa. Agora, e com a in-
corporação dos Ázimos, a festa das festas torna-se numa peregrinação aos santuários centrais
das diferentes tribos de Israel.
Claramente que para um povo com raízes nómadas, a falta de centralização da festa da Pás-
coa, trazia consigo grandes inconvenientes, sendo no entanto o fundamental ligado ao risco
da fragmentação e do enfraquecimento da noção de Povo Único. Na grande campanha da
unificação purificação do culto na cidade de Jerusalém, dois reis tiveram uma importância
decisiva: Ezequias (716-687) e um dos grandes reis de Israel, Josias (640-609). A cidade Santa
de Jerusalém torna-se agora o centro da festa da Páscoa para todas as tribos.
“Guarda o mês de Abib e celebra a Páscoa em honra do Senhor, teu
Deus, porque foi no mês de Abib que o Senhor, teu Deus, te fez sair
do Egito, durante a noite. Imolarás ao Senhor, teu Deus, em sacrifício
pascal, gado miúdo e graúdo, no santuário que o Senhor tiver
escolhido e ali estabelecer o ser nome. Não comerás pão
fermentado com essas vítimas. Durante sete dias, comerás com elas
ázimos, o pão da aflição, porque foi à pressa que saíste do Egito, para
assim te recordares durante a tua vida do dia da tua partida. Que não
veja fermento algum em todo o teu território durante sete dias. Que
não fique para o dia seguinte coisa alguma de carne imolada no sacri-
fício da tarde do primeiro dia.
Não poderás imolar o cordeiro pascal em nenhuma das cidades que o
Senhor, teu Deus, te há-de dar, mas somente no santuário que
o Senhor, teu Deus, tiver escolhido para ali estabelecer
o seu nome. Ali imolarás o sacrifício pascal, ai cair da tarde, depois
do pôr-do-sol, à hora em que saíste do Egito. Cozê-lo-ás e comê-lo-
ás no lugar que o Senhor ,teu Deus, tiver escolhido. No dia seguinte
poderás regressar à tua tenda. Durante seis dias, comerás ázimos e no
sétimo dia haverá uma liturgia solene em honra do Senhor, teu Deus.
Nesse dia não farás trabalho algum”.
(Dt 16,1-8)
4. Desta forma a festa da Páscoa será também a grande festa comunitária, manifestando a
união entre todas as tribos perante o Deus Único.
“Do tempo dos Juízes e em todo o templo dos Reis de Israel e Judá,
nunca se havia celebrado uma Páscoa tão solene como aquela que se
celebrava em Jerusalém no ano 18 de Josias.”
(2 Rs 23,22-23)
Centralizado no templo, o sacrifício da Páscoa torna-se num sacrifício cultual; o sangue
do cordeiro é derramado sobre o altar com a supervisão dos sacerdotes e levitas (cf. 2 Cr
35,11,ss).”
Após o exílio na Babilónia, a Páscoa foi retomada ligando-se fundamentalmente à família,
tendo o rito de sangue uma enorme carga de preservação, servindo deste modo para a dis-
tinção entre Povo de Deus e os demais povos. A festa será cada vez mais o centro do culto
judeu, cuja omissão tinha consequências equiparadas ao que consideramos excomunhão.
“Quem, estando puro e não andar em viagem, deixar de celebrar a
Páscoa, será eliminado do meu povo, porque não apresentou a
oferta ao Senhor no tempo devido esse homem suportará as consequên-
cias do seu pecado.”
(Nm 9,13)
Visto como um novo êxodo (cf. Is 67,7-64,11), o regresso o exílio, que ficara a dever-se ao
Servo de Javé, luz das nações (Cf. Is 53,7), vai unir as duas figuras fundamentais: o Servo e o
Cordeiro Pascal.
Também aqui se liga a projeção do verdadeiro Messias do futuro, aquele que vem para liber-
tar e salvar.