William J. Bennett - O livro das virtudes para Crianças.pdf
Morros: berço da liberdade e esperança
1. DESEJO
que nossos filhos um dia possam recitar
esta quadra ...
Fui lá no Morro para ver os meninos
fui lá no Morro para ver nossa raiz,
vim lá do Morro pra mudar os destinos
vim lá do Morro pra fazer um país.
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APESAR DE TUDO
MORRO DA LIBERDADE
Apesar de ver tanto sofrimento,
tanta gente vivendo como cachorro
Tem coisa que a vida faz
agradeço a Deus, por mim.
que é cristalina em verdade.
Ainda vejo linda a madrugada do Morro.
É como o MORRO que traz
já no nome a LIBERDADE.
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2. OS NOVOS SÓIS PRECE DOS MENINOS DO MORRO
Contemplo o Templo Universal
Quais luzes me trarão os novos sóis? e rememoro inúmeras passagens de minha vida.
Penso serem aquelas que imaginei, Vou delineando vidas, gestos, posturas,
que ao longo da luta planejei, comportamentos,
que estabeleci como meta firme, seres pensantes, animais, festejos, festanças,
que delineei durante tantas noites, esperanças
que sonhei sem nenhuma ambição. e compondo um quadro muito claro da evolução,
do pensamento, do comportamento, do sexo
Seguir a seqüência dos planos, em meio a essa fotografia em preto e branco da
apresentar-se como verdade infinita, vida passada.
no aguardar do tempo, dos anos,
para ao escrever uma página bonita, E foram, penso, bobagens
devolver à imaginação primeira, cometidas instintivamente,
ao seio daquela gente aflita, repleto ato em coragem
o verbo discursado na algibeira, fez-se prazerosamente.
nos versos de uma palavra bendita.
E foram tantas emoções
Quais luzes me trarão os novos sóis? que agora me causam vergonha,
Estou certo que virá a quebra dos grilhões mas que representaram comoções
que prendem o povo à absoluta miséria, em gestos de quem chora e sonha.
carregando seus problemas, como caracóis
em bando, em contrabando, aos milhões E nessa composição de glórias
em busca de um som que emita palavra séria. cometidas pelo meio da idade,
segui a compor a história
Quais luzes virão do futuro? de um trecho de minha cidade.
Essa chama que em meu peito arde
se faz claro até mesmo no escuro E representou-se em alegria
donde reluz a palavra LIBERDADE. revestindo-se de festa e fantasia,
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confundindo-se com pura orgia, para que eu possa ver tantas falhas minhas
mas quebrando o gelo do dia-a-dia. na certeza de um passado que não mais voltará.
Retorno à lembrança de tantos sonos distantes,
E foi preciso que passassem os dias, sonos, não sonhos, sonos sem cobertor,
foi necessário percorrer o tempo, nas longas noites com amigos guardando os
para sentirmos que o conjunto das alegrias instantes
estabeleceu a cisma entre pensamentos. com o corpo da inocência como protetor.
Ofertou a todos o amadurecimento precoce E foi assim, entre tantos outros devaneios,
acompanhado de razões e frases, que sobrevivi equilibrado em uma navalha,
efeito firme de verdade em overdose na certeza de equilíbrio entre acelerador e freio,
no eliminar de desnecessárias fases. na certeza de que a vida não perdoa a quem
muito falha.
Tantos agudos pensares correm-me o corpo
que exportam de si muitos juízos. E o futuro ?
E como dardos jogados ao vento sem escopo Quais verdades virão novas com o trovão
retornam à terra sem maiores prejuízos. dos deuses que comandam os furacões?
Serão compostos de componentes duros
E se acometem febres de pensamentos de amigos ou somente quentes como lavas de vulcão?
que carrego até hoje presentes em mim, Quem tem conta sobrando para apontar o dedo
na sombra, no instinto, carrego comigo e sem segredo agendar o que virá,
numa fila longa que não enxergo o fim. na expulsão dos agouros de medo
e na presença firme dos olhos a enxergar?
Escorrem os versos de poemas inacabados
futuras emoções Quantos muros ainda hão de cair
e apresentam-se versos de poemas imperfeitos. para que a atrofia de grupos degenere-se?
E nos versos decorrentes desses trechos E sem ilusões cantem um novo porvir
malfamados e a terra se faça pura e regenere-se.
revela-se um dos meus defeitos.
O futuro
Mas sei que são emoções tão breves a Deus pertence, como disse o poeta ageu.
que deleito-me entre as mesmas enquanto possam O futuro a nós pertence.
durar para quem o passado percebeu!
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3. O MORRO OUTRA VEZ MORRO ESPERANÇA IMORTAL
O Morro tem sua escola,
tem seu samba
tem seu som. Morro dos fortes braços,
O Morro tem sua esmola, construído de invasões,
tem seus bambas, guardas ainda os traços,
tem seu Dom. manténs vivo os corações.
O Morro tem seu asfalto,
tem sua gente, De quem te vê simplesmente
tem seus carros. como um lugar abençoado,
O Morro tem seu arauto, a resistir fortemente
tem carentes, contra a fome, mal educado.
tem escarros.
O Morro tem sua favela, A acreditar até o fim
tem barracos, que serás feliz um dia,
tem doenças. e essa tristeza em mim
O Morro tem sua costela, será somente alegria.
tem seus fracos,
mas tem crença.
O Morro tem gente ruim,
tem gente boa também.
O Morro é tudo pra mim,
é tudo o que a gente tem!
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SAUDADE IGARAPÉ DO 40
Quarenta ainda é minha maior chaga,
ainda hoje é meu sofrimento,
Vi um menino correndo fonte de todas minhas lágrimas
pelas ruas lá do Morro, por entre meus olhos, meu tormento.
sobrando ingenuidade
misturando-se aos cachorros. Favela velha com medo da chuva,
palafita antiga com medo da enchente,
Fazendo mil piruetas, gente dura, feito ferro não se curva,
brincando de cangapé, resto de povo, sucata de gente.
arremedando caretas
aporrinhando o “Seo Zé”. Sucata de gente, pensa a sociedade,
resto de povo, pensa a burguesia.
Sentando-se na sarjeta, És meu povo, és minha verdade,
“se apresentando” à mulher, és minha luta, és minha companhia.
carregando uma maleta
por um dinheiro qualquer. Logo virão novos tempos,
logo seremos nós um temporal,
Montando uma burra preta, logo não haverão contratempos,
vendendo seu picolé, logo seremos só carnaval.
alugando bicicleta,
“desmentindo” o seu pé. Carnaval sem ilusões,
sem derrota, sem quarta-feira,
Escondendo a muleta carnaval de alegria.
do filho do “Seo Mané”, Será pela vez primeira
de sandália “pau na greta”, que nesse país, um povo humilde
sonhando ser Rei Pelé. acordará terça-feira,
como num domingo?
Vi o menino correndo
magro, amarelo, plebeu, Festa, descanso, comemoração
danado, alegre, viçoso. um povo feliz
Ontem, esse menino era eu. sem chagas no coração.
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4. SUBÚRBIO DA VIDA
Nasci no subúrbio
nasci lá no Morro
vivi feito cachorro
comendo pelo meio-fio UMA FÊMEA
subindo nas goiabeiras
levando a vida por um fio
soltando a poeira do destino Nessa ultima folha do bloco
menino em desvairio de papel que hoje escrevi
menino em desatino vou registrar meu discurso
eu estou pensando em ti
Nascido no subúrbio
no lodo da sociedade Rainha do povo
onde a mentira é verdade irmã do direito
onde a verdade é prelúdio parceira da mente
mãe do meu peito
Lá onde a vida vale ponta de caneta
bem menos que um vintém verso acabado
lá onde a vida é instrumento dona do planeta
onde a vida não é ninguém chicote do errado
Bem onde um moço como eu
é só um moço, nada mais Mãe do amor
é onde a presença de Morfeu mãe da verdade
só serve pros carnavais. mãe doce sabor
mãe “LIBERDADE”
Onde não há sonho,
só há sono de tanta fome Nome do Morro
permanente pesadelo medonho palavra, presente
que a vida dos moços consome luz de todos nós
guia da gente
É onde nasci
é onde haverei de ficar
é onde cresci
O Morro que vou libertar
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SAUDADES SOLTO NO AR
Não é possível compor um canto Solto no ar vai meu sonho,
sem que me venha à mente um manto, sonho estrelado e reluzente,
vago de tão vaga lembrança construído sob a terra,
a relatar-me quanto boas foram tantas canções feito pequena semente.
compostas ao som dos bem-te-vis,
das arvores comuns de todos os cantos, Solto no ar vai meu sonho,
dos caminhos que conduziam sempre trilhando o destino feito,
ao mesmo lugar, ao mesmo riacho deste menino do Morro
que se chamava “QUARENTA”. acalentando no leito.
É impossível não discorrer na memória Pelas distancias correntes,
a lembrança daquela instância tão alegre que capitulam no peito,
tão medrosa e tão cadente, de outros meninos de lá
de tantos sonhos soltos pelos caminhos que já têm sonhos desfeitos.
que, ao final das tardes,
nos levavam, depois do “BANHO NAS PEDRAS”, Um dia um desses meninos
de volta à rua empoeirada e escura me disse que estava triste,
do meu Morro da Liberdade. sem esperança de vida,
pôs-me até o dedo em riste.
É impossível dizer que não foi bom,
Assim como hoje me é impossível dizer Foi então que soltei meu sonho
que farei uma canção pra vagar pelo céu,
ou que entoarei um canto, enquanto luto pela terra,
sem que sinta SAUDADES. giro feito carrossel,
pra mostrar ao menino
que sou juiz, nunca réu.
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5. RUA ESCURA DO MORRO
VENTO DO MORRO
Rua escura,
parceira dos tolos,
que se escondem da vida
encostados nos tijolos. Vento que esquenta meu rosto,
vento quente de minha árida terra,
Bebericando as bebidas, traz-me nesse quente agosto
as mais baratas do bar, o gosto dos ventos da serra.
aumentando as feridas
que lhes estão por matar. Vento que alivia o calor
dos dias quentes de meu chão,
Rua escura traz-me o néctar do amor,
de luzes quebradas, liberta meu frio coração.
guardas segredos noturnos
das meninas estupradas. Vento que vem lá da serra,
vento puro da serrana liberdade,
Que já nem lembram do dia, Venta forte em minha terra
na noite que aconteceu, e varre toda a maldade.
a transa, digo agonia,
da honra que se perdeu. Vento valente e tão leve
venta forte sobre nós,
Rua escura, já só nos resta você, vento,
és bonita por sob teus arvoredos, pra varrer tantos homens sós.
não falarei mal de ti,
pois guardas também meus segredos.
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subindo a “São Pedro”
rumo ao “Adalberto Vale”
NOVO AMANHÃ um pequeno estudante
uma luz
uma esperança
uma certeza
o amanhã melhor
Surge o sol N alto do Morro.
um raio
a luz
um ensaio
que me conduz
e de soslaio
me seduz
a luz
o sol
um raio
a esperança
uma vida
muitas lembranças
uma ferida
por entre as praças
ruas, avenidas
um novo afã
um raio
um sol
uma luz
uma manhã
uma camisa branca
apertada
uma calça curta
desbotada
uma cabeleira lisa
penteada
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6. OS MENINOS DO MORRO contraditório,
ou nova esperança medroso
e terminal.
É entardecer e olho por sobre a vida
buscando ao longe enxergar os destinos incertos Sinto pequenos pulsos desnorteados a empurrar o
desses meninos que correm sobre as sarjetas peito
enlameadas e distancio-me dos presentes sonhos
descalços, sem sobrenomes e sem estudos, diante da imensidão desse exército de
sem esgotos para tragar-lhes as epidemias, desnaturados
a cólera que germina em seus ventres que vejo além de meus próprios olhos,
e nesse pensar vou vagando e me afastando de na profundeza do cume negro de minha curta
noventa e três visão
percorrendo outros caminhos que datam longe e, então, formigam meus braços
quando corria sarjetas e esmiuçava formigas como sangue grosso em paralisia,
rompendo-as ao solo com o corpo dos meus como corpo inerte e barriga vazia.
pés descalços.
E nessa seqüência interminável de tantos claros,
Feito esses mesmos meninos que escorrem agora transtornos presentes,
sobre as sarjetas fedorentas e repletas de lodo percebo ao fundo de dedos tão ralos
reservada ao longo dessas vidas aos meninos as “juntas” se fazerem ausentes
pobres, e vou morrendo dentro de mim mesmo
filhos das favelas e das palafitas e vai sumindo de meu pulsante ser,
edificadas sob sol e chuva, a lembrança da felicidade onipresente
resistindo a tudo, mesmo aos ditos bons homens que sustentou-se por longas lutas,
resistindo a tudo, mesmo aos ditos maus homens guardada sob o escuro da esperança.
resistindo a tudo, mesmo aos ditos vendavais
deslizantes entre arrotos de palavras frias e vazias, Então sinto-me só
mas bem compostas e verdadeiras peças teatrais. não mais que sozinho
recolhido ao meu cantinho,
É entardecer e fico a olhar o horizonte, o cantinho do mundo que construí,
recolhido ao mais íntimo e depressivo comandando tão pequenino exército
pensamento composto de loucos,
revolucionário, loucos despojados,
reacionário, posto de desesperados.
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Fui o Menestrel da tropa, traduzo,
o bordel da cidade, conduzo
o condutor da verdade, os pensares mais confusos
a esperança da vida em convulsões de alegria e tristeza,
com a pele menos curtida. em confusões de feiura e beleza,
em mistura de morte e vida,
E estabelecendo, pela vitória, lá fora a liderança em contraste de verdade e mentira,
fui transformando seres homens em crianças as formas de esperança de uma nova ordem
e escrevendo pela lei da brincadeira de vida,
as linhas tortas da lição mais verdadeira de esperança,
que traduz-se sem meios termos de nova sensação
em construir própria bandeira de nova emoção,
na constituição de vida independente. de novas palavras,
que possam levantar tantos seres,
É entardecer e não cessam meus devaneios, que possam elevar outros prazeres
pois não pode o homem que vê e que possam, definitivamente, conduzir-me
negar o que a vida o faz perceber à fonte de energia e juventude
e tudo o que mais verdadeiro percebo. onde meu corpo se fez banhar há tantos anos
passados.
São os perdidos olhares famintos,
desses a quem prestei juramento, Se foi o pequeno lago
nunca a eles, mas sempre a mim mesmo, não sei,
de entregar-lhes minha própria existência se foi às margens de nosso doce riacho
por completo, por inteiro não sei,
na construção de um espaço, se foi na cacimba do “buraco da vovó”
na construção da jogada, não sei,
na composição de uma canção,
na formação de um poemeto, Só sei que ao longo de tantas batalhas,
na concepção de uma idéia, vencidas poucas,
na oferenda de todo meu existir. perdidas uma imensidão,
meu corpo soldado desta missão
É entardecer e daqui de cima, onde me encontro foi cansando e cansado estou
agora, de tanto ver tantos penares
a ver passar e contar as horas, desses Meninos do Morro,
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7. que como lodo Que pela lei do direito,
escorrem pelas sarjetas do destino conquistado com o próprio peito,
esperando pela clemência do Deus Divino são queridos amigos do mesmo Morro onde
a apontar-lhes o caminho mais curto criei-me
e o fardo da vida mais leve e onde os mesmos criaram-se
para que possam conduzir seus pensamentos e jamais as bocas calaram-se
e da própria vida retirar ensinamentos, numa voz única que sempre lutou pelo Morro
como aqueles que da vida eu mesmo enxerguei e sempre aos trancos conquistou a Liberdade.
de ser plebeu, e ao menos no carnaval
sentir-me, por uns minutos, um rei. Assim, ao findar o entardecer desses pensamentos,
por onde passeei e sob devaneios de gente
Ainda é entardecer e deslizo atordoado grande,
pelas palavras, pelo real, recobro o momento feliz de perceber
os fatos, os atos, o dia-a-dia, que novas horas e novos dias construídos
a rotina dessas vidas em romaria com a força daquele vendaval de moços felizes
a caminhar pelas valas e pelos becos. que por essas bandas fincaram raízes
edifica-se a nova história dos novos
Pelas manhãs, pelas tardes, Meninos do Morro.
pelas noites, pelas madrugadas
sem sentidos, sem pisar na estrada,
levitando e deixando o próprio tempo escorrer,
sequer lutando pela vida,
somente brigando pra não morrer,
sequer ganhando a comida,
somente deixando a comida os comer.
Ainda é entardecer e ao longe escuto
os chamados de outros meninos,
agora vestidos de homens feitos.
Foram outrora meninos também das sarjetas
e embora carreguem diversos defeitos
são soldados companheiros dos versos que antes
falei.
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LEMBRANÇA DO MORRO INOCENTE
Não faz mal, tem brincadeira de casinha
Quando deito os olhos por sobre a rua onde as meninas são sempre as donas de casa,
e acompanho o trânsito de tantos meninos, e pela obra da sociedade quis o homem
remonto em minha mente viva e nua que ela deitasse como se adulta fosse.
a lembrança da infância, de tantos desatinos.
Se vamos balar passarinhos na mata
Na bolinha de gude o Escurinho era rei do cajual ou das bandas do Japiim,
No papagaio de papel o Denival era fome, levaremos o Rai que é o melhor na pontaria
cangapé todos jogavam, era lei e vamos, na volta, fazer canja de “tesoura”.
correr de manja nos becos sem nome.
E às seis da tarde, já noitinha
Era noite, era dia, era Liberdade quando os ventos soprarem mais frio,
soltando pulos no caminho do Quarenta, vamos correndo pra casa sem olhar pra traz
armando arapucas, trepando em sorveiras, com no corpo a correr um arrepio.
mergulhando na água doce da felicidade.
Pois já não é mais hora de estar na rua,
Ainda tardinha jogar bola no Maracanãzinho, pelos caminhos escuros podemos nos encantar,
com a bola encharcada a cair no chavascal, e não mais mergulhar nas pedras
e os espinhos do mato maltrato em pé-craque num último pulo para se banhar.
dos meninos guardadores dos sonhos de Natal.
Voa pensamento distante
Sem bicicleta, o patinete bem feito Voa longe no Morro inocente...
de rolamentos colhidos lá nas oficinas,
fazendo inveja a tantos que sem efeito
não aprenderam a dar cantadas nas meninas.
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8. TRINCAS PARA O MORRO AH! ESSES MENINOS ...
O Morro vai Esses meninos
o Morro volta são divinos
as vezes revolta. espalham cantos
por todos os cantos
O Morro toma e vão desenhando ilusões
o Morro devolve e vão construindo sonhos
as vezes envolve. e vão enganando a vida
e vão dominando a própria morte
O Morro maltrata
o Morro ensina Ah! Esses santos meninos
as vezes parece sina. são cristalinos
espalham alegria
O Morro chora por toda confraria
o Morro canta e vão expulsando a tristeza
as vezes encanta. e vão expelindo emoção
e vão conduzindo o destino
O Morro é asfalto e vão controlando a cidade
o Morro é barro
as vezes é um sarro. São pintores, escultores,
são doutores, vereadores,
O Morro é céu são padres, deputados,
o Morro é chão pensam serem senadores,
é dono do meu coração. são perfeitos
são até prefeitos
O Morro é nobre
o Morro é plebeu Ah! Esses pobres Meninos do Morro são
o Morro sou eu. vencedores.
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CHICO BOLSEIRO
Negro.
a beira do riacho observa seu lugar,
agachado, olha o rio e vê os arbustos
verdes, repletos de pés de sorva, tucumã, buritis.
Arruma-se dentro de sua casa de palha e paxiúba,
limpa, fresca, soberanamente palaciana,
QUADRA PRO ZÉ própria propriedade tão sonhada, lá no Ceará,
onde não existia nada, nada, nada.
Negro. Negro Francisco
“Seo” Chico Bolseiro,
a construir bolsas de palha e vender aos montes
Veio um dia não sei donde, para os feirantes do mercado grande,
assim como uma dessas estrelas que cai. sustentando a vida com suas bolsas,
Fez-se parceiro, irmão, companheiro salvando vidas com sua reza,
fez-se muitas vezes pai. gerando vidas com sua mãos,
Alegrando vidas com sua sanfona (harmônica),
Arrumando vidas com doações de terrenos.
Chico Bolseiro,
hoje presente na memória desses meninos,
que sem nenhuma celeuma agradecem
a um dos mais famosos “primatas”
do Quarenta,
do Morro do Tucumã,
do Morro da Liberdade.
Chico Bolseiro, lutador da vida,
desbravador de florestas e riachos,
desbravador do Morro da Gente.
Obrigado.
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9. MOÇA NO MORRO
Para Baré Saraiva Lá vai a moça
descendo na escola
na diretoria
de fraque e cartola
Lá vai a moça Lá vai a mãezinha
descendo a ladeira vai mudar de vida
sambando na rua cuidar do Edu
morena faceira cuidar da comida
Lá vai a moça Lá vai a mãezinha
com o dente de ouro coruja também
de novo na rua esquecer de tudo
do bloco um tesouro ninar seu neném
Lá vai a moça Lá vai a mãezinha
vendendo bandeira quebrar outro ovo
fugindo de casa junho ver a Bruna
namoradeira que é o bicho novo
Lá vai a moça Lá vai a Baré
com os seios - decote cuidar do que tem
vestido aos joelhos, tem Bruna e Edu
em busca da sorte. tem a mim também
Lá vai a moça,
Datilografia,
no final da tarde
seja quente ou fria.
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BAIXINHO
(Ao Nicéias Magalhães Reis)
Amigo, meu amigo em tudo,
Como descrever em tão poucas linhas desses que dá noticia boa,
tudo o que por ti sinto, às vezes penso até que és mudo
irmão que sou teu. não vives a falar, assim, à tôa.
Mesmo sofrendo nunca definhas
e assim correndo por entre labirintos Amigo, meu amigo do Morro,
entregas tudo, de ti, a Deus. do tempo dos galos e dos quintais,
nunca pedimos socorro
Artista sois, artista sim, fomos pra rua, “correr atrás”.
desses que o Morro criou,
livres a escrever ilusões sem fim Amigo, meu amigo das barras,
a fazer real tudo o que a gente sonhou. que desmontamos em parceria,
desatamos do povo as amarras
Pai tu és de verdade, à cidade, ofertamos alegria.
concebestes o Jeferson, louro tesouro teu,
e quando vais á luta, lá na cidade Líder, incontestável líder calado,
ele chora, tu choras. sois vós somente o trabalho,
Será que ele adoeceu? vida, futuro, presente, passado,
malandro, passado na casca do alho.
Esposo és tu muito mais que marido,
Raimundinha que o diga a todos nós, Menino sois assim como teu filho é
sois simples, brando, contido, menino sois, menino assim como eu.
ordeiro, caseiro sois vós. Amigo, continuamos de pé,
amigo, irmão, presente que Deus me deu.
Valente, como valente é o bem-te-vi
bonito cantar, feito tu,
que apesar do tamanho nunca vi
fugir com medo de Urubu.
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10. NEGO DICO
Quantos meninos do Morro seguem o mesmo
caminho,
prosseguindo pela escola uma vida em desalinho, Ao registrar esse fato
construindo só histórias de uma vida irreal, quero por telepatia,
não sei o que lhes vêm a cabeça, se bonança ou devolver-lhe Nego, o tato
temporal. devolver-lhe a alegria.
Faz-se vida sem um prumo, Que não seja pelas doses
sem um tino forte a seguir levando de cachaça a ingerir,
e a cada dia amanhecido sem rumo, mas que seja por mil vozes
no mundo se embriagando, dos amigos a aplaudir.
segue o nego a só compor
peças que ninguém vai ler. Sua recuperação como menino
na esperança da felicidade,
Daqui a pouco o tremular da dor que alimentamos pequeninos
não lhe deixará escrever, no Morro da Liberdade.
mesmo com todos os erros
que a gramática oferece,
ver suas peças, ver seus cantos
a qualquer um arrefece.
Sinto pena, sinto dó
sinto a vida a se esvair,
sinto na garganta um nó,
sinto medo em prosseguir.
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CANÇÃO AO MEU POETA Pelas mãos de meu amigo poeta
Ao Compositor e amigo Gilsinho Nogueira. deslizam sambas de poesia sem fim
que tocam fundo no povo do Morro
e por conseqüência calam dentro de mim
Eu, amigo e companheiro do criador
eu, arremedo de compositor,
Na balada de mais uns acordes comuns alegro-me com suas canções
feitos sob a luz da inspiração do poeta e vibro junto às suas vibrações
irá o povo de nosso Morro cantar mais um samba
peça cheia de graça, de poesia repleta E nesse enlace de amizade e amor
vamos juntos, tragando a vida,
Nos sons de mais uma composição sendo parceiros, enxergando a flor
irá o Morro descer a avenida cantando e montando um jardim na Avenida
sotaques de um leve coração
que brinca samba e faz samba brincando Enfim, escrever ao meu poeta
faz-me bem e conforta-me a alma,
Nos leves sopros da lira no meio desta noite, segunda, sem festa
desse menino de tão belo sorriso seu samba e seus acordes me trazem a calma.
a musicalidade toda hora transpira
pela pele, pelas mãos, pelo juízo
Pelo peito de meu amigo poeta
que pelo samba até já vi chorar
pulsa a veia repleta
o dom de escrever algo a cantar
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11. A MADRUGADA DO SAMBA
A sarjeta serve de canto mais alto
pra quem só quer ver o samba ir rolando,
Fim de festa no morro. seja de enredo, ou de partido alto
que fim de festa que nada, são vozes sem tom que vão se encorpando.
agora sim vai começar
a festa que a gente sabe fazer São versos cantados com fundo e poesia
bem mais completa que a do palco são sambas levados sem tom comercial,
do palco da escola, do hotel, da feira, são obras de arte em sinfonia
do aniversário, da recepção, da gafieira. são sinfonias que ecoam além do carnaval.
Festa de mesa de bar Essas noites divinas as vezes não tem fim
envolto em bebidas amargas e doces, acontecem sob o olhar calmo da lua,
sem vozes afinadas a entoar iluminadas pelo clarão das estrelas, enfim
primeiro quem um samba novo trouxe. postas no morro, na beira de qualquer rua.
São banquinhos de madeira que acomodam São os amigos que se encontram na batucada,
são cadeiras de ferro em que sentam, são os amigos que remontam do samba as raízes,
são lugares que a ninguém incomodam são os amigos em estado de graça marcada,
são olhares que ao leve som se esquentam. são meninos, nas noites, bem mais felizes.
A gente nem liga para os bêbados que vomitam
aquilo tudo que foi além da conta,
a gente se liga naqueles que hesitam
o verso que vem na língua, bem na ponta.
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NAÇÃO NAGÔ BRASIL
Por ocasião da escolha do enredo para o
carnaval de 89, Mãe Zulmira, O Amanhecer de Viremos nós,
Uma Raça. Fortes,
maiores que eles,
menores que ninguém,
Viremos nós, realizando o sonho
mais fortes na raça, de sermos nós os artistas
maiores na tradição, ou gente, simplesmente
enormes em humildade. de Escola de Samba, mas gente.
Virá o povo Nossa força
dono da festa começa com o canto,
soberano nosso exemplo de força à prova,
verdadeiro dono da cultura. de qualquer um deles.
Virá nossa Escola de Samba Motivados
pujante e bela, viremos nós
esbanjando energia, levantando a bandeira
exalando alegria, do povo brasileiro,
brindando emoções. povo pobre,
E nós, Meninos do Morro honrado,
perdidos no meio do povo, magro,
espremidos na garganta, doente,
emocionados, mas guerreiro.
prenderemos o choro, Viremos nós
sorrindo aos prantos, atropelando qualquer um
prantos de conquista viremos nós
de vitória do povo, fortes,
da massa humana pobre honrados,
motivada, organizada, unida magos,
pelo sonho de ser doentes,
um vencedor mas unidos pelo ideal da vitória final.
de qualquer coisa, Faremos então
do carnaval, talvez. o amanhecer de um povo.
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12. SÁBADO
CABE UM VERSO
Passistas da minha Escola de Samba a desfilar.
Hoje é sábado
é mais um sábado no Morro,
correm crianças altas horas,
correm por entre os cachorros
Cabe um verso pros teus becos,
tuas ruas e vielas, Toca o surdo da escola,
cabe um verso a teus cortiços bate o tambor do batuque,
onde moram todas elas. o Tinguinha pede esmola
pra beber, é outro truque.
Cabe um verso pra beleza
que elas estampam no rosto, Dança o canário - boi novo,
cabe um verso pra pureza dança o cangaço Silvino,
da alma vem o bom gosto. dança do meio do povo,
dançam mulher e menino.
Cabe um verso até pra lama
onde nasci e me criei, Rock rola o Libermorro,
cabe um verso para a fama coisas dessa mocidade,
que do meu Morro herdei. rola brega no Olaria,
gente de maior idade.
Cabe um verso pra ilusão
que elas tem por um dia, Tantos bares e biroscas
são artistas, atenção! abertas até altas horas,
da Escola que se via. cheiram a mijo e bebida
mas não assustam as senhoras.
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A menina sai do carro
com os sapatos na mão,
tudo é claro, um escarro
trepadeira profissão. Gente importante vem ver
o que é que o Morro tem,
Sábado, a noite é mais curta, e acaba descobrindo
feito o fogo do isqueiro, que aqui tem gente também.
alegria a gente escuta
vê e sente o tempo inteiro. Gente que vive essa vida,
leva essa vida brincando,
Bêbados trombam no vento é boi, é samba, é macumba,
tentando ouvir o pandeiro, é a vida trabalhando.
depois deitam-se ao relento
pois já perderam o parceiro. É sábado no Morro da Liberdade,
é a vida pagando pra brincar,
Logo cedo teve a missa, é sábado de verdade,
esse povo reza a Deus, é noite de se alegrar.
depois desce em romaria
espraguejando os ateus. Se for boi dança debaixo,
se for samba é pra se ver,
Sobe gente e desce gente a liberdade não tarda,
gente do Morro e de fora, o Morro vai amanhecer.
hoje o Morro é diferente,
bem melhor do que outrora.
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13. SÁBADO À TARDE
Só sente essa nossa alegria
quem da história faz parte,
quem conhece essa raiz,
quem impulsiona a arte.
Quando é sábado no Morro,
quando rompe a tarde, E arte se escreve fazendo
faça chuva ou faça sol em qualquer canto do mundo,
um canto dentro da gente arde. a gente faz nossa parte
cantando um samba profundo.
Vão se juntando os amigos
chegando aos poucos, devagar, Vai lembrando grandes letras
no mesmo ponto de antes vai zoando melodias,
juntando histórias a contar. que escreveram momentos
nessas noites, nossos dias.
E confabulando em alegria
colhidas durante a semana, Sábado é sempre assim lá no Morro
aguardam por novas chegadas, nas tardes do Lateral,
guardando a razão que os irmana. som, amigos, alegria ...
é sempre um carnaval.
Todo dia tem novidade
seja de ao menos um, Benditos os que podem ver
é gozação de verdade amigos em comunhão,
ou um simples zum zum zum. benditos nós todos amigos,
todos na mesma direção.
Feita a roda, surge o samba
que chega naturalmente, E quando chega a noitinha,
nos acordes de um banjo vamos todos debandando,
que arrepia a gente. pros lados de casa, na estrada,
felizes, só nos lembrando.
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CANÇÃO PARA UM DIA DE GLÓRIA
Sobe o tom dos sambas ao som do banjo
Finda a tarde nebulosa, e descem canções mais antigas
o céu fecha mais cedo mais belas canções de letras
para que chegue logo a noite revelando vitórias e súplicas e emocionando os
e os tambores rufam sons agudos que cantam e os que ouvem
à beira do fogo que torra o churrasquinho que fecham os olhos
e presencia o trânsito das cervejas levantam a cabeça e erguem os braços
lavadas às bocas pelas mãos dos meninos a cantar e agradecer aos céus.
lá do Morro da gente da Liberdade.
Vai entrando a noite mais alta
Cedo começou a entoar mil canções e ninguém nem se importa
em sons harmoniosos de tantas vozes, que seja quarta-feira de um dezembro,
coral quase sempre desafinado com a vida ninguém se importa que quinta tenha trabalho
e fora do diapasão da história. pois tem samba, cerveja e motivo
para beber e cantar um pouco mais
Hoje não. ou receber outro que chega
Hoje finda a tarde na rua São Pedro guardar outro carro que estaciona
e o maestro do universo e engarrafa mais a São Pedro.
afinou o verso de tantos meninos Não importa. Importa é contar o placar
que em comunhão natalina festejam felizes, rememorar os momentos, as frases
espocam foguetes ao vento é montar as horas da manhã que passou.
e de quando em vez um grita alto o campeonato
no andamento dos ares ofegantes do pulmão Já é quase quinta e ainda soa o samba.
que tragam tantos cigarros quanto sabores A vizinhança dorme com a canção ao fundo
e também vai dormindo sorrindo
Chega a noite e esfria o tempo feliz, pois um dos seus filhos
chegam outros meninos e esquentam o samba desceu o Morro.
e nem mesmo a chuva chata e fina foi vencer
consegue esfriar tanto calor e voltou,
ou sequer amenizar o fogareiro sem nunca ter saído.
que vai assando os churrasquinhos
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14. HORIZONTE VIVO
Que canto é esse que me alivia a alma?
Que paz é essa que me faz cedo dormir?
Será pranto soluço liberto, OLHANDO RUA ACIMA
será o truque descoberto,
será o desespero do incerto,
ou será que estou certo?
Que voz é essa que me encarna e ouço, Olhando rua acima
que som é esse que me chega à noite? vou perdendo minha ótica no tempo,
Será a voz rouca de um santo, relembrando dias que já vão longe,
será a cobertura de um leve manto, por onde desvairava o pensamento da gente
será o “tempo” que esperei tanto, com o sentimento firme de construir um lugar,
ou será o inicio do fim do meu pranto? escrever uma história,
para poder contar sem segredos aos mais moços,
Que canção é essa de tão lindo acorde? que hoje viajam rua acima e rua abaixo.
Que criança é essa que me alegra sem vê-la?
Será a esperança, Olhando rua cima,
será perseverança, retorno à atualidade,
será mesmo canção-criança, onde percebo que desde mancebo
ou será o povo enchendo a pança? fomos escrevendo e construindo
a história do Morro da Liberdade.
São meus amigos,
meus sonhos, Olhando rua acima
meu destino, sinto que já poderia até sentar
meus filhos, e contar aos meninos meia dúzia de histórias
minha cidade, de tempos mais difíceis, mais obscuros,
meu país, mas curvo-me à minha missão
meus muitos horizontes vivos! missão de continuar a perceber e escrever histórias.
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EXPLOSÃO DE SENTIDOS
Segue pela vida explodindo o homem.
Cavando toda hora a própria sepultura,
enterrando horas que as horas consomem, MINHA ESPERANÇA
perdendo o tempo de vida da criatura.
Bêbado a cambalear pelas sarjetas,
em busca da porta de casa,
confundindo luzes brancas e pretas,
sob o efeito da bebida que o arrasa. Sou feliz,
não tenha dúvida
Vai o homem, guerreiro de batalhas perdidas, quando afirmar pra você
todas vencidas pelo inimigo em prateleiras, que apesar de tanta mágoa
e como um bando de panteras feridas, não tenho mágoa a esconder,
rosna pelos cantos sem eira nem beira. não guardo ressentimento,
não há lugar em mim pra vingança.
Construindo nada além de existência, Só há expressão de sentido
ausente do mundo que ainda vê o sol, repleto de esperança
sem forças para pedir clemência, que os meninos de meu “gueto”,
a si próprio, postado ao arrebol. muitos brancos, tantos pretos,
sejam felizes também,
Vai um dos nossos homens se destruindo, e às seis horas
sem perceber sequer que dele gostamos tanto, abrir o peito
sem perceber que ao vê-lo se diluindo, Ave Maria
vamos também nos diluindo em prantos. Amém.
Homem, que conosco sentou-se ao sol a sonhar,
senta de volta conosco, esquece um pouco a
bebida,
já é hora de em volta da mesa somente cantar,
o novo samba que fizemos em louvor à vida.
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15. PENSANDO PENSAMENTO
Carrego dentro de mim muitas mensagens,
Embora já me venha os trinta e três, muitas mensagens de fraternidades,
embora já me tenha um cansaço na espinha, paz,
embora já eu seja até avô, paciência,
continuo a construir fantasias, benevolência,
secretas fantasias guardadas comigo diariamente. às vezes de violência,
Sinto que continuo em mutação, formando um emaranhado de tantos
em posição de avançar, pensamentos,
de ataque guerrilheiro, que buscam a limpidez da luz
a evoluir dentro de mim mesmo para que logo possam organizar-se
buscando o ensinamento diário e proceder o resultado
para o fortalecimento da ousadia de tanta vida acumulada,
que um dia numa velhice precoce
disse-me presente onde nada mais parece novidade
aos treze de idade e onde tudo é filme gasto
e levou-me ao cais assistido inúmeras vezes.
a vender tomates na cuia Logo estarão organizados
e ganhar a vida... madura e a minha missão será ensiná-los
por sobre os tomates verdes... a tantos meninos de tantos Morros
que circundam a minha cidade...
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UMA OBRA
a missão
TRINTA E QUATRO
Por ocasião da passagem de mais um
aniversário
Vamos construindo a obra que um dia sonhamos
observando o vôo tarde dos bem-te-vis
nas tardes longas da beira-rio
margeando o sonho e sonhando a margem do
riacho Vai se esvaindo o tempo sem pena
e saboreando sorvas apanhadas aos cachos de meu velho corpo que a cada dia se empena
por entre os quintais dos vizinhos como se fosse um arco ao lançar setas
subindo aos pés – nós, molequinhos, que somem no infinito do próprio tempo sem
sem sentir a vida inocente rapidamente passar, metas.
morrendo de medo do alistamento militar. São setas de nomes que esvoaçam dentro de mim
Fomos crescendo, rapazes lutando numa fita interminável de tantos nomes, enfim...
pela vida, trabalhando cedo para sobreviver que preciso compilar por um interminável registro
sem ver o tempo ir passando, de memória que já se esvanece naturalmente.
nas feiras tomate a vender, Por isto
construindo as esperanças escrevo, descrevo, transcrevo...
dos sonhos da primeira linha, Tio Chico, Dimil,
comendo nada às vezes, Nego Dico, Dudu Abil,
comendo chibé de farinha. Ticuca, Zé Junga, Ernesto,
Hoje estamos a fazer história, Figura, CV, Luís Carlos, Arnoldo, Caresto,
contar a história que a vida escreveu, Luizinho, Sigmar, Rosimar, Abelarda, Xenxem,
a começar pelo Morro, Chiquinho, Mangará, Danival,
a terra que Deus nos deu Cachorrão, Santarém,
para tomarmos de conta Gilsinho, Gilsão, Sebastião, Tatuagem, Feio,
juntos sem desunião, Iron, Aldenor, Eldo, Tontonto, Agrião, Zequinha,
nossa trincheira está pronta, Baleio, Nicéias, Ismar, Jairo, Tiofo, Diogo,
vamos cumprir a Missão. Manuel, Dondon, Batista.
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16. SEMESTRE
A ingratidão
a mentira
o despeito
Enfim, depois de trinta e quatro a podridão
de tantos pares de sapato a ira
me seria impossível transcrever todos os a falta de “direito”.
companheiros que, comigo, ao longo de Seis meses depois
trinta e quatro, foram guerreiros, consciente
homens fortes de destino e sorte jogados ao vento volto humilde para casa
em mais brava confusão. alegre comigo mesmo
Despedaçado sou gente
vem meu pensamento sem mudanças...
e derrama sobre minha existência a seiva cheirosa Eterno Menino do Morro.
de quem beija a face de um homem Seis meses depois da batalha
como se beija passando, passando em tanto lugar,
uma rosa sem pudor ou preconceito. falando, olhando praças,
Beijo, grandeza profunda do peito. pedindo para falar.
Seis meses depois da guerra,
de ver mentiras vencendo
nos becos, nas ruas, vielas
e ver a massa
cabisbaixa
indo abaixo, pela goela,
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O CAMINHO
seis meses depois de tudo,
volto para meu lar
triunfante,
envolto pela vitória,
envolto alegre semblante.
E vejo os filhos maiores
crescidos sem perceber Percorrendo o caminho traçado há muito tempo,
nos seis meses que estive fora na verdade quando tudo não passava de doce
lutando para vencer a ingratidão, sonhar,
a mentira, vou levando as mensagens benditas ao povo,
o despeito, que na verdade não sei se deseja escutar.
a podridão,
a ira, Porém persigo a certeza de cumprir meu dever
a falta de “direito”. e seguir construindo o caminho traçado,
Seis meses depois, ainda que carregue no íntimo a incerteza
Consciente, de que as palavras tenham um tempo certo e
volto humilde para casa, marcado.
alegre comigo mesmo.
Sou gente E seja que for o final dessa história
sem mudanças... o certo é que um dia estarei no meu próprio
Eterno Menino do Morro. cantinho,
com todo meu ser envolto em glória,
na certeza de que percorri meu traçado caminho.
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17. PRIMEIRO DE JUNHO DE NOVENTA E CINCO
MEUS OLHOS
Inicio a minha saída da tristeza,
campo por onde andei vagando
nos últimos passados dias e noites.
Não adianta me roubarem os olhos Esse calmo lugar por onde caminhei
para tentarem enxergar o que vejo apresenta-se sempre cinza e pesado
meus olhos conduzem à visão num marcapasso lento e tenebroso,
do conjunto do meu peito onde não há espaço para a vida.
composto sobre os escombros E nesses dias passados, fui à tristeza levado
do meu passado imperfeito por tanto meditar sobre a humanidade e seus
males,
Vida do Morro meus amigos e suas vidas, suas fomes e desejos
trabalho incessante mortos,
sonho constante lamentos e amarguras presentes nas suas ruas e
angústia permanente casas.
peito reprimido Não houve nada além de pensamento e procura
voz presa na garganta de um novo sentimento ou nova loucura,
remédio para a cura da cegueira que se apresenta
Mesmo cego eu enxerguei á face,
e se roubarem meus olhos remetendo ao escuro tantas vozes e mentes
jamais verão a minha verdade que nunca encontram satisfação em um dia novo
pois entregam as armas antes de estar na trincheira
criando um nada no horizonte.
Sei que sou homem meio menino
e que ainda hoje, diante de tanta idade,
me saltam os pensares de criança envolvendo
meu ser
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e carregando minha alegria para o lugar dos meus
que aos poucos se vão compondo a história
daqueles que se perderam sem escrever nada,
absolutamente nada além de engraçadas
lembranças
da aldeia onde nascemos e crescemos juntos
como mortos-vivos, filhos do vento e da chuva
que cai e escorre pelas sarjetas a diluir-se só.
Se eu contar que causou-me qualquer
ensinamento
creia que falo a verdade, causou-me sim
porque quando vagueio por entre a tristeza
esses meus pensares refletem claramente
o ponto da história em que todos nos encontramos
e vejo que, mesmo após tanta luta, nada se fez, marcando o mês da Boneca.
nada mudou além de simples orgulho de brilhar Estou alegre e feliz.
solitariamente, feito a Estrela Dalva em dia de Vou festejar com a Boneca sua felicidade,
verão. pois em junho, dezessete, me veio ela
Vi que preciso guerrear muito mais, para adoçar meus braços e acariciar meu peito
mesmo já tão cansado, tão mudado e tão velho, e retirar-me das tristezas criadas por esses meus
moço-velho forjado nas lutas para viver. pensares
Vi que preciso sair pela estrada a falar, em que, de quando em vez me encontro.
falar para todos, peregrinar pelos becos e vielas, Salve junho. Salve minha Boneca.
pelas ruas e praças, pelos bares e tabernas Salve minha alegria.
pregando a esperança e contando a verdade Salve dezessete. Salve minha filha.
sem mudar o jeito inicial da cavalgada Salve teu dia.
perseverante e paciente, na certeza da vitória,
um dia.
Deixei a tristeza, minha companheira dos
últimos dias,
porque chega junho e tem festa de roda,
tem fogueira e balão, poucos a ver,
mas ainda tem
nos lugares mais distantes do centro da cidade
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