1) O documento analisa a legalidade de duas faturas emitidas por uma empresa de publicidade referentes a uma campanha promocional realizada em 2003.
2) Conclui-se que não existiu um processo de aquisição de serviços estrito conforme a lei e que não há provas de que a campanha publicitária foi efetivamente realizada.
3) No entanto, se a empresa provar que realizou a campanha, deverá ser paga, embora o procedimento tenha sido irregular, para evitar o enriquecimento injustificado da administração públic
Prot. 1963 13 pl 023 - autoriza o município de vila velha a efetuar o prote...
Semelhante a Parecer jurídico. tribunal de contas. pagamento indevido. enriquecimento sem causa. dever de reposição. responsabilidade financeira 8 ago 2007
Semelhante a Parecer jurídico. tribunal de contas. pagamento indevido. enriquecimento sem causa. dever de reposição. responsabilidade financeira 8 ago 2007 (20)
Procedimento administrativo. danos causados pelo lobo ibérico
Parecer jurídico. tribunal de contas. pagamento indevido. enriquecimento sem causa. dever de reposição. responsabilidade financeira 8 ago 2007
1. 1
OBJECTO
Veio remetido a este Departamento pelo Gabinete da Sr.ª Directora do
Departamento de Educação e ____, por força de despacho por si exarado
em ____ de 2007 sobre a Informação n.º ____/07 de 23 de ____ de 2007,
o presente expediente para análise e emissão de parecer relativamente às
facturas n.ºs ____de ____/2003, no valor de € ____, e ____de ____/2003,
no valor de € ____, ambas emitidas pela “____, SA” 1
e respeitantes à
campanha promocional “____ Parque” de 2003.
FACTOS
Para a presente análise, importa reter os seguintes factos:
1. O Pelouro da Juventude «(…) concebeu um projecto de animação para
o Parque ____ durante os meses de Verão de 2003 tendo em conta a
centralidade, acessibilidade e diversidade do Parque (…)» 2
.
2. No âmbito «(…) desse evento foi solicitada à ____ uma campanha
publicitária pela Exma. Sr.ª Assessora ____ do Gabinete da Exm.ª Sr.ª
1
Doravante apenas “RTP”.
2
Informação n.º 238/DEJ/DAJ/07 de 23 de Julho de 2007.
2. 2
Vereadora ____ (…)» 3
, o que veio a dar origem às duas indicadas
facturas.
3. Nas buscas nas «(…) Bases de Dados de Protocolos de 2003 e 2004
não se encontrou nenhuma documentação que suportasse a realização
desta despesa, nomeadamente um processo de aquisição de serviços
efectuado pelo Gabinete da Exm.ª Sr.ª Vereadora ____a autorizar a
consulta e a adjudicação à ____ do serviço, uma vez que foi este
Gabinete que fez a solicitação do mesmo (…)» 4
4. Contactada a ____ na pessoa da Sr.ª Dr.ª ____, foi por esta remetida
cópia de um fax de 5 de ____ de 2003.
5. Neste fax, enviado pela Srª Assessora da Vereadora ____, Dr.ª ____, ao
Sr. ____ da ____, é informado que «(…) foi aprovada a campanha
promocional que segue em anexo (…)».
APRECIAÇÃO
1. A questão que se coloca no expediente deverá ser equacionada, s.m.o.,
em dois polos: por um lado, i) aferição da observância estrita do processo
de despesa subjacente à realização da despesa pública e, por outro lado, ii)
3
Idem.
3. 3
a aferição da existência de uma prestação que já tenha (ou não) sido
realizada e recebida por este Município e as consequências de tal
advenientes.
i) aferição da observância estrita do processo de despesa
2. Sobressai do expediente remetido a este Departamento a patente
inexistência de um processo de despesa, ou seja, de um complexo de actos
jurídicos e de operações materiais ordenados e praticados no âmbito e
segundos os termos correspondentes a um dos tipos de procedimentos pré-
contratuais constantes do DL 197/99 de 8 de Junho e tendentes, a final, à
aquisição de um bem ou de um serviço.
3. Não se mostra, pelo exposto, descortinável qual fosse, previamente à
eleição do tipo de procedimento que cabesse adoptar, o valor estimado da
prestação de serviços a adquirir 5
e, assim, inexiste designadamente
qualquer “proposta para escolha do procedimento”, “convite a entidades a
consultar” (caso se devesse seguir a consulta prévia, ou mesmo o ajuste
directo), “entrega de propostas”, “análise das propostas”, “projecto de
decisão final/proposta de adjudicação”, “relatório final” e “despacho de
4
Idem.
5
Cfr. n.º 1 do artigo 16.º e artigo 24.º, ambos do DL 197/99 de 8 de Junho.
4. 4
adjudicação”, conforme se mostraria exigível à luz do DL 197/99 de 8 de
Junho e do CPA.
4. Parece-nos pois de concluir, quanto a este ponto, pela não
satisfação tanto do regime do DL 197/99 de 8 de Junho como do CPA.
ii) aferição da existência de uma prestação já realizada e recebida pelo
Município
5. Conforme aludido, não resulta demonstrado no expediente remetido a
este Departamento que a ____ haja dado satisfação ao objecto da
prestação que estaria a seu cargo: passagem de uma campanha
publicitária.
6. Não se pode, pois, assentar desde já em que esta edilidade haja sido
beneficiária de tal prestação por parte da ____.
7. A demonstração de que tal prestação tenha sido efectivamente satisfeita
cabe, a título de onus probandi, à ____.
8. Admitindo, porém, que esta empresa venha conseguir provar a efectiva
passagem da indicada campanha publicitária, entendemos que de tal
eventual cumprimento não deveria resultar, em princípio, outra
decorrência que não a liquidação à ____dos valores que lhe são devidos
5. 5
por tal suposta prestação do serviço 6
.
9. Isto porque se nos afigura que fosse qual fosse a gravidade dos vícios
que se possam eventualmente detectar no procedimento, estes não
deveriam constituir título jurídico bastante para fundar uma “justa causa
de não pagamento” à ____.
10. Sucede, todavia, que se não pode descurar a eventualidade de com tal
liquidação a essa entidade se poder vir a incorrer num “pagamento
indevido” tal qual vem plasmado na Lei de Organização e Processo do
Tribunal de Contas 7
, no seu artigo 59.º 8
, o que importa averiguar.
6
Isto porque se os actos e contratos inválidos, inexistentes ou ineficazes não
deveriam ser produzidos – e, logo, não deveriam produzir efeitos - facto é que
os mesmos são editados e celebrados e produzem efeitos jurídicos. Pelo que se
com determinado acto ou contrato se fundou uma relação jurídica da qual
vieram a resultar prestações de um fornecedor e este não concorreu para o vício
do acto ou contrato, estando aliás de boa-fé, a destruição daqueles não pode
resultar em locupletamento da Administração à custa deste nem causar-lhe um
dano injusto em relação aos efeitos patrimoniais já produzidos.
7
Este diploma, doravante apenas LTC, foi aprovado pela Lei 98/97 de 26 de
Agosto e sucessivamente alterado pela Lei 87-B/98 de 31 de Dezembro, pela
Lei 1/2001 de 4 de Janeiro, pela Lei 55- B/2004 de 30 de Dezembro e pela Lei
48/2006 de 29 de Agosto.
6. 6
11. Na Lei 86/89 de 8 de Setembro 9
, diploma anterior ao actualmente
vigente, a par de se referir expressamente que os “pagamentos indevidos”
constituíam fonte do dever de reposição por parte dos respectivos
responsáveis – cfr. artigo 49.º - , não se continha qualquer esboço de
definição de tal figura.
8
«(…) Secção II “Da responsabilidade financeira reintegratória” Artigo 59.º
(Reposições por alcances, desvios e pagamentos indevidos) 1 - Nos casos de
alcance, desvio de dinheiros ou valores públicos e ainda de pagamentos
indevidos, pode o Tribunal de Contas condenar o responsável a repor as
importâncias abrangidas pela infracção, sem prejuízo de qualquer outro tipo
de responsabilidade em que o mesmo possa incorrer. 2 - Consideram-se
pagamentos indevidos para o efeito de reposição os pagamentos ilegais que
causarem dano para o Estado ou entidade pública por não terem
contraprestação efectiva. 3 - A reposição inclui os juros de mora sobre os
respectivos montantes, aos quais se aplica o regime das dívidas fiscais,
contados desde a data da infracção, ou, não sendo possível determiná-la, desde
o último dia da respectiva gerência. 4 - Não há lugar a reposição, sem prejuízo
da aplicação de outras sanções legalmente previstas, quando o respectivo
montante seja compensado com o enriquecimento sem causa de que o Estado
haja beneficiado pela prática do acto ilegal ou pelos seus efeitos. (…)».
9
A qual tinha por epígrafe “Reforma do Tribunal de Contas”e foi
expressamente revogada nos termos da alínea l) do artigo 115.º da Lei 98/97 de
26 de Agosto.
7. 7
12. Em anotação a este diploma de 1989, avançava-se que os “pagamentos
indevidos”
«(…) para efeitos de responsabilidade financeira parecem ser
aqueles que foram feitos com violação das regras legais que
disciplinam os actos que originaram o dispêndio de dinheiros
públicos quer esses actos se reportem directamente à fase do
pagamento ou se situem em alguma fase anterior (…)» 10
.
13. Mais se referia, ainda em anotação ao artigo 49.º, que
«(…) Como assinalam A.L.Sousa Franco (“Finanças Públicas e
Direito Financeiro”, Coimbra, 1987, pág.425) e G.Oliveira
Martins (“Lições sobre a Constituição Económica Portuguesa”,
Vol II, “A Constituição Financeira”, Lisboa 1984/85, pág. 36), a
existência de responsabilidade financeira é independente do dano
efectivamente causado ao Estado ou a outro ente público, sendo
este um aspecto muito importante da especificidade da
responsabilidade financeira face à responsabilidade civil.
8. 8
Daí que este preceito refira simplesmente a reposição das
“importâncias abrangidas pela infracção””, isto é, as
importâncias que foram objecto da infracção.
Pode assim dizer-se que o instituto da responsabilidade financeira
visa não só proteger a simples integridade dos dinheiros públicos
mas também a própria regularidade do processo da sua utilização,
assim se explicando que, mesmo que da violação das normas não
advenha qualquer prejuízo patrimonial – ou advenha mesmo, em
sede patrimonial, um lucro – nem por isso deixa de ser possível a
condenação em responsabilidade financeira (…)» 11
(realce nosso)
14. Sucede que a este entendimento perfilhado pelos citados AA se
contrapunha, pacífica e uniformemente, a jurisprudência do Tribunal de
Contas na qual se sufragava que apenas existiria reposição em face da
10
José Tavares e Lídio de Magalhães in “Tribunal de Contas – Legislação
Anotada, Índice Remissivo”, Almedina, 1990, pg. 135.
11
Idem.
9. 9
ausência de uma contraprestação ou contrapartida para o património
público 12
.
15. Só com a revogação da Lei 86/89 de 8 de Setembro pela Lei 98/97 de
26 de Agosto 13
, é que, porém, de jure condito, tal entendimento
12
É o que se pode retirar do seguinte segmento da Sentença n.º 10/2005
(Processo n.º 9-JRF/2003) acessível em
http://www.tcontas.pt/pt/actos/acordaos/2005/3s/st010-2005-3s.pdf :
«(…) Anote-se que só no domínio da Lei n.º98/97, no (…) art.º59.º-n.º2, se
definiu o conceito de “pagamentos indevidos”: até então, e, designadamente,
na vigência da Lei n.º86/89, de 8 de Setembro, o conceito não tinha definição
legal, embora justificasse a reposição dos dinheiros públicos (…)
(…) a jurisprudência do Tribunal era pacífica e uniforme no entendimento de
que a reposição só era exigível se os pagamentos ilegalmente efectuados não
tivessem uma contrapartida para o património público, ou seja, a
responsabilidade reintegratória e a reposição consequente só ocorreria se,
tendo o pagamento sido feito em violação de lei, também daí tivesse ocorrido
um dano para o património público, por ausência de contraprestação (…)».
Em nota de rodapé transcrevia-se a este propósito o Acórdão n.º 213/95, de
20.10.95, também do Tribunal de Contas, em que se consignava:
«(…) “Quando os pagamentos indevidos correspondam a contraprestações
efectivas fundamentadas em reais necessidades de Serviço Público e não se
evidenciando nos autos um propósito de favorecer injustificadamente os
beneficiários dos pagamentos, nem que aos gerentes tenha advindo vantagens
ilícitas ou ilegítimas, é relevada a responsabilidade” (…)».
10. 10
jurisprudencial veio a ser legislativamente positivado porquanto se passou
a dispor no homólogo artigo 59.º, inserido na Secção II (“Da
responsabilidade financeira reintegratória”) do Capítulo V (“Da
efectivação de responsabilidades financeiras”), como segue:
«(…) Artigo 59.º (Reposições por alcances, desvios e pagamentos
indevidos) 1 - Nos casos de alcance, desvio de dinheiros ou valores
públicos e ainda de pagamentos indevidos, pode o Tribunal de
Contas condenar o responsável a repor as importâncias abrangidas
pela infracção, sem prejuízo de qualquer outro tipo de
responsabilidade em que o mesmo possa incorrer. 2 - Consideram-
se pagamentos indevidos para o efeito de reposição os pagamentos
ilegais que causarem dano para o Estado ou entidade pública por
não terem contraprestação efectiva. 3 - A reposição inclui os juros
de mora sobre os respectivos montantes, aos quais se aplica o
regime das dívidas fiscais, contados desde a data da infracção, ou,
não sendo possível determiná-la, desde o último dia da respectiva
gerência. 4 - Não há lugar a reposição, sem prejuízo da aplicação
13
Registe-se que a redacção dada ao diploma de 1989 pela Lei 7/94 de 7 de
Abril não teve incidência sobre a matéria de que ora se cuida.
11. 11
de outras sanções legalmente previstas, quando o respectivo
montante seja compensado com o enriquecimento sem causa de que
o Estado haja beneficiado pela prática do acto ilegal ou pelos seus
efeitos. (…)» (realce nosso)
16. Ora, em resultado desta alteração legislativa temos que o “pagamento
indevido” ficou então legislativamente desenhado como sendo aquele
pagamento
i) ilegal,
ii) que cause dano para o Estado ou entidade pública,
iii) dano esse que o é por tal pagamento não ter uma
contraprestação efectiva.
17. Mais: ainda que se conclua pela verificação de um “pagamento
indevido”, a normal consequência que se lhe seguiria – a “reposição” dos
correspondentes montantes – apenas subsistiria, sempre sem prejuízo de
outras sanções legalmente previstas, quando o respectivo montante não
fosse compensado
12. 12
iv) com o enriquecimento sem causa de que o Estado haja
beneficiado pela prática do acto ilegal ou pelos seus efeitos 14
.
18. Ou seja, quando, concluindo-se pela existência de “pagamentos
indevidos” – o que pressupunha a ausência de uma contraprestação
efectiva -, se tivesse, porém, de relevar o dever de reposição
(responsabilidade reintegratória) atento o “enriquecimento sem causa” de
que fora beneficiário o património público, sempre restaria em todo o caso
ao Tribunal apreciar da aplicabilidade de outras sanções ao infractor, a
que ele permanecia abstractamente sujeito (responsabilidade
sancionatória).
19. Recentemente 15
, tal diploma veio a ser objecto de nova alteração
legislativa, dispondo-se no actual artigo 59.º como segue:
14
Refere a este propósito Adalberto José Monteiro de Macedo in “Ilícitos
Financeiros”, 2000, Vislis Editores, pg. 27 (também a pg: «(…) Temperou-se
assim o conceito de pagamento indevido com a figura civilística do
enriquecimento sem causa (…)» (realce no original) porquanto «(…) Se bem
que ilegais, esses pagamentos indevidos deixam de ser susceptíveis de
reposição, quando sem causa justficativa o Estado “latu sensu” houver
recebido dinheiro ou outros bens ou valores indevidamente, por virtude de
uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou,
conforme se poderá inferir (…)» (realce no original).
13. 13
«(…) Artigo 59.º “Reposições por alcances, desvios e pagamentos
indevidos” 1 - Nos casos de alcance, desvio de dinheiros ou valores
públicos e ainda de pagamentos indevidos, pode o Tribunal de
Contas condenar o responsável a repor as importâncias abrangidas
pela infracção, sem prejuízo de qualquer outro tipo de
responsabilidade em que o mesmo possa incorrer. 2 - Existe alcance
quando, independentemente da acção do agente nesse sentido, haja
desaparecimento de dinheiros ou de outros valores do Estado ou de
outras entidades públicas. 3 - Existe desvio de dinheiros ou valores
públicos quando se verifique o seu desaparecimento por acção
voluntária de qualquer agente público que a eles tenha acesso por
causa do exercício das funções públicas que lhe estão cometidas. 4 -
Consideram-se pagamentos indevidos para o efeito de reposição os
pagamentos ilegais que causarem dano para o erário público,
incluindo aqueles a que corresponda contraprestação efectiva que
não seja adequada ou proporcional à prossecução das atribuições
da entidade em causa ou aos usos normais de determinada
actividade. 5 - Sempre que da violação de normas financeiras,
incluindo no domínio da contratação pública, resultar para a
15
Lei 48/2006 de 29 de Agosto.
14. 14
entidade pública obrigação de indemnizar, o Tribunal pode
condenar os responsáveis na reposição das quantias
correspondentes. 6 - A reposição inclui os juros de mora sobre os
respectivos montantes, aos quais se aplica o regime das dívidas
fiscais, contados desde a data da infracção, ou, não sendo possível
determiná-la, desde o último dia da respectiva gerência. (…)»
(realce nosso)
20. De tal redacção resulta ter sido ampliado o conceito de “pagamentos
indevidos” na exacta medida em que se tornou qualitativamente mais
exigente a qualificação da contraprestação que se mostre apta a eximir do
dever de reposição – agora, além de ser efectiva, a contraprestação tem
ainda de ser também adequada ou proporcional às atribuições da entidade
que realiza a despesa ou aos usos normais da actividade -, de tudo vindo a
resultar como mais gravosa a responsabilidade dos “contáveis”.
21. Com efeito, doravante, para efeitos do dever de reposição, serão ainda
assimilados a “pagamentos indevidos” os pagamentos em que, pese
embora exista uma contraprestação efectiva para o património público,
esta não esteja num nexo de adequação ou proporcionalidade face às
15. 15
atribuições a prosseguir pela entidade em causa ou face aos usos normais
de determinada actividade 16
.
22. A par de se afinar o conceito de contraprestação eximente do dever de
reposição, abandonou-se a anterior menção expressa ao enriquecimento
sem causa, menção que surgia na redacção de 1997 como sucessiva
“segunda causa” ou “reforço” – a acrescer, pois, à exstência de uma
“contraprestação efectiva” - tendente de igual modo à exoneração daquele
dever de reposição.
23. Isto porque precisamente no segmento do artigo 59.º em que se aludia
expressamente ao “enriquecimento” fazia-se igualmente a ressalva de que
ainda que pudesse operar o efeito exonerativo resultante do
16
Registe-se que já em 2000, Adalberto Macedo, op. cit., pg. 52., como que
antecipando a futura letra da lei, referia relativamente ao artigo 59.º na
redacção então vigente, que «(…) Não é todavia qualquer contrapartida ou
contraprestação bastante para compensar o dever de reposição. Sob pena de o
dano ou prejuízo para o Estado se tornar irrelevante, desde que haja uma
contrapartida, qualquer que seja, é de exigir, neste particular, uma adequação
ou proporcionalidade entre um e outro. Ou seja, é necessária alguma
correspondência entre os valores ou fluxos fnanceiros apurados como dano ou
prejuízo para o erário público e a contrapartida efectiva (…)» (realce no
original).
16. 16
“enriquecimento” tal efeito não prejudicaria a operância de outras
eventuais sanções legais 17
.
24. Com a revisão de 2006, como vimos, não só caiu a menção expressa
ao “enriquecimento sem causa” como caiu também aquela expressa
ressalva da aplicabilidade de outras sanções que com ela surgia acoplada
na redacção de 1997 pelo que, atendendo a que desapareceu a primeira
das menções – o “enriquecimento” –, a qual só operava no pressuposto de
se ter já caracterizado uma “contraprestação efectiva”, poder-se-á colocar
a questão de saber se continua a estar sujeito também a responsabilidade
sancionatória o responsável por um pagamento indevido que dê azo a um
dever de reposição, ou se o respectivo infractor fica constituído apenas,
sem mais, nesse dever de repor?
25. Parece-nos incontestável que ambas as responsabilidades continuam a
ser cumuláveis: é o que continua a resultar do n.º 1 do artigo 59.º e, bem
assim, da alínea b) do n.º 1 e do n.º 4 do artigo 65.º (anterior n.º 5 na
redacção de 1997).
17
«(…) Artigo 59.º “Reposições por alcances, desvios e pagamentos indevidos”
(…) 4 - Não há lugar a reposição, sem prejuízo da aplicação de outras sanções
legalmente previstas, quando o respectivo montante seja compensado com o
enriquecimento sem causa de que o Estado haja beneficiado pela prática do
acto ilegal ou pelos seus efeitos. (…)» (realce nosso).
17. 17
26. Quanto ao abandono da alusão literal ao “enriquecimento sem causa”
parece-nos que tal figura, como já em face da redacção de 1997,
permanece apesar disso subjacente ao próprio conceito de
“contraprestação efectiva” enquanto expediente técnico-jurídico tendente
a, num primeiro plano, salvaguardar no limite a satisfação do direito de
crédito do fornecedor que contratou e ofereceu a prestação a que se
obrigou perante a Administração 18
e, num segundo plano, valer como
cláusula de justiça comutativa na medida em que ao permitir relevar o
dever de reposição na exacta medida em que o património público tenha
sido beneficiado, reconhece e valora objectivamente tal “compensação”
entre “patrimónios”, o que acarreta a desnecessidade de qualquer
“reposição”.
18
É neste sentido que no regime desta figura, nos termos do n.º 1 do art. 473.º
do Código Civil, se contem a estatuição de que «(…) aquele que, sem causa
justificativa, enriquecer à custa de outrém, é obrigado a restituir aquilo com
que injustamente se locupletou (…)», traduzindo-se a falta de causa justificativa
na inexistência de uma relação ou de um facto que, à luz dos princípios aceites
no sistema, legitime o enriquecimento.
18. 18
27. De igual modo nos parece que o “enriquecimento”, mas agora apenas
à luz daquele primeiro plano, se encontrará também subjacente à solução
encontrada no novo n.º 4 do artigo 65.º 19
.
28. Assim, interpretamos este inciso como estatuindo que quando se haja
procedido a um pagamento que na sua génese tinha uma contraprestação
efectiva do fornecedor que não era, porém, adequada ou proporcional às
atribuições da entidade que realiza a despesa ou aos usos normais da
actividade – ou seja, um “pagamento indevido” após a redacção de 2006 -,
ficará o responsável pelo pagamento sujeito a repor tal montante,
precisamente porque – assim nos parece – com tal pagamento o
património público não terá sido beneficiado do modo que o legislador de
2006 entendeu valorar, desde então, como adequado e proporcional.
29. Feito este excurso, passemos a analisar em concreto a situação
vertente, no pressuposto de que:
o valor em causa, reclamado pela ____, respeita a uma campanha
publicitária por si efectivamente satisfeita perante a sua credora (esta
edilidade);
19
«(…) 5 - Sempre que da violação de normas financeiras, incluindo no
domínio da contratação pública, resultar para a entidade pública obrigação de
19. 19
até ao presente momento, não houve pagamento;
o despacho por via do qual se venha a efectivar o pagamento das duas
facturas será ou não qualificável como “pagamento indevido” à luz do
artigo 59.º da LTC na nova redacção que lhe foi dada pela Lei
48/2006 de 29 de Agosto.
30. Será, assim, tal eventual despacho - quando seja prolatado e, depois,
executado -, havido como “pagamento indevido” gerador do dever de
reposição se tal campanha publicitária não se puder reputar adequada ou
proporcional às atribuições da edilidade ou aos usos normais da actividade
concretamente prosseguida.
31. Ora, integra-se no domínio das atribuições dos municípios tanto o
«(…) Património, cultura e ciência …)» 20
como os «(…) Tempos livres e
desporto (…)» 21
, competindo ao órgão executivo municipal «(…) Apoiar
ou comparticipar, pelos meios adequados, no apoio a actividades de
indemnizar, o Tribunal pode condenar os responsáveis na reposição das
quantias correspondentes. (…)».
20
Alínea e) do n.º 1 do artigo 13.º da Lei 159/99 de 14 de Setembro, que
estabeleceu o quadro de transferência de atribuições e competências para as
autarquias locais.
21
Alínea f) do n.º 1 do artigo 13.º da Lei 159/99 de 14 de Setembro.
20. 20
interesse municipal, de natureza social, cultural, desportiva, recreativa
ou outra (…)» 22
.
32. Assim sendo, supondo que seja demonstrado pela ____ a efectiva
passagem televisiva da campanha publicitária, temos que a mesma se terá
corporizado na publicitação de um evento realizado a coberto do feixe de
atribuições municipais, tendo sido objectivo de tal acção de publicitação a
maximização do leque potencial de participantes e assistentes aos eventos
insertos no “____no Parque” nos meses de Verão de 2003.
33. Tal lógica de divulgação deste evento organizado pela edilidade
justifica-se pela própria razão de ser do mesmo, pois que o “____ no
Parque” terá tido em vista ser um ponto de encontro dos que habitem ou
que, nesses meses, acorram à cidade e que ai se vêm a agregar em torno
de determinados motivos – concertos, desporto, gastronomia, et caetera -,
encontro esse que de algum modo se goraria caso existisse um afluxo de
público em número diminuto, ou seja, caso não houvesse uma sua cabal
22
Alínea b) do n.º 4 do artigo 64.º da Lei 169/99 de 18 de Setembro (com as
alterações introduzidas pela Lei 5-A/2002 de 11 de Janeiro) que estabeleceu o
quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos
órgãos dos municípios e das freguesias.
21. 21
divulgação mediante, entre outros meios, a sua publicitação num meio
audiovisual de tão larga difusão como a ____.
34. Por outro lado, se o grau de sucesso daquele objectivo que se visou
com tal campanha publicitária – divulgação generalizada com vista à
captação de assistentes e participantes nos vários eventos agendados – se
não pode senão muito dificilmente mensurar – isto é, aferir quantas
pessoas se teriam determinado a acorrer ao “____ no Parque” mercê da
divulgação feita na ____ -, não se mostra, todavia, s.m.o., controvertível
que um número considerável de pessoas tenham de facto tomado
conhecimento e decidido participar nos eventos por via daquela
publicitação.
35. Pelo que concluímos, neste ponto, que um eventual pagamento a
ser feito à ____ teria subjacente uma contraprestação efectiva
adequada e proporcional à prossecução das atribuições desta
edilidade, logo não se gerando, a nosso ver, o dever de reposição de
tais quantias cujo pagamento seria nesse momento autorizado
(ausência de responsabilidade financeira reintegratória).
22. 22
36. Atento, contudo, o teor actual do n.º 1 do artigo 59.º da LTC,
sempre poderá suscitar-se uma eventual responsabilização financeira
sancionatória respeitante à mencionada autorização de pagamento.
37. Caberá, por fim, deixar ainda expresso que esta edilidade poderia
com grande vantagem para si – uma vez que sem o inerente perigo de
os seus actuais e pretéritos dirigentes incorrerem em responsabilidade
sancionatória - proceder àquele pagamento na sequência de uma
eventual transacção a firmar no âmbito de um processo judicial que
porventura venha a ser intentado pela ____ com vista a ver
reconhecidos os seus direitos.
38. Pois que, numa tal eventualidade, o pagamento a ser feito à
indicada empresa audiovisual dar-se-ia em sede judicial, por força de
acordo de transacção homologado pelo Juiz ou, no limite, mesmo por
força de sentença condenatória final.
D) CONCLUSÃO
I Na presente aquisição de serviços, não foi dada satisfação tanto ao
regime do DL 197/99 de 8 de Junho como do CPA.
23. 23
II Supondo, contudo, que esta edilidade tenha beneficiado – o que
caberá à ____ vir demonstrar – da efectiva passagem televisiva da
campanha publicitária relativa ao “____ no Parque”, temos que um
eventual pagamento de € ____a ser feito à ____ teria subjacente uma
contraprestação efectiva adequada e proporcional à prossecução das
atribuições e vinculações desta edilidade, logo não se gerando, a nosso
ver, o dever de reposição de tais quantias (ausência de responsabilidade
financeira reintegratória).
III. Atento, contudo, o teor actual do n.º 1 do artigo 59.º da LTC,
sempre poderá vir a ser suscitada a eventual responsabilização
financeira sancionatória respeitante à mencionada autorização de
pagamento.
IV Refira-se, porém, que esta edilidade poderia com grande vantagem
para si – uma vez que sem o inerente perigo de os seus actuais e
pretéritos dirigentes incorrerem em responsabilidade sancionatória -
proceder àquele pagamento na sequência de uma eventual transacção a
firmar no âmbito de um processo judicial que porventura venha a ser
intentado pela ____ com vista a ver reconhecidos os seus direitos,
pagamento que se daria, pois, em sede judicial, seja por força de acordo
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de transacção homologado pelo Juiz ou, no limite, por força de sentença
condenatória final.
É este, salvo melhor opinião, o meu parecer.
Lisboa, 08 de Agosto de 2007
O Advogado,
- João Manuel Vicente -