Decisão judicial sobre greve de professores em Pernambuco
1. 17/04/2021
Número: 0014444-58.2020.8.17.9000
Classe: RECLAMAÇÃO
Órgão julgador colegiado: Órgão Especial
Órgão julgador: 16º Gabinete do Órgão Especial
Última distribuição : 02/10/2020
Valor da causa: R$ 10.000,00
Assuntos: Direito de Greve
Segredo de justiça? NÃO
Justiça gratuita? SIM
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? SIM
Tribunal de Justiça de Pernambuco
PJe - Processo Judicial Eletrônico
Partes Procurador/Terceiro vinculado
ESTADO DE PERNAMBUCO (REPRESENTANTE)
PGE - Procuradoria da Fazenda Estadual (RECLAMANTE)
SINDICATO DOS TRABALHADORES EM EDUCACAO DE
PERNAMBUCO (RECLAMADO)
ANDRIELLY STEPHANY GUTIERRES SILVA (ADVOGADO)
BRENO PEREZ COELHO (ADVOGADO)
RICARDO ESTEVAO DE OLIVEIRA (ADVOGADO)
PGE - Procuradoria da Fazenda Estadual (RECLAMADO)
Documentos
Id. Data da
Assinatura
Documento Tipo
15571
642
17/04/2021 12:56 Decisão Decisão
2. RECLAMAÇÃO Nº 0014444-58.2020.8.17.9000
ÓRGÃO JULGADOR: Órgão Especial
RELATOR: Desembargador Fábio Eugênio Dantas Oliveira Lima
AUTOR: Estado De Pernambuco
RÉU: Sindicato Dos Trabalhadores em Educação De Pernambuco
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
1. O ESTADO DE PERNAMBUCO ajuizou ação cível contra o SINDICATO DOS TRABALHADORES EM
EDUCAÇÃO DE PERNAMBUCO - SINTEPE, pretendendo, fundamentalmente, o reconhecimento da abusividade da
greve deflagrada em 30 de setembro de 2020 pelos servidores da educação.
2. Sustenta que o Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco - SINTEPE, através do Ofício nº
165/2020/PRES/SINTEPE, noticiou a deflagração de greve da categoria a partir do dia 30/09/2020, em razão da
determinação de retorno às aulas presenciais, previsto para o dia 06 de outubro de 2020, conforme Decreto Estadual
nº 49.480, de 22 de setembro de 2020.
3. Advoga, em síntese, que a decisão de retorno às aulas presenciais, de forma gradual e escalonada, foi precedida
de estudos da realidade epidemiológica de todas as regiões do Estado e de um criterioso protocolo sanitário voltado
ao controle e à prevenção do COVID-19.
4. Em sede de cognição sumária, foi deferido o pedido de tutela provisória de urgência para determinar que o
Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco – SINTEPE encerrasse imediatamente a greve
deflagrada em 30 de setembro de 2020 e, se não iniciada, que não a iniciasse, bem assim que se abstenha de
praticar qualquer ato que embarace, perturbe ou retarde o regular funcionamento dos serviços públicos da rede
estadual de educação, fixando, para a hipótese de descumprimento, multa diária no valor de R$ 50.000,00
(cinquenta mil reais).
5. Em seguida, o Estado de Pernambuco, na petição de ID nº 13531216, noticia o descumprimento da decisão que
concedeu a tutela provisória de urgência (ID nº 13335033), esclarecendo que a entidade ré deliberou, em Assembleia
Sindical realizada no dia 19/10/2020, pelo estado de paralisação da categoria a partir das 0h do dia 21 de outubro de
2020, em razão da previsão de retorno às aulas presenciais dos estudantes do ensino médio da rede pública
estadual, programado, justamente, para o dia 21 de outubro de 2020.
6. Sobreveio, então, novo pronunciamento judicial, majorando a multa diária por descumprimento para R$ 100.000,00
(cem mil reais) - sem prejuízo de eventual configuração de crime de desobediência -, por reconhecer que a multa
diária por descumprimento, fixada em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), não foi suficiente para fazer valer o
estabelecido na tutela de urgência deferida por antecipação. Ficou, ainda, advertido o Sindicato dos Trabalhadores
em Educação de Pernambuco – SINTEPE que o descumprimento da decisão judicial implicará em ato atentatório à
dignidade da justiça, fazendo incidir a multa prevista no art. 77, IV, §5º, do CPC/15.
7. Em 16 de abril de 2021, o ESTADO DE PERNAMBUCO volta a advogar que o Sindicato dos Trabalhadores em
Educação de Pernambuco – SINTEPE promove novo ato de descumprimento à tutela provisória de urgência, quando
decidiu, em Assembleia Sindical, realizada no dia 15/04/2021, pelo estado de paralisação da categoria a partir do dia
19/04/2021, precisamente a data prevista para o retorno gradual das aulas presenciais no âmbito da rede pública
estadual de ensino (Ofício nº 036/2021/PRES/SINTEPE, datado de 15 de abril de 2021 – ID nº 15564525).
8. Pontua, ainda, que após a vigência do Decreto nº 50.433, de 15/03/2021, que vedou a prática de atividades
econômicas e sociais, de forma presencial – incluindo-se na vedação as escolas e universidades, públicas e privadas
(art. 2º,I) -, o Decreto nº 50.470, de 26/03/2021 (ID nº 15564523), permitiu a retomada, a partir de 05/04/2021, das
aulas e atividades presenciais nas escolas e universidades, públicas e privadas, conforme cronograma e horários que
viriam a ser divulgados por Portaria do Secretário de Educação e Esportes.
9. Por isso, a Portaria SEE nº 1471, de 31/03/2021 (ID nº 15564524), disciplinou, em seu art. 2º, o cronograma de
retorno das atividades pedagógicas, de forma presencial, nas escolas da Rede Estadual de Ensino, com previsão de
início para a próxima segunda-feira, dia 19/04/2021.
10. Diante do alegado novo ato de descumprimento à tutela provisória de urgência, o Estado de Pernambuco requer
que seja novamente determinado à entidade Ré que encerre a greve anunciada, majorando-se a multa por
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3. descumprimento, passando dos atuais R$ 100.000,00 (cem mil reais) para R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), a
imposição à entidade Ré das penalidades por litigância de má-fé, nos termos do § 3º do art. 536 do CPC, e que seja
imediatamente fixada, nos termos do art. 77, IV c/c §2º e §5º do CPC, multa por ato atentatório à dignidade da justiça
em desfavor do representante legal do SINTEPE, responsável pelo descumprimento da decisão, Sr. José Fernando
de Melo, no valor de até 10 (dez) vezes o valor do salário-mínimo, considerando o valor inestimável da causa.
11. O Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco – SINTEPE, por seu turno, sustenta, em síntese,
que os objetos das greves iniciadas em 2020 e o novo movimento paredista anunciado em 15/04/2021 pelos
profissionais da educação distinguem-se absolutamente, tanto pelo momento quanto pelos motivos e gravidade de
suas razões, porquanto os dados atuais da pandemia causada pela COVID-19 no Estado de Pernambuco e o
número total de mortos e infectados já contabilizados entre os profissionais da educação estampam com clareza
solar a total ausência de ambiência epidemiológica e sanitária.
12. É o que importa relatar.
13. O estado de paralisação dos servidores da educação vinculados ao SINTEPE anunciado para ter início a partir do
dia 19/04/2021, por suas particulares circunstâncias, se homogeneíza, de modo a configurar parte de um todo, com a
greve da categoria deflagrada em setembro de 2020. Na essência, há identidade de reivindicações, de interesses, de
insurgências e uma mesma circunstância factual (pandemia causada pela COVID-19 no Estado de Pernambuco), a
revelar que a paralisação com previsão de início para a próxima segunda-feira, dia 19/04/2021, integra o conjunto do
movimento grevista deflagrado pela categoria no final de setembro de 2020.
14. Sob o aspecto formal, parece pertinente ponderar que diante de um provimento jurisdicional provisório
declarando a abusividade do movimento grevista e determinando a abstenção da praticar de qualquer ato que
embarace, perturbe ou retarde o regular funcionamento dos serviços públicos da rede estadual de educação, caberia
ao SINTEPE trazer à colação a superveniência de fatos novos, que na sua perspectiva teria a potencialidade de levar
a revogação da tutela antecipada de urgência concedida.
15. Essa é postura indicada pelo princípio da cooperação e da boa-fé processual e exigida pelo Estado de
Democrático de Direito para garantir, minimamente, a segurança jurídica e a ordem social. Nesse contexto, o anúncio
de uma nova paralisação, ainda que alegadamente baseada em fatos novos, à revelia do Juízo caracteriza
descumprimento da ordem judicial.
16. Antes, como agora, resta evidenciado que a greve é motivada em face do risco para a saúde e integridade física
da categoria.
17. O agravamento da situação pandêmica, o aumento das taxas de ocupação dos leitos de UTIs e das internações
confirmadas nos grupos de pessoas com idades entre 20 e 39 anos e 40 e 59 anos - em que se situa a maior parte
dos profissionais de educação - e o índice de contágio dentro das escolas não são dados desconsiderados por este
Juízo.
18. Entretanto, quando o Estado-Administração, no exercício da sua legítima competência constitucional e com apoio
em Comitê multidisciplinar técnico, constituído especificamente para o enfrentamento da Covid-19, entende que pode
flexibilizar as restrições por ele mesmo impostas, parece prudente e jurídico adotar como fumus boni juris essa
orientação. Ao Estado-juiz só cabe coibir excessos autoritários ou manifestamente abusivos, o que, à evidência, não
é a hipótese.
19. A decisão de retorno às aulas presenciais goza do atributo da confiabilidade, como resultado direto do princípio
da presunção de legitimidade dos atos administrativos, de que foi precedida de estudos da realidade epidemiológica
de todas as regiões do Estado e de um protocolo sanitário voltado ao controle e à prevenção do COVID-19. Em
outros termos, presume-se que decisão do Estado-Executivo retorno às aulas presenciais tem base científica, firme
em orientação técnica/cientifica favorável à reabertura das escolas públicas, e está inserido numa visão estratégica
do Estado.
20. Para além disso, presume-se a eficácia do protocolo sanitário de retorno às aulas presenciais num mesmo nível
de credibilidade que se conferiu à decisão da Administração que determinou sua suspensão.
21. Ademais, não há notícia de alteração no protocolo sanitário que traz medidas de controle e prevenção para o
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4. enfrentamento do COVID-19, em que se destacam: (1) a decisão sobre o retorno do aluno compete aos pais e
responsáveis, sendo de caráter opcional; (2) estudantes, professores e trabalhadores da educação com fatores de
risco para COVID-19 não devem retornar; (3) somente é permitido o retorno da escola pública que apresenta
condições estruturais (banheiros e pias com água e sabonete em quantidade, equipamentos de proteção individual,
revisão da estrutura física para o distanciamento dos estudantes em sala, ventilação e local de isolamento para
casos sintomáticos); (4) evitar que estudantes de salas diferentes convivam no mesmo ambiente na hora das
refeições, recreio/intervalos, chegada e saída do estabelecimento de ensino; (5) manter pelo menos 1,5m (um metro
e meio) de distância entre os estudantes, trabalhadores da educação em educação e colaboradores em todos os
ambientes do Estabelecimento de Ensino; (6) estabelecer o número de estudantes por turma; (6) promover marcação
de lugares nos refeitórios; (7) suspender a realização de eventos presenciais (comemoração de datas festivas) em
que esteja prevista grande concentração de pessoas; (8) suspender temporariamente as atividades coletivas
esportivas, assim como a utilização dos parquinhos infantis; (9) promover diferentes horários de entrada, saída e
alimentação entre as turmas, com o objetivo de evitar aglomerações; (10) a utilização de máscara de forma
obrigatória e contínua; (11) um profissional deverá medir a temperatura de todas as pessoas que compareçam ao
Estabelecimento de Ensino, no momento do ingresso às dependências; (12) deve haver a disponibilização do álcool
gel 70%, em pontos estratégicos de fácil acesso e com segurança; (13) obediência rigorosa aos cuidados no preparo
e distribuição da alimentação escolar: uniformes, máscaras, luvas, talheres, etc.; (14) reforçar a higienização e
desinfecção dos banheiros, instalações, áreas e superfícies comuns, antes, durante e após o expediente; (15) reduzir
no transporte escolar o número de estudantes por veículo, permitindo apenas o transporte dos estudantes sentados;
(16) a distribuição de estudantes nos assentos do ônibus escolar deverá ser feita de forma a agrupar os estudantes
de uma mesma escola na mesma região do veículo, quando este atender a mais de um estabelecimento escolar no
mesmo deslocamento.
22. Esse quadro, ao menos em sede de cognição sumária, não permite concluir que os trabalhadores em educação
vinculados ao Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco - SINTEPE serão submetidos a risco de
saúde e integridade física em grau diferenciado daquele ao qual tem sido submetido as outras categorias
profissionais que já retornaram às suas respectivas atividades. Há no protocolo sanitário de retorno às aulas
presenciais um claro esforço para criar as condições de trabalho apropriadas e um ambiente seguro. Seguiu o
mesmo rigor e o mesmo cuidado adotado para a retomada de diversas categorias.
23. Repita-se, com elevada ênfase, que não se vislumbra risco adicional à categoria vinculada ao Sindicato dos
Trabalhadores em Educação de Pernambuco - SINTEPE para além do risco a que todos estão submetidos.
24. Consigne-se que o retardo da volta às aulas presenciais do serviço público de educação em descompasso com a
iniciativa privada, levará ao aprofundamento do fosso entre diferentes classes sociais. Daí resta caracterizado o
perigo de dano a que alude o artigo 300, caput, do Código de Processo Civil.
25. Reafirme-se que a educação constitui direito básico fundamental voltado ao pleno desenvolvido da pessoa
humana, ao seu preparo igualitário para o exercício integral da cidadania e à sua existência profissional digna. A
atividade de ensino tem por objetivo último atender a uma necessidade essencial da vida em sociedade. Malgrado a
atividade de ensino possa ser exercida pela iniciativa privada, quando o Estado, por conveniência ou necessidade,
presta-o diretamente ou aquiesce que terceiro o preste, qualifica-se como serviço público dotado de essencialidade.
Nesse contexto, não se coloca em dúvida a essencialidade das atividades desenvolvidas pelas categorias vinculadas
aos serviços públicos da educação.
26. O Órgão Especial deste e. Tribunal de Justiça tem posição consolidada quanto à essencialidade da atividade de
ensino (Agravo Regimental n. 329209, Rel. Des. Jovaldo Nunes Gomes; Proc. Ordinário 3277/01, Rel. Des.
Bartolomeu Bueno).
27. Tem-se, assim, que o exercício de greve por servidores públicos, em razão dos cânones constitucionais da
supremacia do interesse coletivo e da continuidade dos serviços essenciais (art. 9º, 1º, CF), deve ficar restrito a
situações extremadas e excepcionais.
28. Por tudo isso, reafirma-se que não se apresenta legítima a motivação do movimento grevista, reitera-se os termos
da tutela provisória de urgência já concedida e majoro a multa diária por descumprimento para R$ 200.000,00
(duzentos mil reais), sem prejuízo de eventual configuração de crime de desobediência.
29. Compreendendo que a deliberação da Assembleia Sindical, realizada no dia 15/04/2021, pela decretação de
novo estado de paralisação da categoria a partir do dia 19/04/2021, conforme o Ofício nº 036/2021/PRES/SINTEPE,
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5. datado de 15 de abril de 2021, malgrado configure descumprimento a ordem judicial, foi motivada por erro de direito,
na errônea percepção jurídica de que se tratava de nova greve, deixou de caracterizar o descumprimento da decisão
judicial como ato atentatório à dignidade da justiça. Entrementes, fica, mais uma vez, o Sindicato dos Trabalhadores
em Educação de Pernambuco – SINTEPE que o descumprimento da decisão judicial implicará em ato atentatório à
dignidade da justiça, fazendo incidir a multa prevista no art. 77, IV, §5º, do CPC/15.
30. Oficie-se ao Sindicato para cumprimento imediato da decisão. Cópia da presente decisão servirá como ofício.
31. Publique-se, Cumpra-se.
Recife,
Fábio Eugênio Dantas de Oliveira Lima
Desembargador Relator
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