O documento discute:
1) O direito à moradia como um direito social e humano fundamental reconhecido internacionalmente.
2) A função social da propriedade e da cidade e a necessidade de regularização fundiária para garantir o direito à moradia.
3) Os desafios em assegurar o acesso à terra urbanizada e a segurança da posse para a população de baixa renda.
2. Marcelo Augusto Santana de Melo
Registrador da Propriedade em Araçatuba-SP
Direito à Moradia e o Registro de Imóveis
Atibaia, 23 de março de 2012.
3.
4.
5. Direito de propriedade e sua função social
Direito à Moradia
Registro de Imóveis. Fundamentos
Comunicação (formal-informal / aparência registral-
real)
6. Como surgiu a propriedade privada?
“What’s property?”. JOSEPH SINGER.
Complexidade de conceituação. Estudo de aspectos estruturais e não funcionais.
Direito Romano. A partir da maneira que se visualiza a família e a figura do pater familias
romano, visualizar-se-á também a propriedade.
Usar, gozar e dispor. Surgiu apenas nas compilações.
Feudalismo. Queda do império romano. Dualidade de sujeitos (Arruda Alvim). Vassala (cultivo da
terra) e Senhorio (Protetor). Finalidade social já que o permitia o uso compartilhado da terra?
Capitalismos. Independência.
1688 - Revolução Gloriosa Inglesa
Código Napoleônico (1804). Expressão do liberalismo. Não interferência do Estado.
7. Direito Romano: omni agro deserto. XII Tábuas.
Na Suma Teológica, Santo Tomás de Aquino (1225-1274). Aceitação da
propriedade com funções não somente privadas. Encíclicas papais.
John Locke (1632-1704)- Teoria jusnaturalista (acréscimo do trabalho)
Leon Duguit (final do século XIX). Inspiração na doutrina de Augusto
Comte (discurso sobre o espíríto positivo): Irrelevância da existência
individual do homem. Solidariedade.
Constituição Socialista do México de 1917
Constituição Alemã (Weimar) de 1919
8. 1824 – modelo liberal individualista
1891 – desapropriação pelo “bem público”
1934 – diversas referências sociais da propriedade. A
propriedade não poderia ser exercida contra o
interesse social ou coletivo
1937 – manutenção da CF anterior
1946 – Condicionava a propriedade ao bem estas social
1967 – primeira menção à função social da
propriedade
1969 – manutenção da anterior
9. Constituição Federal Brasileira (1988)
O art. 5º, inciso XXIII - direitos e garantias fundamentais
Artigo 170, inciso III- ordem econômica brasileira
Art. 182 – Função Social da Cidade
Art. 186 – Da política Agrícola e Fundiária e da Reforma
Agrária.
10. A propriedade rural cumpre sua função social se observa
simultaneamente os quatro requisitos do art. 186: I -
aproveitamento racional e adequado; II - utilização
adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação
do meio ambiente; III - observância das disposições que
regulam as relações de trabalho; e IV - exploração que
favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
A propriedade urbana cumpre sua função social quando
atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade
expressas no plano diretor (§ 2º do art. 182, CF).
11. 225 da Constituição Federal
TODOS têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público
e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo
para as presentes e futuras gerações
Cidades sustentáveis. Agenda 21. Cidade saudável.
Carla Canepa.
12. Artigo 1.228: “O proprietário tem a faculdade de usar,
gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder
de quem quer que injustamente a possua ou detenha”.
§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em
consonância com as suas finalidades econômicas
e sociais e de modo que sejam preservados, de
conformidade com o estabelecido em lei especial,
a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio
ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem
como evitada a poluição do ar e das águas
13. “Não se pode mais reduzir a noção de função
socioambiental da propriedade meramente à
ideia de limitação administrativas externas ao
exercício do direito, o que é muito do gosto dos
administrativistas”
(Edésio Fernandes. A nova ordem jurídico-urbanística
do Brasil. Del Rey. Minas Gerais: 2006, p. 15).
14. Natureza jurídica
- Corolário da função social da propriedade
- Direito Social. Bobbio.
- Direito Humano. Direitos naturais. Jusnaturalimos.
Contratualismo.
15. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948
reconhece o direito à moradia em seu art. 25.1: “Toda
pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de
assegurar a si e a sua família saúde e bem estar,
inclusive alimentação, vestuário, HABITAÇÃO,
cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis,
e direito à segurança em caso de desemprego, doença,
invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos
meios de subsistência fora de seu controle.”
16. Vários tratados internacionais após essa data
reafirmaram que os Estados têm a obrigação de
promover e proteger este direito. Hoje, já são mais de
12 textos diferentes da ONU que reconhecem o direito
à moradia, a grande maioria já incorporada na
legislação brasileira
Carta Mundial do Direito à Cidade cuja redação
vem sendo discutida e construída desde 2004
(Fóruns Social das Américas – Quito e Mundial
Urbano – Barcelona) e 2005 (V Fórum Social
Mundial – Porto Alegre
17. Exercício pleno à cidadania e à gestão democrática da cidade
função social da cidade e da propriedade. Carta de Atenas.
igualdade, não discriminação
proteção especial de grupos e pessoas vulneráveis
compromisso social do setor privado
impulso à economia solidária e a políticas impositivas e
progressivas.
18. - Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966);
- Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação racial (1965)
- Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança
(1989)
- Convenção Internacional de Proteção dos Direitos de
Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de Sua
Família (1977)
- Convenção Internacional Sobre o Estatuto dos Refugiados
(1951)
19. Declaração Sobre Assentamentos Humanos de Vancouver
(1976). Habitat I.
Declaração sobre o Desenvolvimento (1986)
Agenda 21 (1992). Rio de Janeiro.
Agenda Habitat II (1996). Estambul.
resoluções s-25/2 de 09 de junho de 2001; e 56/206 de 21 de
dezembro de 2001. A Assembleia Geral das Nações Unidas
reforçou o mandato da agência e elevou o seu estatuto para
um programa com todos os requisitos do sistema da ONU.
20. Compreensão do direito à moradia na agenda
habitat II
- O parágrafo 2º do Preâmbulo da Agenda Habitat traz o
conceito de habitação adequada
- Acesso à terra. O parágrafo 55 reconhece o acesso à
terra como pré-requisito essencial para prover adequada
habitação para todos e para o desenvolvimento dos
assentamentos sustentáveis.
21. reconhecer e legitimar a diversidade de mecanismos de oferta de terra,
descentralização de responsabilidade sobre a gestão da terra;
promover inventários públicos;
desenvolver sistemas de informação (incluindo o valor da terra);
utilizar o máximo do potencial da capacidade da infra-estrutura
urbana;
adotar instrumentos de recuperação dos investimentos do poder
públicos que tenha resultado a valorização da terra;
constituir procedimentos sobre cadastro e registro para fins de
regularização de assentamentos informais;
desenvolver códigos e leis para regular o direito da propriedade da terra;
estabelecer procedimentos simples para transferência de terra da
modificação do uso da terra.
22. Art. 6º, CF. São direitos sociais, de acordo com o a
educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância e a assistência aos
desamparados.
art. 5º, § 2º, CF. Confere status de direito e garantia
fundamental, aos tratados e acordos internacionais,
destacando-se no âmbito de nosso estudo a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, a Carta Mundial do
Direito à Cidade e a Agenda Habitat.
23. O artigo 182, CF. traz inovação ao prever a função social da
cidade e que o plano diretor é o instrumento básico da
política de desenvolvimento e de expansão urbana.
O Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001)
“[...] a propriedade urbana cumpre sua função social quando
atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade
expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das
necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à
justiça social e ao desenvolvimento das atividades
econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2o
desta Lei (art. 39)”. Edésio Fernandes (prêmios)
24. Em 2005 tivemos, também, a Lei 11.124, de 16 de junho
que criou o Sistema Nacional de Interesse Social que
estabeleceu não somente a moradia como direito,
como acrescentando também que mesma deve digna
(art. 4º, inciso I, b).
A mudança de paradigma jurídico com relação à
moradia é substancial também no aspecto legal, já que
a moradia jamais havia recebido tratamento de direito,
sempre até então foi tratada com uma mera acessão à
propriedade ou programa de habitação (cf. Lei n.
4.380, de 21 de agosto de 1964).
25. Segurança da posse (propriedade?)
Disponibilidade de serviços, infraestrutura e equipamentos públicos
Custo acessível
Habitabilidade
Não descriminação e priorização de grupos vulneráveis
Localização adequada
Adequação cultural
26. VIVER COM SEGURANÇA
VIVER EM PAZ
VIVER COM DIGNIDADE.
27. Art. 40 da Lei n. 6.766/79.
Presidência do procedimento administrativo pelo Poder
Judiciário
Ausência de ferramenta jurídica justificadora de tratamento
jurídica diverso (§ 5o A regularização de um parcelamento pela
Prefeitura Municipal, ou Distrito Federal, quando for o caso, não
poderá contrariar o disposto nos arts. 3o e 4o desta Lei, ressalvado
o disposto no § 1o desse último. (Incluído pela Lei nº 9.785, de
1999)
Falta de previsão de cientificação por edital dos detentores de
direito real
Regularização tão-somente dos títulos
Dominialidade.
28. Causas dos assentamentos informais:
- Ausência de políticas públicas adequadas
- Crescimento populacional
- Mercado imobiliário ineficiente
- Fiscalização do Estado
- Incentivo do próprio Poder Público
- Concentração periférica
29. Caráter excepcional
Irreversibilidade das áreas ocupadas
Simplificação dos procedimentos (art. 2º, inciso XV, do
Estado da Cidade)
30. Parcelamento irregular
a) Aprovação e não término do procedimento (registro)
b) Inadequação do projeto com a situação fática
Parcelamento clandestino
Decreto-Lei nº 58, de 10 de dezembro de 1937.
Preocupação com caráter civil e ausência de regras
urbanísticas. Contratos somente parcelados.
31. “o zoneamento pode ser entendido como um procedimento
urbanístico destinado a fixar os usos adequados para
diversas áreas do solo municipal. Ou: destinado a fixar as
diversas áreas para o exercício das funções urbanas
elementares” (José Afonso da Silva)
Confusão com aspecto funcional (usos)
Plano Diretor. Instrumento legislativo adequado
Criação de regra jurídica especial. Fundamento principal.
Averbação de ZEIS?
32. Cidadania
Dignidade da pessoa humana
Erradicação da pobreza e redução das desigualdades
(art. 3º, inciso, III, CF)
33. A Lei 11.977, de 07 de julho de 2009, conceitua a regularização fundiária como “[...]
conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à
regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a
GARANTIR O DIREITO SOCIAL À MORADIA, o pleno desenvolvimento das funções
sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”.
Direito à Moradia. Segurança não somente da posse, mas também do próprio
direito de propriedade. Inovação.
A regularização fundiária como objeto da qualificação registral. O Oficial do
Registro de Imóveis irá ser o presidente do procedimento de regularização
fundiária e deverá qualificar o auto de demarcação e documentação que o
acompanha.
Demarcação urbanística.
Legitimação de posse (inmatriculacion do Direito Espanhol). Usucapião Administrativa.
Natureza jurídica? Atos administrativos negociais (Hely L. Meirelles).
34. Necessidade de ampliação do acesso à terra urbanizada pela
população de baixa renda
Necessidade de integração administrativa entre os entes políticos
Gestão democrática dos espaços urbanos
Estímulo à resolução extrajudicial de conflitos
Necessidade de concessão do título preferencialmente para a
mulher
35. Regularização fundiária como regularização jurídica dos lotes.
Mais comum na América Latina. Hernando de Soto.
Outdoor de fantasias? (Flauzilino Araújo dos Santos).
Regularização fundiária como urbanização do assentamento
Regularização conjunta. Edésio Fernandes critica a
regularização dissociada da urbanização
Vicente de Abreu Amadei (urbanística, administrativa e civil)
Regularização fundiária de interesse social e de bens específicos
36. A regularização constante do art. 40 da Lei
6.766/79 foi revogada pela dos artigos 46 e
seguintes da Lei 11.977/09?
Regularização beneficiada e não beneficiada.
Derrogação
Depósitos
Regularização fundiária sumária ou inominada.
Em que hipóteses aplicar?
38. A aparência é a imagem que as coisas apresentam a quem
externamente as observa, podendo ou não corresponder à
realidade.
aparência jurídica tem significado distinto da
aparência ordinária
A aparência jurídica é mais relevante
Em certas circunstâncias e quando combinada com a
boa-fé de terceiros, adquire relevância jurídica e é
recebida no mundo jurídico como realidade
39. Proximidade com a aparência (Menezes Cordeiro, Cláudia Lima
Maques)
Confiança pressupõe a aparência, é preciso que a mesma seja
depositada, confiada em alguma coisa, como etimologicamente se
extrai de confidere, confidare e confide, confiar em cima de algo,
pressupõe, assim, a existência em uma base mínima real ou fictícia para
se completar, mesmo porque não se confia no nada ou em ninguém
Uma sociedade onde cada um desconfiasse do próximo assemelhar-se-
ia a um estado de guerra latente entre todos, e em vez da paz dominaria
a discórdia. Larenz.
O homem pode em certos aspectos decidir se outorga confiança ou não,
mas uma completa ausência de confiança lhe impediria inclusive
levantar-se pela manhã. Luhmann.
40. A confiança para Luhmann é inerente aos seres
humanos que do ponto de vista sociológico, e até
psicológico é incapaz de viver sem o mínimo de
confiança
mostrar confiança é antecipar o futuro
O futuro possui muitas possibilidade e a confiança
antecipa referidas possibilidades
Confiança e familiaridade.
41. A confiança se apoia na ilusão. Em realidade, há menos
informação disponível de a que se requereria para
assegurar o êxito
A confiança somente é possível donde a verdade é
possível
A falta de clareza nos mecanismos de formação da
confiança fazem com a certeza se evapore e
geralmente ocorre quando por ímpeto se inverte a
posição de quem exerce a confiança
42. Boa-fé subjetiva
Boa-Fé objetiva
Segurança-jurídica.
A segurança, privação de temor, é anseio natural de todos
os homens. Delos ensina que a segurança jurídica é “a
garantia dada ao indivíduo de que sua pessoa, seus
bens e seus direitos não serão objeto de ataques
violentos, ou de que, se esses ataques vierem a
produzir-se, a sociedade lhe assegurará proteção e
reparação”.
43. O Direito de Moradia, reflexo da função social da
propriedade é um direito social dinâmico e incorporado no
ordenamento jurídico brasileiro
A Lei 11.977/2009 deu novo status ao conteúdo do direito de
moradia não somente incluindo a regularização fundiária
como instrumento do direito de moradia, mas também
submetendo referido direito à segurança máxima da
propriedade (não somente a posse).
O Registro de Imóveis recebeu papel de destaque para a
materialização do direito à moradia, devendo incorporar os
fundamentos e princípios da regularização fundiária,
destacando-se a simplificação de procedimentos,
respeitada a segurança jurídica.
44. A comunicação entre o sistema de Registro de Imóveis e de
Regularização fundiária anteriormente à Lei n. 11.977/2009 era
deficiente, agravando a formalização das propriedades imobiliárias
irregulares.
A tendência de adoção da regularização fundiária conjunta (título e
urbanização) e criação de ferramentas ágeis e seguras de formalização
melhoraram a comunicação dos sistemas.
No entanto, é preciso ter em mente que a confiabilidade já tradicional
do sistema imobiliário brasileiro não pode ser abalada com a
formalização de títulos dissociada de urbanização adequada.
A regularização fundiária deve priorizar uma HABITAÇÃO DIGNA.
45.
46. Ter acesso a uma moradia constitui claramente uma
necessidade para o ser humano, é sem dúvida a
estrutura principal que permite ao homem a
realização de suas obras; de sonhar e realizar os
mesmos; de estabelecer uma raiz; de ser conhecido em
uma comunidade; um abrigo para os dias ruins e o
palácio para os dias de comemoração.
Nossa função como registradores imobiliários é
MATERIALIZAR tudo isso em nossos cartórios,
matricular segurança!