1. SEGURANÇA TOXICOLÓGICA
Aprimorando a percepção
Medidas de engenharia, coletivas e individuais podem minimizar riscos
Helton César Martins Montechesi e Edson Luis Bassetto
A manipulação e o uso de agrotóxicos e internacional, o que exige uma severa 11 de janeiro de 1990, e as alterações
estão entre os trabalhos rurais mais fre- adequação das normas gerais aceitas in- introduzidas pela Lei nº 9.974, de 6 de
quentes, no entanto, as orientações quan- ternacionalmente e no emprego de tecno- junho de 2000, regulamentada pelo De-
to à escolha do produto e a dose a ser uti- logias de ponta e mão de obra qualificada. creto n° 4.074 de 4 de janeiro de 2002.
lizada muitas vezes são obtidas de forma Atender à legislação vigente acerca dos Deve-se observar, além das disposições
errônea. agrotóxicos é condição essencial para que legais que regulamentam o uso de agro-
A adoção de novas tecnologias no meio a sociedade possa se beneficiar, com se- tóxicos no país, as Normas Regulamenta-
de produção rural e o aumento das mo- gurança toxicológica, ambiental e agronô- doras, particularmente a NR 31, sobre
noculturas resultou em um elevado con- mica. Segurança e Saúde no Trabalho na Agri-
sumo de agrotóxicos e também em um au- cultura, Pecuária, Silvicultura, Exploração
mento considerável do número de intoxi- LEGISLAÇÃO Florestal e Aquicultura, e a NR 6, sobre
cações de trabalhadores rurais, relaciona- Por serem produtos potencialmente Equipamentos de Proteção Individual;
do a problemas como baixa escolaridade perigosos à saúde humana e ao ambien- que sem dúvida, são as NRs que mais im-
e falta de conhecimento técnico sobre os te, os agrotóxicos precisaram de uma le- plicam na atividade rural com aplicação
produtos, resultando em não uso de Equi- gislação que disciplinasse sua produção, de agrotóxicos.
pamentos de Proteção Individual. Pode- comércio, transporte e uso.
se considerar que os casos de intoxicação O Decreto nº 24.114 de 12 de abril de RECEITUÁRIO
por agrotóxicos são um problema de or- 1934 foi a primeira legislação sobre pro- O principal objetivo do receituário agro-
dem socioeconômica e origem profissional. dutos fitossanitários promulgada no Bra- nômico é orientar o uso racional dos
O Brasil ocupa um relevante papel na sil, inalterada até a década de 60. Somen- agrotóxicos, sendo que o diagnóstico é
produção de alimentos em nível nacional te em 1989, o país começou a cumprir efe- pré-requisito essencial para a prescrição
tivamente as exigências internas e inter- da receita. A recomendação para utilizar
Helton César Martins Montechesi - Engenheiro Agrônomo
pela UENP (Universidade Estadual do Norte do Paraná)e nacionais com relação à qualidade dos o agrotóxico foi conferida pela sociedade
Especialista em Engenharia de Segurança do Trabalho pela
UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná) produtos agrícolas com a promulgação da ao engenheiro agrônomo e aos profissio-
heltonmontechesi@hotmail.com
Lei n° 7.802, de 11 de julho de 1989, re- nais legalmente habilitados que por pre-
Edson LuisBasseto - Professor da UTFPR, Mestre em
Engenharia, Engenheiro Eletricista e de Segurança do gulamentada pelo Decreto n° 98.816, de sunção legal detêm os conhecimentos
Trabalho.
bassetto@utfpr.edu.br necessários para fazer a análise e decidir
HAMILTON HUMBERTO RAMOS
74 REVISTA PROTEÇÃO SETEMBRO / 2012
2. SEGURANÇA TOXICOLÓGICA
e citros (3%). O Mato Grosso é o estado
líder em vendas (20%), seguido por São
Paulo (15%), Paraná (14%), Rio Grande
do Sul (11%), Goiás (10%) e Minas Ge-
rais (9%). A venda deste insumo agrícola
no Brasil, em 2009, foi de R$ 12,9 bilhões.
Segundo dados do Sindag, o país aparece
em 2º lugar no ranking dos 10 principais
pela necessidade do produto. alvo não os organismos que trazem danos, países consumidores, que representam
O conteúdo da receita agronômica está mais as áreas, plantas ou animais onde 70% do mercado mundial de agrotóxicos.
previsto no Decreto Federal n° 4.074/ eles se encontram. Mesmo assim a efici- Quanto à inovação e o desenvolvimen-
2002, artigo 66. Embora possa ser consi- ência das aplicações ainda é muito ruim, to científico-tecnológico, para que um
derado um avanço por evidenciar a im- e a maior parte do produto não atinge o novo produto seja lançado no mercado são
portância da responsabilidade profissio- alvo, perdendo-se para o ambiente que necessários aproximadamente 12 anos de
nal na indicação de agrotóxicos, o recei- não se deseja contaminar. pesquisa. A evolução da pesquisa e da ava-
tuário adquiriu um caráter quase que ex- A aplicação de agrotóxicos é uma ciên- liação toxicológica dos agrotóxicos tem
clusivamente de instrumento para vendas cia multidisciplinar, que se caracteriza por levado à produção de novas moléculas
de agrotóxicos, e não de orientação fitos- um considerável desperdício de energia com toxicidade cada vez menor e alta efi-
sanitária, como se pretendia quando foi e de produto químico, constituindo-se em ciência em baixas doses, o que reduz a
inicialmente proposto. Além disso, não sério risco de acidente para o agricultor e possibilidade de intoxicações. Comparan-
prevê qualquer especificação em relação para o meio ambiente. do-se os defensivos atuais com os utiliza-
à capacitação do usuário, desconsideran- dos na década de 60, houve uma redução
do as condições técnicas para o uso do MERCADO de cerca de 90% na dose; 160 vezes na
produto receitado. Na forma em que se en- Atualmente existem mais de 80 fabri- toxicidade aguda, além do surgimento de
contra, ele permite a prescrição de qual- cantes de agrotóxicos no Brasil. Aproxi- novos mecanismos de ação e menor im-
quer produto, inclusive os de alta periculo- madamente 673 produtos estão no mer- pacto ambiental. Para que um defensivo
sidade, para qualquer pessoa, concentran- cado (374 genéricos e 299 especialida- seja utilizado pelo agricultor é necessário
do toda a responsabilidade no profissio- des); 56% são moderadamente ou pouco que seja registrado. Trata-se de um rigo-
nal que emite a receita e no usuário, pela tóxicos (classe III e IV, faixa azul e verde, roso processo, envolvendo avaliação dos
utilização. Logicamente, há necessidade respectivamente). Ministérios da Agricultura, Pecuária e A-
de se rediscutir a finalidade e a aplicação Em 2009, foram comercializadas 725 bastecimento (MAPA), Saúde (Anvisa) e
desse instrumento. mil toneladas de produtos formulados. As Meio Ambiente (Ibama).
Durante a pulverização, o risco de ex- principais classes são os herbicidas com
posição do trabalhador é bastante depen- 59%, seguido por inseticidas e acaricidas CARACTERÍSTICAS
dente da tecnologia de aplicação. O ideal com 21%, fungicidas com 12% e outras Devido à grande diversidade de produ-
seria atingir, com a quantidade necessá- classes com 8%. A cultura que mais utili- tos é importante conhecer a classificação
ria, apenas os organismos que se deseja za agrotóxicos é a soja (48%), seguida dos agrotóxicos quanto à sua ação e ao
controlar, mas não há tecnologia que per- pelo milho (11%), cana (8%), algodão grupo químico a que pertencem, sendo
mita tal precisão. Assim, se toma como (7%), hortifrutiflores (4,3%), café (4%) útil tal conhecimento para o diagnóstico
76 REVISTA PROTEÇÃO SETEMBRO / 2012
3. SEGURANÇA TOXICOLÓGICA
tamento técnico no que se refere aos as-
pectos de segurança.
Sob estas condições, as medidas indivi-
duais de proteção, como as práticas de
trabalho e o uso de EPIs, ganham parti-
cular importância, mesmo sendo de difí-
cil aplicação e controle devido às carac-
terísticas sociais, culturais e de relações
e organização do trabalho. Justamente pe-
la dificuldade na aplicação dessas medidas
individuais, as medidas coletivas de con-
trole não podem ser colocadas em segun-
do plano ou ser desconsideradas, como
vem ocorrendo na atividade agrícola.
EXPOSIÇÃO
Por meio da distribuição percentual dos
das intoxicações e a instituição de trata- dições ergonômicas dos postos de traba- agrotóxicos registrados no Brasil, em fun-
mento específico. Os agrotóxicos mais co- lho e outras medidas, no ambiente de pro- ção da DL50 da formulação nas classes
muns são divididos em inseticidas, fungi- dução rural, geralmente as atividades de toxicológicas, é possível observar que o
cidas e herbicidas. São classificados tam- trabalho se dão a céu aberto, o que não grupo que apresenta maior risco são os
bém pelo seu poder tóxico, expresso em permite o controle total das interferênci- inseticidas, com maior percentagem nas
termos do valor da Dose Letal (DL50) por as climáticas no ambiente de trabalho, li- classes I e II. De um modo geral, quase a
via oral, representada por miligramas do mitando e dificultando a proposição de metade dos produtos estão inseridos na
produto tóxico por quilo de peso vivo, ne- medidas de engenharia para o controle di- classe III (47,3%). Estima-se que sejam
cessários para matar 50% de animais-tes- reto sobre o ambiente de trabalho. 15 milhões de pessoas expostas a agrotó-
tes. Por determinação legal todos os pro- Além disso, a aplicação de agrotóxicos xicos e que ocorram de 150 a 200 mil in-
dutos devem apresentar nos rótulos uma apresenta uma particularidade muito im- toxicações agudas por ano.
faixa colorida indicativa de sua classe portante: é provavelmente a única ativi- A exposição pode ser definida como o
toxicológica. Observe as cores e doses le- dade produtiva em que a contaminação simples contato do produto com qualquer
tais em cada classe na Tabela 1, Classifi- do ambiente de trabalho é intencional e, parte do organismo humano, sendo as vias
cação toxicológica e cor dos rótulos. mais do que isso, é o propósito da ativi- de exposição mais comuns: ocular, respi-
A atividade de aplicação de agrotóxicos dade. Normalmente, as contaminações de ratória, dérmica e oral. A exposição dire-
no ambiente agrícola é peculiar: diferen- ambientes de trabalho são indesejáveis e ta ocorre quando o produto entra em con-
temente de uma unidade de produção fa- devem ser evitadas e controladas. Mas tato direto com a pele, olhos, boca ou na-
bril, em que o ambiente de trabalho pode como proceder quando a contaminação é riz dos trabalhadores. Já a exposição in-
ser influenciado por técnicas de controle a finalidade da atividade? É esta contra- direta ocorre quando as pessoas que não
de ventilação, temperatura, umidade, ilu- dição que faz da utilização dos agrotóxicos estão aplicando ou manuseando os agro-
minação, adequação arquitetônica, con- uma atividade de alto risco e de difícil tra- tóxicos entram em contato com plantas,
78 REVISTA PROTEÇÃO SETEMBRO / 2012
4. SEGURANÇA TOXICOLÓGICA
alimentos, roupas ou qualquer outro obje- algumas horas após a exposição excessi- os fatores biológicos relacionados ao pró-
to contaminado. va, por curto período, a produtos extrema- prio indivíduo podemos citar a idade, o
De acordo com a NR 31, o empregador mente ou altamente tóxicos, podendo sexo, o peso, as características genéticas,
rural ou equiparado deve proporcionar ocorrer de forma leve, moderada ou gra- o estado de saúde, de nutrição e as condi-
capacitação sobre prevenção de aciden- ve, dependendo da quantidade absorvida. ções metabólicas (esforço físico). As defi-
tes com produtos fitossanitários a todos Já a intoxicação crônica ocorre por expo- ciências nutricionais como as protéicas,
os trabalhadores expostos diretamente. O sição pequena ou moderada a produtos por exemplo, potencializam os efeitos tó-
programa deve ter carga horária mínima tóxicos ou a múltiplos produtos, em que xicos de vários agrotóxicos e a desidrata-
de vinte horas, distribuídas em no máxi- o surgimento dos sinais e sintomas são ção pode aumentar a susceptibilidade à
mo oito horas diárias, durante o expedien- tardios, após meses ou anos, acarretando intoxicação por inibidores de colineste-
te de trabalho, com conteúdo programá- danos irreversíveis. Veja a Tabela 2, Prin- rases.
tico definido. cipais sinais e sintomas agudos e crôni- A formulação, concentração, equipa-
cos. mentos de aplicação, métodos de traba-
EFEITOS lho, medidas de segurança, proteção e
A intoxicação por agrotóxicos é perce- FATORES higiene adotadas, condições ambientais e
bida por meio das circunstâncias profis- A segurança no trabalho com agrotó- comportamento da substância no ambi-
sionais, do suicídio e das circunstâncias xicos é avaliada por meio da estimativa ente são alguns dos diversos fatores que
acidentais, respectivamente. O Ministério do risco de intoxicação. Alguns fatores interferem na exposição potencial. Há,
da Saúde calcula que, para cada notifica- que influenciam são: duração da exposi- portanto, condições que interferem na
ção de intoxicação por agrotóxico, há cer- ção, intensidade do vento, atitude do tra- exposição que extrapolam a ação direta
ca de 50 casos não notificados. De acor- balhador, frequência das exposições, me- e, às vezes, fogem à vontade e ao contro-
do com a OMS (Organização Mundial de didas de segurança de proteção e de higi- le do aplicador (vento, tipo de terreno,
Saúde), somente um em cada seis aciden- ene adotadas, além da toxidade do agrotó- dinâmica do trabalho, etc.).
tes são oficialmente registrados e 70% das xico. O risco é definido principalmente em Deve-se considerar ainda que a eficiên-
intoxicações ocorrem em países subde- função de dois fatores: toxicidade e grau cia das aplicações é muito ruim e a maior
senvolvidos, sendo que 70% das intoxi- de exposição ocupacional. O grau de ex- parte do produto não atinge o alvo, sen-
cações agudas são causadas pelos inseti- posição se dá em função de duas outras do perdida para o ambiente. Raramente a
cidas organofosforados. variáveis quantitativas: a concentração do eficiência de coleta do agrotóxico ultra-
De todas as doenças profissionais noti- agrotóxico e o tempo de exposição. Sa- passa 50%, ou seja, pelo menos metade
ficadas, o envenenamento por produtos bendo-se que não é possível ao usuário do agrotóxico aplicado estará contami-
químicos, principalmente chumbo e pesti- alterar a toxicidade do produto, a única nando o ambiente em que se encontra o
cidas, representam 15% de acordo com maneira concreta de reduzir o risco é a aplicador no momento da aplicação, pro-
pesquisa realizada pela OPAS (Organiza- diminuição da exposição. O controle de piciando grande potencial de exposição.
ção Pan-Americana de Saúde) em 12 pa- riscos no emprego de substâncias quími- Assim, há fatores determinantes da ex-
íses da América Latina e Caribe. Os agro- cas procura trabalhar sobre esses dois posição que nem sempre podem ser to-
tóxicos geralmente têm ação deletéria so- fatores. Diminuindo a toxicidade ou a ex- talmente controlados. Portanto, o con-
bre a saúde humana, provocando diver- posição, pode-se diminuir o risco. Elimi- trole da exposição deve ser prioritaria-
sos agravos. As manifestações podem não nando um desses fatores, pode-se alcan- mente exercido no ambiente em que o-
surgir de imediato, apresentando geral- çar o seu controle total. corre o trabalho e não sobre o indivíduo
mente sintomas não específicos presen- Há fatores presentes no ambiente de exposto.
tes em diversas patologias. trabalho ou inerentes ao próprio indiví-
Na intoxicação aguda, os sinais e sinto- duo exposto que podem influenciar na to- CONTROLE
mas são nítidos e objetivos, aparecendo xicidade de um produto químico. Entre Na aplicação das medidas de controle,
três níveis de intervenção são propostos
para minimizar as exposições: na fonte de
emissão do contaminante (age diretamen-
te no processo de produção e nas fontes
de risco existentes no ambiente de traba-
lho); na trajetória do agente entre a fonte
e o trabalhador (limitada pela natureza do
trabalho com agrotóxicos, consiste no uso
de barreiras para eliminar o contato en-
tre o agente e o indivíduo); e no indivíduo
sujeito ao risco (agem sobre o trabalha-
dor exposto a um risco não totalmente
controlado pelos outros dois níveis). Con-
fira a Tabela 3, Métodos de controle. Le-
vando-se em consideração a priorização
das medidas coletivas sobre as indivi-
80 REVISTA PROTEÇÃO SETEMBRO / 2012
5. SEGURANÇA TOXICOLÓGICA
ta de demonstrar certo domínio sobre a
situação. Em uma visão parcial e simplista,
é comum responsabilizar o indivíduo fren-
te ao controle dos riscos, especialmente
tendo como causa dos problemas, a falta
de informação por parte do usuário. Tal
entendimento, não raro, leva à proposi-
ção de medidas de intervenção que se re-
sumem à capacitação individual e ao trei-
namento para as tarefas, sem questionar
o conteúdo do trabalho e as condições de
segurança oferecidas nos ambientes. As-
sim, a análise da percepção de risco dos
trabalhadores constitui ferramenta fun-
damental para os que pretendem cons-
truir uma atividade educativa realmente
transformadora junto a esse público.
EPIs
O trabalhador estará exposto a uma
duais, as ações sobre esses três níveis de têm grande responsabilidade pelos pro- grande diversidade de substâncias ao lon-
intervenção sugeridos devem dar-se, prin- blemas de contaminação ambiental e de go de toda a sua vida laborativa relaciona-
cipalmente, sobre a fonte e a trajetória exposição de trabalhadores. da ao uso de agrotóxicos. Como conside-
do contaminante. As medidas de contro- rar o dimensionamento do grau de prote-
le individual devem ser consideradas, PERCEPÇÃO ção necessário a ser oferecido pelos EPIs?
sempre na perspectiva de complementar, O reconhecimento dos riscos potenci- Estes devem defender o trabalhador da
e não de substituir, as medidas coleti- ais à saúde por parte de quem manipula exposição aos produtos, servindo para
vas. agrotóxico é o ponto inicial que motiva a proteger as principais rotas de entrada
Diferentes sistemas de aplicação deter- atitude de controle individual. A percep- dessas substâncias no organismo, evitan-
minam diferentes condições de exposição. ção de risco não depende exclusivamente do a contaminação e as consequentes in-
É necessário adotar medidas de engenha- do indivíduo, ela faz parte do desenvolvi- toxicações.
ria cabíveis ao ambiente de trabalho ru- mento social; o que limita o controle dos Sem dúvida, o uso de materiais imper-
ral, para tornar os sistemas de aplicação riscos em nível individual. Importantes fa- meáveis, como borrachas naturais ou sin-
mais seguros. Equipamentos mais efici- tores de ordem cultural, social, econômi- téticas e polímeros diversos, tem aumen-
entes estão sendo desenvolvidos por meio ca e psicológica influenciam a percepção tado o grau de proteção para trabalhado-
de pesquisas. Porém, por motivos de or- dos indivíduos aos riscos a que estão sub- res expostos a substâncias químicas peri-
dem técnica e econômica, são poucas as metidos em suas rotinas de trabalho. gosas.
inovações tecnológicas que de fato são O “senso de imunidade subjetiva”, ou a Nas atividades de trabalho com agrotó-
utilizadas pelos agricultores. Em razão da minimização da probabilidade de que algo xicos, a indicação das indumentárias deve
versatilidade e do baixo custo relativo, os negativo (o acidente) possa ocorrer no ser feita de acordo com cada ambiente e
pulverizadores costais manuais são os ambiente de trabalho, seria uma das es- situação de trabalho, representando um
equipamentos mais utilizados pelos pe- tratégias que os trabalhadores desenvol- fator complementar em um plano de ação
quenos agricultores. Os pulverizadores de vem a fim de fazer frente ao problema do preventivo de acidentes e doenças rela-
barras tratorizados também são muito medo no trabalho sob condições de risco cionados à exposição aos agrotóxicos den-
utilizados por pequenos e médios agricul- e com alta incerteza. Outros mecanismos tro de um programa de SST. Confira na
tores. poderiam ser identificados configurando Tabela 4, Relação entre operação, EPI e
Adicionar itens de segurança aos equi- uma espécie de “ideologia ocupacional exposição. A recomendação genérica de
pamentos agrícolas acarreta em custos defensiva”, a qual buscaria na negação do EPIs sem informação quanto à determi-
extras ao agricultor. Entretanto, o custo perigo, embora conhecido, a possibilida- nação da necessidade, ocasião e forma
individual e social dos acidentes não pode de de continuar realizando o trabalho, sem correta de emprego, pode resultar em no-
ser menosprezado na tomada de decisão desencadear uma ruptura das defesas psí- vos riscos, desconforto e falsa sensação
sobre a obrigatoriedade de fabricação de quicas construídas socialmente para su- de segurança, provocando o descrédito
equipamentos cada vez mais seguros. perar este medo. quanto à real necessidade desses equipa-
Gasta-se muito no desenvolvimento de Há também o caso em que, impossibili- mentos e gerando ainda maiores dificul-
novas moléculas e na regulamentação e tado de alterar a situação de convívio com dades para atividades de orientação.
avaliação dos riscos toxicológicos, mas os agrotóxicos, o trabalhador desenvolve
não se observa o mesmo interesse, empe- um sistema de negação ou desprezo so- CAPACITAÇÃO
CAPACIT
ACITAÇÃO
nho e rigor com relação às máquinas que bre a existência do risco, inclusive agra- A preparação de aplicadores habilitados
irão aplicá-las, que certamente também vando sua exposição, como forma indire- para a utilização de agrotóxicos indepen-
82 REVISTA PROTEÇÃO SETEMBRO / 2012
6. de da sua vinculação à aplicação de pro-
dutos mais perigosos ou de uso restrito.
Mas, neste caso, esses profissionais não
O caso de Palmital/SP
teriam atribuição específica e suas respon- Estudo revela falhas que comprometem saúde dos trabalhadores
sabilidades seriam exatamente as mesmas
que as de qualquer outro usuário de agro- Com sua economia agrícola baseada na masculino, sendo que nove agricultores
tóxicos, apesar de estarem mais capaci- produção mecanizada de grãos e no setor têm mais de 60 anos de idade. De acordo
tados. Assim, nem se criaria uma reserva sucroalcooleiro, Palmital/SP tem como pe- com o item 31.8.3 da NR 31, “é vedada a
de mercado para estimular a formação culiaridade a concentração de pequenos manipulação de quaisquer agrotóxicos,
desse profissional. Nem o intuito de con- produtores que ocupam área de 49,9 dos adjuvantes e produtos afins por menores
trolar a ampla disseminação e o uso indis- 54,9 mil hectares do município. Neste es- de 18 anos, maiores de 60 anos e por ges-
criminado dos produtos mais tóxicos se- tudo de caso foi aplicada aleatoriamente tantes”. A maioria dos entrevistados pos-
ria atingido. entrevista direcionada a 30 agricultores sui ensino fundamental completo e ape-
A existência de aplicadores capacitados do município e sócios da Coopermota (Co- nas três possuem ensino superior. Dez
para o trabalho com agrotóxicos é muito operativa dos Cafeicultores da Média So- possuem propriedades com tamanho en-
importante. Afinal, contar com pessoas rocabana de Cândido Mota), que possui tre 10 e 30 hectares, confirmando a pre-
preparadas para lidar com esses produ- cerca de 1.800 cooperados, sendo 70% dominância de pequenos produtores ru-
tos é fundamental e o treinamento de apli- pequenos produtores e 30% médios e rais no município. Apenas quatro agricul-
cadores é essencial. No entanto, a habilita- grandes produtores rurais. tores praticam a monocultura da cana-de-
ção vai além da capacitação, porque im- Os dados foram obtidos por meio de açúcar, sendo que os demais cultivam
plica profissionalização, com a respectiva questionário com 40 perguntas simples e duas ou mais lavouras. Milho é o produto
necessidade de investimentos na organi- objetivas, com respostas diretas e de fá- mais cultivado. Todos os entrevistados
zação de programas de formação, habilita- cil entendimento. Foram analisados as- praticam a agricultura há pelo menos uma
ção, reciclagem, fiscalização e controle pectos como: escolaridade, faixa etária, década, sendo que 19 entrevistados inici-
profissional e de toda uma estrutura para tempo de profissão e principalmente as- aram a prática antes de completar 18 anos
esse fim. Por isso, a vinculação com a res- pectos relacionados ao comportamento de idade, e alguns nasceram e viveram no
trição de uso dos agrotóxicos de maior do trabalho com agrotóxicos. A pesquisa meio agrícola.
risco é o que melhor justifica a necessi- de campo foi realizada no período de 28
dade de um aplicador certificado como o de agosto a 10 de outubro de 2011. DADOS
profissional habilitado. Todos os entrevistados são do sexo Dos 30 entrevistados, 11 possuem mais
SETEMBRO / 2012 REVISTA PROTEÇÃO 83
7. SEGURANÇA TOXICOLÓGICA
cos, enquanto 12 (40%) utilizam o EPI de zo de reentrada bem como o período de
acordo com a atividade específica de apli- carência. Quanto ao odor dos produtos,
cação. 24 (80%) consideram muito incômodo,
A limpeza e a descontaminação do EPI enquanto seis (20%) dizem não sentir in-
são realizadas por 19 indivíduos (63%) e cômodo. Dez pessoas (33%) relataram
não realizadas por 11 (37%). Vários agri- que sentem ou já sentiram algum tipo de
cultores alegaram não usar o EPI por tra- mal-estar durante ou após as aplicações
balharem em tratores equipados com cabi- e 20 pessoas (67%) afirmaram nunca ter
nes e sistema de ar condicionado, ou em sentido nada; sendo que somente três
pulverizadores automotrizes dotados des- agricultores (10%) admitiram ter se in-
se sistema. No entanto, deve-se observar toxicado pelo menos uma vez. Apenas um
que a qualquer momento que este trabalha- agricultor procurou assistência médica.
dor tenha que sair da cabine irá deparar-se Mais da metade dos agricultores (16)
com o ambiente contaminado. Portanto, relatam reaplicar as sobras dos produtos
seria conveniente estar usando o EPI. geralmente nas bordaduras das áreas que
Dez trabalhadores admitiram já ter so- estão sendo tratadas e uma parcela de 12
frido algum acidente de trabalho com agricultores afirma que não há sobras,
de um equipamento de pulverização. Ape- agrotóxicos, seja com o produto químico sendo que a quantidade preparada é sem-
nas um possui somente o pulverizador propriamente dito ou com os equipamen- pre exata. Contudo dois agricultores, de
costal e outro não possui sequer um pul- tos utilizados na aplicação. Cinco (16,67%) maneira errada, deixam a calda que so-
verizador próprio. Quanto à realização de afirmaram que não se sentem preparados bra no pulverizador para aproveitá-la na
manutenção periódica nos equipamentos e seguros para realizar a atividade de apli- próxima aplicação. Três agricultores (10%)
de pulverização, 24 (40%) realizam, en- cação de agrotóxicos. não fazem a leitura do receituário agro-
quanto seis (20%) não realizam. nômico, da bula e do rótulo da embalagem
Quanto à orientação para realizar a apli- EXPOSTOS do agrotóxico antes de iniciar a aplicação,
cação dos agrotóxicos, 22 agricultores Todos os entrevistados dizem estar ci- sendo que 27 agricultores (90%) realizam.
seguem as orientações de um profissio- entes sobre os riscos causados à saúde e Eles afirmam, de modo geral, que o moti-
nal habilitado e oito não seguem nenhu- ao meio ambiente que os agrotóxicos po- vo da leitura é para maior conhecimento
ma orientação. Entre os entrevistados, 23 dem proporcionar. Pelo menos 19 pesso- e orientação a respeito do produto, da do-
pessoas (76,76%) realizam planejamen- as (63%) dizem tomar banho, trocar de se, das recomendações do fabricante e do
to antes de iniciarem as atividades de apli- roupa e providenciar a lavagem da vesti- uso correto. Esta mesma porcentagem de
cação de agrotóxicos, enquanto que sete menta contaminada logo após a operação entrevistados diz saber o significado das
pessoas (23,33%) não realizam nenhum e 11 pessoas (37%) afirmam que não fa- cores das embalagens (faixas) e dos picto-
planejamento. Referente à participação zem este procedimento de imediato (ape- gramas nelas existentes.
em algum curso ou treinamento sobre uso nas no final do dia de trabalho). Verificou-se que 28 agricultores (93%)
correto de EPI, 21 já participaram en- Observou-se que 26 entrevistados (87%) fazem uso somente de produtos registra-
quanto nove nunca participaram. No caso usam somente a dose do produto reco- dos no Ministério da Agricultura, Pecuá-
de curso ou treinamento para operação e mendada e quatro (13%) não seguem as ria e Abastecimento e de uso permitido
manutenção de pulverizadores, 18 dizem recomendações descritas. Além disso, 24 no Estado; comercializado por empresas
já terem participado, enquanto 12 nunca agricultores (80%) seguem as orientações idôneas, com emissão de nota fiscal e re-
participaram. de profissional habilitado para realizar a ceituário agronômico. Porém, 11 agricul-
Os Equipamentos de Proteção Indivi- mistura dos produtos e respeitam o pra- tores (37%) afirmam já ter feito uso de
dual são utilizados por 18 pessoas e não zo de reentrada na área tratada e o perío- produtos de procedência desconhecida ou
são utilizados por 12 pessoas. Para 26 do de carência, enquanto que seis pesso- duvidosa, sem a emissão de nota fiscal e
pessoas (87%) o uso é desconfortável, as (20%) realizam a mistura de produtos do receituário agronômico.
sendo que apenas quatro pessoas (13%) por conta própria e não respeitam o pra-
acham o seu uso confortável. Nos questio- CONSIDERAÇÕES
nários, 23 (77%) dizem saber utilizar os O simples fornecimento dos EPIs não
EPIs e 7 (23%) afirmam que não sabem garante a proteção da saúde do trabalha-
utilizá-los. Sendo que 27 indivíduos (90%) dor e nem evita as contaminações. Incor-
consideram o uso realmente necessário e retamente utilizados, os EPIs podem com-
sua aquisição relativamente fácil, sendo prometer ainda mais a Segurança do Tra-
seu custo-benefício bom. Contudo, três balhador. O desenvolvimento da percep-
indivíduos (10%) consideram o uso desne- ção do risco aliado a um conjunto de in-
cessário e a aquisição não muito fácil (pela formações e regras básicas de segurança
dificuldade de encontrar tamanhos maio- são as ferramentas mais importantes para
res). Na entrevista, 18 trabalhadores evitar a exposição e assegurar o sucesso
(60%) usam sempre o mesmo EPI para das medidas individuais de proteção à
todas as atividades com o uso de agrotóxi- saúde do trabalhador.
84 REVISTA PROTEÇÃO SETEMBRO / 2012
8. do de forma criteriosa à legislação vigen-
O uso correto dos EPIs é um tema que te acerca dos agrotóxicos para que real-
exige constante atualização dos profissi- mente todos possam se beneficiar, com
onais que atuam na área de ciências agrá- segurança toxicológica e ambiental.
rias através de treinamentos e do acesso De acordo com as informações cedidas
a informações atualizadas, proporcionan- pela Coopermota, os agricultores mais
do a adoção de medidas cada vez mais e- antigos apresentam relutância ao uso de
conômicas e eficazes para proteger a saú- novas tecnologias, porém o departamen-
de dos trabalhadores, além de evitar pro- to técnico desempenha um importante
blemas trabalhistas. O profissional de SST papel na sua orientação. Em Palmital, há
tem papel fundamental nestas ações. De- a peculiaridade de a maioria dos trabalha-
ve desenvolver, elaborar e executar pro- dores rurais serem pequenos ou médios
jetos e programas que visem a redução, agricultores, trabalhando geralmente so-
eliminação ou controle dos agentes quími- zinhos ou em família. Por isso é necessá-
cos presentes no meio ambiente e nos lo- ria uma ação de conscientização para a-
cais de trabalho, prevenindo os acidentes. tender a NR 31 para sua própria seguran-
É de fundamental importância que o en- ça e saúde.
genheiro de Segurança do Trabalho e o Por fim, sugere-se três pontos conve-
engenheiro agrônomo atuem conjunta- nientes e estratégicos na tentativa de se
mente para a elaboração de planos de conseguir melhores resultados na recep-
ação eficazes a fim de evitar os problemas ção dos agricultores ao entendimento do
com os agrotóxicos. tema. O primeiro consiste na mobilização
O receituário agronômico deveria ser do Sindicado Patronal Rural, Sindicato
reconsiderado, deixando de ser apenas dos Trabalhadores Rurais, Secretaria de
um instrumento de comercialização de Defesa Agropecuária do município, esco-
produtos agrotóxicos. A emissão desse la de cursos técnicos (Etec Professor Má-
documento deveria ser feita apenas a tra- rio Antônio Verza – curso de Agronegó-
balhadores rurais capacitados a realizar cios), Coopermota e demais empresas do
as aplicações, e as vendas de balcão po- setor agrícola para desenvolvimento de
deriam ser banidas. Conforme estabelece um estudo mais aprofundado do tema, e
o código de ética profissional, o agrônomo em seguida criar uma estratégia de divul-
ao receitar o agrotóxico deveria analisar gação, conscientização e orientação na co-
o local de aplicação e as condições do e- munidade rural. O segundo ponto é pro-
quipamento e, principalmente, ter certe- mover um extensionismo rural, divulgan-
za acerca da capacitação do trabalhador do conceitos de prevenção de acidentes
rural para o desenvolvimento da ativida- e controle de riscos no trabalho com agro-
de. No entanto, percebe-se que infeliz- tóxicos, abordando questões de seguran-
mente muitas empresas privadas ofere- ça do trabalho rural. E, finalmente, o ter-
cem assistência técnica com caráter mais ceiro é aprimorar os cursos e treinamen-
comercial do que educativo. Deste modo, tos, para que não enfoquem apenas o uso
os profissionais abrem mão da ética em correto e seguro dos EPIs e dos agrotóxi-
troca da estabilidade de emprego. cos, mas que desenvolvam a percepção
de risco dos agricultores.
APONTAMENTOS
APONTAMENTOS
São necessárias ações governamentais
e das entidades de classe dos profissio-
nais para reverter esta situação. Atenden-
SETEMBRO / 2012 REVISTA PROTEÇÃO 85