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5 de Outubro de 1910 Ou um equívoco chamado República
O século XIX português A primeira metade do século XIX vai ser marcada pelas invasões francesas e a fuga da família real para o Brasil 1801-02 – Recenseamento geral da população. Portugal (Metrópole) conta 2 951 930 habitantes 1807 – 17 de Novembro  - Junot à frente de um exército invade Portugal. Pilhagem do ouro e prata das igrejas. 1807 – 29 de Novembro – A Corte embarca para o Rio de Janeiro 1808 – 22 de Janeiro – Por pressão da Inglaterra declaram-se abertos os portos brasileiros ao comércio internacional 1809 – Março – Segunda invasão francesa de 30 000 homens comandada pelo marechal Soult. 1809 – 29 de Março. Porto, desastre da ponte das barcas. Morrem cerca de 4 000 pessoas. 1809 – Portugal ocupa a Guiana Francesa.
Desastre da ponte das barcas, em reprodução coeva Alminhas na Ribeira do Porto em memória das vítimas (Bronze de Teixeira Lopes)
O século XIX português 1810 – Assinatura, entre Portugal e Inglaterra, dos tratados de Comércio e Amizade e de Aliança e Navegação 1810 – Junho – Terceira invasão, comandada pelo marechal Massena, com um exército de 80 000 homens. Irá ser particularmente destrutiva e sanguinária. 1815 – É publicada a carta de lei que cria o Reino Unido de Portugal, Brasil e  Algarves. O Brasil ascende à condição de Reino.  1820 – 24 de Agosto. Pronunciamento militar no Porto e criação da Junta Provisional do Governo Supremo do Reino. 1820 – 15 de Setembro. Lisboa adere ao movimento liberal do Porto. A Junta de Governo entra no Rossio em Outubro de 1820
Pavilhão do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves Antigo pelourinho ostentando as armas do Reino Unido (Ponte de Lima)
O século XIX português 1821 – As Cortes exigem o regresso de D. João VI a Portugal além de pretenderem  anular os privilégios concedidos ao Brasil, precipitando, assim, a sua independência. 1822 – 7 de Setembro. O Brasil rebela-se contra Lisboa e proclama o Império. O primogénito de D. João VI, D. Pedro, torna-se Imperador do Brasil. 1825 – 15 de Novembro. Portugal reconhece a independência do Brasil 1851 – 29 de Abril. Saldanhada levada a cabo a partir do Porto e preparada com a colaboração de Alexandre Herculano, que, no entanto, pouco depois passará à oposição. Início da Regeneração.  Para trás ficam quase trinta anos de violência, banditismo, assassínios, extursões, guerras civis, revoltas populares, pronunciamentos, golpes palacianos, anarquia total de ideias e violência ideológica que conduziam o país à autodestruição.
Bernardo de Sá Nogueira de Figueiredo, Marquês de Sá da Bandeira (1795-1876). Alexandre Herculano chamou-lhe “moderno Bayard”, le  chevalier sans peur et sans reproche, e “o português mais notável do seu século”. “Inteligência recta e carácter forte, a humanidade era a sua religião, o dever a sua moral, a monarquia o seu princípio, a espada o seu amor, o povo o seu dilecto”(Oliveira Martins). Visionário, queria criar em África um novo Brasil: viagens no sertão, desenvolvimento da agricultura e extracção mineira, abolição da escravatura, expansão da navegação.  João Carlos Gregório Domingos Vicente Francisco de Saldanha Oliveira e Daun, Marechal Duque de Saldanha (1790-1876). Valente, bem apessoado, profusamente decorado, fazia o tipo perfeito nas embaixadas estrangeiras. Ascensão fulgurante no exército: capitão aos 15 anos, major aos 18, tenente-coronel aos 23 e general aos 27. Versátil, ora apoiava um partido ora apoiava outro, reflectindo assim o seu espírito aventureiro de “Cid português”, como lhe chamou Oliveira Martins.  Dizia poder ser um bom Chefe de Estado de um qualquer país.
A Decadência Económica – Estatísticas do Comércio Milhares de contos anos Abertura dos portos brasileiros Tratado de 1810 Perda do Brasil (Oliveira Martins)
A Decadência Económica A agricultura sofre um rude golpe com a extinção das ordens religiosas masculinas e abolição dos  conventos, decreto defendido somente por Joaquim António de Aguiar, contra a opinião geral do Conselho de Ministros, e imposto por D. Pedro IV Sucedia o que sucedera no tempo dos Godos: uma  expropriação dos vencidos pelos vencedores, salvo a  franqueza da confissão, outrora manifesta sem rebuço,  agora encoberta sob fórmulas e sofismas de legalidade  liberal (Oliveira Martins). As tentativas industriais manufactureiras do Marquês de Pombal não tinham vingado e o tratado de 1810, dando preferência às  mercadorias inglesas, com taxas alfandegárias de 15% em vez  dos normais 30%, faziam terrível concorrência aos produtos nacionais. A perda do Brasil e do seu comércio lucrativo e a desordem que se tinha instalado no País traduziam-se em uma situação  económica muito difícil. Mosteiro e igreja de Tibães
A Decadência Económica Os frades, espoliados das propriedades feitas por suas mãos,  mendigam miseráveis pelos caminhos. Herculano, um dos liberais, mas verdadeiro sempre,  penitencia-se desse ultraje: “Pão para a velhice desgraçada! Pão para metade dos nossos sábios, dos nossos homens virtuosos, do nosso sacerdócio! Pão para os que foram vítimas das crenças, minhas, vossas, do século, e que morrem de fome e frio!” Alexandre Herculano, Os egressos, 1842 A situação financeira, reflexo da económica, piora constantemente. Requerem-se empréstimos para pagar empréstimos, e o pouco que vem efectivamente para o país destina-se a assalariar tropas e fazer a guerra. Sucedem-se as bancarrotas do Tesouro. [Se] compararmos o total (da dívida) com a dívida de 28, veremos que a Liberdade e os seus ensaios custaram ao Tesouro 58 500 contos, afora os bens nacionais vendidos ou queimados, sem com isso melhorar a situação económica do Reino…. E para quê? Para ensaiar sistemas, matar gente com revoltas e pauperizar cada vez mais o Reino. (Oliveira Martins)
A Regeneração 30 de Agosto de 1852 – além dos ministérios tradicionais, Presidência do Conselho, Reino,  Estrangeiros, Guerra, Marinha, Justiça e Fazenda é criado um novo – o Ministério das Obras Públicas,  Comércio e Indústria, integrando uma Secretaria-Geral,  a Direcção das Minas e Obras Públicas, a da Agricultura,  Comércio e Manufacturas e a Repartição de  Contabilidade. Vai iniciar-se a época do fomento e dos melhoramentos que ficará conhecida como Fontismo, do nome do seu primeiro titular, maior impulsionador, e futuro Presidente do Conselho António Maria de Fontes Pereira de Melo, que irá suceder a Rodrigo da Fonseca Magalhães na presidência do Partido Regenerador. Fontes Pereira de Melo 1819-1887
1852 – Bancarrota do Tesouro. Fontes redefine a  natureza da dívida pública que passa de amortizável, isto é, pagável, durante o período da sua vigência, a  fundada, ou seja, eterna. A dívida não se paga, rende juros aos portadores de títulos da mesma. (Falta, naturalmente, convencer os credores). No seguimento daquilo que vem sendo feito nos países europeus, que iniciam agora a sua industrialização, França, Alemanha, o Governo considera prioritário o estabelecimento de uma rede ferroviária, ligações a Badajoz, linha do Norte Porto-Lisboa, a melhoria da rede rodoviária e a construção dos portos artificiais de Lisboa, Funchal e Leixões. Inauguração da primeira linha  ferroviária, em 28 de Outubro de 1856,  por Roque Gameiro Com esse fim, Fontes, em Londres e Paris, tenta persuadir  os banqueiros a conceder os almejados empréstimos.
Os seus partidários, aparte as virtudes cívicas e pessoais que ninguém lhe contesta, atribuem-lhe todos os caminhos-de-ferro, todas as estradas, todos os canais, todos os majores, todas as represas, todas as pontes, todos os tenentes, todos os viadutos e todos os alferes de que hoje estão cortados o solo e a sociedade portuguesa, não concedendo sequer à iniciativa dos seus contrários nem um palmo de estrada nem uma polegada de  sargento. João Rialto (Guilherme de Azevedo) in Álbum das Glórias (Desenho de Rafael Bordalo Pinheiro) No entanto, enquanto na Alemanha, os caminhos-de- ferro permitem ligar as jazidas hulhíferas do Sarre e da Silésia aos centros siderúrgicos do Ruhr, e transportar para os portos do Mar do Norte a produção agrícola e industrial do país, em Portugal, sem minérios e carvão, as obras públicas, não obstante necessárias, irão acarretar o agravamento da dívida pública e a sucessão interminável de orçamentos deficitários.
Dólares EU de 1960 A. Nunes N. Valério E. Mata Evolução do PNB per capita, que, de 1850 a 1890, teve um crescimento acentuado. A melhoria das condições sociais pode ser apreciada pelas opiniões de dois estrangeiros que nos visitaram, em 1842, o Príncipe Felix Lichnowsky, e em 1866, o escritor Hans Christian Andersen “Por todas as descrições de Lisboa com que deparei, formara para mim próprio uma imagem desta cidade mas a realidade foi bem outra, mais luminosa e bela. Fui obrigado a exclamar: - onde estão as ruas sujas que vira descritas, as carcaças abandonadas, os cães ferozes e as figuras de miseráveis das possessões africanas que, de barbas brancas e pele tisnada, com nauseantes doenças, por aqui se deviam arrastar?” H. Ch. Andersen, Uma visita em Portugal em 1866
Alexandre Herculano a Oliveira Martins A liberdade humana sei o que é: uma verdade da consciência, como Deus. Sei que a esfera dos meus actos livres só tem por limites naturais a esfera dos  actos livres dos outros e por limites factícios restrições a que me convém submeter-me para a sociedade existir  e para eu achar nela a garantia do exercício das minhas outras liberdades. Todas as instituições que não respeitarem estas ideias serão pelo menos viciosas. Absolutamente falando , o complexo das questões sociais e políticas contém-se na questão da liberdade individual. Mantenham-me esta, que pouco me incomoda que outrem se  assente num trono, numa poltrona ou numa tripeça. Que as  leis se afiram pelos princípios do bom e do justo, e não  perguntarei se estão acordes ou não com a vontade de maiorias  ignaras. Alexandre Herculano 1810-1877 O Português de lei
Crítica do Liberalismo ao Socialismo O socialista vê  no indivíduo a coisa da sociedade: o liberal vê na sociedade a coisa do indivíduo. Fim para o socialista, ela não é para o liberal senão um meio; criação do indivíduo que a precedeu, que lhe estampou o seu selo; porque faça ela o que fizer, nunca poderá manifestar a sua existência e a sua acção senão por actos individuais, unidos ou separados. Carta de A. Herculano a Oliveira Martins, Fev. de 1877 Crítica do Socialismo ao Liberalismo Ora enquanto a Nação prescindir de cérebro, isto é  de Estado, manter-se-á acéfala; enquanto o Estado não tiver como pensamento a igualdade […]: a democracia será uma quimera […]. À sombra de uma liberdade sempre crescente, dia a dia, com o crescer da riqueza irá crescendo a cisão dos pobres e dos ricos, em virtude dessa lei simples que dá a vitória a quem mais pode (Oliveira Martins, Portugal Contemporâneo, 1881)
Teófilo Braga – natural dos Açores, como Antero de Quental e Manuel de Arriaga. Despoletou a Questão Coimbrã. Trabalhador, esforçado, mas de espírito  estreito e sectário, e carácter dúbio. De Feliciano de Castilho disse dever a sua fama à infelicidade de ser cego. José Bruno Carreiro demonstrou que a obra  A Mocidade de Teófilo, repositório de cartas de Teófilo ao seu protector Francisco Mª Supico, é “uma fraude sem precedentes na literatura portuguesa”. Muitas das cartas foram forjadas sem conhecimento  do destinatário, entretanto falecido. Quando da morte de Miguel Bombarda, Teófilo Braga, com aquela falta de senso político  que tanto irritava os seus pares no governo provisório, afirmava positivamente, sem  qualquer fundamento, em entrevista a Joaquim Leitão, que a morte do psiquiatra era obra  dos clericais, contribuindo assim , voluntariamente, para forjar uma mentira e fabricar um  mártir da República. Teófilo Braga 1843-1924
Defendeu a tese de que a História de Portugal consistia na dominação de uma raça oprimida, os moçárabes, por uma raça opressora, os invasores visigodos. (Na República Fascista de Cromwell, como lhe chamou Bertrand Russell, os dominados eram os anglo-saxões e os opressores os normandos). Mas Herculano já demonstrara que os moçárabes não eram uma raça, mas sim a população cristã vivendo sob  domínio árabe. Essa dialéctica de opressores-oprimidos convinha à campanha republicana, que pretendia falar em nome do Povo, oprimido pela Corte e pelo Rei. Para Teófilo a analogia era simples: Povo = Moçárabes, Governantes  (Monarquia) = Visigodos. Foi o primeiro Presidente do Conselho do Governo saído do golpe do 5 de Outubro. As suas gaffes espectaculosas desacreditaram-no completamente.
Antero, que entrou em colisão com ele, chamava-lhe “o moçárabe bilioso”. No dia 1 de Agosto de 1872, o jornal O Primeiro de Janeiro, do Porto, publicava o seguinte anúncio de Antero de Quental: “Declaração – Constando-me que vários amigos do Sr. Teófilo Braga correm essas ruas do Porto, dizendo a quem os encontra que andam “à minha procura”, tenho a anunciar-lhes, para que não se incomodem muito, que me podem encontrar todas as tardes, das 5 às 7 horas, no café Águia d’ Ouro, aproveitando a  ocasião para lhes comunicar que já não estou absolutamente nada doente.” Desta manifestação de puro garbo há-de dizer Oliveira Martins: “É um homem!” O Café Águia d’Ouro, à Batalha, Porto
Na sequência das Conferências Democráticas do Casino Lisbonense, da Comuna de Paris e de contactos com membros da Associação Internacional dos Trabalhadores, cria-se a 14 de Janeiro  de 1872, em Lisboa, a Associação Fraternidade Operária, por  iniciativa de José Fontana e Antero de Quental. José (Giuseppe) Fontana 1840-1876 Antero de Quental (1842-1891) “Le petit Lassalle”, como a si mesmo se definia Antero dirige, ainda, o periódico “O Pensamento Social”, onde colaboram  José Fontana, Nobre França, Jaime Batalha  Reis, Oliveira Martins e Azedo Gneco,  e redige o ensaio “O Que é a Internacional” Jaime Batalha Reis 1847-1935
O pior que nos pode acontecer é sermos amanhã República. Antero de Quental, carta a Oliveira Martins, 2 de Julho de 1873 Creio que teremos a República em Portugal, mais ano menos ano: mas, francamente, não a desejo, a não ser num ponto de vista todo  pessoal, como espectáculo e ensino. Então é que havemos de ver  atufar-se uma nação em lama e asneira. Falam da Espanha com desdém – e há de quê –  mas eles, os briosos  portugueses, estão destinados a dar ao mundo um espectáculo  republicano ainda  mais curioso: Se a República Espanhola é de doidos, a nossa será de garotos. Quando nós virmos o Peniche e o Valada, e o Teófilo, e o Bonança ministros duma  revolução, compreenderemos tudo isto… Oliveira Martins 1845-1894 Antero de Quental, carta a João Lobo de Moura, 1873
Azedo Gneco, José Fontana, Nobre França, José Caetano da Silva,  Agostinho da Silva, José Tedeschi e António Joaquim de Oliveira fundam, a 10 de Janeiro de 1875, o Partido  Operário Socialista.  A comissão encarregada de elaborar o seu programa era constituída por  Antero de Quental, Nobre França, José Fontana, Silva Lisboa, Felizardo Lima, José Caetano da Silva e Azedo Gneco. Eudóxio Azedo Gneco 1849-1911 O Protesto Operário, fusão dos periódicos O Protesto, Lisboa, e O Operário, Porto,  órgão do Partido Operário Socialista (1º número – 5 de Março de 1882)
Em política tem-se dito que Ramalho Ortigão é republicano. Nada menos exacto. Ramalho, creio, teme a República, tal qual é tramada nos clubes amadores de Lisboa e Porto. A República, em verdade, feita primeiro pelos partidos constitucionais dissidentes, e refeita depois pelos partidos jacobinos, que, tendo vivido fora do poder e do seu maquinismo, a tomam como uma carreira, seria em Portugal uma balbúrdia  sanguinolenta. Eça de Queirós , carta a Joaquim de Araújo, 25 de Fevereiro de 1878 Ramalho Ortigão 1836-1915 […] molecularmente rebelde a todo o sectarismo, eu não posso ser senão muito moderadamente e muito condicionalmente monárquico, e não sou nem nunca fui  republicano, apesar de frequentemente me acusarem de prófugo e de renegado os  jornais desse partido, ligando a tal invectiva um tão grande desdouro do meu carácter  como se fosse para mim um opróbrio ter acamarado com eles. Ramalho Ortigão, A revolução de Outubro, Janeiro de 1911
Antero de Quental a Alberto Sampaio “Saberás que vim encontrar aqui a minha candidatura pelo círculo de  Alcântara, lançada  por uns centros  republicanos que não sei bem o que são. Hoje vieram uns oficiosos  falar-me nisso: declarei recusar  tal candidatura e ameacei-os com uma recusa pública nos jornais se insistissem. Espero que desistirão: aliás terei de me explicar pela imprensa.” (Carta de 10 de Outubro de 1878) … e a Oliveira Martins “Aqui pretendem uns centros republicanos soi-disant socialistas, apresentar a minha candidatura por Alcântara. Respondi que achava equívoca a expressão republicano-socialista, e como este equívoco me parece perigoso, só aceitaria a dita candidatura com o carácter exclusivamente  socialista, com toda a reserva da questão política e em completa isenção do movimento republicano actual. Antero de Quental 1842-1891
Não sei o que pensarão e dirão os republicanos. Talvez seja  uma  ocasião de me explicar sobre a delicada distinção entre socialistas e republicanos e de sair uma vez por todas de um  equívoco que me pesa.” “De notícias interessantes, dir-te-ei que o republicanismo  avulta de dia para dia. Mas que republicanos! É um partido de lojistas, capitaneado  por bacharéis pífios ou tontos. É quanto basta para se lhe  tirar o horóscopo. Duma tal república só há-de sair a anarquia  e a fome.” (Carta de 1 de Abril de 1880 a Alberto Sampaio) Alberto Sampaio 1841-1908 Quando os republicanos forem maioria tratarei eu de me fazer anti-republicano, porque sempre fui amigo de me achar em minoria. (Carta a João Lobo de Moura, 18 de Março de 1875)
Em 1879, Joaquim de Vasconcelos  apresentou na Sociedade de Geografia de Lisboa a  proposta para a comemoração  do Tricentenário da morte  de Camões. A celebração pretendeu-se Nacional. Da Comissão de Lisboa faziam parte: Rodrigues da Costa,  Eduardo Coelho, Sebastião  de Magalhães Lima,  Teófilo Braga, Ramalho  Ortigão, Jaime Batalha  Reis, Luciano Cordeiro e Rodrigo Afonso Pequito. Embora tivesse sido bem vincado o seu  carácter nacional, tal não impediu, porém, que os frutos do seu sucesso tenham sido colhidos, essencialmente, pelo republicanismo.  Revista O Ocidente, 1880
Famoso retrato dos cinco amigos tirado nos jardins do Palácio de Cristal do Porto. Eça, Oliveira Martins, Antero, Ramalho Ortigão e Guerra Junqueiro. Este, mais tarde, com o episódio do ultimato, far-se-ia republicano.
“A Velhice do Padre Eterno” foi um grande erro e custou-me imenso ver que o Junqueiro persistiu em o cometer. O Junqueiro é um admirável idílico e além disso em certos assuntos um poderoso satírico. Mas a Velhice é um sintoma de uma deplorável mania de profeta, que ameaça perdê-lo […]  Antero de Quental, Carta a C. Cirilo Machado, Setembro de 1885 No poema Finis Patriae,  publicado no ano do Ultimato, Junqueiro põe no quadro O Caçador Simão, os famosos  versos: “É alguém, é alguém que foi à caça.          Do caçador Simão!... “ Simão era o último nome de D. Carlos No fim da vida renegará A Velhice, amputará o poema Pátria e confessará nunca ter sido  Republicano. Guerra Junqueiro, desenho de Francisco Valença
Celebra-se em 1886, com a Alemanha, um convénio delimitando um extenso território reivindicado por Portugal, figurado a rosa numa carta anexa. O propósito é construir na África Meridional uma grande possessão ligando Angola à contracosta, que viesse substituir o Brasil – era o mapa cor-de-rosa. A Inglaterra, que tem em vista, por sua vez, a criação de um império na costa oriental de África, do Cabo a Alexandria, no Mediterrâneo, opõe-se às pretensões portuguesas.
O Ultimatum No dia 11 de Janeiro de 1890 é entregue ao Governo Português um memorando do Governo Inglês em que este faz um ultimato a Portugal. “O ultimatum, curto e seco, exigia que dentro de onze horas o Governo Português fizesse sair as suas tropas e as suas autoridades das regiões disputadas do Chire e de Masona. Se o Governo Português não acedesse, o representante da Inglaterra retiraria com o seu pessoal para bordo do aviso Enchantress, deixando toda a ulterior acção às esquadras inglesas reunidas em Lourenço Marques, Cabo Verde e Gibraltar. Foi durante horas uma pavorosa crise. O Conselho de Estado reunido – decidiu que se passasse sob a exigência de Lorde Salisbury, visto que a resistência importaria a ocupação de Moçambique e de Lourenço Marques… Portugal, nessa noite, perdeu dois consideráveis territórios de África. De manhã, o ministério caiu.” Eça de Queirós, O Ultimatum, Revista de Portugal, Fevereiro de 1890
O Ultimatum Um frémito de indignação varre o País. Os próprios particulares tomam atitudes da mais pura galhardia, como a Condessa de Resende, sogra de Eça de Queirós, que em sinal de desafrontamento devolve as  condecorações concedidas ao marido pelo  Governo Inglês. No Porto, forma-se, em fins de Janeiro, a Liga Patriótica do Norte cuja presidência é oferecida a Antero de Quental. Os republicanos usam a comoção do ultimato para atacar as instituições, e culpar a Monarquia e o jovem D. Carlos dos males do País. Junqueiro publica o Finis Patriae onde põe a ridículo a figura do Rei. Proclamação patriótica, Porto, Janeiro de 1890
O Ultimatum Alfredo Keil compõe, nos moldes da  Marselhesa, e com letra de Henrique Lopes de Mendonça,um canto patriótico para um espectáculo teatral, na sequência do ultimato, que logo se populariza.  Escarrador e penico com a forma de John Bull, caricatura da Inglaterra. (Cerâmica de Rafael Bordalo Pinheiro)
O Partido Republicano em Portugal nunca apresentou um programa, nem verdadeiramente tem um programa. Mais ainda, nem o pode ter: porque todas as reformas que, como Partido Republicano, lhe cumpriria reclamar já foram realizadas pelo liberalismo monárquico. Uma outra causa exterior que veio concorrer para o engrossamento do Partido Republicano foi a revolução do Brasil. A revolução do Brasil, tranquilizando os ordeiros, excitando os ambiciosos e dando confiança a todos pela esperança de apoio e recursos positivos – foi um golpe que das instituições brasileiras repercutiu indirectamente sobre as nossas instituições. 15 de Maio de 1887 – D. Pedro II do Brasil abole a escravatura. Os grandes fazendeiros, lesados, patrocinam um golpe de Estado. A 15 de Novembro de 1889, o marechal Deodoro da Fonseca derruba o Imperador e proclama a República. Eça de Queirós, Novos Factores da Política Portuguesa, Revista de Portugal, Abril 1890
Não menor acção estimuladora trouxe aos nossos republicanos a consolidação da  República em França…  A França, pelo simples facto de ser República e como tal prosperar, é hoje o mais poderoso instrumento de propaganda republicana entre os povos latinos.  Não se reflecte bastante que às qualidades da sua raça, não à forma das suas instituições, deve ela a sua prosperidade; e que a Exposição seria tão brilhante sob o reinado de Filipe V, como foi sob a presidência de Carnot. Eça de Queirós, Novos Factores da Política Portuguesa, Revista de Portugal, Abril 1890 Exposição Universal de Paris  de 1889, sob a Presidência de Sadi Carnot, filho do célebre físico. Carnot seria assassinado por um anarquista.
Em geral desde que o regime constituído, para se manter, necessita o apoio de uma força disciplinada e quando, por outro lado, existe um partido de revolução que não pode tirar dos seus próprios elementos populares os meios precisos de acção e só poderia triunfar pelo auxílio duma força indisciplinada – o exército  torna-se necessariamente o ponto para onde convergem todas as esperanças e o elemento de êxito com que contam todos os  interesses políticos. … como dizia ultimamente um oficial superior, “o exército está sendo requestado como uma menina rica”. Ora o facto incontestável (e que seria antipatriótico disfarçar) é que o Partido Republicano procura atrair o exército, e que,  forçado a defender-se, o regime constituído apela por seu turno para o concurso leal do exército, decerto inabalável na sua lealdade. Eça de Queirós 1845-1900 Eça de Queirós, Novos Factores da Política Portuguesa, Revista de Portugal, Abril 1890
Dirão (e dizem) os optimistas que o exército em Portugal nunca sairá da sua devida submissão ao poder civil. Assim o supomos. Mas nunca se deve basear um sistema de acção política no optimismo, na hipotética perfeição dos homens e das coisas e em frases. O exército não é composto de entidades abstractas e impessoais como princípios: é composto de  homens de carne e osso, susceptíveis de todas as  fraquezas e de todas as tentações humanas. Querer sistematicamente afastar esta suposição, declarando que “tal é impossível, que nunca se dará na nossa terra, etc.”, é fazer acto de imprevidência ou de ingenuidade, ambas culpadas. O homem de Estado digno desse nome deve tudo prever, tudo calcular – e ter sempre presente que os homens são homens, e não anjos, abstracções ou princípios encarnados. D. Carlos passando revista às tropas, Carlos Reis, 1904 Eça de Queirós, Novos Factores da Política Portuguesa, Revista de Portugal, Abril 1890
O Partido Republicano realiza o seu Congresso, no  Porto, entre 5 e 7 de Janeiro de 1891. O programa é  elaborado por Bernardino Pinheiro, Azevedo e Silva, Francisco Homem Cristo, Jacinto  Nunes, Manuel de Arriaga e Teófilo Braga. “E sem desejar ser descorteses para com personalidades somos forçados a constatar que os actuais chefes republicanos , como tais, como chefes, fazem sorrir toda a parte séria da nação. Mas ainda mesmo sem direcção, ou com uma direcção impotente por incompetente, o Partido Republicano existe, exibe-se, fala, escreve, vota […] […] a República não pode deixar de inquietar o espírito de todos os patriotas. Ela seria a confusão, a anarquia, a bancarrota.” Francisco Homem Cristo 1860-1943 Eça de Queirós, Novos Factores da Política Portuguesa, Revista de Portugal, Abril 1890 Manuel de Arriaga 1840-1917
O Congresso  do Porto do Partido Republicano é uma  convenção essencialmente anti-Elias Garcia, um dos  “republicanos  do orçamento”, e a vitória da linha dura do partido. Mas Garcia vai retaliar  animando uma conspiração na  mesma cidade, chefiada pela mação Alves da Veiga e  um jornalista de escândalos, Henrique Santos Cardoso. “Os sargentos, […] esta tão poderosa e temível classe na Espanha […]” FelixLichnowsky, Portugal. Recordações do ano 1842 José Elias Garcia 1830-1891 Entre algum patriotismo jacobino , os sargentos sentiam-se sobretudo lesados pela  lei de 17 de Janeiro de 1891 que dificultava a sua promoção a oficiais. Não foi difícil,  pois, orientar este descontentamento. (Os militares quando se prestam a reivindicações têm um argumento que falta aos cantoneiros da câmara, aos assentadores de via, e em geral aos trabalhadores doutros  ofícios: têm espingardas e canhões, o que, num processo negocial, constitui argumento  de considerável peso).
31 de Janeiro de 1891, Sábado. Cerca das 3 da manhã, os sargentos conjurados arrastam para o Campo de Sto.  Ovídio cerca de metade dos soldados da guarnição do Porto, à volta de 800 homens. Aí se encontra Infantaria 18, onde esperam encontrar oficiais para os comandar. Não há.  Apenas podem contar com o capitão António do Amaral Leitão, o tenente Manuel Maria  Coelho e o alferes Augusto Rodolfo da Costa Malheiro. Quando grassava a descrença no seio dos militares surgem estudantes dando vivas à  República. A procissão desce a rua do Almada, com charanga à frente, em direcção à praça  de D. Pedro. A Câmara é invadida e Santos Cardoso arvora uma bandeira. O actor Miguel Verdial, da varanda, apresenta o novo governo. Os “irmãos” da loja maçónica Grémio Independente tinham proclamado a República. São 7 da Manhã. Os oficiais decidem então subir a rua de StºAntónio, aparentemente para ocupar o  posto de Correios e Telégrafo. No cimo, acantonada no adro da Igreja de Stº Ildefonso, está postada a Guarda Municipal. 400 municipais vão derrotar uma força de 800 militares do exército. Os que se entrincheiram na Câmara são desalojados por artilheiros da Serra do Pilar. Há 10 mortos, 5 militares e 5 civis. Às 11 horas, tudo termina. O Partido Republicano não interveio na conjura. Tudo foi feito à margem do Directório.
Santos Cardoso arvora uma bandeira republicana nos Paços do Concelho do Porto
O 31 de Janeiro Na véspera, Alves da Veiga tinha vaticinado: “vai ser desastroso”, e João Chagas, que se entregara à prisão uns dias antes,  dirá humoristicamente, “não foi um erro político,  mas um erro de gramática”. No Conselho de Guerra o capitão Leitão cobre-se de ridículo: pensava que a Guarda Municipal estivesse segura, que o comandante de Artilharia 18 saísse para os comandar, até o ataque tinha sido uma surpresa. Simplório, achava natural que os outros tivessem obrigação de os apoiar. O grande Santos Cardoso negou tudo, denunciou toda a gente e jurou que se vira implicado “por não poder ser superior à minha curiosidade”. E é tudo. Denunciou, em particular,  Homem Cristo como sendo o fornecedor de armas à revolta. O Século trazia a história do capitão Leitão, de joelhos, a pedir perdão aos filhinhos por ter arruinado a carreira. Alves da Veiga foi irradiado da Maçonaria e a imprensa considerou tudo aquilo obra de desmiolados. As mais destacadas figuras do republicanismo, incluindo o directório  do partido,  condenaram o golpe como uma aventura mais ou menos irresponsável.
O 31 de Janeiro De Paris, Eça escreve: Por  aqui, a opinião geral é que esse é o começo da débâcle. O governo ainda poderia afastar a hora má por algum tempo, se aproveitasse a ocasião para desorganizar inteiramente, à maneira sumária do excelente Constans, o partido republicano. Mas como naturalmente há-de tomar apenas umas meias-medidas, inspiradas por uma meia-coragem, e executadas com uma meia-prontidão, é natural que o caso do Porto seja um lever de rideau[…] e que o partido republicano […] prepare para breve o drama sério. Carta a Oliveira Martins, 5 de Fevereiro de 1891 Em Elias Garcia, que todos sabiam comprometido, não se tocou. Quase todos os detidos rejeitaram responsabilidades, tendo  as sentenças sido  encaradas como simples pretexto para futuros perdões e  amnistias. Em resposta a uma carta dirigida ao Rei pela Câmara do Porto, culpando os acontecimentos pela “doçura dos nossos costumes”, D. Carlos pede desculpa aos Portugueses pois “ainda não pude mostrar toda a minha dedicação pela nossa pátria […] devido ao pouco tempo da minha vida de rei”.
Os acontecimentos dos anos 1890-91 vão resultar na derrota e desmembramento do Partido Republicano, relegado para aquilo que sempre tinha sido, e que era servir de muleta aos partidos constitucionais nas guerras e  intrigas que entre si dirimiam, e, de quando em vez, para pressionar uma decisão, tentar assustar o Rei esbracejando  o espantalho da República. José Rodrigues de Freitas 1840-1896 Rodrigues de Freitas, um histórico republicano do Porto, chegou mesmo a dizer em público, solenemente, que no dia em que o Partido Republicano tomasse o poder deixaria  Portugal (o que nos remete de imediato para a famosa anedota de Groucho Marx). O comportamento dos emigrados do 31 de Janeiro era, por outro lado, do mais deplorável,  acusando-se todos uns aos outros de terem roubado o dinheiro da revolução. Entre 1891 e 1905 “ o Partido Republicano foi um valor nulo, inteiramente nulo, na política portuguesa. Inteiramente nulo. Ninguém fez caso dele”. Só em 1905 reaparecera “quando as dificuldades criadas pelos monárquicos, e não pelos republicanos, tornaram possível a sua especulação”. Francisco Homem Cristo, Povo de Aveiro, 7 de Fevereiro de 1909
A revolução vinda de cima A 5 de Junho de 1891, José Falcão escreve: “O Partido Republicano supõe que só há um remédio, e este remédio há-de vir da revolução. Ou a revolução feita pelo  Rei, ou a revolução feita pelo Povo… Quer o Sr. D. Carlos colocar-se à frente do movimento? A empresa é de tentar; […]” “[…] se a Monarquia nos pode salvar, faça-o.” (José Falcão) José Falcão 1841-1893 Em Janeiro de 1894, João Chagas recrimina D. Carlos por não seguir o exemplo de outros soberanos: “Guilherme II [se] coloca(-se) à frente do movimento socialista alemão, Leopoldo II faz justiça às reivindicações do operário belga, e Francisco José promove na Áustria um movimento a favor do sufrágio universal, […]”
A revolução vinda de cima FundadordaAllgemeinerDeutscherArbeitervereinADAV (Associação Geral  Alemã dos Trabalhadores) que ao fundir-se com o Partido Operário Social-Democrata irá dar lugar ao SPD, SozialdemokratischeParteiDeutschlands, Partido Social-Democrata da  Alemanha. “(Lassalle) fascinava os contemporâneos, dentro e fora do seu país, por sua eloquência, tão comovida de sinceridade, tão ardente de juvenil e puríssimo entusiasmo. Fora um cometa, na altura, na pureza, no fulgor, na brevidade duma vida que teve num duelo brusco o romântico remate.” FerdinandLassalle 1825-1864 Hernâni Cidade, Antero de Quental, 2ª Ed., 1988 Lassale irá entabular uma correspondência secreta com o  Chanceler  Otto von Bismarck: para Bismarck trata-se de obter um contraponto à influência do poderoso Fortschrittspartei, o Partido do Progresso, e apoio dos trabalhadores às suas reformas sociais; para Lassalle é a  oportunidade do Socialismo ser construído dentro da e pela Monarquia, que permitisse a  realização daquilo que eram os seus mais elevados ideais: a edificação do Estado Ético.
A revolução vinda de cima Não é revolucionariamente, e duma hora para a outra, que uma tão vasta transformação, que abrange todas as relações dos homens na Sociedade, se pode efectuar, mas sim  evolutivamente, por meio de sucessivas transformações, por uma lenta preparação que evoque os homens para uma nova ordem  de coisas e torne possível, sem se passar pelo caos, o novo génesis social. Antero de Quental, O que é a Internacional, 1872 Antero retratado pelo visconde de Meneses Antero, ao jornal do Porto “O Trabalhador”, 6 de Janeiro de 1889 Cousa alguma grande e duradoira se fundou ainda no mundo, senão pela moral. E o se o Socialismo tem de ser uma esplêndida realidade, só a será como um passo mais no caminho da evolução moral das sociedades. “Audácia, audácia e sempre audácia!” – exclama Danton, no meio do tumulto dramático da Grande Revolução; nós, no meio da confusão de um vasto movimento de classes, no qual o elemento dramático é pouca coisa, mas enorme o peso das fatalidades económicas, diremos: moralidade,  moralidade e sempre moralidade!
A revolução vinda de cima O Cesarismo Em “História da República Romana”, 1885, que A. José Saraiva considera “uma das mais notáveis histórias romanas que se produziram na Europa”, Oliveira Martins escreve: “O conjunto  das reformas de César é a substituição de um regime autocrático,  de uma administração solícita e de um socialismo de Estado – ao  regime liberal da república, regime de anarquia semelhante ao  nosso de hoje, em que à sombra da liberdade medra e floresce  o capitalismo constituído em sistema […]” Caio Júlio César 100 – 44 a. C. Por outro lado, uma “revolução feita de cima”, uma concentração  de força na coroa (que a muitos espíritos superiores e que vêem claro se apresenta como a nossa salvação), […] não seria compreendida pela nação irremediavelmente impregnada de liberalismo e que nessa concentração de força só veria uma restauração do absolutismo e do poder pessoal. Eça de Queirós, Novos Factores da Política Portuguesa, Revista de Portugal, Abril 1890 Antero acabará por aderir a esta concepção de Martins de Socialismo de Estado ou  de Cátedra, apoiando vivamente a participação do seu amigo num eventual governo.
Oliveira Martins, no Parlamento: “O Socialismo é protector, sim, mas de todos os que sofrem, de todos os que necessitam, sejam operários ou sejam lavradores, sejam proletários ou pertençam a essas classes de pequenos capitalistas e negociantes, frequentemente mais necessitadas que muitos operários  fabris”. Francisco de Assis de Oliveira Martins, O Socialismo na Monarquia, 1944 Antero, por sua vez, não acredita na “acção benéfica dos partidos” nem nas “mudanças mágicas de cenário político, chamadas revoluções, feitas por muita cobiça em nome de muita ilusão”. Admite, pelo contrário, a possibilidade da salvação pela “reforma das instituições, e não só políticas como das sociais, coisa que pede sossego e não violência, reflexão e não paixão, muito boa fé e algum estudo”. O republicanismo sempre viu como panaceia dos nossos problemas a mudança de regime, ignorando, grosseiramente, o factor essencial que era a questão social.  Não se dava conta  de que havia, como refere Martins, tantas monarquias europeias onde, sem percalços  graves, e dentro das instituições, se tinha procedido a verdadeiras e assinaláveis reformas  da  sociedade.
Além de que, aspecto execrável, para os caracteres mais  sanguíneos do republicanismo, estaria sempre presente  o fascínio que a guilhotina e o Terror exerciam sobre a sua  imaginação.  No romance “A Capital”, Eça de Queirós evidencia essa  profunda divergência: “ - Este Clube (Democrático) não tem exclusivismos… - Mas tem divergências! […] Entre pessoas que aspiram apenas a substituir um rei constitucional por um presidente jacobino, que se indignam porque há viscondes, que fazem guerra à lista civil e outras pieguices – e entre nós, que queremos a evolução democrático-social na sua larga acção – há divergências muito graves. É conveniente evitar os equívocos. […] - Não queremos ser confundidos com os jacobinos!” “Um jacobino é um conservador incoerente com frases de demagogo” Antero de Quental, Aos eleitores do Círculo 98, 1880
Crise financeira   A conjugação de uma série de acontecimentos   vai provocar uma grave crise financeira no país: ,[object Object],  as relações comerciais entre os  dois países;  ,[object Object],  governo português e das  repúblicas sul-americanas, dificulta  a obtenção de novos     empréstimos; ,[object Object],  enviados pela colónia portuguesa aí residente; ,[object Object],  pagamentos internacionais; ,[object Object],  afectava notavelmente os negócios. O decreto de 9 de Julho de 1891 estabelece a inconvertibilidade da nota. As notas do Banco de Portugal deixam de poder ser resgatadas em ouro pago à vista do portador. Entra-se no regime do curso forçado.
Cotação média anual do câmbio de Lisboa sobre Londres (mil reis)  Paridade:  mil reis = 53 1/3 dinheiros O. Salazar, O ágio do ouro 1916 1 libra = 12 xelins = 240 dinheiros
Na mão de Deus Na mão de Deus, na sua mão direita, Descansou afinal meu coração. Do palácio encantado da Ilusão Desci a passo e passo a escada estreita. Como as flores, com que se enfeita A ignorância infantil, despojo vão, Depus do Ideal e da Paixão A forma transitória e imperfeita. Como criança, em lôbrega jornada,  Que a mãe leva ao colo agasalhada, E atravessa, sorrindo vagamente, Selvas, mares, areias do deserto… Dorme o teu sono, coração liberto, Dorme na mão de Deus eternamente. 11 de Setembro de 1891 Antero  soçobra às suas penas e dúvidas e suicida-se em Ponta Delgada com dois tiros de revólver
Oliveira Martins tem uma fugaz passagem pelo Governo, integrando um ministério presidido por José Dias Ferreira.  Martins não será feliz nessa experiência governamental como ministro da Fazenda (17 de Jan. – 27 de Maio de 1892). Em carta a Eça de Queirós, desabafa: “ José Maria do meu coração! Emergi da cloaca ministerial” Dias Ferreira 1837-1909 Nos princípios de 1894, Martins tem febres quase permanentes. Instala-se no antigo convento de Brancanes, à vista de Setúbal. Piora e volta a Lisboa. A 24 de Agosto de 1894 morre Joaquim Pedro de Oliveira Martins.  Despede-se: “Morro triste e não levo saudades do mundo”. “Peçam aos meus amigos que se lembrem de mim com saudade.” Na altura reunia elementos para o seu novo livro, O Príncipe Perfeito. Oliveira Martins 1845-1894
A Situação Económica Crescimento do PIB per capita D. Justino 1989 PIB per capita em percentagem da média  europeia R. Esteves 2000
“Para mim é fora de dúvida que Portugal nunca foi tão rico como está hoje, visto possuir uma indústria fabril quase completa. Se chega a produzir o pão necessário, terá desde logo equilibrado a sua balança comercial. O grande desenvolvimento industrial nestes últimos seis anos é testemunho bastante da energia nacional. Se o Oliveira Martins  pudesse ver este rejuvenescimento da riqueza nacional!” Alberto Sampaio, carta a Luís de Magalhães,  Dezembro de 1898 Luís de Magalhães 1859-1935 Com efeito, atingida a cotação mais baixa do  mil-réis, exactamente em 1898,  a sua ascensão sustentada é sintoma de uma  melhoria económica geral que se  repercutirá em 1906 quando a moeda alcançar  a paridade com a libra inglesa.
No verão de 1899 declara-se um surto de peste na Porto. O governo Progressista de José Luciano de Castro isola a cidade.  Os portuenses, furiosos, com a  conivência do chefe dos Regeneradores,  que aconselha os seus apoiantes a  votarem nos candidatos republicanos, elegem Afonso Costa, Paulo Falcão e Xavier Esteves. Jornal “A Paródia” de Rafael Bordalo Pinheiro Em Maio de 1902, um grupo de oficiais dirige uma mensagem a D. Carlos exigindo “um governo pessoal segundo o sistema prussiano”. Entre os autores da mensagem estavam “quase todos ou todos os oficiais republicanos, que sob a chefia de Carlos Cândido dos Reis, estavam conspirando contra o regime monárquico” (Homem Cristo) A recusa do Rei mereceu no Povo de Aveiro o comentário: “vossa majestade deu um exemplo de liberdade que deve envergonhar muitos dos seus súbditos”.
16 de Agosto de 1900. Morre em Paris José Maria Eça de Queirós. A febre intestinal de que  padecia talvez a tenha contraído em Havana ou no Médio Oriente quando aí se deslocou para assistir à inauguração do Canal do Suez. Eça de Queirós 1845-1900 “Minha querida Emília Continuo na mesma. Pouco bem.” Carta da Suíça, de 4 de Agosto de 1900, quando fazia tenções de se deslocar a Heidelberga para consultar um especialista que lhe tinha sido recomendado.
Bernardino Machado, ex-ministro, ex-grão-mestre da Maçonaria e futuro Presidente da República, sobre D. Carlos, na revista Instituto, de Coimbra, 1901, dois anos antes de aderir ao PRP “Raras vezes tão preciosos dons pessoais esmaltaram a coroa, como hoje em Portugal. O rei dá o exemplo de estudo, de gosto pelos prazeres intelectuais, naturalista e pintor apreciável, e até o exemplo do enrijamento físico que nos não  é menos necessário. Quase todos têm que aprender com ele a amar por igual os exercícios do espírito e do corpo, e a preparar-se assim cabalmente, por meio de uns e de outros, a bem servir a Nação. Modesto no trato íntimo, a sua palavra tem vibração, sonoridade e calor em meio das assembleias solenes.  Não fraquejando nunca nas situações difíceis, a sua coragem é simpática”. Bernardino Machado 1851-1944 Quando aderiu ao PRP, os novos correligionários começaram de imediato a bajulá-lo.  Em 1904 tinha sido citado nos jornais 3674 vezes, sendo considerado: luminoso talento 1145 vezes, grande talento 2338 vezes, génio 147, grandíssima alma 2491, patriarca 188, santo 299, carácter imaculado 3001, homem de probidade transcendente 138, inteligência de lucidez etérea 97, sábio 1647, patriota 2425, chefe de família modelo 2314, ilustre 75, casto 2 e pudico 5.
O primeiro governo de João Franco. “O embaixador inglês notou o facto de  todos os ministros serem homens abastados (havia mesmo dois banqueiros), o que lhe pareceu bom sinal, porque teriam menos razões para meter a mão no orçamento de Estado” (Rui Ramos) Entre os apoiantes de João Franco contam-se Ramalho Ortigão, Fialho de Almeida, um ex-republicano e, como há-de confessar mais tarde a Raul Proença, António Sérgio. Governo João Franco (Maio 1906 – Fevereiro 1908) De João Franco João Chagas reconhecia-lhe quatro qualidades: era rico, o que dava uma  caução à sua rigorosa honestidade, tinha uma fé ilimitada em si mesmo – exalava força, era  eloquente, tinha um programa de reformas dos costumes políticos. Homem Cristo em Junho de 1906: “Temo-nos fartado de pedir liberdades”, e agora que “João Franco prometeu, precisamente, a maior parte daquilo que os republicanos têm pedido”, “estamos com medo de João Franco nos tirar força e prestígio executando as suas promessas”.
Grande parte da legislatura é despendida pelo PRP a discutir a nacionalidade de DrieselSchroeter, filho de austríacos e  casado com uma senhora portuguesa, Presidente da  Associação Comercial de Lisboa e ministro da Fazenda. O partido de João Franco, Centro Regenerador-Liberal, tinha um grupo parlamentar que não bastava à manutenção do  Governo. Franco necessitava do apoio dos Progressistas de José  Luciano de Castro. Quando pretendeu fazer uma remodelação, chamando ao executivo três  membros desse partido, indicados por si, recebeu uma recusa. A D. Carlos restavam duas hipóteses: ou demitia João Franco ou dava-lhe a ditadura. Ernesto (Ernst) DrieselSchroeter 1850-1942 A ditadura, como era entendida no Liberalismo, significava somente que o Governo legislava por decreto, à margem do Parlamento, isto é, o Governo acumulava a função executiva com a legislativa. A ditadura já tinha sido pedida a D. Carlos quer pelo chefe regenerador Hintze Ribeiro, quer pelo chefe progressista Luciano de Castro. A questão agora é que temiam que o  objectivo fosse criar um partido novo, angariando dissidências e vontades, que conduzisse  a nova correlação de forças no espectro político, e isso não estavam dispostos a tolerar.
Em Março de 1907, a reprovação por unanimidade de um candidato a doutor, José Eugénio Dias Ferreira, filho de José Dias Ferreira, e que tinha aderido ao Partido Republicano em Janeiro, vai despoletar uma crise académica em todo o  País, atiçada pelos republicanos. No Parlamento, a táctica seguida pelos deputados do PRP é a de criar a confusão, dando livre expressão à insolência, de modo a serem expulsos, e com isso poderem apresentar-se como vítimas  da “violência inerente ao sistema”.  Mas nem todos estão dispostos a fazer-lhes a vontade. Em carta de D. Carlos a  João Franco, de 9 de Abril de 1907, diz o Rei: “Soube, e não sei se disto também terias sido informado, que deputados republicanos, salientando-se na discussão Alexandre Braga, combinaram o fazer-se expulsar outra vez pela força armada, porque dizem eles que assim expulsos por causa dos rapazes, os terão logo todos do seu lado. Não creio que os tivessem todos mas teriam bastantes, e parece-me que se lhes deve evitar o gostinho.”
Alexandre Braga – deputado republicano , natural do Porto. Mação. Fez parte do célebre governo d’ “Os Miseráveis de Vítor Hugo”, do nome do Presidente do Conselho Vítor Hugo de Azevedo Coutinho. O governo era também  conhecido como  a “Adega do Braga”, já que este cavalheiro  republicano tinha desenvolvido pela aguardente uma idolatria de verdadeiro fanático. Alexandre Braga 1871-1921 A questão da Lista Civil A Lista Civil era a dotação que o Parlamento atribuía à Casa Real, e que saía do Erário Público. O Partido Republicano chamava-lhe o “cancro das finanças”. D. Carlos auferia uma verba que era a mesma do tempo da sua avó, D. Maria II, 50 anos atrás. E não era por falta de recursos do país, mas sim por cobardia política, o que os levava a fazer adiantamentos ao Rei em vez de proceder a uma actualização. A dotação era modesta, comparada relativamente com outras monarquias, e de maneira alguma despropositada  à representação do País, como depois os republicanos vieram a saber por experiência  própria. Apenas por curiosidade, aqui ao lado, na Espanha, a Monarquia custa a cada espanhol 19 centavos de euro, enquanto que a cada um de nós a República nos fica por 1,58 euros, transferindo  o Governo Espanhol para a Casa Real 9 milhões de euros, quando o nosso transfere para a Presidência da República 16 milhões.
Todos os argumentos, pois, militavam no espírito dos ideólogos em favor de uma república – mesmo a sua barateza, pela supressão da lista civil (argumento que impressiona as classes comerciais).  Com efeito, o presidente dos Estados Unidos pouco mais ganha do que um ministro no Rio de Janeiro: mas os brasileiros ignoravam (como nós, de resto, na Europa, imperfeitamente sabíamos antes da publicação  do livro do americano William Ivins, Machine Politics and Money in Election) que a eleição do Presidente dos Estados Unidos custa cada quatro anos mais  de 90 mil contos, o que dividido pelos quatro anos que dura o presidente,  dá vinte e dois mil  e quinhentos contos por ano – soma amplamente  suficiente para pagar  todos os soberanos da Europa e o seu luxo, incluindo o sultão e o Papa. Eça de Queirós – A revolução do Brasil Ramalho há-de cravar mais uma farpa: “Como o boi puro o povo não se desilude nunca, nunca se desengana da lide. Um dos  seus lidadores […] pôs-lhe mui hábil e graficamente diante dos olhos este argumento  aritmético demonstrativo da fome da nação originada do escândalo da lista civil no orçamento geral do Estado. O orador somou, a parcela por parcela, o que recebiam o rei e as demais pessoas da família real; dividiu o total em reis por 80, e demonstrou pelo quociente que cerca de 400 000 famílias receberiam de graça dois pães de pataco desde o dia imediato ao do advento da República, em que se distribuísse pelo povo o que  devorava a realeza” Ramalho Ortigão, O Sebastianismo Nacional, Fevereiro de 1911
“Outro retórico, em outro comício, explicou, por meio de processo igualmente matemático, que o custeio de  cada cavalo de luxo nas reais cavalariças importava em tanto como o sustento de quatro famílias.” “Ora sucede que, abolida a Monarquia, e achando-nos nós  no mês 5 do ano I da República, nenhum pão de pataco dos oitocentos mil que ingeria o rei, foi por enquanto distribuído ao povo, e que o mesmo povo, outra vez transferido de “Povo Soberano” a “Zé-Povinho”, com indício de estar mudado o  Governo da Nação, não logrou ainda o regozijo gratuito  de ver  passar em dia de gala, dos paços do Governo para o paço da Ajuda, em vez do rei antigo, o presidente novo em coche real puxado a quatro por dezasseis relinchantes famílias aristocraticamente engatadas à Grand-Daumont” Ramalho Ortigão, O Sebastianismo Nacional, Fevereiro de 1911 Entretanto, o jornal do Partido Republicano “O Mundo” mandava calar o autor de “As  Farpas”, às quais outro escritor republicano, Aquilino Ribeiro, chamou “as tábuas de  bronze de um povo”.
… à hora a que escrevemos estas linhas Gomes Leal  acha-se preso.  Para princípio de vida está no lugar mais decentezinho com que os governos em Portugal podem ainda hoje apadrinhar um amigo.  Como perseguido ele pode chegar a tudo quanto apeteça no Estado, e se souber aproveitar o tempo aprendendo o ofício de vítima – de aqui até que o júri ponha cobro ao favoritismo que o prendeu, condenando-o à soltura -, creiam que o hão-de ver ministro para o ministério que vem. João Ribaixo (Ramalho Ortigão) in Álbum das Glórias (desenho de Rafael Bordalo Pinheiro) Acerca do tratamento reservado aos revolucionários por João Franco, escreve Homem Cristo : “Na Rússia vai este para a Sibéria. Na Espanha vai para o fundo de uma enxovia, onde leva chicotada, ou vai para … o garrote. Em Portugal … vai tomar chá e cavaquear com os oficiais da Guarda Municipal” Povo de Aveiro, 11 de Abril de 1909
Afonso Costa, na prisão, durante a medonha ditadura de João Franco, após ter-se envolvido numa tentativa de golpe de Estado A masmorra tinha máquina de café, louça cedida pela família  do  comandante do estabelecimento e almoços encomendados  no Tavares Menu do dia 30 de Janeiro de 1908 Linguado frito Bife de vitela Batatas em palha Vinho de Colares Queijo da Serra Maçã, tangerina e banana Afonso Costa Irritava-o, no entanto, a sorte de António José de Almeida, que fora preso antes dele, o que lhe tinha permitido apanhar o melhor aposento da enxovia.
O Regicídio - Trajecto desde a estação fluvial até ao local do assassínio Pelas 5 da tarde do dia 1 de Fevereiro de 1908, chegam ao Terreiro do Paço, vindos de Vila Viçosa, D. Carlos, a Rainha D. Amélia e D. Luís Filipe. D.Manuel, que está em Lisboa, vai esperá-los. Poucos minutos depois, D.Carlos e o Príncipe-Real são assassinados. Local do atentado
Os terroristas assassinos são republicanos convictos pertencentes à Maçonaria, possivelmente membros de lojas irregulares.  Os principais suspeitos de terem sido os mandantes do crime são José Maria de Alpoim, chefe da Dissidência Progressista,  o visconde da Ribeira Brava, filho  de um comerciante madeirense  nobilitado por D. Luís, e Afonso Costa, membro do Partido  Republicano.  José de Alpoim 1858-1916 “Os elementos mais verosímeis […] (das várias versões dos  acontecimentos) dizem […]  respeito à existência  de um grupo  de revolucionários armados ao qual, no âmbito do 28 de Janeiro,  teria sido encomendada uma operação de assassinato, tendo  Franco ou o Rei como alvos, ou ambos. Esse grupo tinha como  interlocutores os chefes republicanos, e recebera armas dos  Dissidentes”  Rui Ramos, D. Carlos, 2007 Ribeira Brava 1852-1918 Afonso Costa 1871-1937 Já se sabia que os republicanos eram um grupo de doidos, agora sabe-se que são um grupo de doidos maus. (Homem Cristo, Povo de Aveiro)
“O Rei era um homem “liberal”, isto é, de esquerda (inclusive livre-pensador). Durante anos tentou ser um escrupuloso rei constitucional” (Rui Ramos) “Pobre, pobre D. Carlos!, quando se pensa que afinal era mais inteligente, e teve talvez virtudes superiores às dos seus adversários – e porque não dizer? – às dos seus cúmplices […] (Fialho de Almeida, 1909) “Porque foi, por exemplo, morto D. Carlos? […] E no entanto  já hoje se pode afirmar sem erro que D. Carlos não foi morto  pelos seus defeitos, mas pelas suas qualidades.  Respirou-se! respirou-se! – o que não impede que, a cada ano  que passa, esta figura cresça, a ponto de me parecer um dos maiores reis da sua dinastia.  Já redobra de proporções e não se tira do horizonte da nossa consciência.” (Raúl Brandão,  Novembro de 1918, in Memórias) D. Carlos (1863 – 1908) Teixeira de Pascoaes, um republicano, escreve, em 1925, o drama em verso D. Carlos, uma  espécie de anti-Pátria de Junqueiro, um ano após a publicação do livro de João Franco,  “Cartas d’El-Rei D. Carlos I a João Franco Castelo-Branco seu Último Presidente do Conselho”
O Conselho de Estado propõe a D. Manuel II, então com 18 anos, a formação de um governo de concentração partidária  sem Franquistas. João Franco parte para o exílio não voltando a intervir na política até à publicação em 1924 da correspondência tida com D. Carlos  durante o seu governo. Eduardo VII de Inglaterra ao Marquês de Soveral: “Que país é esse onde matam um rei e um príncipe e a primeira medida que se toma é demitir o ministério? A revolução triunfou, não é verdade?” D. Manuel II 1889-1932 O Partido Republicano, que em 1901 parecia condenado à decadência irreversível,  vai ter agora uma franca revitalização, dada a atmosfera favorável assim criada. “O Partido Republicano recebia uma onda de adeptos sempre que a especulação ou a ingenuidade pública julgava a república iminente. Depois a onda voltava ao mar e conquanto se não desfizesse de todo, diminuía consideravelmente de volume e de fragor”(Francisco Homem Cristo, Notas da Minha Vida e do Meu Tempo, 1936) “Só depois de 1908 o Partido Republicano se expandiu verdadeiramente, quando passou de 62 centros em todo o país para 172 em pouco mais de dois anos” (Rui Ramos)
É feito um inquérito pro forma às circunstâncias do assassínio de D. Carlos e do Príncipe-Real que nada esclarece. Todos os implicados na tentativa de golpe de Estado de 28 de Janeiro são amnistiados. Inclusive, até a José de  Alpoim, que todos consideram estar envolvido no regicídio, pedem à Rainha para receber. É a acalmação e o baixar de braços final do regime. “Depois da sua queda (de Franco), instalara-se em Lisboa a verdadeira “ditadura”, a ditadura da canalha lisboeta, ao serviço de Costa e Alpoim” (Rui Ramos) “Quem manda, quem governa, mesmo na oposição, são os republicanos, que o Alpoim leva pela mão até às questões importantes” (Raúl Brandão, Julho de 1910, in Memórias) Em 1909 D. Manuel II vai contratar, a expensas suas, um estudo sobre o estado geral do  país, e medidas a tomar para o seu melhoramento, convidando o sociólogo francês LéonPoinsard, auxiliado por Matos Braamcamp e Serras e Silva, que percorrerão o país, e  que irão apresentar no final um extenso relatório com as suas conclusões e sugestões de  medidas a tomar.
Em Junho de 1909, D. Manuel entra em contacto com dirigentes do Partido Operário Socialista. O objectivo era envolver  os socialistas no projecto de reformas que visava para Portugal, como já tinha  sido feito, aliás, em outros países, e desviar a massa  trabalhadora da influência republicano-jacobina. Aquiles Monteverde, em carta ao Rei, declara: “Arrostei  com um elemento considerado o mais revolucionário e intratável: o Arsenal da Marinha”. Na empresa, D. Manuel era apoiado por Carneiro Pacheco, professor da Universidade de  Coimbra, e autor de um estudo sobre o  movimento operário. D. Manuel II de visita ao Porto Em Julho de 1910, o Governo cria uma comissão encarregada de estudar o estabelecimento  do Instituto do Trabalho Nacional,tendo nomeado para ela três socialistas, incluindo os  históricos Azedo Gneco e Ladislau Batalha. O Governo , presidido por Teixeira de Sousa, e último do regime liberal, para o qual se  aventou até a hipótese  de ir o próprio Afonso Costa, era um ministério claramente de  esquerda com um programa avançado de reformas sociais e económicas.
Carbonária – organização terrorista republicana  usada  para golpes de mão. Utilizava como arma favorita a bomba de dinamite a que chamava “artilharia civil”. A sua base de recrutamento era a “canalha”,  gente de condição baixa e impressionável, com o  mesmo padrão sociológico daquilo que iria ser a  Formiga Branca, tropa de choque do Partido Democrático  de Afonso Costa, e da SA, a Sturmabteilungdo Partido  Nazi alemão. O célebre motto dos carbonários “Beber o  sangue do último rei pelo crânio do último  padre” basta para aquilatar o tipo moral da organização. A Alta Venda   Antº Mª da Silva, Luz Afonso e Machado Santos António Mª da Silva, engº de Minas pela Escola do Exército, e  o comissário naval graduado em 2º tenente Machado Santos,  tendo-se juntando a Luz Afonso, vieram dar  significativo  poder  organizativo à Carbonária. Os três formavam a Alta  Venda, a chefia mística da sociedade. Aulas práticas – carbonários exemplificando o fabrico de bombas. Ilustração Portuguesa, 1911.
O exército “O exército não é composto de entidades abstractas e impessoais como princípios: é composto de homens de carne e osso, susceptíveis de todas as fraquezas e de todas as tentações humanas.” (Eça de Queirós) O exército português, em 1910, não constituía de modo algum aquela instituição marcial  plena de tradições, máquina bélica bem lubrificada, rolando sobre esferas, comandada por  aristocratas que apenas convivem entre si    casta impermeável  ao mundo , e que,  tendo recebido dos pais, passam por sua vez aos filhos todas as altas lições de Pátria,  Honra e Dever, como era o caso do exército alemão, que tanta impressão fez em Aquilino. “Uma bela manhã de Maio de 1912 […] acordei a caudaloso e compassado tropel. Eram os hussardos daKronprinzessinque se dirigiam à parada. Corcéis de raça, robustos e garbosos cavaleiros, uniformes tão limpos e escarolados que não seria ingénuo perguntar se acabavam de tirá-los do casão. Marchavam a duas alas com perfeita cadência e rigor geométrico. A certa altura da avenida, a charanga rompeu num  pasodoble. Acima do estrépito os metais vibraram com brusquidão alada; pareceu-me que o céu abria como açucena; era soberbo, marcialmente soberbo.” (Aquilino Ribeiro, É a Guerra, 1934)
O exército “O exército, de facto, não passava de uma dispersa massa de funcionários públicos fardados e de guardas de feira, às ordens do Ministério da Guerra” (Rui Ramos) “Qualquer oficial, desde que tivesse contactos políticos, podia borrifar-se para a  hierarquia” (Correio da Noite, 13 de Setembro de 1910) “Quanto ao Exército, digamo-lo, era inútil, mas a Nação pagava-o como certas velhas que têm um amante – vestido de vermelho e espada-arrasto, que lhes não  servem de nada e as arruinam. Fantasia ou vício. Somente lhe pagava muito mal.” (Raul Brandão, Memórias) Uma característica peculiar do exército era a dos oficiais que não aderindo a sedições e intentonas também as não combatiam. Não se queriam comprometer. Tinham  empregos de alguma estabilidade e almejavam somente à reforma, ao sossego, a uma boa cavaqueira e a um ou outro chá em casas burguesas respeitáveis.
P Tavares de Almeida Eleições de 28 de Agosto de 1910 para a Câmara de Deputados 155 lugares Apoiantes de Teixeira de Sousa 90, Oposição Constitucional 51 Partido Republicano 14 deputados Adelino Maltez
5 de Outubro – Cronologia do golpe 2 de Outubro – Os republicanos aprazam o golpe para a 1 hora do dia 4 de Outubro 3 de Outubro – Última reunião dos golpistas. Vários irão esquivar-se à sua participação,  outros mostrar-se-ão contra, outros ainda ficarão alheios às movimentações. O vice-almirante Cândido dos Reis, o mesmo que em 1902 tinha exigido a D. Carlos um governo pessoal de tipo prussiano, insiste em que se vá para a frente. Machado Santos, um funcionário da Marinha sem relevância, mas um dos chefes da Carbonária, já tinha, entretanto, passado à acção. 4 de Outubro (madrugada) – Em Infantaria 16, Machado recruta umas 50 a 60 praças após terem assassinado a tiro um comandante e um capitão.  Em Artilharia 1, o capitão A. Palla e alguns sargentos, que haviam introduzido alguns civis no quartel, prendem os oficiais, e juntam-se à coluna de Machado. Palla e Machado Santos seguem para a Rotunda da Avenida, onde se entrincheiram.  São 5 da manhã. Haverá aí 200 a 300 praças de Artilharia 1, 50 a 60 de Infantaria 16 e cerca de 200 populares. Entretanto, um tenente, Ladislau Parreira ,e alguns oficias e civis introduzem-se no Quartel do Corpo de Marinheiros de Alcântara, sublevam a guarnição e aprisionam os comandantes, ferindo um deles. No Tejo estão surtos três cruzadores: o Adamastor, o S. Rafael e o mais poderoso dos três o D. Carlos.
5 de Outubro – Cronologia do golpe O tenente M. Cabeçadas toma o comando da tripulação do Adamastor enquanto a do "São Rafael" espera oficial para a comandar. Não se vislumbram os principais dirigentes republicanos que tardam em aparecer.   Pelas 7 h é encontrado morto Cândido dos Reis que, julgando o golpe fracassado e apreciando os lances dramáticos, se tinha suicidado. Entretanto, na Rotunda, o aparente sossego da cidade, donde não desembocavam como torrentes as massas republicanas,  desalentava de tal maneira os revoltosos que os oficiais acharam melhor desistir. Os militares sediciosos Sá Cardoso, Palla e os outros oficiais retiraram-se assim em boa ordem para o aconchego dos seus lares enquanto Machado Santos e os seus carbonários se mantiveram no seu posto. Desta decisão resultou o sucesso do golpe de Estado do 5 de Outubro.  Do lado governamental, os regimentos de Infantaria 1, Infantaria 2, Caçadores 2 e Cavalaria 2, mais a bateria de Queluz seguem para o Palácio das Necessidades para proteger o Rei, enquanto Infantaria 5 e Caçadores 5 marcharam para o Rossio com a missão de proteger o quartel-general.
5 de Outubro – Cronologia do golpe O comando militar da cidade organizou um destacamento para atacar os revoltosos, sob o comando do coronel Alfredo Albuquerque, composta das unidades de Infantaria 2, Cavalaria 2 e a bateria móvel de Queluz. Desta última faz parte o herói das guerras africanas de pacificação o Major Henrique de Paiva Couceiro. Entre as 12h30 e as 16h00, Paiva Couceiro faz fogo sobre a Rotunda. Uma coluna que se havia formado com o propósito de atacar os revoltosos  aí entrincheirados foi mandada retirar, chegando ao Rossio ao fim da tarde sem ter combatido. Deu a ordem de retirada o general António Carvalhal, no dia seguinte nomeado chefe da Divisão Militar pelas novas autoridades, que, traindo o Governo que o empregava e aceitando um lugar dos que lhe competia combater, se cobriu duplamente de desonra. As unidades de Artilharia 3 e Caçadores 6, chamadas de Santarém, e a de Infantaria 15, de Tomar, com guias de marcha para se dirigirem a Lisboa, não chegam a entrar em combate.  Pelas duas da tarde os cruzadores Adamastor e São Rafael, que tinham fundeado em frente ao quartel dos marinheiros, começam a bombardear o Palácio das Necessidades. Às 4 a Marinha bombardeia o Terreiro do Paço. Pelas 9, o tenente Carlos da Maia com alguns marinheiros e civis, após algum tiroteio, que fere o comandante do navio e um tenente, apossam-se do cruzador D. Carlos.
5 de Outubro – Cronologia do golpe 5 de Outubro - Às três da manhã, Paiva Couceiro parte com a bateria móvel, escoltado por um esquadrão da guarda municipal, e instala-se no Jardim de Castro Guimarães  aguardando a madrugada.  Quando as forças da Rotunda começaram a disparar sobre o Rossio, Paiva Couceiro abre fogo provocando baixas e semeando a confusão entre os revoltosos. O bombardeamento prossegue com vantagem para os governamentais, mas às oito Couceiro recebe ordem para cessar-fogo, pois iria haver um armistício de uma hora. O ministro plenipotenciário da Alemanha, chegado na antevéspera, instalara-se no Hotel Avenida Palace. A proximidade do edifício da zona dos combates não o poupou a estragos. Perante este perigo, o diplomata tomou a resolução de intervir. Dirigiu-se ao quartel-general e pediu ao general Gorjão Henriques um cessar-fogo que lhe permitisse evacuar os cidadãos estrangeiros. Sem comunicar ao governo, o general acede. O diplomata alemão, acompanhado de um ordenança com a bandeira branca, dirige-se à Rotunda para acertar o armistício com os revoltosos.  Estes, vendo a bandeira branca, e julgando tratar-se da rendição das forças governamentais, saem das fileiras e juntam-se ao povo, que entretanto se tinha aglomerado na Rotunda. Desencadeia-se então uma situação confusa, com insubordinação de tropas no Rossio e, pouco depois, pelas 9 da manhã, José Relvas proclama a República na varanda do edifício da Câmara Municipal de Lisboa.
5 de Outubro – Cronologia do golpe Aspecto das barricadas – Rotunda da Avenida Revolucionários festejando a vitória. De barbas e chapéu na mão está o visconde da Ribeira Brava. Na manhã do dia 4, com salvo-conduto do Quartel-General, estivera na Rotunda tentando dissuadir os revoltosos “Malva do Vale conta: Éramos quatrocentos e cinquenta homens  no alto da Avenida antes de vencermos; depois fomos milhares, todos armados, desde  o Ribeira Brava até aos ilustres desconhecidos. Apareciam heróis às chusmas.” (Raul Brandão, Memórias) Civis posam de armas na mão depois da vitória Da revolta teriam resultado 60 a 70 vítimas mortais
5 de Outubro – Cronologia do golpe Henrique de Paiva Couceiro – herói africanista, antigo Governador- Geral de Angola, a lealdade com que defendeu o seu jovem Rei e seu  Comandante-em-Chefe granjeou-lhe um lugar perene entre o escol  dos Homens de Honra. “Logo a seguir à famosa batalha de 5 de Outubro na Rotunda, as forças vencedoras marcharam sobre o Terreiro do Paço, e aí se procedeu à chamada geral a fim de determinar qual o exacto  número de beligerantes ceifados pela morte sobre o terreno da luta. Dessa contagem resultou averiguar-se que das 4 dúzias de heróis que denodadamente haviam derramado o seu sangue e dado a sua vida pelas conquista das  liberdades pátrias, sobreviviam apenas uns dez ou doze mil!” (Ramalho Ortigão, Como nós éramos – como eles são, Março 1912) Paiva Couceiro 1861-1944 Na Galiza em 1912 comandando as forças restauracionistas Em Angola com o Príncipe  D. Luís Filipe, 1907
No anexo à sua obra Le Portugal Inconnu, LéonPoinsard reflecte: “Se se quer pôr a charrua à frente dos bois e reconstituir a situação política antes de reconstituída a vida particular e as instituições locais, se se quer lutar contra os abusos e as baixezas da política por meio da mesma política, a falência é inevitável. Nunca, em tal terreno, os homens probos e justos, naturalmente ciosos da sua reputação, prevalecerão contra os  intrigantes e os ambiciosos que fazem da política uma profissão.  Os primeiros serão constantemente derrotados pelos segundos,  e todas as tentativas futuras encalharão como encalharam as experiências do passado” “Em todo o país centralizado basta, por meio de um audacioso movimento, deitar a mão às administrações centrais para subjugar o país inteiro, qualquer que seja nele a maioria da opinião” “Os quadros políticos mudarão de tabuleta mas não de pessoal, o qual passará em massa e instantaneamente para o lado do mais forte. Conservar-se-ão os mesmos apetites e os mesmos processos, e o resultado será o mesmo. Com a única diferença de que os violentos e os exaltados tomarão  mais campo  do que tinham, aumentando assim a desordem e o perigo. Cruelmente se desenganarão em pouco tempo os que a este respeito possam  ainda manter uma ilusão.”
O que movia os republicanos, esses lidadores do boi-povo, à parte o ódio ao Rei e aos padres? É muito provável que para um carácter lírico e romântico como Manuel de Arriaga o movesse o desejo sincero de engrandecimento de Portugal e de bem servir a Pátria, e que fosse a República, vá lá  saber-seporquê, o único regime que podia realizá-lo. É possível. Mas para a maioria dos republicanos, dos que pugnavam pela aplicação da guilhotina, da Smith & Wesson e da técnica da lobotomia  generalizada à cura da sociedade, movia-os tão-somente a  ânsia do poder.  Sendo dados um Estado apetecível passível de ser tomado, um grupo de ambiciosos dispostos a tomá-lo, e umas massas ignaras para lidar, a fatalidade das coisas   determina de imediato a conclusão: tomaram-no! “Na França, sob Luís XVI, muita gente pensava que todos os males procediam dos reis e dos padres, pelo que cortaram a cabeça do rei e fizeram dos padres peças de caça. Mas mesmo assim não conseguiram desfrutar de uma bênção celestial. De maneira que, embora acreditassem que os reis eram maus, não havia perigo nenhum  em estender os braços a imperadores” (Bertrand Russell, TheImpactofScienceonSociety, 1952)
Os homens-fortes do novo regime Afonso Costa, o Jacobino Perfeito. Pertencia à geração  de 90, a geração do Ultimato. Ganhou fama internacional ao pedir, em pleno Parlamento, a cabeça do Chefe  de Estado. Nutria pelos jesuítas o mesmo ódio intenso que os  nazis dispensavam aos judeus. José Relvas conta como Costa insinuou a sua participação no regicídio, dando a beijar a conspiradores, quando de uma reunião antes do 5 de Outubro, um revólver que pretensamente teria  atirado sobre D. Carlos. Na altura do golpe andou desaparecido, tendo surgido no dia 5, com o triunfo já consumado, para recolher os louros da vitória. Tornou-se o chefe do Partido Democrático, facção radical do PRP  quando este se cindiu. Possuía uma tropa de choque para controlar a “rua”, a Formiga  Branca, gente respeitável de caçadeira capitaneada pelo João das Barbas, um genuíno  democrata que tanto espancava padres como a própria mãe.  A 3 de Julho de 1915, quando se dirigia para o Palácio do Governo, sofre traumatismo  craniano ao atirar-se de um eléctrico temendo que lhe arremessassem uma bomba. Por tal motivo não pôde tomar posse. Nos anos 30, no exílio, sem perceber o que se passava no mundo, insistia em que tudo não  era senão uma infame conspiração internacional dos jesuítas.
Os homens-fortes do novo regime António José de Almeida, a linguagem da delinquência. Também  ele da geração do Ultimato. Nos tempos de Coimbra, publicou num jornal académico um artigo intitulado “Bragança, o último”, em que numa linguagem elevada recomendava para “o último animal de Bragança […] metê-lo numa das gaiolas centrais do Jardim Zoológico, fazer-lhe ali uma cama de palha e deixá-lo dormir muito tranquilo e descansado”.  Muito querido dos carbonários, a 3 de Junho de 1908, defende no  Parlamento que a bomba de dinamite em revolução, e em certos  casos, pode ser legítima. Em 1910, num comício republicano,  declara: “não há monárquicos bons nem maus, o que é preciso é  atirar-lhes a todos à cabeça”. Paradoxalmente, com a apropriação do Poder pelo PRP, em 1910, amansou. Possivelmente,  por já ter abocanhado o osso. Chegou até a sugerir que poderia haver monárquicos bons, e,  pasme-se,  mesmo sem estarem mortos! Chefiava o Partido Evolucionista,  resultado da cisão  do PR. O tratamento que quisera ver aplicado aos monárquicos quase estivera a receber ele,  quando apoiantes de Afonso Costa o quiseram matar. Ainda assim, dizia que preferia viver  sob a tirania de Afonso Costa do que ser livre sob D. Manuel II. Chegou a haver uma Formiga  Preta, mas sem o poder de fogo da sua congénere branca. Foi Presidente da República. António José de Almeida 1866-1929 Ar de quem se apresta para ferrar em alguém
Os homens-fortes do novo regime Manuel Brito Camacho, o mais conservador dos três chefes republicanos. Publicou o jornal A Luta, e, após a cisão do PRP,  funda o Partido União Republicana, Partido Unionista. Do grupo  de A Luta,  constavam igualmente João Chagas e Teixeira Gomes.  Consideravam-se a si mesmos a nata da República.  Chagas iria ser o mais acérrimo defensor da intervenção portuguesa na Grande Guerra, ao lado da Inglaterra, o que viria a acontecer em 1916. Brito Camacho 1862-1934 Aquilino Ribeiro, um correligionário político,  traçar-lhe-ia um perfil pouco abonatório: “ Nenhum  amigo seu ou pessoa com que tenha privado contestará que é  rancoroso e ingrato, impulsivo, versátil e escravo das paixões,  ostentador e megalómano, fútil e vaidoso, inalteravelmente  cheio de si, ‘eu, mais eu, e um tanto minha mulher que está de joelhos diante de mim’”. Aquilino Ribeiro, É a Guerra – Diário,  3 de Agosto de 1914 João Chagas 1863-1925
Os símbolos Como bons talibãs, os republicanos vencedores começaram  de imediato a gozar a sua nova condição de donos da Pátria, tratando de escaqueirar os ídolos falsos do regime derrubado e de apresentar ao povo, para adoração e reverência, os deuses  verdadeiros da nova religião. Estabeleceu-se uma nova bandeira, em substituição da de 1830. Projecto da autoria de Columbano Bordalo Pinheiro. A inspiração era a extinta bandeira do Liberalismo, partida,  bicolor, armas sobre o partido. As cores eram as republicanas  do Centro Democrático Federal. Recuperou-se o brasão do  Reino Unido, com excepção da coroa que foi retirada. A esfera armilar representava agora não o Reino do Brasil  mas sim o Ultramar, ou, no dizer dos republicanos, criados  agradecidos e obrigados da França, as Colónias. Desenho humorístico de O Zé Columbano aplicaria a teoria psicológica das cores para considerá-las as mais adequadas a estimular a acção e a bravura ao contrário das antigas que seriam frias e inibidoras. A oposição de Junqueiro, que preferia as cores azul e branca, daria lugar à chamada questão  das bandeiras.
A lei eleitoral Uma das bandeiras republicanas era a do sufrágio universal, que constava do programa do PRP aprovado em Janeiro  de 1891, no Porto, e que ainda se encontrava em vigor. (O sufrágio universal era de facto restrito porque  apenas se aplicava ao universo masculino). Mas quando se apropiaram do Poder, e legislaram sobre a matéria, Decretos-Leis de 5 e 20 de Abril ,11 ,12 e 13 de Maio de 1911, as condições para se ser eleitor eram: “cidadãos  maiores de 21 anos que saibam ler e escrever ou sejam  chefes de família.” Não era o sufrágio universal prometido.  As mulheres não estavam contempladas na lei, mas houve  quem visse uma ambiguidade na legislação.  Carolina Beatriz Ângelo, uma viúva, mostrou que quando a lei referia “cidadãos” isso englobava  ambos os géneros, e ela era chefe de família. Os republicanos tornaram-se mais cuidadosos, além de mais restritivos, e pela Lei de 3 de Julho de1913 as condições já eram: “cidadãos do sexo masculino, maiores de 21 anos que saibam ler e escrever”. O mundo rural não vota, as mulheres não votam. Na Monarquia, em 1910, os eleitores são 693 171 ou 11,8% da população, tendo sido 20 anos antes 18,8%; em 1915, na República são 471 557 ou 7,7% da população. É boa! Não sei ler a lista para votar mas sei ler o aviso da décima para pagar! O Século Cómico (desenho de Magalhães)
Uma feminista peculiar Ana de Castro Osório, escritora, republicana e  tida por feminista.  Enquanto em Inglaterra as sufragistas se manifestam publicamente pela extensão do direito de voto às mulheres, empreendendo mesmo  acções violentas, a denodada feminista considera muito bem  ajuizado que o seu amigo Afonso Costa não conceda o reconhecimento ao seu género quanto à capacidade  e inteligência suficientes para ter ideias próprias. Teve, no entanto, a expressiva honra de ter sido a sofrida paixão do excepcional poeta simbolista Camilo Pessanha. Ana de Castro Osório 1872-1935 Sufragistas em campanha
Tatuagens complicadas do meu peito: Troféus, emblemas, dois leões alados… Mais, entre corações engrinaldados, Um enorme, soberbo, amor-perfeito… E o meu brasão… Tem de oiro, num quartel  Vermelho, um lis; tem no outro uma donzela, Em campo azul, de prata o corpo, aquela Que é no meu braço como que um broquel. Timbre: rompante, a megalomania Divisa: um ai - que insiste noite e dia Lembrando ruínas, sepulturas rasas… Entre castelos serpes batalhantes, E águias de negro, desfraldando as asas, Que realça de oiro um colar de besantes! Camilo Pessanha 1867-1926
A lei da greve A 2 de Novembro de 1910 foi legalizado o  direito à greve e ao lock-out. Mas com o  Decreto de 6 de Dezembro regulamentava-se severamente esse direito. Instituía-se  a proibição dos piquetes e a exigência  de pré-aviso com uma semana de  antecedência. Nos meios operários  a directiva ficou conhecida como "Decreto-Burla“. Mas os trabalhadores ainda hão-de mostrar-se mais sensibilizados com tão grandes beneméritos quando mais tarde, em sinal de reconhecimento, concederem a  Afonso Costa o título honorífico de Racha-Sindicalistas. “Voluntários da República” contra as greves O interesse exclusivo que os republicanos demonstravam pela questão política, em detrimento das questões económicas e morais, já tinha levado Antero de Quental a advertir que os trabalhadores tanto podiam ser explorados na Monarquia como na República. Como era evidente, não se tinha enganado.  Ocupação militar da estação do Rossio durante a greve dos ferroviários, Janeiro de 1911. A actuação da GNR sobre piquetes  e manifestantes era normalmente violenta.
O ensino primário Pelo decreto de 29 de Março de 1911  reorganizava-se o ensino primário, criando-se o  ensino oficial infantil, novo nível de ensino que de facto não é posto em prática. Desde 1835, no entanto, que em Portugal o ensino  primário do Estado era gratuito, universal e obrigatório.  De facto, com a proibição do ensino religioso nas escolas, o que  se fazia era atentar à liberdade de ensino, e, com isso, coarctar a livre busca de  conhecimentos e a satisfação da curiosidade intelectual.  Mas o alcance era ainda maior. Pretendia moldar as crianças. A ideia era de que se se lhes  não falasse de religião elas, mais tarde, quando adultas, não iriam experimentar interesses  ou sentir inclinações religiosas. Nas palavras do Governo o intuito do ensino devia ser criar   o “homem novo”, o bom republicano. Na célebre entrevista à BBC de Londres, Russell mostra de que maneira um governo  totalitário pode alcançar a aquiescência da sociedade: “Em primeiro lugar podiam, a partir  das escolas infantis e por aí fora, alcançar um poder enorme sobre as opiniões e a maneira  de pensar do povo em geral, de maneira que cada indivíduo pense, espere e tema o que fosse determinado pelas autoridades educativas. Terá as esperanças e temores que essas autoridades desejarem, e fará parte obrigatória do panorama de ensino o pensarem bem do respectivo Governo, o que nem sempre é aceitável” (Bertrand Russell, Bertrand Russell  speakshis mind,1959)
A questão religiosa As medidas de carácter religioso tiveram um impacto assinalável no  pós-5 de Outubro, sobretudo a lei da separação entre o Estado e a  Igreja. De facto, neste particular, tratou-se mais de integração da  Igreja no Estado do que uma separação.  As igrejas passam a pertencer ao Estado, o culto no seu interior  admitido, mas manifestações exteriores apenas são permitidas mediante prévia autorização e nos locais onde fossem “um costume  inveterado da generalidade dos cidadãos”. A proibição do ensino religioso,  das congregações e os abusos, perseguições, expulsões e assassínios de religiosos, que no  séc. XIX observadores estrangeiros tinham considerado serem os mais liberais da Europa,  criaram um clima de grande violência, gratuita em parte, mas também como consequência  necessária dos princípios ideológicos que enformavam esses republicanos. As leis da família que se seguiram, divórcio, etc. praticamente apenas contemplaram os que já se encontravam nessa situação. Mesmo assim houve entre os republicanos quem tivesse achado excessivo o anticlericalismo que atingia tão fundamente a estrutura basilar da sociedade portuguesa.  Há no republicanismo desse tempo uma deficiência filosófica fundamental na maneira de pensar e ver o mundo – a Weltanschauung, que lhes advém da sua natureza de políticos  interessados na acção, no imediato, e não na reflexão, na compreensão do universo, mas também da ideologia dominante nas suas hostes, a filosofia positivista, da qual, ou dos seus traços gerais, retiraram o estritamente necessário para formar as suas ideias e opiniões.
A questão religiosa Antero escreve: “O positivismo, como quase todas as coisas banais, e particularmente as banalidades francesas, parece claro, simples e capaz de explicar tudo; não pede além disso esforço algum à inteligência para ser compreendido: é finalmente cómodo, como todos os dogmatismos: estes defeitos são a causa do momentâneo favor que encontra em espíritos por um lado frouxos e sem a menor preparação filosófica, por outro lado impacientes de quebrarem o jugo de doutrinas puramente convencionais”. (Carta a Domingos Tarroso, 3 de Junho de 1881) A atitude filosófica perante o fenómeno religioso é muito bem  colocada pelo republicano  Anatole France:  “É faltar ao sentimento de harmonia tratar sem piedade aquilo  que é piedoso. Eu dedico às coisas santas um respeito sincero.  Sei que não há certezas fora da ciência. Mas considero pensamento  pouco científico o de supor que a ciência possa jamais substituir  a religião.  Enquanto o homem se amamentar do leite da mulher ele  terá de ser consagrado num templo e iniciado num divino mistério”. Anatole France 1844-1924
A questão religiosa Em artigo publicado na Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro,  Eça comenta a ordem de expulsão dos jesuítas do ensino emitida  pelo ministro da instrução do governo francês Jules Ferry: “É pueril; os republicanos que hoje governam (a França), riam quando o Império imaginava extinguir o socialismo dispersando a Internacional; e recaem no mesmo erro pensando aniquilar o clericalismo fechando três conventos de jesuítas! […]  E depois, para quem ama realmente a liberdade, é repugnante estar lendo todos os dias  nos jornais que já os jesuítas e as outras congregações ameaçadas começam a encaixotar  os seus livros, a enfardelar tristemente os seus trapos, a despregar um ou outro painel da sua cela, porque se aproxima o dia 29, em que dois gendarmes de espadão à cinta virão arrancá-los aos conventos que são seus, edificados pela sua diligência, pagos com o seu metal e tantos anos habitados pela sua devoção. Há nisto um sabor desagradável à revogação do Edicto de Nantes, à expulsão dos judeus, a missionários apupados pela população chinesa.”(Eça de Queirós, 1880)
A questão espanhola “Além disso (é de urgente patriotismo falar com franqueza), a república entre nós não é uma questão de política interna, mas de política externa. Um movimento insurreccional em Lisboa, triunfante ou semitriunfante, teria no dia seguinte um exército de intervenção marchando sobre nós da fronteira monárquica da Espanha. E se a Espanha […] se convertesse numa república conservadora – um movimento paralelo em  Portugal, apoiado por ela e coroado de êxito, seria o fim da  nossa autonomia, da nossa civilização própria, da nossa  nacionalidade, da nossa história, da nossa língua, de tudo aquilo  que nos é tão caro como a própria vida, e por que temos, durante  séculos, derramado sangue e tesouros”. Eça de Queirós, Novos Factores da Política Portuguesa, Revista de Portugal, Abril 1890 No Outono de 1911, Afonso XIII de Espanha desloca-se a Londres para conferenciar com o governo inglês. “Veio pedir ao Governo Inglês que não se opusesse à sua entrada em Portugal, porque não lhe convinha a vizinhança de uma República anárquica”.  (Confidência de D. Manuel ao seu secretário particular) “O meu grande medo é que a Inglaterra farta de tão belo aliado se entenda com a Espanha: todo o meu trabalho agora é impedir tal entendimento” (D. Manuel, 1915)
As finanças Em 1913, Afonso Costa, mediante cortes na administração e a protelação da aquisição de navios, prometidos à Marinha de Guerra,  consegue um  orçamento  excedentário, o que constituía uma novidade  governativa. Mas a situação de grande instabilidade  política e social criada no país anularia os impactos positivos  que esse resultado pudesse ter. “Mas a política interna vai então exercer alguma influência e, senão causar, actuar ao menos na baixa posterior do nosso câmbio. Esta é já importante em 1912, agrava-se ainda em 1913 […] e assim até às vésperas da guerra, a nova e grande causa da profunda depressão hoje encontrada. Podem considerar-se de agitação política permanente os anos referidos. Revoluções fracassadas e violentas repressões, aliadas a campanhas apaixonadas, contraditórias, no interior e no exterior, tiveram efeitos desastrosos que se reflectiam nos câmbios. […] factos adversos, por entre os quais se perdeu, insensível e ineficaz, o equilíbrio orçamental apresentado em 1913”. (Oliveira Salazar, O Ágio do Ouro, Dissertação de concurso para assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (II grupo – Ciências Económicas), 1916)
A 27 de Setembro de 1915, morre  em Lisboa, vítima de doença, José Duarte Ramalho Ortigão. Duas grandes amizades se forjaram no seio desse grupo ímpar de homens superiores que constituiu a Geração de 70: Ramalho Ortigão e Eça de Queirós,  Antero de Quental e Oliveira Martins. “carvões que mutuamente se aquecem e que produziram uma luz que alumiou o final do século”(A. J. Saraiva,  A Tertúlia Ocidental, 1996) Ramalho Ortigão 1836-1915 “Pesa sobre vós uma responsabilidade tremenda. No estado em que se acha a sociedade portuguesa, a família é um duplo refúgio – do coração e do espírito. A família é dos pouquíssimos meios pelos quais ainda é lícito em Portugal a um homem honrado influir para o bem no destino do seu século. Querido leitor! O modo mais eficaz de seres útil à tua pátria é educares o teu filho. Consagra-te a ele” (Ramalho Ortigão, As Farpas, 1871).
Nazismo avant la lettre Alemanha – anos 30 Portugal – c. 1910
Nazismo avant la lettre Alemanha – anos 30 Portugal – c. 1910
Nazismo avant la lettre Alemanha – anos 30 Portugal – c. 1910
Nazismo avant la lettre Alemanha - 1940 Portugal – c. 1910 O Governo Nazi propõe à França o envio dos judeus da Polónia e do Reich para a ilha africana de Madagáscar. É a solução final para o problema judeu,  antes de  se decidirem a exterminá-los. Miguel Bombarda, director do manicómio de Rilhafoles, propõe o envio dos jesuítas para uma  ilha deserta ou o seu internamento em hospitais psiquiátricos.
Uma nação atufada em lama e asneira (Antero de Quental) “O povo parece desvairar. É o povo português que insulta  os presos políticos? «Vejam-se os chascos, os escarros, os pontapés e as chuçadas que têm chovido sobre os presos políticos, que nem a turbamulta  nem os depositários dos poderes da Nação sabem se são  criminosos ou inocentes!» (d'O Porto, 19 de Out.).  Ou são os bandos que correm de noite as ruas de Lisboa dando  vivas e morras: – Abaixo o bloco! – Viva o dr. Afonso Costa! Viva a anarquia! Morra o António José de Almeida! Já o quiseram matar. Ontem (20 de Out.), a multidão assaltou-o no Rossio, aos gritos de mata! mata! Um homem de face patibular dizia a meu lado: – Dá-se-lhe um tiro na cabeça. – E o dr. Augusto Barreto exclamava: – E para isto trabalhei eu vinte anos! – No meio dum grupo de amigos, a fazer parede, ele só dizia: – Que ingratidão! que ingratidão!...” (Raúl Brandão, Outubro de 1911, in Memórias) Raúl Brandão (1867-1930)
Uma nação atufada em lama e asneira (Antero de Quental) COIMBRA, 18. – É do teor seguinte o papelucho afixado ontem de noite nas esquinas e portas de conhecidos talassas, que a polícia apreendeu, como o Mundo noticiou: Prevenção Agora que a Pátria está sendo invadida por inimigos, previnem-se todos os indivíduos que por conta própria ou por conta de outrem tramem contra a vida de cidadãos republicanos, que, averiguada que seja a culpabilidade, ainda que somente por provas morais, serão justiçados onde quer que se encontrem. – Coimbra, 16 de Outubro de 1911. Os diferentes grupos de republicanos parecem a ponto de vir às mãos. Anteontem  (27 de Out.), os amigos do António José (de Almeida) reuniram-se,  à noite, na Redacção do República, todos armados  de brownings e smiths, na iminência dum ataque.  São os fanáticos? É o povo? O País não é.  (Raúl Brandão, Outubro de 1911, in Memórias) António José de Almeida defende-se de revólver em punho às invectivas de morra! morra! que lhe dirigem partidários de Afonso Costa. Ilustração Portuguesa, 1911
Uma nação atufada em lama e asneira (Antero de Quental) “Estamos chegados ao “fim do fim”! A última esperança foi-se  e só vejo diante de nós um p�
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5 de outubro

  • 1. 5 de Outubro de 1910 Ou um equívoco chamado República
  • 2. O século XIX português A primeira metade do século XIX vai ser marcada pelas invasões francesas e a fuga da família real para o Brasil 1801-02 – Recenseamento geral da população. Portugal (Metrópole) conta 2 951 930 habitantes 1807 – 17 de Novembro - Junot à frente de um exército invade Portugal. Pilhagem do ouro e prata das igrejas. 1807 – 29 de Novembro – A Corte embarca para o Rio de Janeiro 1808 – 22 de Janeiro – Por pressão da Inglaterra declaram-se abertos os portos brasileiros ao comércio internacional 1809 – Março – Segunda invasão francesa de 30 000 homens comandada pelo marechal Soult. 1809 – 29 de Março. Porto, desastre da ponte das barcas. Morrem cerca de 4 000 pessoas. 1809 – Portugal ocupa a Guiana Francesa.
  • 3. Desastre da ponte das barcas, em reprodução coeva Alminhas na Ribeira do Porto em memória das vítimas (Bronze de Teixeira Lopes)
  • 4. O século XIX português 1810 – Assinatura, entre Portugal e Inglaterra, dos tratados de Comércio e Amizade e de Aliança e Navegação 1810 – Junho – Terceira invasão, comandada pelo marechal Massena, com um exército de 80 000 homens. Irá ser particularmente destrutiva e sanguinária. 1815 – É publicada a carta de lei que cria o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. O Brasil ascende à condição de Reino. 1820 – 24 de Agosto. Pronunciamento militar no Porto e criação da Junta Provisional do Governo Supremo do Reino. 1820 – 15 de Setembro. Lisboa adere ao movimento liberal do Porto. A Junta de Governo entra no Rossio em Outubro de 1820
  • 5. Pavilhão do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves Antigo pelourinho ostentando as armas do Reino Unido (Ponte de Lima)
  • 6. O século XIX português 1821 – As Cortes exigem o regresso de D. João VI a Portugal além de pretenderem anular os privilégios concedidos ao Brasil, precipitando, assim, a sua independência. 1822 – 7 de Setembro. O Brasil rebela-se contra Lisboa e proclama o Império. O primogénito de D. João VI, D. Pedro, torna-se Imperador do Brasil. 1825 – 15 de Novembro. Portugal reconhece a independência do Brasil 1851 – 29 de Abril. Saldanhada levada a cabo a partir do Porto e preparada com a colaboração de Alexandre Herculano, que, no entanto, pouco depois passará à oposição. Início da Regeneração. Para trás ficam quase trinta anos de violência, banditismo, assassínios, extursões, guerras civis, revoltas populares, pronunciamentos, golpes palacianos, anarquia total de ideias e violência ideológica que conduziam o país à autodestruição.
  • 7. Bernardo de Sá Nogueira de Figueiredo, Marquês de Sá da Bandeira (1795-1876). Alexandre Herculano chamou-lhe “moderno Bayard”, le chevalier sans peur et sans reproche, e “o português mais notável do seu século”. “Inteligência recta e carácter forte, a humanidade era a sua religião, o dever a sua moral, a monarquia o seu princípio, a espada o seu amor, o povo o seu dilecto”(Oliveira Martins). Visionário, queria criar em África um novo Brasil: viagens no sertão, desenvolvimento da agricultura e extracção mineira, abolição da escravatura, expansão da navegação. João Carlos Gregório Domingos Vicente Francisco de Saldanha Oliveira e Daun, Marechal Duque de Saldanha (1790-1876). Valente, bem apessoado, profusamente decorado, fazia o tipo perfeito nas embaixadas estrangeiras. Ascensão fulgurante no exército: capitão aos 15 anos, major aos 18, tenente-coronel aos 23 e general aos 27. Versátil, ora apoiava um partido ora apoiava outro, reflectindo assim o seu espírito aventureiro de “Cid português”, como lhe chamou Oliveira Martins. Dizia poder ser um bom Chefe de Estado de um qualquer país.
  • 8. A Decadência Económica – Estatísticas do Comércio Milhares de contos anos Abertura dos portos brasileiros Tratado de 1810 Perda do Brasil (Oliveira Martins)
  • 9. A Decadência Económica A agricultura sofre um rude golpe com a extinção das ordens religiosas masculinas e abolição dos conventos, decreto defendido somente por Joaquim António de Aguiar, contra a opinião geral do Conselho de Ministros, e imposto por D. Pedro IV Sucedia o que sucedera no tempo dos Godos: uma expropriação dos vencidos pelos vencedores, salvo a franqueza da confissão, outrora manifesta sem rebuço, agora encoberta sob fórmulas e sofismas de legalidade liberal (Oliveira Martins). As tentativas industriais manufactureiras do Marquês de Pombal não tinham vingado e o tratado de 1810, dando preferência às mercadorias inglesas, com taxas alfandegárias de 15% em vez dos normais 30%, faziam terrível concorrência aos produtos nacionais. A perda do Brasil e do seu comércio lucrativo e a desordem que se tinha instalado no País traduziam-se em uma situação económica muito difícil. Mosteiro e igreja de Tibães
  • 10. A Decadência Económica Os frades, espoliados das propriedades feitas por suas mãos, mendigam miseráveis pelos caminhos. Herculano, um dos liberais, mas verdadeiro sempre, penitencia-se desse ultraje: “Pão para a velhice desgraçada! Pão para metade dos nossos sábios, dos nossos homens virtuosos, do nosso sacerdócio! Pão para os que foram vítimas das crenças, minhas, vossas, do século, e que morrem de fome e frio!” Alexandre Herculano, Os egressos, 1842 A situação financeira, reflexo da económica, piora constantemente. Requerem-se empréstimos para pagar empréstimos, e o pouco que vem efectivamente para o país destina-se a assalariar tropas e fazer a guerra. Sucedem-se as bancarrotas do Tesouro. [Se] compararmos o total (da dívida) com a dívida de 28, veremos que a Liberdade e os seus ensaios custaram ao Tesouro 58 500 contos, afora os bens nacionais vendidos ou queimados, sem com isso melhorar a situação económica do Reino…. E para quê? Para ensaiar sistemas, matar gente com revoltas e pauperizar cada vez mais o Reino. (Oliveira Martins)
  • 11. A Regeneração 30 de Agosto de 1852 – além dos ministérios tradicionais, Presidência do Conselho, Reino, Estrangeiros, Guerra, Marinha, Justiça e Fazenda é criado um novo – o Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, integrando uma Secretaria-Geral, a Direcção das Minas e Obras Públicas, a da Agricultura, Comércio e Manufacturas e a Repartição de Contabilidade. Vai iniciar-se a época do fomento e dos melhoramentos que ficará conhecida como Fontismo, do nome do seu primeiro titular, maior impulsionador, e futuro Presidente do Conselho António Maria de Fontes Pereira de Melo, que irá suceder a Rodrigo da Fonseca Magalhães na presidência do Partido Regenerador. Fontes Pereira de Melo 1819-1887
  • 12. 1852 – Bancarrota do Tesouro. Fontes redefine a natureza da dívida pública que passa de amortizável, isto é, pagável, durante o período da sua vigência, a fundada, ou seja, eterna. A dívida não se paga, rende juros aos portadores de títulos da mesma. (Falta, naturalmente, convencer os credores). No seguimento daquilo que vem sendo feito nos países europeus, que iniciam agora a sua industrialização, França, Alemanha, o Governo considera prioritário o estabelecimento de uma rede ferroviária, ligações a Badajoz, linha do Norte Porto-Lisboa, a melhoria da rede rodoviária e a construção dos portos artificiais de Lisboa, Funchal e Leixões. Inauguração da primeira linha ferroviária, em 28 de Outubro de 1856, por Roque Gameiro Com esse fim, Fontes, em Londres e Paris, tenta persuadir os banqueiros a conceder os almejados empréstimos.
  • 13. Os seus partidários, aparte as virtudes cívicas e pessoais que ninguém lhe contesta, atribuem-lhe todos os caminhos-de-ferro, todas as estradas, todos os canais, todos os majores, todas as represas, todas as pontes, todos os tenentes, todos os viadutos e todos os alferes de que hoje estão cortados o solo e a sociedade portuguesa, não concedendo sequer à iniciativa dos seus contrários nem um palmo de estrada nem uma polegada de sargento. João Rialto (Guilherme de Azevedo) in Álbum das Glórias (Desenho de Rafael Bordalo Pinheiro) No entanto, enquanto na Alemanha, os caminhos-de- ferro permitem ligar as jazidas hulhíferas do Sarre e da Silésia aos centros siderúrgicos do Ruhr, e transportar para os portos do Mar do Norte a produção agrícola e industrial do país, em Portugal, sem minérios e carvão, as obras públicas, não obstante necessárias, irão acarretar o agravamento da dívida pública e a sucessão interminável de orçamentos deficitários.
  • 14. Dólares EU de 1960 A. Nunes N. Valério E. Mata Evolução do PNB per capita, que, de 1850 a 1890, teve um crescimento acentuado. A melhoria das condições sociais pode ser apreciada pelas opiniões de dois estrangeiros que nos visitaram, em 1842, o Príncipe Felix Lichnowsky, e em 1866, o escritor Hans Christian Andersen “Por todas as descrições de Lisboa com que deparei, formara para mim próprio uma imagem desta cidade mas a realidade foi bem outra, mais luminosa e bela. Fui obrigado a exclamar: - onde estão as ruas sujas que vira descritas, as carcaças abandonadas, os cães ferozes e as figuras de miseráveis das possessões africanas que, de barbas brancas e pele tisnada, com nauseantes doenças, por aqui se deviam arrastar?” H. Ch. Andersen, Uma visita em Portugal em 1866
  • 15. Alexandre Herculano a Oliveira Martins A liberdade humana sei o que é: uma verdade da consciência, como Deus. Sei que a esfera dos meus actos livres só tem por limites naturais a esfera dos actos livres dos outros e por limites factícios restrições a que me convém submeter-me para a sociedade existir e para eu achar nela a garantia do exercício das minhas outras liberdades. Todas as instituições que não respeitarem estas ideias serão pelo menos viciosas. Absolutamente falando , o complexo das questões sociais e políticas contém-se na questão da liberdade individual. Mantenham-me esta, que pouco me incomoda que outrem se assente num trono, numa poltrona ou numa tripeça. Que as leis se afiram pelos princípios do bom e do justo, e não perguntarei se estão acordes ou não com a vontade de maiorias ignaras. Alexandre Herculano 1810-1877 O Português de lei
  • 16. Crítica do Liberalismo ao Socialismo O socialista vê no indivíduo a coisa da sociedade: o liberal vê na sociedade a coisa do indivíduo. Fim para o socialista, ela não é para o liberal senão um meio; criação do indivíduo que a precedeu, que lhe estampou o seu selo; porque faça ela o que fizer, nunca poderá manifestar a sua existência e a sua acção senão por actos individuais, unidos ou separados. Carta de A. Herculano a Oliveira Martins, Fev. de 1877 Crítica do Socialismo ao Liberalismo Ora enquanto a Nação prescindir de cérebro, isto é de Estado, manter-se-á acéfala; enquanto o Estado não tiver como pensamento a igualdade […]: a democracia será uma quimera […]. À sombra de uma liberdade sempre crescente, dia a dia, com o crescer da riqueza irá crescendo a cisão dos pobres e dos ricos, em virtude dessa lei simples que dá a vitória a quem mais pode (Oliveira Martins, Portugal Contemporâneo, 1881)
  • 17. Teófilo Braga – natural dos Açores, como Antero de Quental e Manuel de Arriaga. Despoletou a Questão Coimbrã. Trabalhador, esforçado, mas de espírito estreito e sectário, e carácter dúbio. De Feliciano de Castilho disse dever a sua fama à infelicidade de ser cego. José Bruno Carreiro demonstrou que a obra A Mocidade de Teófilo, repositório de cartas de Teófilo ao seu protector Francisco Mª Supico, é “uma fraude sem precedentes na literatura portuguesa”. Muitas das cartas foram forjadas sem conhecimento do destinatário, entretanto falecido. Quando da morte de Miguel Bombarda, Teófilo Braga, com aquela falta de senso político que tanto irritava os seus pares no governo provisório, afirmava positivamente, sem qualquer fundamento, em entrevista a Joaquim Leitão, que a morte do psiquiatra era obra dos clericais, contribuindo assim , voluntariamente, para forjar uma mentira e fabricar um mártir da República. Teófilo Braga 1843-1924
  • 18. Defendeu a tese de que a História de Portugal consistia na dominação de uma raça oprimida, os moçárabes, por uma raça opressora, os invasores visigodos. (Na República Fascista de Cromwell, como lhe chamou Bertrand Russell, os dominados eram os anglo-saxões e os opressores os normandos). Mas Herculano já demonstrara que os moçárabes não eram uma raça, mas sim a população cristã vivendo sob domínio árabe. Essa dialéctica de opressores-oprimidos convinha à campanha republicana, que pretendia falar em nome do Povo, oprimido pela Corte e pelo Rei. Para Teófilo a analogia era simples: Povo = Moçárabes, Governantes (Monarquia) = Visigodos. Foi o primeiro Presidente do Conselho do Governo saído do golpe do 5 de Outubro. As suas gaffes espectaculosas desacreditaram-no completamente.
  • 19. Antero, que entrou em colisão com ele, chamava-lhe “o moçárabe bilioso”. No dia 1 de Agosto de 1872, o jornal O Primeiro de Janeiro, do Porto, publicava o seguinte anúncio de Antero de Quental: “Declaração – Constando-me que vários amigos do Sr. Teófilo Braga correm essas ruas do Porto, dizendo a quem os encontra que andam “à minha procura”, tenho a anunciar-lhes, para que não se incomodem muito, que me podem encontrar todas as tardes, das 5 às 7 horas, no café Águia d’ Ouro, aproveitando a ocasião para lhes comunicar que já não estou absolutamente nada doente.” Desta manifestação de puro garbo há-de dizer Oliveira Martins: “É um homem!” O Café Águia d’Ouro, à Batalha, Porto
  • 20. Na sequência das Conferências Democráticas do Casino Lisbonense, da Comuna de Paris e de contactos com membros da Associação Internacional dos Trabalhadores, cria-se a 14 de Janeiro de 1872, em Lisboa, a Associação Fraternidade Operária, por iniciativa de José Fontana e Antero de Quental. José (Giuseppe) Fontana 1840-1876 Antero de Quental (1842-1891) “Le petit Lassalle”, como a si mesmo se definia Antero dirige, ainda, o periódico “O Pensamento Social”, onde colaboram José Fontana, Nobre França, Jaime Batalha Reis, Oliveira Martins e Azedo Gneco, e redige o ensaio “O Que é a Internacional” Jaime Batalha Reis 1847-1935
  • 21. O pior que nos pode acontecer é sermos amanhã República. Antero de Quental, carta a Oliveira Martins, 2 de Julho de 1873 Creio que teremos a República em Portugal, mais ano menos ano: mas, francamente, não a desejo, a não ser num ponto de vista todo pessoal, como espectáculo e ensino. Então é que havemos de ver atufar-se uma nação em lama e asneira. Falam da Espanha com desdém – e há de quê – mas eles, os briosos portugueses, estão destinados a dar ao mundo um espectáculo republicano ainda mais curioso: Se a República Espanhola é de doidos, a nossa será de garotos. Quando nós virmos o Peniche e o Valada, e o Teófilo, e o Bonança ministros duma revolução, compreenderemos tudo isto… Oliveira Martins 1845-1894 Antero de Quental, carta a João Lobo de Moura, 1873
  • 22. Azedo Gneco, José Fontana, Nobre França, José Caetano da Silva, Agostinho da Silva, José Tedeschi e António Joaquim de Oliveira fundam, a 10 de Janeiro de 1875, o Partido Operário Socialista. A comissão encarregada de elaborar o seu programa era constituída por Antero de Quental, Nobre França, José Fontana, Silva Lisboa, Felizardo Lima, José Caetano da Silva e Azedo Gneco. Eudóxio Azedo Gneco 1849-1911 O Protesto Operário, fusão dos periódicos O Protesto, Lisboa, e O Operário, Porto, órgão do Partido Operário Socialista (1º número – 5 de Março de 1882)
  • 23. Em política tem-se dito que Ramalho Ortigão é republicano. Nada menos exacto. Ramalho, creio, teme a República, tal qual é tramada nos clubes amadores de Lisboa e Porto. A República, em verdade, feita primeiro pelos partidos constitucionais dissidentes, e refeita depois pelos partidos jacobinos, que, tendo vivido fora do poder e do seu maquinismo, a tomam como uma carreira, seria em Portugal uma balbúrdia sanguinolenta. Eça de Queirós , carta a Joaquim de Araújo, 25 de Fevereiro de 1878 Ramalho Ortigão 1836-1915 […] molecularmente rebelde a todo o sectarismo, eu não posso ser senão muito moderadamente e muito condicionalmente monárquico, e não sou nem nunca fui republicano, apesar de frequentemente me acusarem de prófugo e de renegado os jornais desse partido, ligando a tal invectiva um tão grande desdouro do meu carácter como se fosse para mim um opróbrio ter acamarado com eles. Ramalho Ortigão, A revolução de Outubro, Janeiro de 1911
  • 24. Antero de Quental a Alberto Sampaio “Saberás que vim encontrar aqui a minha candidatura pelo círculo de Alcântara, lançada por uns centros republicanos que não sei bem o que são. Hoje vieram uns oficiosos falar-me nisso: declarei recusar tal candidatura e ameacei-os com uma recusa pública nos jornais se insistissem. Espero que desistirão: aliás terei de me explicar pela imprensa.” (Carta de 10 de Outubro de 1878) … e a Oliveira Martins “Aqui pretendem uns centros republicanos soi-disant socialistas, apresentar a minha candidatura por Alcântara. Respondi que achava equívoca a expressão republicano-socialista, e como este equívoco me parece perigoso, só aceitaria a dita candidatura com o carácter exclusivamente socialista, com toda a reserva da questão política e em completa isenção do movimento republicano actual. Antero de Quental 1842-1891
  • 25. Não sei o que pensarão e dirão os republicanos. Talvez seja uma ocasião de me explicar sobre a delicada distinção entre socialistas e republicanos e de sair uma vez por todas de um equívoco que me pesa.” “De notícias interessantes, dir-te-ei que o republicanismo avulta de dia para dia. Mas que republicanos! É um partido de lojistas, capitaneado por bacharéis pífios ou tontos. É quanto basta para se lhe tirar o horóscopo. Duma tal república só há-de sair a anarquia e a fome.” (Carta de 1 de Abril de 1880 a Alberto Sampaio) Alberto Sampaio 1841-1908 Quando os republicanos forem maioria tratarei eu de me fazer anti-republicano, porque sempre fui amigo de me achar em minoria. (Carta a João Lobo de Moura, 18 de Março de 1875)
  • 26. Em 1879, Joaquim de Vasconcelos apresentou na Sociedade de Geografia de Lisboa a proposta para a comemoração do Tricentenário da morte de Camões. A celebração pretendeu-se Nacional. Da Comissão de Lisboa faziam parte: Rodrigues da Costa, Eduardo Coelho, Sebastião de Magalhães Lima, Teófilo Braga, Ramalho Ortigão, Jaime Batalha Reis, Luciano Cordeiro e Rodrigo Afonso Pequito. Embora tivesse sido bem vincado o seu carácter nacional, tal não impediu, porém, que os frutos do seu sucesso tenham sido colhidos, essencialmente, pelo republicanismo. Revista O Ocidente, 1880
  • 27. Famoso retrato dos cinco amigos tirado nos jardins do Palácio de Cristal do Porto. Eça, Oliveira Martins, Antero, Ramalho Ortigão e Guerra Junqueiro. Este, mais tarde, com o episódio do ultimato, far-se-ia republicano.
  • 28. “A Velhice do Padre Eterno” foi um grande erro e custou-me imenso ver que o Junqueiro persistiu em o cometer. O Junqueiro é um admirável idílico e além disso em certos assuntos um poderoso satírico. Mas a Velhice é um sintoma de uma deplorável mania de profeta, que ameaça perdê-lo […] Antero de Quental, Carta a C. Cirilo Machado, Setembro de 1885 No poema Finis Patriae, publicado no ano do Ultimato, Junqueiro põe no quadro O Caçador Simão, os famosos versos: “É alguém, é alguém que foi à caça. Do caçador Simão!... “ Simão era o último nome de D. Carlos No fim da vida renegará A Velhice, amputará o poema Pátria e confessará nunca ter sido Republicano. Guerra Junqueiro, desenho de Francisco Valença
  • 29. Celebra-se em 1886, com a Alemanha, um convénio delimitando um extenso território reivindicado por Portugal, figurado a rosa numa carta anexa. O propósito é construir na África Meridional uma grande possessão ligando Angola à contracosta, que viesse substituir o Brasil – era o mapa cor-de-rosa. A Inglaterra, que tem em vista, por sua vez, a criação de um império na costa oriental de África, do Cabo a Alexandria, no Mediterrâneo, opõe-se às pretensões portuguesas.
  • 30. O Ultimatum No dia 11 de Janeiro de 1890 é entregue ao Governo Português um memorando do Governo Inglês em que este faz um ultimato a Portugal. “O ultimatum, curto e seco, exigia que dentro de onze horas o Governo Português fizesse sair as suas tropas e as suas autoridades das regiões disputadas do Chire e de Masona. Se o Governo Português não acedesse, o representante da Inglaterra retiraria com o seu pessoal para bordo do aviso Enchantress, deixando toda a ulterior acção às esquadras inglesas reunidas em Lourenço Marques, Cabo Verde e Gibraltar. Foi durante horas uma pavorosa crise. O Conselho de Estado reunido – decidiu que se passasse sob a exigência de Lorde Salisbury, visto que a resistência importaria a ocupação de Moçambique e de Lourenço Marques… Portugal, nessa noite, perdeu dois consideráveis territórios de África. De manhã, o ministério caiu.” Eça de Queirós, O Ultimatum, Revista de Portugal, Fevereiro de 1890
  • 31. O Ultimatum Um frémito de indignação varre o País. Os próprios particulares tomam atitudes da mais pura galhardia, como a Condessa de Resende, sogra de Eça de Queirós, que em sinal de desafrontamento devolve as condecorações concedidas ao marido pelo Governo Inglês. No Porto, forma-se, em fins de Janeiro, a Liga Patriótica do Norte cuja presidência é oferecida a Antero de Quental. Os republicanos usam a comoção do ultimato para atacar as instituições, e culpar a Monarquia e o jovem D. Carlos dos males do País. Junqueiro publica o Finis Patriae onde põe a ridículo a figura do Rei. Proclamação patriótica, Porto, Janeiro de 1890
  • 32. O Ultimatum Alfredo Keil compõe, nos moldes da Marselhesa, e com letra de Henrique Lopes de Mendonça,um canto patriótico para um espectáculo teatral, na sequência do ultimato, que logo se populariza. Escarrador e penico com a forma de John Bull, caricatura da Inglaterra. (Cerâmica de Rafael Bordalo Pinheiro)
  • 33. O Partido Republicano em Portugal nunca apresentou um programa, nem verdadeiramente tem um programa. Mais ainda, nem o pode ter: porque todas as reformas que, como Partido Republicano, lhe cumpriria reclamar já foram realizadas pelo liberalismo monárquico. Uma outra causa exterior que veio concorrer para o engrossamento do Partido Republicano foi a revolução do Brasil. A revolução do Brasil, tranquilizando os ordeiros, excitando os ambiciosos e dando confiança a todos pela esperança de apoio e recursos positivos – foi um golpe que das instituições brasileiras repercutiu indirectamente sobre as nossas instituições. 15 de Maio de 1887 – D. Pedro II do Brasil abole a escravatura. Os grandes fazendeiros, lesados, patrocinam um golpe de Estado. A 15 de Novembro de 1889, o marechal Deodoro da Fonseca derruba o Imperador e proclama a República. Eça de Queirós, Novos Factores da Política Portuguesa, Revista de Portugal, Abril 1890
  • 34. Não menor acção estimuladora trouxe aos nossos republicanos a consolidação da República em França… A França, pelo simples facto de ser República e como tal prosperar, é hoje o mais poderoso instrumento de propaganda republicana entre os povos latinos. Não se reflecte bastante que às qualidades da sua raça, não à forma das suas instituições, deve ela a sua prosperidade; e que a Exposição seria tão brilhante sob o reinado de Filipe V, como foi sob a presidência de Carnot. Eça de Queirós, Novos Factores da Política Portuguesa, Revista de Portugal, Abril 1890 Exposição Universal de Paris de 1889, sob a Presidência de Sadi Carnot, filho do célebre físico. Carnot seria assassinado por um anarquista.
  • 35. Em geral desde que o regime constituído, para se manter, necessita o apoio de uma força disciplinada e quando, por outro lado, existe um partido de revolução que não pode tirar dos seus próprios elementos populares os meios precisos de acção e só poderia triunfar pelo auxílio duma força indisciplinada – o exército torna-se necessariamente o ponto para onde convergem todas as esperanças e o elemento de êxito com que contam todos os interesses políticos. … como dizia ultimamente um oficial superior, “o exército está sendo requestado como uma menina rica”. Ora o facto incontestável (e que seria antipatriótico disfarçar) é que o Partido Republicano procura atrair o exército, e que, forçado a defender-se, o regime constituído apela por seu turno para o concurso leal do exército, decerto inabalável na sua lealdade. Eça de Queirós 1845-1900 Eça de Queirós, Novos Factores da Política Portuguesa, Revista de Portugal, Abril 1890
  • 36. Dirão (e dizem) os optimistas que o exército em Portugal nunca sairá da sua devida submissão ao poder civil. Assim o supomos. Mas nunca se deve basear um sistema de acção política no optimismo, na hipotética perfeição dos homens e das coisas e em frases. O exército não é composto de entidades abstractas e impessoais como princípios: é composto de homens de carne e osso, susceptíveis de todas as fraquezas e de todas as tentações humanas. Querer sistematicamente afastar esta suposição, declarando que “tal é impossível, que nunca se dará na nossa terra, etc.”, é fazer acto de imprevidência ou de ingenuidade, ambas culpadas. O homem de Estado digno desse nome deve tudo prever, tudo calcular – e ter sempre presente que os homens são homens, e não anjos, abstracções ou princípios encarnados. D. Carlos passando revista às tropas, Carlos Reis, 1904 Eça de Queirós, Novos Factores da Política Portuguesa, Revista de Portugal, Abril 1890
  • 37. O Partido Republicano realiza o seu Congresso, no Porto, entre 5 e 7 de Janeiro de 1891. O programa é elaborado por Bernardino Pinheiro, Azevedo e Silva, Francisco Homem Cristo, Jacinto Nunes, Manuel de Arriaga e Teófilo Braga. “E sem desejar ser descorteses para com personalidades somos forçados a constatar que os actuais chefes republicanos , como tais, como chefes, fazem sorrir toda a parte séria da nação. Mas ainda mesmo sem direcção, ou com uma direcção impotente por incompetente, o Partido Republicano existe, exibe-se, fala, escreve, vota […] […] a República não pode deixar de inquietar o espírito de todos os patriotas. Ela seria a confusão, a anarquia, a bancarrota.” Francisco Homem Cristo 1860-1943 Eça de Queirós, Novos Factores da Política Portuguesa, Revista de Portugal, Abril 1890 Manuel de Arriaga 1840-1917
  • 38. O Congresso do Porto do Partido Republicano é uma convenção essencialmente anti-Elias Garcia, um dos “republicanos do orçamento”, e a vitória da linha dura do partido. Mas Garcia vai retaliar animando uma conspiração na mesma cidade, chefiada pela mação Alves da Veiga e um jornalista de escândalos, Henrique Santos Cardoso. “Os sargentos, […] esta tão poderosa e temível classe na Espanha […]” FelixLichnowsky, Portugal. Recordações do ano 1842 José Elias Garcia 1830-1891 Entre algum patriotismo jacobino , os sargentos sentiam-se sobretudo lesados pela lei de 17 de Janeiro de 1891 que dificultava a sua promoção a oficiais. Não foi difícil, pois, orientar este descontentamento. (Os militares quando se prestam a reivindicações têm um argumento que falta aos cantoneiros da câmara, aos assentadores de via, e em geral aos trabalhadores doutros ofícios: têm espingardas e canhões, o que, num processo negocial, constitui argumento de considerável peso).
  • 39. 31 de Janeiro de 1891, Sábado. Cerca das 3 da manhã, os sargentos conjurados arrastam para o Campo de Sto. Ovídio cerca de metade dos soldados da guarnição do Porto, à volta de 800 homens. Aí se encontra Infantaria 18, onde esperam encontrar oficiais para os comandar. Não há. Apenas podem contar com o capitão António do Amaral Leitão, o tenente Manuel Maria Coelho e o alferes Augusto Rodolfo da Costa Malheiro. Quando grassava a descrença no seio dos militares surgem estudantes dando vivas à República. A procissão desce a rua do Almada, com charanga à frente, em direcção à praça de D. Pedro. A Câmara é invadida e Santos Cardoso arvora uma bandeira. O actor Miguel Verdial, da varanda, apresenta o novo governo. Os “irmãos” da loja maçónica Grémio Independente tinham proclamado a República. São 7 da Manhã. Os oficiais decidem então subir a rua de StºAntónio, aparentemente para ocupar o posto de Correios e Telégrafo. No cimo, acantonada no adro da Igreja de Stº Ildefonso, está postada a Guarda Municipal. 400 municipais vão derrotar uma força de 800 militares do exército. Os que se entrincheiram na Câmara são desalojados por artilheiros da Serra do Pilar. Há 10 mortos, 5 militares e 5 civis. Às 11 horas, tudo termina. O Partido Republicano não interveio na conjura. Tudo foi feito à margem do Directório.
  • 40. Santos Cardoso arvora uma bandeira republicana nos Paços do Concelho do Porto
  • 41. O 31 de Janeiro Na véspera, Alves da Veiga tinha vaticinado: “vai ser desastroso”, e João Chagas, que se entregara à prisão uns dias antes, dirá humoristicamente, “não foi um erro político, mas um erro de gramática”. No Conselho de Guerra o capitão Leitão cobre-se de ridículo: pensava que a Guarda Municipal estivesse segura, que o comandante de Artilharia 18 saísse para os comandar, até o ataque tinha sido uma surpresa. Simplório, achava natural que os outros tivessem obrigação de os apoiar. O grande Santos Cardoso negou tudo, denunciou toda a gente e jurou que se vira implicado “por não poder ser superior à minha curiosidade”. E é tudo. Denunciou, em particular, Homem Cristo como sendo o fornecedor de armas à revolta. O Século trazia a história do capitão Leitão, de joelhos, a pedir perdão aos filhinhos por ter arruinado a carreira. Alves da Veiga foi irradiado da Maçonaria e a imprensa considerou tudo aquilo obra de desmiolados. As mais destacadas figuras do republicanismo, incluindo o directório do partido, condenaram o golpe como uma aventura mais ou menos irresponsável.
  • 42. O 31 de Janeiro De Paris, Eça escreve: Por aqui, a opinião geral é que esse é o começo da débâcle. O governo ainda poderia afastar a hora má por algum tempo, se aproveitasse a ocasião para desorganizar inteiramente, à maneira sumária do excelente Constans, o partido republicano. Mas como naturalmente há-de tomar apenas umas meias-medidas, inspiradas por uma meia-coragem, e executadas com uma meia-prontidão, é natural que o caso do Porto seja um lever de rideau[…] e que o partido republicano […] prepare para breve o drama sério. Carta a Oliveira Martins, 5 de Fevereiro de 1891 Em Elias Garcia, que todos sabiam comprometido, não se tocou. Quase todos os detidos rejeitaram responsabilidades, tendo as sentenças sido encaradas como simples pretexto para futuros perdões e amnistias. Em resposta a uma carta dirigida ao Rei pela Câmara do Porto, culpando os acontecimentos pela “doçura dos nossos costumes”, D. Carlos pede desculpa aos Portugueses pois “ainda não pude mostrar toda a minha dedicação pela nossa pátria […] devido ao pouco tempo da minha vida de rei”.
  • 43. Os acontecimentos dos anos 1890-91 vão resultar na derrota e desmembramento do Partido Republicano, relegado para aquilo que sempre tinha sido, e que era servir de muleta aos partidos constitucionais nas guerras e intrigas que entre si dirimiam, e, de quando em vez, para pressionar uma decisão, tentar assustar o Rei esbracejando o espantalho da República. José Rodrigues de Freitas 1840-1896 Rodrigues de Freitas, um histórico republicano do Porto, chegou mesmo a dizer em público, solenemente, que no dia em que o Partido Republicano tomasse o poder deixaria Portugal (o que nos remete de imediato para a famosa anedota de Groucho Marx). O comportamento dos emigrados do 31 de Janeiro era, por outro lado, do mais deplorável, acusando-se todos uns aos outros de terem roubado o dinheiro da revolução. Entre 1891 e 1905 “ o Partido Republicano foi um valor nulo, inteiramente nulo, na política portuguesa. Inteiramente nulo. Ninguém fez caso dele”. Só em 1905 reaparecera “quando as dificuldades criadas pelos monárquicos, e não pelos republicanos, tornaram possível a sua especulação”. Francisco Homem Cristo, Povo de Aveiro, 7 de Fevereiro de 1909
  • 44. A revolução vinda de cima A 5 de Junho de 1891, José Falcão escreve: “O Partido Republicano supõe que só há um remédio, e este remédio há-de vir da revolução. Ou a revolução feita pelo Rei, ou a revolução feita pelo Povo… Quer o Sr. D. Carlos colocar-se à frente do movimento? A empresa é de tentar; […]” “[…] se a Monarquia nos pode salvar, faça-o.” (José Falcão) José Falcão 1841-1893 Em Janeiro de 1894, João Chagas recrimina D. Carlos por não seguir o exemplo de outros soberanos: “Guilherme II [se] coloca(-se) à frente do movimento socialista alemão, Leopoldo II faz justiça às reivindicações do operário belga, e Francisco José promove na Áustria um movimento a favor do sufrágio universal, […]”
  • 45. A revolução vinda de cima FundadordaAllgemeinerDeutscherArbeitervereinADAV (Associação Geral Alemã dos Trabalhadores) que ao fundir-se com o Partido Operário Social-Democrata irá dar lugar ao SPD, SozialdemokratischeParteiDeutschlands, Partido Social-Democrata da Alemanha. “(Lassalle) fascinava os contemporâneos, dentro e fora do seu país, por sua eloquência, tão comovida de sinceridade, tão ardente de juvenil e puríssimo entusiasmo. Fora um cometa, na altura, na pureza, no fulgor, na brevidade duma vida que teve num duelo brusco o romântico remate.” FerdinandLassalle 1825-1864 Hernâni Cidade, Antero de Quental, 2ª Ed., 1988 Lassale irá entabular uma correspondência secreta com o Chanceler Otto von Bismarck: para Bismarck trata-se de obter um contraponto à influência do poderoso Fortschrittspartei, o Partido do Progresso, e apoio dos trabalhadores às suas reformas sociais; para Lassalle é a oportunidade do Socialismo ser construído dentro da e pela Monarquia, que permitisse a realização daquilo que eram os seus mais elevados ideais: a edificação do Estado Ético.
  • 46. A revolução vinda de cima Não é revolucionariamente, e duma hora para a outra, que uma tão vasta transformação, que abrange todas as relações dos homens na Sociedade, se pode efectuar, mas sim evolutivamente, por meio de sucessivas transformações, por uma lenta preparação que evoque os homens para uma nova ordem de coisas e torne possível, sem se passar pelo caos, o novo génesis social. Antero de Quental, O que é a Internacional, 1872 Antero retratado pelo visconde de Meneses Antero, ao jornal do Porto “O Trabalhador”, 6 de Janeiro de 1889 Cousa alguma grande e duradoira se fundou ainda no mundo, senão pela moral. E o se o Socialismo tem de ser uma esplêndida realidade, só a será como um passo mais no caminho da evolução moral das sociedades. “Audácia, audácia e sempre audácia!” – exclama Danton, no meio do tumulto dramático da Grande Revolução; nós, no meio da confusão de um vasto movimento de classes, no qual o elemento dramático é pouca coisa, mas enorme o peso das fatalidades económicas, diremos: moralidade, moralidade e sempre moralidade!
  • 47. A revolução vinda de cima O Cesarismo Em “História da República Romana”, 1885, que A. José Saraiva considera “uma das mais notáveis histórias romanas que se produziram na Europa”, Oliveira Martins escreve: “O conjunto das reformas de César é a substituição de um regime autocrático, de uma administração solícita e de um socialismo de Estado – ao regime liberal da república, regime de anarquia semelhante ao nosso de hoje, em que à sombra da liberdade medra e floresce o capitalismo constituído em sistema […]” Caio Júlio César 100 – 44 a. C. Por outro lado, uma “revolução feita de cima”, uma concentração de força na coroa (que a muitos espíritos superiores e que vêem claro se apresenta como a nossa salvação), […] não seria compreendida pela nação irremediavelmente impregnada de liberalismo e que nessa concentração de força só veria uma restauração do absolutismo e do poder pessoal. Eça de Queirós, Novos Factores da Política Portuguesa, Revista de Portugal, Abril 1890 Antero acabará por aderir a esta concepção de Martins de Socialismo de Estado ou de Cátedra, apoiando vivamente a participação do seu amigo num eventual governo.
  • 48. Oliveira Martins, no Parlamento: “O Socialismo é protector, sim, mas de todos os que sofrem, de todos os que necessitam, sejam operários ou sejam lavradores, sejam proletários ou pertençam a essas classes de pequenos capitalistas e negociantes, frequentemente mais necessitadas que muitos operários fabris”. Francisco de Assis de Oliveira Martins, O Socialismo na Monarquia, 1944 Antero, por sua vez, não acredita na “acção benéfica dos partidos” nem nas “mudanças mágicas de cenário político, chamadas revoluções, feitas por muita cobiça em nome de muita ilusão”. Admite, pelo contrário, a possibilidade da salvação pela “reforma das instituições, e não só políticas como das sociais, coisa que pede sossego e não violência, reflexão e não paixão, muito boa fé e algum estudo”. O republicanismo sempre viu como panaceia dos nossos problemas a mudança de regime, ignorando, grosseiramente, o factor essencial que era a questão social. Não se dava conta de que havia, como refere Martins, tantas monarquias europeias onde, sem percalços graves, e dentro das instituições, se tinha procedido a verdadeiras e assinaláveis reformas da sociedade.
  • 49. Além de que, aspecto execrável, para os caracteres mais sanguíneos do republicanismo, estaria sempre presente o fascínio que a guilhotina e o Terror exerciam sobre a sua imaginação. No romance “A Capital”, Eça de Queirós evidencia essa profunda divergência: “ - Este Clube (Democrático) não tem exclusivismos… - Mas tem divergências! […] Entre pessoas que aspiram apenas a substituir um rei constitucional por um presidente jacobino, que se indignam porque há viscondes, que fazem guerra à lista civil e outras pieguices – e entre nós, que queremos a evolução democrático-social na sua larga acção – há divergências muito graves. É conveniente evitar os equívocos. […] - Não queremos ser confundidos com os jacobinos!” “Um jacobino é um conservador incoerente com frases de demagogo” Antero de Quental, Aos eleitores do Círculo 98, 1880
  • 50.
  • 51. Cotação média anual do câmbio de Lisboa sobre Londres (mil reis) Paridade: mil reis = 53 1/3 dinheiros O. Salazar, O ágio do ouro 1916 1 libra = 12 xelins = 240 dinheiros
  • 52. Na mão de Deus Na mão de Deus, na sua mão direita, Descansou afinal meu coração. Do palácio encantado da Ilusão Desci a passo e passo a escada estreita. Como as flores, com que se enfeita A ignorância infantil, despojo vão, Depus do Ideal e da Paixão A forma transitória e imperfeita. Como criança, em lôbrega jornada, Que a mãe leva ao colo agasalhada, E atravessa, sorrindo vagamente, Selvas, mares, areias do deserto… Dorme o teu sono, coração liberto, Dorme na mão de Deus eternamente. 11 de Setembro de 1891 Antero soçobra às suas penas e dúvidas e suicida-se em Ponta Delgada com dois tiros de revólver
  • 53. Oliveira Martins tem uma fugaz passagem pelo Governo, integrando um ministério presidido por José Dias Ferreira. Martins não será feliz nessa experiência governamental como ministro da Fazenda (17 de Jan. – 27 de Maio de 1892). Em carta a Eça de Queirós, desabafa: “ José Maria do meu coração! Emergi da cloaca ministerial” Dias Ferreira 1837-1909 Nos princípios de 1894, Martins tem febres quase permanentes. Instala-se no antigo convento de Brancanes, à vista de Setúbal. Piora e volta a Lisboa. A 24 de Agosto de 1894 morre Joaquim Pedro de Oliveira Martins. Despede-se: “Morro triste e não levo saudades do mundo”. “Peçam aos meus amigos que se lembrem de mim com saudade.” Na altura reunia elementos para o seu novo livro, O Príncipe Perfeito. Oliveira Martins 1845-1894
  • 54. A Situação Económica Crescimento do PIB per capita D. Justino 1989 PIB per capita em percentagem da média europeia R. Esteves 2000
  • 55. “Para mim é fora de dúvida que Portugal nunca foi tão rico como está hoje, visto possuir uma indústria fabril quase completa. Se chega a produzir o pão necessário, terá desde logo equilibrado a sua balança comercial. O grande desenvolvimento industrial nestes últimos seis anos é testemunho bastante da energia nacional. Se o Oliveira Martins pudesse ver este rejuvenescimento da riqueza nacional!” Alberto Sampaio, carta a Luís de Magalhães, Dezembro de 1898 Luís de Magalhães 1859-1935 Com efeito, atingida a cotação mais baixa do mil-réis, exactamente em 1898, a sua ascensão sustentada é sintoma de uma melhoria económica geral que se repercutirá em 1906 quando a moeda alcançar a paridade com a libra inglesa.
  • 56. No verão de 1899 declara-se um surto de peste na Porto. O governo Progressista de José Luciano de Castro isola a cidade. Os portuenses, furiosos, com a conivência do chefe dos Regeneradores, que aconselha os seus apoiantes a votarem nos candidatos republicanos, elegem Afonso Costa, Paulo Falcão e Xavier Esteves. Jornal “A Paródia” de Rafael Bordalo Pinheiro Em Maio de 1902, um grupo de oficiais dirige uma mensagem a D. Carlos exigindo “um governo pessoal segundo o sistema prussiano”. Entre os autores da mensagem estavam “quase todos ou todos os oficiais republicanos, que sob a chefia de Carlos Cândido dos Reis, estavam conspirando contra o regime monárquico” (Homem Cristo) A recusa do Rei mereceu no Povo de Aveiro o comentário: “vossa majestade deu um exemplo de liberdade que deve envergonhar muitos dos seus súbditos”.
  • 57. 16 de Agosto de 1900. Morre em Paris José Maria Eça de Queirós. A febre intestinal de que padecia talvez a tenha contraído em Havana ou no Médio Oriente quando aí se deslocou para assistir à inauguração do Canal do Suez. Eça de Queirós 1845-1900 “Minha querida Emília Continuo na mesma. Pouco bem.” Carta da Suíça, de 4 de Agosto de 1900, quando fazia tenções de se deslocar a Heidelberga para consultar um especialista que lhe tinha sido recomendado.
  • 58. Bernardino Machado, ex-ministro, ex-grão-mestre da Maçonaria e futuro Presidente da República, sobre D. Carlos, na revista Instituto, de Coimbra, 1901, dois anos antes de aderir ao PRP “Raras vezes tão preciosos dons pessoais esmaltaram a coroa, como hoje em Portugal. O rei dá o exemplo de estudo, de gosto pelos prazeres intelectuais, naturalista e pintor apreciável, e até o exemplo do enrijamento físico que nos não é menos necessário. Quase todos têm que aprender com ele a amar por igual os exercícios do espírito e do corpo, e a preparar-se assim cabalmente, por meio de uns e de outros, a bem servir a Nação. Modesto no trato íntimo, a sua palavra tem vibração, sonoridade e calor em meio das assembleias solenes. Não fraquejando nunca nas situações difíceis, a sua coragem é simpática”. Bernardino Machado 1851-1944 Quando aderiu ao PRP, os novos correligionários começaram de imediato a bajulá-lo. Em 1904 tinha sido citado nos jornais 3674 vezes, sendo considerado: luminoso talento 1145 vezes, grande talento 2338 vezes, génio 147, grandíssima alma 2491, patriarca 188, santo 299, carácter imaculado 3001, homem de probidade transcendente 138, inteligência de lucidez etérea 97, sábio 1647, patriota 2425, chefe de família modelo 2314, ilustre 75, casto 2 e pudico 5.
  • 59. O primeiro governo de João Franco. “O embaixador inglês notou o facto de todos os ministros serem homens abastados (havia mesmo dois banqueiros), o que lhe pareceu bom sinal, porque teriam menos razões para meter a mão no orçamento de Estado” (Rui Ramos) Entre os apoiantes de João Franco contam-se Ramalho Ortigão, Fialho de Almeida, um ex-republicano e, como há-de confessar mais tarde a Raul Proença, António Sérgio. Governo João Franco (Maio 1906 – Fevereiro 1908) De João Franco João Chagas reconhecia-lhe quatro qualidades: era rico, o que dava uma caução à sua rigorosa honestidade, tinha uma fé ilimitada em si mesmo – exalava força, era eloquente, tinha um programa de reformas dos costumes políticos. Homem Cristo em Junho de 1906: “Temo-nos fartado de pedir liberdades”, e agora que “João Franco prometeu, precisamente, a maior parte daquilo que os republicanos têm pedido”, “estamos com medo de João Franco nos tirar força e prestígio executando as suas promessas”.
  • 60. Grande parte da legislatura é despendida pelo PRP a discutir a nacionalidade de DrieselSchroeter, filho de austríacos e casado com uma senhora portuguesa, Presidente da Associação Comercial de Lisboa e ministro da Fazenda. O partido de João Franco, Centro Regenerador-Liberal, tinha um grupo parlamentar que não bastava à manutenção do Governo. Franco necessitava do apoio dos Progressistas de José Luciano de Castro. Quando pretendeu fazer uma remodelação, chamando ao executivo três membros desse partido, indicados por si, recebeu uma recusa. A D. Carlos restavam duas hipóteses: ou demitia João Franco ou dava-lhe a ditadura. Ernesto (Ernst) DrieselSchroeter 1850-1942 A ditadura, como era entendida no Liberalismo, significava somente que o Governo legislava por decreto, à margem do Parlamento, isto é, o Governo acumulava a função executiva com a legislativa. A ditadura já tinha sido pedida a D. Carlos quer pelo chefe regenerador Hintze Ribeiro, quer pelo chefe progressista Luciano de Castro. A questão agora é que temiam que o objectivo fosse criar um partido novo, angariando dissidências e vontades, que conduzisse a nova correlação de forças no espectro político, e isso não estavam dispostos a tolerar.
  • 61. Em Março de 1907, a reprovação por unanimidade de um candidato a doutor, José Eugénio Dias Ferreira, filho de José Dias Ferreira, e que tinha aderido ao Partido Republicano em Janeiro, vai despoletar uma crise académica em todo o País, atiçada pelos republicanos. No Parlamento, a táctica seguida pelos deputados do PRP é a de criar a confusão, dando livre expressão à insolência, de modo a serem expulsos, e com isso poderem apresentar-se como vítimas da “violência inerente ao sistema”. Mas nem todos estão dispostos a fazer-lhes a vontade. Em carta de D. Carlos a João Franco, de 9 de Abril de 1907, diz o Rei: “Soube, e não sei se disto também terias sido informado, que deputados republicanos, salientando-se na discussão Alexandre Braga, combinaram o fazer-se expulsar outra vez pela força armada, porque dizem eles que assim expulsos por causa dos rapazes, os terão logo todos do seu lado. Não creio que os tivessem todos mas teriam bastantes, e parece-me que se lhes deve evitar o gostinho.”
  • 62. Alexandre Braga – deputado republicano , natural do Porto. Mação. Fez parte do célebre governo d’ “Os Miseráveis de Vítor Hugo”, do nome do Presidente do Conselho Vítor Hugo de Azevedo Coutinho. O governo era também conhecido como a “Adega do Braga”, já que este cavalheiro republicano tinha desenvolvido pela aguardente uma idolatria de verdadeiro fanático. Alexandre Braga 1871-1921 A questão da Lista Civil A Lista Civil era a dotação que o Parlamento atribuía à Casa Real, e que saía do Erário Público. O Partido Republicano chamava-lhe o “cancro das finanças”. D. Carlos auferia uma verba que era a mesma do tempo da sua avó, D. Maria II, 50 anos atrás. E não era por falta de recursos do país, mas sim por cobardia política, o que os levava a fazer adiantamentos ao Rei em vez de proceder a uma actualização. A dotação era modesta, comparada relativamente com outras monarquias, e de maneira alguma despropositada à representação do País, como depois os republicanos vieram a saber por experiência própria. Apenas por curiosidade, aqui ao lado, na Espanha, a Monarquia custa a cada espanhol 19 centavos de euro, enquanto que a cada um de nós a República nos fica por 1,58 euros, transferindo o Governo Espanhol para a Casa Real 9 milhões de euros, quando o nosso transfere para a Presidência da República 16 milhões.
  • 63. Todos os argumentos, pois, militavam no espírito dos ideólogos em favor de uma república – mesmo a sua barateza, pela supressão da lista civil (argumento que impressiona as classes comerciais). Com efeito, o presidente dos Estados Unidos pouco mais ganha do que um ministro no Rio de Janeiro: mas os brasileiros ignoravam (como nós, de resto, na Europa, imperfeitamente sabíamos antes da publicação do livro do americano William Ivins, Machine Politics and Money in Election) que a eleição do Presidente dos Estados Unidos custa cada quatro anos mais de 90 mil contos, o que dividido pelos quatro anos que dura o presidente, dá vinte e dois mil e quinhentos contos por ano – soma amplamente suficiente para pagar todos os soberanos da Europa e o seu luxo, incluindo o sultão e o Papa. Eça de Queirós – A revolução do Brasil Ramalho há-de cravar mais uma farpa: “Como o boi puro o povo não se desilude nunca, nunca se desengana da lide. Um dos seus lidadores […] pôs-lhe mui hábil e graficamente diante dos olhos este argumento aritmético demonstrativo da fome da nação originada do escândalo da lista civil no orçamento geral do Estado. O orador somou, a parcela por parcela, o que recebiam o rei e as demais pessoas da família real; dividiu o total em reis por 80, e demonstrou pelo quociente que cerca de 400 000 famílias receberiam de graça dois pães de pataco desde o dia imediato ao do advento da República, em que se distribuísse pelo povo o que devorava a realeza” Ramalho Ortigão, O Sebastianismo Nacional, Fevereiro de 1911
  • 64. “Outro retórico, em outro comício, explicou, por meio de processo igualmente matemático, que o custeio de cada cavalo de luxo nas reais cavalariças importava em tanto como o sustento de quatro famílias.” “Ora sucede que, abolida a Monarquia, e achando-nos nós no mês 5 do ano I da República, nenhum pão de pataco dos oitocentos mil que ingeria o rei, foi por enquanto distribuído ao povo, e que o mesmo povo, outra vez transferido de “Povo Soberano” a “Zé-Povinho”, com indício de estar mudado o Governo da Nação, não logrou ainda o regozijo gratuito de ver passar em dia de gala, dos paços do Governo para o paço da Ajuda, em vez do rei antigo, o presidente novo em coche real puxado a quatro por dezasseis relinchantes famílias aristocraticamente engatadas à Grand-Daumont” Ramalho Ortigão, O Sebastianismo Nacional, Fevereiro de 1911 Entretanto, o jornal do Partido Republicano “O Mundo” mandava calar o autor de “As Farpas”, às quais outro escritor republicano, Aquilino Ribeiro, chamou “as tábuas de bronze de um povo”.
  • 65. … à hora a que escrevemos estas linhas Gomes Leal acha-se preso. Para princípio de vida está no lugar mais decentezinho com que os governos em Portugal podem ainda hoje apadrinhar um amigo. Como perseguido ele pode chegar a tudo quanto apeteça no Estado, e se souber aproveitar o tempo aprendendo o ofício de vítima – de aqui até que o júri ponha cobro ao favoritismo que o prendeu, condenando-o à soltura -, creiam que o hão-de ver ministro para o ministério que vem. João Ribaixo (Ramalho Ortigão) in Álbum das Glórias (desenho de Rafael Bordalo Pinheiro) Acerca do tratamento reservado aos revolucionários por João Franco, escreve Homem Cristo : “Na Rússia vai este para a Sibéria. Na Espanha vai para o fundo de uma enxovia, onde leva chicotada, ou vai para … o garrote. Em Portugal … vai tomar chá e cavaquear com os oficiais da Guarda Municipal” Povo de Aveiro, 11 de Abril de 1909
  • 66. Afonso Costa, na prisão, durante a medonha ditadura de João Franco, após ter-se envolvido numa tentativa de golpe de Estado A masmorra tinha máquina de café, louça cedida pela família do comandante do estabelecimento e almoços encomendados no Tavares Menu do dia 30 de Janeiro de 1908 Linguado frito Bife de vitela Batatas em palha Vinho de Colares Queijo da Serra Maçã, tangerina e banana Afonso Costa Irritava-o, no entanto, a sorte de António José de Almeida, que fora preso antes dele, o que lhe tinha permitido apanhar o melhor aposento da enxovia.
  • 67. O Regicídio - Trajecto desde a estação fluvial até ao local do assassínio Pelas 5 da tarde do dia 1 de Fevereiro de 1908, chegam ao Terreiro do Paço, vindos de Vila Viçosa, D. Carlos, a Rainha D. Amélia e D. Luís Filipe. D.Manuel, que está em Lisboa, vai esperá-los. Poucos minutos depois, D.Carlos e o Príncipe-Real são assassinados. Local do atentado
  • 68. Os terroristas assassinos são republicanos convictos pertencentes à Maçonaria, possivelmente membros de lojas irregulares. Os principais suspeitos de terem sido os mandantes do crime são José Maria de Alpoim, chefe da Dissidência Progressista, o visconde da Ribeira Brava, filho de um comerciante madeirense nobilitado por D. Luís, e Afonso Costa, membro do Partido Republicano. José de Alpoim 1858-1916 “Os elementos mais verosímeis […] (das várias versões dos acontecimentos) dizem […] respeito à existência de um grupo de revolucionários armados ao qual, no âmbito do 28 de Janeiro, teria sido encomendada uma operação de assassinato, tendo Franco ou o Rei como alvos, ou ambos. Esse grupo tinha como interlocutores os chefes republicanos, e recebera armas dos Dissidentes” Rui Ramos, D. Carlos, 2007 Ribeira Brava 1852-1918 Afonso Costa 1871-1937 Já se sabia que os republicanos eram um grupo de doidos, agora sabe-se que são um grupo de doidos maus. (Homem Cristo, Povo de Aveiro)
  • 69. “O Rei era um homem “liberal”, isto é, de esquerda (inclusive livre-pensador). Durante anos tentou ser um escrupuloso rei constitucional” (Rui Ramos) “Pobre, pobre D. Carlos!, quando se pensa que afinal era mais inteligente, e teve talvez virtudes superiores às dos seus adversários – e porque não dizer? – às dos seus cúmplices […] (Fialho de Almeida, 1909) “Porque foi, por exemplo, morto D. Carlos? […] E no entanto já hoje se pode afirmar sem erro que D. Carlos não foi morto pelos seus defeitos, mas pelas suas qualidades. Respirou-se! respirou-se! – o que não impede que, a cada ano que passa, esta figura cresça, a ponto de me parecer um dos maiores reis da sua dinastia. Já redobra de proporções e não se tira do horizonte da nossa consciência.” (Raúl Brandão, Novembro de 1918, in Memórias) D. Carlos (1863 – 1908) Teixeira de Pascoaes, um republicano, escreve, em 1925, o drama em verso D. Carlos, uma espécie de anti-Pátria de Junqueiro, um ano após a publicação do livro de João Franco, “Cartas d’El-Rei D. Carlos I a João Franco Castelo-Branco seu Último Presidente do Conselho”
  • 70. O Conselho de Estado propõe a D. Manuel II, então com 18 anos, a formação de um governo de concentração partidária sem Franquistas. João Franco parte para o exílio não voltando a intervir na política até à publicação em 1924 da correspondência tida com D. Carlos durante o seu governo. Eduardo VII de Inglaterra ao Marquês de Soveral: “Que país é esse onde matam um rei e um príncipe e a primeira medida que se toma é demitir o ministério? A revolução triunfou, não é verdade?” D. Manuel II 1889-1932 O Partido Republicano, que em 1901 parecia condenado à decadência irreversível, vai ter agora uma franca revitalização, dada a atmosfera favorável assim criada. “O Partido Republicano recebia uma onda de adeptos sempre que a especulação ou a ingenuidade pública julgava a república iminente. Depois a onda voltava ao mar e conquanto se não desfizesse de todo, diminuía consideravelmente de volume e de fragor”(Francisco Homem Cristo, Notas da Minha Vida e do Meu Tempo, 1936) “Só depois de 1908 o Partido Republicano se expandiu verdadeiramente, quando passou de 62 centros em todo o país para 172 em pouco mais de dois anos” (Rui Ramos)
  • 71. É feito um inquérito pro forma às circunstâncias do assassínio de D. Carlos e do Príncipe-Real que nada esclarece. Todos os implicados na tentativa de golpe de Estado de 28 de Janeiro são amnistiados. Inclusive, até a José de Alpoim, que todos consideram estar envolvido no regicídio, pedem à Rainha para receber. É a acalmação e o baixar de braços final do regime. “Depois da sua queda (de Franco), instalara-se em Lisboa a verdadeira “ditadura”, a ditadura da canalha lisboeta, ao serviço de Costa e Alpoim” (Rui Ramos) “Quem manda, quem governa, mesmo na oposição, são os republicanos, que o Alpoim leva pela mão até às questões importantes” (Raúl Brandão, Julho de 1910, in Memórias) Em 1909 D. Manuel II vai contratar, a expensas suas, um estudo sobre o estado geral do país, e medidas a tomar para o seu melhoramento, convidando o sociólogo francês LéonPoinsard, auxiliado por Matos Braamcamp e Serras e Silva, que percorrerão o país, e que irão apresentar no final um extenso relatório com as suas conclusões e sugestões de medidas a tomar.
  • 72. Em Junho de 1909, D. Manuel entra em contacto com dirigentes do Partido Operário Socialista. O objectivo era envolver os socialistas no projecto de reformas que visava para Portugal, como já tinha sido feito, aliás, em outros países, e desviar a massa trabalhadora da influência republicano-jacobina. Aquiles Monteverde, em carta ao Rei, declara: “Arrostei com um elemento considerado o mais revolucionário e intratável: o Arsenal da Marinha”. Na empresa, D. Manuel era apoiado por Carneiro Pacheco, professor da Universidade de Coimbra, e autor de um estudo sobre o movimento operário. D. Manuel II de visita ao Porto Em Julho de 1910, o Governo cria uma comissão encarregada de estudar o estabelecimento do Instituto do Trabalho Nacional,tendo nomeado para ela três socialistas, incluindo os históricos Azedo Gneco e Ladislau Batalha. O Governo , presidido por Teixeira de Sousa, e último do regime liberal, para o qual se aventou até a hipótese de ir o próprio Afonso Costa, era um ministério claramente de esquerda com um programa avançado de reformas sociais e económicas.
  • 73. Carbonária – organização terrorista republicana usada para golpes de mão. Utilizava como arma favorita a bomba de dinamite a que chamava “artilharia civil”. A sua base de recrutamento era a “canalha”, gente de condição baixa e impressionável, com o mesmo padrão sociológico daquilo que iria ser a Formiga Branca, tropa de choque do Partido Democrático de Afonso Costa, e da SA, a Sturmabteilungdo Partido Nazi alemão. O célebre motto dos carbonários “Beber o sangue do último rei pelo crânio do último padre” basta para aquilatar o tipo moral da organização. A Alta Venda Antº Mª da Silva, Luz Afonso e Machado Santos António Mª da Silva, engº de Minas pela Escola do Exército, e o comissário naval graduado em 2º tenente Machado Santos, tendo-se juntando a Luz Afonso, vieram dar significativo poder organizativo à Carbonária. Os três formavam a Alta Venda, a chefia mística da sociedade. Aulas práticas – carbonários exemplificando o fabrico de bombas. Ilustração Portuguesa, 1911.
  • 74. O exército “O exército não é composto de entidades abstractas e impessoais como princípios: é composto de homens de carne e osso, susceptíveis de todas as fraquezas e de todas as tentações humanas.” (Eça de Queirós) O exército português, em 1910, não constituía de modo algum aquela instituição marcial plena de tradições, máquina bélica bem lubrificada, rolando sobre esferas, comandada por aristocratas que apenas convivem entre si  casta impermeável ao mundo , e que, tendo recebido dos pais, passam por sua vez aos filhos todas as altas lições de Pátria, Honra e Dever, como era o caso do exército alemão, que tanta impressão fez em Aquilino. “Uma bela manhã de Maio de 1912 […] acordei a caudaloso e compassado tropel. Eram os hussardos daKronprinzessinque se dirigiam à parada. Corcéis de raça, robustos e garbosos cavaleiros, uniformes tão limpos e escarolados que não seria ingénuo perguntar se acabavam de tirá-los do casão. Marchavam a duas alas com perfeita cadência e rigor geométrico. A certa altura da avenida, a charanga rompeu num pasodoble. Acima do estrépito os metais vibraram com brusquidão alada; pareceu-me que o céu abria como açucena; era soberbo, marcialmente soberbo.” (Aquilino Ribeiro, É a Guerra, 1934)
  • 75. O exército “O exército, de facto, não passava de uma dispersa massa de funcionários públicos fardados e de guardas de feira, às ordens do Ministério da Guerra” (Rui Ramos) “Qualquer oficial, desde que tivesse contactos políticos, podia borrifar-se para a hierarquia” (Correio da Noite, 13 de Setembro de 1910) “Quanto ao Exército, digamo-lo, era inútil, mas a Nação pagava-o como certas velhas que têm um amante – vestido de vermelho e espada-arrasto, que lhes não servem de nada e as arruinam. Fantasia ou vício. Somente lhe pagava muito mal.” (Raul Brandão, Memórias) Uma característica peculiar do exército era a dos oficiais que não aderindo a sedições e intentonas também as não combatiam. Não se queriam comprometer. Tinham empregos de alguma estabilidade e almejavam somente à reforma, ao sossego, a uma boa cavaqueira e a um ou outro chá em casas burguesas respeitáveis.
  • 76. P Tavares de Almeida Eleições de 28 de Agosto de 1910 para a Câmara de Deputados 155 lugares Apoiantes de Teixeira de Sousa 90, Oposição Constitucional 51 Partido Republicano 14 deputados Adelino Maltez
  • 77. 5 de Outubro – Cronologia do golpe 2 de Outubro – Os republicanos aprazam o golpe para a 1 hora do dia 4 de Outubro 3 de Outubro – Última reunião dos golpistas. Vários irão esquivar-se à sua participação, outros mostrar-se-ão contra, outros ainda ficarão alheios às movimentações. O vice-almirante Cândido dos Reis, o mesmo que em 1902 tinha exigido a D. Carlos um governo pessoal de tipo prussiano, insiste em que se vá para a frente. Machado Santos, um funcionário da Marinha sem relevância, mas um dos chefes da Carbonária, já tinha, entretanto, passado à acção. 4 de Outubro (madrugada) – Em Infantaria 16, Machado recruta umas 50 a 60 praças após terem assassinado a tiro um comandante e um capitão. Em Artilharia 1, o capitão A. Palla e alguns sargentos, que haviam introduzido alguns civis no quartel, prendem os oficiais, e juntam-se à coluna de Machado. Palla e Machado Santos seguem para a Rotunda da Avenida, onde se entrincheiram. São 5 da manhã. Haverá aí 200 a 300 praças de Artilharia 1, 50 a 60 de Infantaria 16 e cerca de 200 populares. Entretanto, um tenente, Ladislau Parreira ,e alguns oficias e civis introduzem-se no Quartel do Corpo de Marinheiros de Alcântara, sublevam a guarnição e aprisionam os comandantes, ferindo um deles. No Tejo estão surtos três cruzadores: o Adamastor, o S. Rafael e o mais poderoso dos três o D. Carlos.
  • 78. 5 de Outubro – Cronologia do golpe O tenente M. Cabeçadas toma o comando da tripulação do Adamastor enquanto a do "São Rafael" espera oficial para a comandar. Não se vislumbram os principais dirigentes republicanos que tardam em aparecer. Pelas 7 h é encontrado morto Cândido dos Reis que, julgando o golpe fracassado e apreciando os lances dramáticos, se tinha suicidado. Entretanto, na Rotunda, o aparente sossego da cidade, donde não desembocavam como torrentes as massas republicanas, desalentava de tal maneira os revoltosos que os oficiais acharam melhor desistir. Os militares sediciosos Sá Cardoso, Palla e os outros oficiais retiraram-se assim em boa ordem para o aconchego dos seus lares enquanto Machado Santos e os seus carbonários se mantiveram no seu posto. Desta decisão resultou o sucesso do golpe de Estado do 5 de Outubro. Do lado governamental, os regimentos de Infantaria 1, Infantaria 2, Caçadores 2 e Cavalaria 2, mais a bateria de Queluz seguem para o Palácio das Necessidades para proteger o Rei, enquanto Infantaria 5 e Caçadores 5 marcharam para o Rossio com a missão de proteger o quartel-general.
  • 79. 5 de Outubro – Cronologia do golpe O comando militar da cidade organizou um destacamento para atacar os revoltosos, sob o comando do coronel Alfredo Albuquerque, composta das unidades de Infantaria 2, Cavalaria 2 e a bateria móvel de Queluz. Desta última faz parte o herói das guerras africanas de pacificação o Major Henrique de Paiva Couceiro. Entre as 12h30 e as 16h00, Paiva Couceiro faz fogo sobre a Rotunda. Uma coluna que se havia formado com o propósito de atacar os revoltosos aí entrincheirados foi mandada retirar, chegando ao Rossio ao fim da tarde sem ter combatido. Deu a ordem de retirada o general António Carvalhal, no dia seguinte nomeado chefe da Divisão Militar pelas novas autoridades, que, traindo o Governo que o empregava e aceitando um lugar dos que lhe competia combater, se cobriu duplamente de desonra. As unidades de Artilharia 3 e Caçadores 6, chamadas de Santarém, e a de Infantaria 15, de Tomar, com guias de marcha para se dirigirem a Lisboa, não chegam a entrar em combate. Pelas duas da tarde os cruzadores Adamastor e São Rafael, que tinham fundeado em frente ao quartel dos marinheiros, começam a bombardear o Palácio das Necessidades. Às 4 a Marinha bombardeia o Terreiro do Paço. Pelas 9, o tenente Carlos da Maia com alguns marinheiros e civis, após algum tiroteio, que fere o comandante do navio e um tenente, apossam-se do cruzador D. Carlos.
  • 80. 5 de Outubro – Cronologia do golpe 5 de Outubro - Às três da manhã, Paiva Couceiro parte com a bateria móvel, escoltado por um esquadrão da guarda municipal, e instala-se no Jardim de Castro Guimarães aguardando a madrugada. Quando as forças da Rotunda começaram a disparar sobre o Rossio, Paiva Couceiro abre fogo provocando baixas e semeando a confusão entre os revoltosos. O bombardeamento prossegue com vantagem para os governamentais, mas às oito Couceiro recebe ordem para cessar-fogo, pois iria haver um armistício de uma hora. O ministro plenipotenciário da Alemanha, chegado na antevéspera, instalara-se no Hotel Avenida Palace. A proximidade do edifício da zona dos combates não o poupou a estragos. Perante este perigo, o diplomata tomou a resolução de intervir. Dirigiu-se ao quartel-general e pediu ao general Gorjão Henriques um cessar-fogo que lhe permitisse evacuar os cidadãos estrangeiros. Sem comunicar ao governo, o general acede. O diplomata alemão, acompanhado de um ordenança com a bandeira branca, dirige-se à Rotunda para acertar o armistício com os revoltosos. Estes, vendo a bandeira branca, e julgando tratar-se da rendição das forças governamentais, saem das fileiras e juntam-se ao povo, que entretanto se tinha aglomerado na Rotunda. Desencadeia-se então uma situação confusa, com insubordinação de tropas no Rossio e, pouco depois, pelas 9 da manhã, José Relvas proclama a República na varanda do edifício da Câmara Municipal de Lisboa.
  • 81. 5 de Outubro – Cronologia do golpe Aspecto das barricadas – Rotunda da Avenida Revolucionários festejando a vitória. De barbas e chapéu na mão está o visconde da Ribeira Brava. Na manhã do dia 4, com salvo-conduto do Quartel-General, estivera na Rotunda tentando dissuadir os revoltosos “Malva do Vale conta: Éramos quatrocentos e cinquenta homens no alto da Avenida antes de vencermos; depois fomos milhares, todos armados, desde o Ribeira Brava até aos ilustres desconhecidos. Apareciam heróis às chusmas.” (Raul Brandão, Memórias) Civis posam de armas na mão depois da vitória Da revolta teriam resultado 60 a 70 vítimas mortais
  • 82. 5 de Outubro – Cronologia do golpe Henrique de Paiva Couceiro – herói africanista, antigo Governador- Geral de Angola, a lealdade com que defendeu o seu jovem Rei e seu Comandante-em-Chefe granjeou-lhe um lugar perene entre o escol dos Homens de Honra. “Logo a seguir à famosa batalha de 5 de Outubro na Rotunda, as forças vencedoras marcharam sobre o Terreiro do Paço, e aí se procedeu à chamada geral a fim de determinar qual o exacto número de beligerantes ceifados pela morte sobre o terreno da luta. Dessa contagem resultou averiguar-se que das 4 dúzias de heróis que denodadamente haviam derramado o seu sangue e dado a sua vida pelas conquista das liberdades pátrias, sobreviviam apenas uns dez ou doze mil!” (Ramalho Ortigão, Como nós éramos – como eles são, Março 1912) Paiva Couceiro 1861-1944 Na Galiza em 1912 comandando as forças restauracionistas Em Angola com o Príncipe D. Luís Filipe, 1907
  • 83. No anexo à sua obra Le Portugal Inconnu, LéonPoinsard reflecte: “Se se quer pôr a charrua à frente dos bois e reconstituir a situação política antes de reconstituída a vida particular e as instituições locais, se se quer lutar contra os abusos e as baixezas da política por meio da mesma política, a falência é inevitável. Nunca, em tal terreno, os homens probos e justos, naturalmente ciosos da sua reputação, prevalecerão contra os intrigantes e os ambiciosos que fazem da política uma profissão. Os primeiros serão constantemente derrotados pelos segundos, e todas as tentativas futuras encalharão como encalharam as experiências do passado” “Em todo o país centralizado basta, por meio de um audacioso movimento, deitar a mão às administrações centrais para subjugar o país inteiro, qualquer que seja nele a maioria da opinião” “Os quadros políticos mudarão de tabuleta mas não de pessoal, o qual passará em massa e instantaneamente para o lado do mais forte. Conservar-se-ão os mesmos apetites e os mesmos processos, e o resultado será o mesmo. Com a única diferença de que os violentos e os exaltados tomarão mais campo do que tinham, aumentando assim a desordem e o perigo. Cruelmente se desenganarão em pouco tempo os que a este respeito possam ainda manter uma ilusão.”
  • 84. O que movia os republicanos, esses lidadores do boi-povo, à parte o ódio ao Rei e aos padres? É muito provável que para um carácter lírico e romântico como Manuel de Arriaga o movesse o desejo sincero de engrandecimento de Portugal e de bem servir a Pátria, e que fosse a República, vá lá saber-seporquê, o único regime que podia realizá-lo. É possível. Mas para a maioria dos republicanos, dos que pugnavam pela aplicação da guilhotina, da Smith & Wesson e da técnica da lobotomia generalizada à cura da sociedade, movia-os tão-somente a ânsia do poder. Sendo dados um Estado apetecível passível de ser tomado, um grupo de ambiciosos dispostos a tomá-lo, e umas massas ignaras para lidar, a fatalidade das coisas determina de imediato a conclusão: tomaram-no! “Na França, sob Luís XVI, muita gente pensava que todos os males procediam dos reis e dos padres, pelo que cortaram a cabeça do rei e fizeram dos padres peças de caça. Mas mesmo assim não conseguiram desfrutar de uma bênção celestial. De maneira que, embora acreditassem que os reis eram maus, não havia perigo nenhum em estender os braços a imperadores” (Bertrand Russell, TheImpactofScienceonSociety, 1952)
  • 85. Os homens-fortes do novo regime Afonso Costa, o Jacobino Perfeito. Pertencia à geração de 90, a geração do Ultimato. Ganhou fama internacional ao pedir, em pleno Parlamento, a cabeça do Chefe de Estado. Nutria pelos jesuítas o mesmo ódio intenso que os nazis dispensavam aos judeus. José Relvas conta como Costa insinuou a sua participação no regicídio, dando a beijar a conspiradores, quando de uma reunião antes do 5 de Outubro, um revólver que pretensamente teria atirado sobre D. Carlos. Na altura do golpe andou desaparecido, tendo surgido no dia 5, com o triunfo já consumado, para recolher os louros da vitória. Tornou-se o chefe do Partido Democrático, facção radical do PRP quando este se cindiu. Possuía uma tropa de choque para controlar a “rua”, a Formiga Branca, gente respeitável de caçadeira capitaneada pelo João das Barbas, um genuíno democrata que tanto espancava padres como a própria mãe. A 3 de Julho de 1915, quando se dirigia para o Palácio do Governo, sofre traumatismo craniano ao atirar-se de um eléctrico temendo que lhe arremessassem uma bomba. Por tal motivo não pôde tomar posse. Nos anos 30, no exílio, sem perceber o que se passava no mundo, insistia em que tudo não era senão uma infame conspiração internacional dos jesuítas.
  • 86. Os homens-fortes do novo regime António José de Almeida, a linguagem da delinquência. Também ele da geração do Ultimato. Nos tempos de Coimbra, publicou num jornal académico um artigo intitulado “Bragança, o último”, em que numa linguagem elevada recomendava para “o último animal de Bragança […] metê-lo numa das gaiolas centrais do Jardim Zoológico, fazer-lhe ali uma cama de palha e deixá-lo dormir muito tranquilo e descansado”. Muito querido dos carbonários, a 3 de Junho de 1908, defende no Parlamento que a bomba de dinamite em revolução, e em certos casos, pode ser legítima. Em 1910, num comício republicano, declara: “não há monárquicos bons nem maus, o que é preciso é atirar-lhes a todos à cabeça”. Paradoxalmente, com a apropriação do Poder pelo PRP, em 1910, amansou. Possivelmente, por já ter abocanhado o osso. Chegou até a sugerir que poderia haver monárquicos bons, e, pasme-se, mesmo sem estarem mortos! Chefiava o Partido Evolucionista, resultado da cisão do PR. O tratamento que quisera ver aplicado aos monárquicos quase estivera a receber ele, quando apoiantes de Afonso Costa o quiseram matar. Ainda assim, dizia que preferia viver sob a tirania de Afonso Costa do que ser livre sob D. Manuel II. Chegou a haver uma Formiga Preta, mas sem o poder de fogo da sua congénere branca. Foi Presidente da República. António José de Almeida 1866-1929 Ar de quem se apresta para ferrar em alguém
  • 87. Os homens-fortes do novo regime Manuel Brito Camacho, o mais conservador dos três chefes republicanos. Publicou o jornal A Luta, e, após a cisão do PRP, funda o Partido União Republicana, Partido Unionista. Do grupo de A Luta, constavam igualmente João Chagas e Teixeira Gomes. Consideravam-se a si mesmos a nata da República. Chagas iria ser o mais acérrimo defensor da intervenção portuguesa na Grande Guerra, ao lado da Inglaterra, o que viria a acontecer em 1916. Brito Camacho 1862-1934 Aquilino Ribeiro, um correligionário político, traçar-lhe-ia um perfil pouco abonatório: “ Nenhum amigo seu ou pessoa com que tenha privado contestará que é rancoroso e ingrato, impulsivo, versátil e escravo das paixões, ostentador e megalómano, fútil e vaidoso, inalteravelmente cheio de si, ‘eu, mais eu, e um tanto minha mulher que está de joelhos diante de mim’”. Aquilino Ribeiro, É a Guerra – Diário, 3 de Agosto de 1914 João Chagas 1863-1925
  • 88. Os símbolos Como bons talibãs, os republicanos vencedores começaram de imediato a gozar a sua nova condição de donos da Pátria, tratando de escaqueirar os ídolos falsos do regime derrubado e de apresentar ao povo, para adoração e reverência, os deuses verdadeiros da nova religião. Estabeleceu-se uma nova bandeira, em substituição da de 1830. Projecto da autoria de Columbano Bordalo Pinheiro. A inspiração era a extinta bandeira do Liberalismo, partida, bicolor, armas sobre o partido. As cores eram as republicanas do Centro Democrático Federal. Recuperou-se o brasão do Reino Unido, com excepção da coroa que foi retirada. A esfera armilar representava agora não o Reino do Brasil mas sim o Ultramar, ou, no dizer dos republicanos, criados agradecidos e obrigados da França, as Colónias. Desenho humorístico de O Zé Columbano aplicaria a teoria psicológica das cores para considerá-las as mais adequadas a estimular a acção e a bravura ao contrário das antigas que seriam frias e inibidoras. A oposição de Junqueiro, que preferia as cores azul e branca, daria lugar à chamada questão das bandeiras.
  • 89. A lei eleitoral Uma das bandeiras republicanas era a do sufrágio universal, que constava do programa do PRP aprovado em Janeiro de 1891, no Porto, e que ainda se encontrava em vigor. (O sufrágio universal era de facto restrito porque apenas se aplicava ao universo masculino). Mas quando se apropiaram do Poder, e legislaram sobre a matéria, Decretos-Leis de 5 e 20 de Abril ,11 ,12 e 13 de Maio de 1911, as condições para se ser eleitor eram: “cidadãos maiores de 21 anos que saibam ler e escrever ou sejam chefes de família.” Não era o sufrágio universal prometido. As mulheres não estavam contempladas na lei, mas houve quem visse uma ambiguidade na legislação. Carolina Beatriz Ângelo, uma viúva, mostrou que quando a lei referia “cidadãos” isso englobava ambos os géneros, e ela era chefe de família. Os republicanos tornaram-se mais cuidadosos, além de mais restritivos, e pela Lei de 3 de Julho de1913 as condições já eram: “cidadãos do sexo masculino, maiores de 21 anos que saibam ler e escrever”. O mundo rural não vota, as mulheres não votam. Na Monarquia, em 1910, os eleitores são 693 171 ou 11,8% da população, tendo sido 20 anos antes 18,8%; em 1915, na República são 471 557 ou 7,7% da população. É boa! Não sei ler a lista para votar mas sei ler o aviso da décima para pagar! O Século Cómico (desenho de Magalhães)
  • 90. Uma feminista peculiar Ana de Castro Osório, escritora, republicana e tida por feminista. Enquanto em Inglaterra as sufragistas se manifestam publicamente pela extensão do direito de voto às mulheres, empreendendo mesmo acções violentas, a denodada feminista considera muito bem ajuizado que o seu amigo Afonso Costa não conceda o reconhecimento ao seu género quanto à capacidade e inteligência suficientes para ter ideias próprias. Teve, no entanto, a expressiva honra de ter sido a sofrida paixão do excepcional poeta simbolista Camilo Pessanha. Ana de Castro Osório 1872-1935 Sufragistas em campanha
  • 91. Tatuagens complicadas do meu peito: Troféus, emblemas, dois leões alados… Mais, entre corações engrinaldados, Um enorme, soberbo, amor-perfeito… E o meu brasão… Tem de oiro, num quartel Vermelho, um lis; tem no outro uma donzela, Em campo azul, de prata o corpo, aquela Que é no meu braço como que um broquel. Timbre: rompante, a megalomania Divisa: um ai - que insiste noite e dia Lembrando ruínas, sepulturas rasas… Entre castelos serpes batalhantes, E águias de negro, desfraldando as asas, Que realça de oiro um colar de besantes! Camilo Pessanha 1867-1926
  • 92. A lei da greve A 2 de Novembro de 1910 foi legalizado o direito à greve e ao lock-out. Mas com o Decreto de 6 de Dezembro regulamentava-se severamente esse direito. Instituía-se a proibição dos piquetes e a exigência de pré-aviso com uma semana de antecedência. Nos meios operários a directiva ficou conhecida como "Decreto-Burla“. Mas os trabalhadores ainda hão-de mostrar-se mais sensibilizados com tão grandes beneméritos quando mais tarde, em sinal de reconhecimento, concederem a Afonso Costa o título honorífico de Racha-Sindicalistas. “Voluntários da República” contra as greves O interesse exclusivo que os republicanos demonstravam pela questão política, em detrimento das questões económicas e morais, já tinha levado Antero de Quental a advertir que os trabalhadores tanto podiam ser explorados na Monarquia como na República. Como era evidente, não se tinha enganado. Ocupação militar da estação do Rossio durante a greve dos ferroviários, Janeiro de 1911. A actuação da GNR sobre piquetes e manifestantes era normalmente violenta.
  • 93. O ensino primário Pelo decreto de 29 de Março de 1911 reorganizava-se o ensino primário, criando-se o ensino oficial infantil, novo nível de ensino que de facto não é posto em prática. Desde 1835, no entanto, que em Portugal o ensino primário do Estado era gratuito, universal e obrigatório. De facto, com a proibição do ensino religioso nas escolas, o que se fazia era atentar à liberdade de ensino, e, com isso, coarctar a livre busca de conhecimentos e a satisfação da curiosidade intelectual. Mas o alcance era ainda maior. Pretendia moldar as crianças. A ideia era de que se se lhes não falasse de religião elas, mais tarde, quando adultas, não iriam experimentar interesses ou sentir inclinações religiosas. Nas palavras do Governo o intuito do ensino devia ser criar o “homem novo”, o bom republicano. Na célebre entrevista à BBC de Londres, Russell mostra de que maneira um governo totalitário pode alcançar a aquiescência da sociedade: “Em primeiro lugar podiam, a partir das escolas infantis e por aí fora, alcançar um poder enorme sobre as opiniões e a maneira de pensar do povo em geral, de maneira que cada indivíduo pense, espere e tema o que fosse determinado pelas autoridades educativas. Terá as esperanças e temores que essas autoridades desejarem, e fará parte obrigatória do panorama de ensino o pensarem bem do respectivo Governo, o que nem sempre é aceitável” (Bertrand Russell, Bertrand Russell speakshis mind,1959)
  • 94. A questão religiosa As medidas de carácter religioso tiveram um impacto assinalável no pós-5 de Outubro, sobretudo a lei da separação entre o Estado e a Igreja. De facto, neste particular, tratou-se mais de integração da Igreja no Estado do que uma separação. As igrejas passam a pertencer ao Estado, o culto no seu interior admitido, mas manifestações exteriores apenas são permitidas mediante prévia autorização e nos locais onde fossem “um costume inveterado da generalidade dos cidadãos”. A proibição do ensino religioso, das congregações e os abusos, perseguições, expulsões e assassínios de religiosos, que no séc. XIX observadores estrangeiros tinham considerado serem os mais liberais da Europa, criaram um clima de grande violência, gratuita em parte, mas também como consequência necessária dos princípios ideológicos que enformavam esses republicanos. As leis da família que se seguiram, divórcio, etc. praticamente apenas contemplaram os que já se encontravam nessa situação. Mesmo assim houve entre os republicanos quem tivesse achado excessivo o anticlericalismo que atingia tão fundamente a estrutura basilar da sociedade portuguesa. Há no republicanismo desse tempo uma deficiência filosófica fundamental na maneira de pensar e ver o mundo – a Weltanschauung, que lhes advém da sua natureza de políticos interessados na acção, no imediato, e não na reflexão, na compreensão do universo, mas também da ideologia dominante nas suas hostes, a filosofia positivista, da qual, ou dos seus traços gerais, retiraram o estritamente necessário para formar as suas ideias e opiniões.
  • 95. A questão religiosa Antero escreve: “O positivismo, como quase todas as coisas banais, e particularmente as banalidades francesas, parece claro, simples e capaz de explicar tudo; não pede além disso esforço algum à inteligência para ser compreendido: é finalmente cómodo, como todos os dogmatismos: estes defeitos são a causa do momentâneo favor que encontra em espíritos por um lado frouxos e sem a menor preparação filosófica, por outro lado impacientes de quebrarem o jugo de doutrinas puramente convencionais”. (Carta a Domingos Tarroso, 3 de Junho de 1881) A atitude filosófica perante o fenómeno religioso é muito bem colocada pelo republicano Anatole France: “É faltar ao sentimento de harmonia tratar sem piedade aquilo que é piedoso. Eu dedico às coisas santas um respeito sincero. Sei que não há certezas fora da ciência. Mas considero pensamento pouco científico o de supor que a ciência possa jamais substituir a religião. Enquanto o homem se amamentar do leite da mulher ele terá de ser consagrado num templo e iniciado num divino mistério”. Anatole France 1844-1924
  • 96. A questão religiosa Em artigo publicado na Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro, Eça comenta a ordem de expulsão dos jesuítas do ensino emitida pelo ministro da instrução do governo francês Jules Ferry: “É pueril; os republicanos que hoje governam (a França), riam quando o Império imaginava extinguir o socialismo dispersando a Internacional; e recaem no mesmo erro pensando aniquilar o clericalismo fechando três conventos de jesuítas! […] E depois, para quem ama realmente a liberdade, é repugnante estar lendo todos os dias nos jornais que já os jesuítas e as outras congregações ameaçadas começam a encaixotar os seus livros, a enfardelar tristemente os seus trapos, a despregar um ou outro painel da sua cela, porque se aproxima o dia 29, em que dois gendarmes de espadão à cinta virão arrancá-los aos conventos que são seus, edificados pela sua diligência, pagos com o seu metal e tantos anos habitados pela sua devoção. Há nisto um sabor desagradável à revogação do Edicto de Nantes, à expulsão dos judeus, a missionários apupados pela população chinesa.”(Eça de Queirós, 1880)
  • 97. A questão espanhola “Além disso (é de urgente patriotismo falar com franqueza), a república entre nós não é uma questão de política interna, mas de política externa. Um movimento insurreccional em Lisboa, triunfante ou semitriunfante, teria no dia seguinte um exército de intervenção marchando sobre nós da fronteira monárquica da Espanha. E se a Espanha […] se convertesse numa república conservadora – um movimento paralelo em Portugal, apoiado por ela e coroado de êxito, seria o fim da nossa autonomia, da nossa civilização própria, da nossa nacionalidade, da nossa história, da nossa língua, de tudo aquilo que nos é tão caro como a própria vida, e por que temos, durante séculos, derramado sangue e tesouros”. Eça de Queirós, Novos Factores da Política Portuguesa, Revista de Portugal, Abril 1890 No Outono de 1911, Afonso XIII de Espanha desloca-se a Londres para conferenciar com o governo inglês. “Veio pedir ao Governo Inglês que não se opusesse à sua entrada em Portugal, porque não lhe convinha a vizinhança de uma República anárquica”. (Confidência de D. Manuel ao seu secretário particular) “O meu grande medo é que a Inglaterra farta de tão belo aliado se entenda com a Espanha: todo o meu trabalho agora é impedir tal entendimento” (D. Manuel, 1915)
  • 98. As finanças Em 1913, Afonso Costa, mediante cortes na administração e a protelação da aquisição de navios, prometidos à Marinha de Guerra, consegue um orçamento excedentário, o que constituía uma novidade governativa. Mas a situação de grande instabilidade política e social criada no país anularia os impactos positivos que esse resultado pudesse ter. “Mas a política interna vai então exercer alguma influência e, senão causar, actuar ao menos na baixa posterior do nosso câmbio. Esta é já importante em 1912, agrava-se ainda em 1913 […] e assim até às vésperas da guerra, a nova e grande causa da profunda depressão hoje encontrada. Podem considerar-se de agitação política permanente os anos referidos. Revoluções fracassadas e violentas repressões, aliadas a campanhas apaixonadas, contraditórias, no interior e no exterior, tiveram efeitos desastrosos que se reflectiam nos câmbios. […] factos adversos, por entre os quais se perdeu, insensível e ineficaz, o equilíbrio orçamental apresentado em 1913”. (Oliveira Salazar, O Ágio do Ouro, Dissertação de concurso para assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (II grupo – Ciências Económicas), 1916)
  • 99. A 27 de Setembro de 1915, morre em Lisboa, vítima de doença, José Duarte Ramalho Ortigão. Duas grandes amizades se forjaram no seio desse grupo ímpar de homens superiores que constituiu a Geração de 70: Ramalho Ortigão e Eça de Queirós, Antero de Quental e Oliveira Martins. “carvões que mutuamente se aquecem e que produziram uma luz que alumiou o final do século”(A. J. Saraiva, A Tertúlia Ocidental, 1996) Ramalho Ortigão 1836-1915 “Pesa sobre vós uma responsabilidade tremenda. No estado em que se acha a sociedade portuguesa, a família é um duplo refúgio – do coração e do espírito. A família é dos pouquíssimos meios pelos quais ainda é lícito em Portugal a um homem honrado influir para o bem no destino do seu século. Querido leitor! O modo mais eficaz de seres útil à tua pátria é educares o teu filho. Consagra-te a ele” (Ramalho Ortigão, As Farpas, 1871).
  • 100. Nazismo avant la lettre Alemanha – anos 30 Portugal – c. 1910
  • 101. Nazismo avant la lettre Alemanha – anos 30 Portugal – c. 1910
  • 102. Nazismo avant la lettre Alemanha – anos 30 Portugal – c. 1910
  • 103. Nazismo avant la lettre Alemanha - 1940 Portugal – c. 1910 O Governo Nazi propõe à França o envio dos judeus da Polónia e do Reich para a ilha africana de Madagáscar. É a solução final para o problema judeu, antes de se decidirem a exterminá-los. Miguel Bombarda, director do manicómio de Rilhafoles, propõe o envio dos jesuítas para uma ilha deserta ou o seu internamento em hospitais psiquiátricos.
  • 104. Uma nação atufada em lama e asneira (Antero de Quental) “O povo parece desvairar. É o povo português que insulta os presos políticos? «Vejam-se os chascos, os escarros, os pontapés e as chuçadas que têm chovido sobre os presos políticos, que nem a turbamulta nem os depositários dos poderes da Nação sabem se são criminosos ou inocentes!» (d'O Porto, 19 de Out.). Ou são os bandos que correm de noite as ruas de Lisboa dando vivas e morras: – Abaixo o bloco! – Viva o dr. Afonso Costa! Viva a anarquia! Morra o António José de Almeida! Já o quiseram matar. Ontem (20 de Out.), a multidão assaltou-o no Rossio, aos gritos de mata! mata! Um homem de face patibular dizia a meu lado: – Dá-se-lhe um tiro na cabeça. – E o dr. Augusto Barreto exclamava: – E para isto trabalhei eu vinte anos! – No meio dum grupo de amigos, a fazer parede, ele só dizia: – Que ingratidão! que ingratidão!...” (Raúl Brandão, Outubro de 1911, in Memórias) Raúl Brandão (1867-1930)
  • 105. Uma nação atufada em lama e asneira (Antero de Quental) COIMBRA, 18. – É do teor seguinte o papelucho afixado ontem de noite nas esquinas e portas de conhecidos talassas, que a polícia apreendeu, como o Mundo noticiou: Prevenção Agora que a Pátria está sendo invadida por inimigos, previnem-se todos os indivíduos que por conta própria ou por conta de outrem tramem contra a vida de cidadãos republicanos, que, averiguada que seja a culpabilidade, ainda que somente por provas morais, serão justiçados onde quer que se encontrem. – Coimbra, 16 de Outubro de 1911. Os diferentes grupos de republicanos parecem a ponto de vir às mãos. Anteontem (27 de Out.), os amigos do António José (de Almeida) reuniram-se, à noite, na Redacção do República, todos armados de brownings e smiths, na iminência dum ataque. São os fanáticos? É o povo? O País não é. (Raúl Brandão, Outubro de 1911, in Memórias) António José de Almeida defende-se de revólver em punho às invectivas de morra! morra! que lhe dirigem partidários de Afonso Costa. Ilustração Portuguesa, 1911
  • 106. Uma nação atufada em lama e asneira (Antero de Quental) “Estamos chegados ao “fim do fim”! A última esperança foi-se e só vejo diante de nós um p�