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A Moça Tecelã
Marina Colasanti
(ADAPTAÇÃO por Francisca Jorge dos Santos, para apresentação do 9º D, do Colégio
Municipal Dr. João Paim – São Sebastião do Passé – Projeto Leituras Encantadas).
NARRADORA: Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás
das beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear.
Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia passando
entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o
horizonte.
Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que
nunca acabava.
Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na
lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em breve, na
penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos
rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.
Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam
os pássaros,
bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a
acalmar a natureza.
Assim, jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os grandes pentes do
tear para frente e para trás, a moça passava os seus dias.
Nada lhe faltava.
A MOÇA TECELÃ: (Levantando-se do tear, andando um lado para o outro devagar
e passando a mão na barriga) Nossa! Como estou com fome! Ah, quero comer um
peixe delicioso e beber um copo de leite bem fresquinho. (Corre e senta-se ao tear,
onde tecerá o peixe e o leite).
Senta-se à mesa e faz a refeição. Em seguida volta ao tear, sempre com a de muita
felicidade.
Volta a tecer, trazendo a noite. Admira o céu estrelado, boceja e diz:
A MOÇA TECELÃ: A noite está tão linda! Vou dormir para acordar bem descansada
para tecer um lindo amanhecer. (Sai de cena)
NARRADORA: Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer. Mas
tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha.
A MOÇA TECELÃ: (Entra triste e senta-se ao tear, reinicia os trabalhos, mas logo
para, coloca a mão sob o queixo) Como seria bom ter um marido ao meu lado.
(Como quem descobre a saída para o seu problema, fala com alegria) Mas é claro!
Com capricho tecerei um marido! (Trabalha com energia)
Alguém bate à porta, mas quando ela vai começando a levantar, entra um moço
galante e emplumado.
MOÇO EMPLUMADO: (Faz uma reverência e beija a mão da Moça Tecelã.) Minha
querida, meu grande amor. (Em seguida, abraça sua amada e saem de cena).
NARRADORA: Aquela noite, deitada no ombro dele, a moça pensou nos lindos
filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.
E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os
esqueceu. Porque tinha descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não
ser, nas coisas todas que ele poderia lhe dar.
Entra a Moça Tecelã, senta-se tristemente ao tear e recomeça o seu trabalho. Em
seguida, entra o marido fazendo exigências:
MOÇO EMPLUMADO: Uma casa melhor é necessária! Exijo que escolhas as mais
belas lãs cor de tijolo, fios verdes para os batentes, e pressa para a casa acontecer!
Sai, mas volta logo em seguida, para fazer novas exigências.
MOÇO EMPLUMADO: Pensei melhor, para que ter casa, se podemos ter palácio?
Faça um palácio de pedra com arremates em prata! (Sai, enquanto ela continua
triste a tecer).
NARRADORA: Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e
portas, e pátios e escadas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha
tempo para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o
dia. Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o
ritmo da lançadeira. Afinal o palácio ficou pronto.
MOÇO EMPLUMADO: (Entra muito alegre e com olhar ambicioso, se dirige à
esposa, ordenando) Querida, a partir de hoje você e seu tear ficarão aqui, no mais
alto quarto da mais alta torre. É para que ninguém saiba do tapete — ele disse. E
antes de trancar a porta à chave, advertiu: — Faltam as estrebarias. E não se
esqueça dos cavalos!
A MOÇA TECELÃ: (Para de tecer, fica em atitude pensativa, imaginando como
seriam os cavaleiros – que entram garbosos e desfilam - as criadas que entram,
algumas agem como se estivessem servindo, enquanto outras carregam os cofres
de moedas...)
A Moça Tecelã quando todos saem, ela boceja e espreguiça-se saindo em seguida.
NARRADORA: Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer. E
tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o
palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou em como seria bom
estar sozinha de novo. Só esperou anoitecer.
A MOÇA TECELÃ: (Entra rapidamente e senta-se ao tear sorridente)
Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas exigências. E
descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se ao tear.
A MOÇA TECELÃ: (Entra rapidamente e senta-se ao tear sorridente) Chega! Desta
vez não vou precisar escolher linha nenhuma, vou destecer tudo o que ele exigiu!
Nada de palácio, nada de cavalos, nada de carruagens, nada de ...
Entra o marido que estica o braço, tentando pedir ajuda, mas sem forças desfalece
e some (joga-se um pano preto sobre ele).
A MOÇA TECELÃ: ( Sorri e olha para o jardim além da janela) Como é maravilhoso
estar na minha casinha. (Depois, recomeça a tecer).
NARRADORA: Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma
linha clara. E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a
manhã repetiu na linha do horizonte.
FIM

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A moça tecelã (adaptação)

  • 1. A Moça Tecelã Marina Colasanti (ADAPTAÇÃO por Francisca Jorge dos Santos, para apresentação do 9º D, do Colégio Municipal Dr. João Paim – São Sebastião do Passé – Projeto Leituras Encantadas). NARRADORA: Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear. Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o horizonte. Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava. Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela. Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros,
  • 2. bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a acalmar a natureza. Assim, jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os seus dias. Nada lhe faltava. A MOÇA TECELÃ: (Levantando-se do tear, andando um lado para o outro devagar e passando a mão na barriga) Nossa! Como estou com fome! Ah, quero comer um peixe delicioso e beber um copo de leite bem fresquinho. (Corre e senta-se ao tear, onde tecerá o peixe e o leite). Senta-se à mesa e faz a refeição. Em seguida volta ao tear, sempre com a de muita felicidade. Volta a tecer, trazendo a noite. Admira o céu estrelado, boceja e diz:
  • 3. A MOÇA TECELÃ: A noite está tão linda! Vou dormir para acordar bem descansada para tecer um lindo amanhecer. (Sai de cena) NARRADORA: Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer. Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha. A MOÇA TECELÃ: (Entra triste e senta-se ao tear, reinicia os trabalhos, mas logo para, coloca a mão sob o queixo) Como seria bom ter um marido ao meu lado. (Como quem descobre a saída para o seu problema, fala com alegria) Mas é claro! Com capricho tecerei um marido! (Trabalha com energia) Alguém bate à porta, mas quando ela vai começando a levantar, entra um moço galante e emplumado. MOÇO EMPLUMADO: (Faz uma reverência e beija a mão da Moça Tecelã.) Minha querida, meu grande amor. (Em seguida, abraça sua amada e saem de cena). NARRADORA: Aquela noite, deitada no ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade. E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque tinha descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser, nas coisas todas que ele poderia lhe dar. Entra a Moça Tecelã, senta-se tristemente ao tear e recomeça o seu trabalho. Em seguida, entra o marido fazendo exigências: MOÇO EMPLUMADO: Uma casa melhor é necessária! Exijo que escolhas as mais belas lãs cor de tijolo, fios verdes para os batentes, e pressa para a casa acontecer! Sai, mas volta logo em seguida, para fazer novas exigências. MOÇO EMPLUMADO: Pensei melhor, para que ter casa, se podemos ter palácio? Faça um palácio de pedra com arremates em prata! (Sai, enquanto ela continua triste a tecer). NARRADORA: Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, e pátios e escadas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo da lançadeira. Afinal o palácio ficou pronto.
  • 4. MOÇO EMPLUMADO: (Entra muito alegre e com olhar ambicioso, se dirige à esposa, ordenando) Querida, a partir de hoje você e seu tear ficarão aqui, no mais alto quarto da mais alta torre. É para que ninguém saiba do tapete — ele disse. E antes de trancar a porta à chave, advertiu: — Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos! A MOÇA TECELÃ: (Para de tecer, fica em atitude pensativa, imaginando como seriam os cavaleiros – que entram garbosos e desfilam - as criadas que entram, algumas agem como se estivessem servindo, enquanto outras carregam os cofres de moedas...) A Moça Tecelã quando todos saem, ela boceja e espreguiça-se saindo em seguida. NARRADORA: Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer. E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou em como seria bom estar sozinha de novo. Só esperou anoitecer. A MOÇA TECELÃ: (Entra rapidamente e senta-se ao tear sorridente) Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas exigências. E descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se ao tear. A MOÇA TECELÃ: (Entra rapidamente e senta-se ao tear sorridente) Chega! Desta vez não vou precisar escolher linha nenhuma, vou destecer tudo o que ele exigiu! Nada de palácio, nada de cavalos, nada de carruagens, nada de ... Entra o marido que estica o braço, tentando pedir ajuda, mas sem forças desfalece e some (joga-se um pano preto sobre ele). A MOÇA TECELÃ: ( Sorri e olha para o jardim além da janela) Como é maravilhoso estar na minha casinha. (Depois, recomeça a tecer).
  • 5. NARRADORA: Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte. FIM