O jornal Estado de Direito comemora seu sétimo aniversário e agradece aos que o apoiam. Um artigo de Newton De Lucca destaca a importância da liberdade de imprensa e do direito de resposta entre páginas 14 e 15. O jornal contém vários artigos sobre temas jurídicos como contratos, modernização do Estado, consentimento informado e criminalização do cotidiano.
1. Estado de Direito brasil • N° 37 • An o VII • ISS N 2236-2584
Habeas Mídia
O Jornal Estado de Direito
comemora o seu sétimo aniversário!
Agradecemos a todos que nos apóiam
para a realização de cada atividade
voltada a sensibilização dos sentidos
para a popularização do direito.
Estamos empenhados em oportunizar
a reflexão, o protagonismo, a dúvida,
o criativismo jurídico, para ampliar
a expressão de nossa cidadania.
Nesta 37ª edição, Newton De Lucca,
destaca a relevância de informar num
Estado Democrático e a necessidade
de responsabilizar aquele que
exerce mal a liberdade de expressão
jornalística, a fim de preservar os
direitos fundamentais do cidadão.
Leia nas páginas 14 e 15.
Função social do
contrato
Luiz Fernando do Vale de Almeida
Guilherme advoga a relevância da
atuação do Estado na criação de
diretrizes mais eficazes, para que
não ocorram abusos de liberdade e de
autoregulação.
Página 20
Modernização do
Estado
Irene Patrícia Nohara questiona o
sistema administrativo adotado no
Brasil, inspirado nos países do Common
Law, tendo em vista os desafios da
globalização.
Página 23
Consentimento
informado
Dalmir Lopes Jr. apresenta os
aspectos problemáticos na utilização
equivocada dos conceitos nas relações
clínicas, que reduz o Consentimento
Informado a uma dimensão puramente
jurídico-formal.
Página 29
Stalking e a
criminalização do
cotidiano
Alexandre Morais da Rosa discute
a resposta, via Código Penal,
para a violência em sociedade
e propõe arriscar novas formas
de enfrentamento, evitando-se o
agigantamento da criminalização do
cotidiano.
Página 4
Veja também
Página 5
Telemidiatização
da Justiça
Luiz Flávio Gomes
interpreta como o STF
exerce sua atividade, com
preocupação retórica
populista na mídia,
correndo o risco de se
perder em segurança,
diante do poder dos
holofotes
Página 9
Fazer Direito direito
William Douglas
compartilha suas
experiências como
profissional do ramo
jurídico com aqueles
que desejam aprender
e descobrir como se
tornar vitoriosos em suas
carreiras
Página 10
Projeto do novo CPC
Arruda Alvim enfatiza
o significado social
da jurisprudência dos
tribunais, principalmente
sob a perspectiva da
realização da isonomia e
da segurança jurídica
Newton De Lucca aborda a liberdade de imprensa e o
direito à resposta, leia nas páginas 14 e 15.
Assessoria de Comunicação do TRF3
Página 8
Constitucionalismo Latino-
Americano
César Augusto Baldi
comenta os novos
processos da justiça no
Equador, na Bolívia e
na Colômbia, os quais
abrem possibilidades de
repensar a diversidade
étnica, cultural, política e
epistêmica das sociedades
Metas 2013
Programa Social
Estado de Direito
* Desmitificando Direito, em Porto
Alegre e São Paulo; * Direito no
Cárcere, em Porto Alegre e São Paulo;
* Samba no Pé & Direito na Cabeça,
em Universidades; * Jornal Estado
de Direito, ampliação da tiragem; *
Portal Estado de Direito, novo site
com palestras, cursos; * Rota Jurídica,
aumentar viagens; +Informações
www.estadodedireito.com.br
Página 13
Eu tomo ritalina! Você me
quer?
Dora Martins constata a
situação em que vivem
milhares de crianças em
abrigos a espera de adoção
e a difícil tarefa de cuidar
2. 2 Estado de Direito n. 37
Estado de Direito
Apoio
*Os artigos publicados são de responsabilidade dos autores e não re-fletem
necessariamente a opinião desse Jornal. Os autores são os únicos
responsáveis pela original criação literária.
Sentidos e Direções do
Estado de Direito
ISSN 2236-2584 Carmela Grüne*
Edição 37 • VII • Ano 2012
Estado de Direito Comunicação Social Ltda.
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Diretora Presidente
Carmela Grüne
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da realidade social!
No dia 15 de novembro de 2005, o Jornal Estado
de Direito lançou a sua primeira edição, fruto
do trabalho coletivo de professores, empresas e
instituições que acreditam na importância de fomentar
a cultura jurídica como instrumento de cidadania.
Sete anos se passaram. E nesse período procura-mos
alinhar a teoria com a prática, proporcionando
mais de cento e trinta eventos gratuitos, pelos pro-jetos:
Desmitificando o Direito; Papo Jurídico; Rota
Jurídica; Encontro Internacional Estado de Direito;
Mostra de Cinema Português com Enfoque Jurídico;
Café com Justiça; Ciclo de Estudos Jurídicos Estado
de Direito; Ciclo de Estudos Direito no Cárcere; Sam-ba
no Pé & Direito na Cabeça; Direito no Cárcere e,
mais recentemente, Areias do Direito. São formas que
encontramos para atingir nossos objetivos de sensi-bilização
do ensino jurídico, de apreensão e fomento
da cultura jurídica popular.
Tudo com a preocupação de retirar aquilo que
nos oprime e nos torna presos por “conceitos ou
preconceitos”, para colaborar na desenvoltura da
nossa cidadania, na expressão tão necessária para
amplificar nossa voz, potencializar a palavra. Sim a
palavra, pois ela muitas vezes falha pela promessa não
cumprida, por um coração machucado, pelo silêncio
que procura respostas e acaba buscando alento no
Judiciário. Entretanto, o Poder Judiciário, requisito
fundamental para garantir os direitos de todos, não
deveria ser a primeira, mas sim a última alternativa
para o encontro de soluções.
O que temos deixado de lado são os pequenos
momentos. Instantes que o tempo leva e, se não nos
dermos conta, estaremos inertes a toda violação de
direitos humanos, de dignidade. Sim, esses fatos
acontecem independentes da nossa vontade. Estão
nas ruas, nas escolas, favelas, nos presídios, no lar
dos idosos, nas comunidades indígenas, na natureza
e não adianta colocar óculos escuros, fechar a janela
do carro, fazer cara de paisagem. A responsabilida-de
é coletiva, está na escolha dos alimentos, aonde
compramos nossas roupas, na maneira que tratamos
os vizinhos, como falamos com um morador de rua.
Estamos e sempre estaremos em posições diferen-tes,
uns precisando mais de ajuda que outros, mas
todos precisando de ajuda. Independente da classe
social, local, oportunidade, todos queremos ser ou-vidos,
receber uma palavra de conforto, estímulo,
atenção, porque existimos e é da nossa natureza
conviver com o próximo.
Todos somos capazes de participar dessa mudança
cultural, escrevendo artigos, fotografando, produzin-do
vídeos, dando cores aos muros pelo grafite com fra-ses/
imagens que estimulem o empoderamento social.
Atentos ao que ouvimos no rádio, ao que escolhemos
para ver na televisão ou na Internet, podemos fazer
parte do jornalismo cidadão, eu e você, aqui no jornal
impresso, nas ruas e na internet. Os meios estão aí,
precisamos de mais sinergia, para que o que já foi
feito e narrado nesse editorial, duplifique, triplifique
para daqui a sete anos.
Quando propus no texto abordar “Sentidos e
Direções do Estado de Direito” manifesto a minha
inquietação cotidiana de oportunizar pelos eventos e
pela publicação do Jornal Estado de Direito o acesso
à justiça por experiências enriquecedoras, emancipa-doras,
que gerem a vontade de participar ativamente
do processo de criação da cultura jurídica popular.
Compartilhando conhecimento, vamos transfor-mando
nossas vidas. Obrigada a todos por fazerem
parte dessa história, vejo nessas linhas que temos
muito a fazer e convoco a todos a desafiar a rotina,
dedicando um tempo, um tempo nosso, de olhos e
janelas bem abertas para enxergar ao nosso redor,
unindo ação e palavra, num só tempo.
Confira no site www.estadodedireito.com.br o
“Relatório de atividades de 2012” e a “Programação
cultural de 2013”. Feliz Ano Novo! Saúde, paz, cultura,
alteridade, expressão, fé, perseverança, amor para nós!
* Diretora do Jornal Estado de Direito. Jornalista, Radialista,
Advogada. Mestre em Direito pela UNISC. Autora dos livros
“Participação Cidadã na Gestão Pública: a experiência da
Escola de Samba de Mangueira“ e “Samba no Pé & Direito na
Cabeça”, pela Editora Saraiva. www.carmelagrune.com.br.
3. Estado de Direito n. 37 3
DIREITOS TRABALHISTAS
DO ATLETA PROFISSIONAL
DE FUTEBOL
Sergio Pinto Martins
1ª edição (2011) | 176 páginas
de R$ 43,00 POR R$ 34,40
COMENTÁRIOS
À CLT
Sergio Pinto Martins
16ª edição (2012)
1.288 páginas
de R$ 149,00 POR R$ 119,20
ASSÉDIO MORAL
NO EMPREGO
Sergio Pinto Martins
1ª edição (2012)
136 páginas
de R$ 43,00 POR R$ 34,40
PRÁTICA
TRABALHISTA
Sergio Pinto Martins
1ª edição (2012)
488 páginas
de R$ 39,00 POR R$ 31,20
DIREITO DA
SEGURIDADE SOCIAL
Custeio da Seguridade Social.
Benefícios – Acidente de Trabalho.
Assistência Social – Saúde
Sergio Pinto Martins
32ª edição (2012)
584 páginas
de R$ 104,00 POR R$ 83,20
DIREITO
DO TRABALHO
Sergio Pinto Martins
28ª edição (2012)
960 páginas
de R$ 131,00 POR R$ 104,80
DIREITO PROCESSUAL
DO TRABALHO
Doutrina e Prática Forense
Sergio Pinto Martins
33ª edição (2012)
872 páginas
de R$ 121,00 POR R$ 96,80
COMPRE ESSAS OBRAS COM 20% DE DESCONTO, FRETE GRÁTIS
E PAGAMENTO FACILITADO, PELO 0800 17 1944, EM NOSSAS FILIAIS,
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C
M
Y
CM
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CY
CMY
K
4. 4 Estado de Direito n. 37
Stalking e a criminalização do cotidiano
Alexandre Morais da Rosa*
O conceito de stalk decorre da perse-guição
silenciosa e despercebida, po-dendo-
se incluir, também, a intenção
de matar ou capturar, sendo mais utilizada,
originariamente, em relação a animais. Ganhou,
por similitude, o sentido empregado em face
das perseguições pessoais, pelo qual, até mesmo
por computador, se dá a perseguição reiterada
e muitas vezes anônima de determinados sujei-tos.
Daí Stalking ou perseguição insidiosa. Por
certo as relações afetivas. Na eterna (im)possibi-lidade
de convivência, de amar, de se relacionar.
Talvez tenha ganho a dimensão de uma ameaça
diante da dificuldade de se sustentar simboli-camente.
De qualquer sorte, a palavra stalking
apresenta o sujeito ativo como “perseguidor”
capaz de, por seu comportamento obsessivo,
direcionado ao sujeito passivo, agindo de for-ma
intencional e de acordo com um curso de
conduta, buscar informações e controlar a vida
deste, causando dano psicológico. A construção
americanizada do tipo destaca como núcleos
essenciais: a) repetição; b) por curto período
de tempo; c) dano físico e/ou psicológico na
vítima (quer pessoal, como para sua família
ou próximos, inclusive animais); d) deve ser
plausível; e) capaz de impedir a realização de
atividades cotidianas. O realizado via internet
dá-se o nome de cyberstalking. Não se trata de
ir mais longe.Os trabalhos já realizados podem
assim indicar (Jamil Nadaf). O que importa
diagnosticar é que o sistema jurídico deveria
basear-se no Direito Penal como última ratio e
a conduta que se pretende tipificar, para além
da sua impossibilidade epistemológica (afi-nal
como se provar medo, angústia, etc... no
processo penal democrático?). Partindo-se do
Direito Penal como última ratio, ou seja, como
o último recurso democrático diante da vergo-nhosa
história das penas, brevemente indicadas
como de morte, privativa de liberdade e patri-monial,
excluída a primeira pois desprovida de
qualquer fim ou respeito ao acusado, as demais
se constituem em técnicas de privação de bens,
em tese, proporcional à gravidade da conduta
em relação ao bem jurídico tutelado, segundo
critérios estabelecidos pelo Poder Legislativo,
na perspectiva de conferir caráter abstrato e
igualitário ao Direito Penal (Ferrajoli).
Assim as condutas pretensamente cri-minalizáveis
seriam as de a) Realizar telefo-nemas
indesejados; b) Envio de e-mails ou
cartas não solicitados; c) Seguir ou espiar
a vítima; d) Aparecer em determinados
lugares sem uma razão legítima; e) Esperar
a vítima em determinado lugar; f) Dar pre-sentes,
itens ou flores indesejadas; g) Postar
informações ou espalhar rumores sobre a
vítima, na internet, em locais públicos ou
de boca em boca; h) manifestar-se em redes
sociais de maneira repetitiva e vexatória
(cyberstalking). As relações próprias do
cotidiano das relações afetivas/amorosas/
odiosas, nesse contexto, ganham um espaço
no sistema penal. Pretende-se evitar, na onda
do politicamente correto, as condutas que
devem ser equacionadas por outros meios,
não penais, dentre eles, via mediação ou
ações civis. Os estudos teóricos americanos
demonstram que a conduta é complexa e
envolve sentimentos cuja resposta penal é
inviável, mas geradoras de angústia e medo,
aliás, como a de simplesmente viver.
O Código Penal em vigor (art. 129, 147)
e a legislação extravagante (Lei Maria da
Penha, art. 7o), bem assim o ordenamento
civil promovem meios adequados ao enfren-tamento
do cotidiano indesejado (ações de
indenização, obrigações de fazer e não fazer,
etc.), sendo que a criminalização da maneira
que é posta atende muito mais aos anseios de
paz perpétua, incompatíveis com a vida em
sociedade. Como pontua Jean Pierre Lebrun:
“Como seria bom para nós, se o ódio não
nos habitasse, se não estivesse em nós, se ele
não nos tivesse construído. O que acontece
é que ele nos concerne, sim, eventualmente,
na medida em que podemos ser objeto ou
www.cranioartes.com
vítima dele; que deveríamos reconhecer
que ele existe, sim, e, infelizmente, que nós
não podemos impedí-lo de existir. E, se ele
estivesse em outro lugar, no outro, próximo
ou muito longe, pouco importaria, mas não
dentro das nossas próprias muralhas, não na
nossa própria cidade, não algojado em nosso
próprio corpo.” Assim é que se aceitando a
violência como constitutiva, bem assim que
a resposta estatal, via pena, é inservível,
cabe arriscar novas formas de enfrentamento
(mediação), evitando-se o agigantamento da
criminalização do cotidiano, na moda de uma
atração fatal, ainda que sedutora.
* Doutor em Direito (UFPR), com estágio de pós
doutoramento em Direito (Faculdade de Direito de
Coimbra e UNISINOS). Mestre em Direito (UFSC).
Professor Adjunto de Processo Penal e do CPGD
(mestrado) da UFSC. Professor da UNIVALI. Juiz de
Direito (SC). Pesquisa Judiciário, Processo e Decisão,
com perspectiva transdiciplinar. Coordena o Grupo
de Pesquisa Judiciário do Futuro (CNPq).
A palavra stalking
apresenta o
sujeito ativo como
“perseguidor” capaz de,
por seu comportamento
obsessivo, direcionado
ao sujeito passivo,
agindo de forma
intencional e de
acordo com um
curso de conduta,
buscar informações
e controlar a vida
deste, causando dano
psicológico
Os estudos teóricos
americanos
demonstram que a
conduta é complexa e
envolve sentimentos
cuja resposta penal é
inviável
5. Estado de Direito n. 37 5
Mensalão e a telemidiatização da Justiça
Luiz Flávio Gomes*
Se o STF flertava - já há algum tempo
- com sua incondicionada adesão à era
do populismo penal midiático, típico da
sociedade do espetáculo (Debord), agora não
existe mais dúvida. Sejam todos bem-vindos
ao mundo do espetáculo judicial telemidiático.
Como funciona a Justiça telemidiatizada? Não
quero valorar, apenas descrever.
Em primeiro lugar, já não podemos falar
em processo, sim, em teleprocesso. Não temos
mais juízes, sim, telejuízes. Não mais sessões,
sim, telesessões. Não mais votos, sim, televotos.
Não mais o público, sim, teleaudiência. Se no
campo das democracias populistas latinoame-ricanas
o que prepondera é o telepresidente, na
era da Justiça telemidiatizada o que temos é o
telerelator, telerevisor etc.
Não há dúvida que com o telejulgamento
ganhamos em espetáculo (estética), mas corre-se
sempre o risco de se perder em segurança,
porque o poder dos holofotes pode fazer da
prudência, do equilíbrio e da sensatez estrelas
que brilham pela ausência.
A Justiça se tornou muito mais percebida.
Agora conta com teleaudiência, com rating. Para
usar um bordão famoso, nunca na história deste
país os ministros se tornaram conhecidos pelos
seus nomes, que estão se transformando em mar-cas
(estrelas midiáticas) e, dessa forma, começam
a ter um alto valor político-mercadológico.
A espetacularização da Justiça populista não
é uma vara mágica que resolva seus conhecidos
problemas, ao contrário, a telejustiça é muito
mais morosa e, tal como uma telenovela, gasta
um semestre para desenvolver o enredo de um
teleprocesso (prejudicando o andamento de
centenas de outros).
O STF, na sua nova função de telejulgador
populista, está lavando a alma do povo brasileiro
(disse um órgão midiático). E também nos pro-porciona
(como toda televisão) tele-entretenimen-to,
com acalorados “bate-bocas”, entrecortados
por suaves e inteligentes telemensagens de Ayres
Britto do tipo “o voto minerva me enerva”.
A Justiça telemidiatizada não soluciona o
problema do pão da população, mas pode con-tribuir
muito para a fermentação do circo. Por
quê? Porque não se pode esquecer que a liturgia
do populismo penal evoca, antes de tudo, a ex-pressão
de uma festa (alegria, júbilo, satisfação),
visto que, como dizia Nietzsche, o sofrimento
do inimigo ou do desviado (do devedor), que
perturbou a ordem social ou institucional,
sobretudo quando veiculado por meio de algo
aproximado da vingança, traz em seu bojo um
A Justiça
telemidiatizada
não soluciona o
problema do pão da
população, mas pode
contribuir muito para a
fermentação do circo.
Por quê?
incomensurável prazer.
O STF acaba de se sucumbir definitivamente
às racionalidades da sociedade do espetáculo.
Resta saber se ainda vão remanescer lampejos
de serenidade para impedir que princípios jurí-dicos
clássicos como o da legalidade, proibição
de retroatividade da lei penal mais severa etc.,
não se tornem meros tigres de papel.
Na medida em que a Justiça começa a se
comunicar diretamente com a opinião pública,
valendo-se da mídia, ganham notoriedade tanto
os rasteiros anseios populares de justiça (cadeia
para todo mundo, fim dos recursos, ignorem a
justiça internacional) como a preocupação de se
usar uma retórica populista, bem mais compre-ensível
pelo “povão” (“réus bandidos”, “políticos
bandoleiros”, “a pena não pode ficar barata”,
“Vossa Excelência advogado para o réu” etc.).
Frenesi generalizado, porque agora o pa-radigma
é outro, é o emotivo, o voluntarista, o
performático. O telejuiz deixa de ser um terceiro
equidistante para se transformar num ator midi-ático,
daí a lógica dos reiterados pedidos - entre
eles - de réplica e tréplica, que denotam perfil
de parte (falando com o seu público).
O maior temor, nesse contexto, é o de que
esses novos personagens da telejustiça deixem de
cumprir o sagrado papel democrático de balança
contramajoritária. Não poucas vezes, como subli-nha
com frequência o Ministro Gilmar Mendes,
para fazer justiça o juiz tem que decidir contra
a vontade da maioria. Mas como contrariar a
maioria quando a telejustiça assume a lógica das
democracias populistas de opinião?
Aos tradicionais quatro “pês” que habitam
nossas cadeias (pobre, preto, prostituta e poli-ciais)
a telejustiça está agregando uma quinta
categoria, constituída dos políticos e seus satéli-tes
orbitais (banqueiros, bicheiros, construtores,
dirigentes petistas, tucanos
privataristas etc.). Não há como não reco-nhecer
que os teleprocessos são altamente poli-tizados.
Mas nem por isso devem revigorar nossa
memória, como bem sublinhou Tarso Genro,
sobre a hipotética ou real manchete de um jornal
soviético, da era stalinista, que dizia: “Hoje serão
julgados e condenados os assassinos de Kirov”.
Será que a era da telejustiça protagonizada por
super-telejuízes será capaz de nos proporcionar
um mundo melhor e mais justo?
* Doutor em direito penal, fundou a rede de ensino
LFG. Foi promotor de justiça (de 1980 a 1983), juiz
(1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001). Siga-me:
www.professorlfg.com.br.
www.cranioartes.com
Será que a era
da telejustiça
protagonizada por
super-telejuízes
será capaz de nos
proporcionar um
mundo melhor e mais
justo?
6. 6 Estado de Direito n. 37
Devemos confiar cegamente na ciência?
Marcus Paulo Rycembel Boeira*
A sociedade moderna passou a conferir
à ciência, nos últimos séculos, uma
posição privilegiada não apenas diante
das demais áreas do conhecimento, como a
filosofia ou a literatura, mas perante a vida
humana como tal. Os representantes das
ciências mais consistentes, como as biológi-cas
ou naturais, de um modo geral, também
ganharam um prestígio social quase divini-zatório,
por decorrência disso. Tudo o que é
científico serve como parâmetro de ação entre
os homens. Dizemos comumente assim: “eu
posso tomar por que o médico recomendou!”,
“eu li em algum lugar que fumar não faz bem
para a saúde” ou “posso tomar suplementos
alimentares porque faz bem para o corpo”,
etc. A prática social encontra na ciência uma
justificativa que, na maior parte dos casos,
ultrapassa qualquer reflexão mais profunda
sobre a ação em si mesma considerada.
Quando levantamos a pergunta: “Será que
a ciência está certa?” Somos considerados lou-cos,
seres estranhos, quase insanos, que ousam
questionar a autoridade dos cientistas e da
ciência como tal. Quem somos nós para ques-tionarmos
os meios que levaram ao resultado
x ou y? Quem somos, dizem os apologistas da
ciência, para duvidar da “palavra do médico”,
do “proibido fumar” estampado em qualquer
restaurante ou para “questionar o bem-estar
físico advindo com o uso de suplementos
alimentares”?
Estamos acostumados a confiar cegamente
na ciência. Por vezes, tal confiança conduz a
resultados inesperados, frustrantes e, quan-do
não, aterradores. Vejam, por exemplo, a
situação seguinte. Uma menina de 24 anos
de idade resolveu fazer uma cirurgia para
tornar seu corpo mais bonito. Segundo o
médico-cirurgião, o procedimento não con-teria
nenhum risco e não ofereceria nenhuma
chance para resultados inesperados. A auto-ridade
do médico foi determinante para que
a menina decidisse fazer a cirurgia e ver seu
corpo transfigurar-se em poucas horas. La-mentavelmente,
o resultado não saiu conforme
o esperado e a menina acabou obtendo uma
série de complicações. Não morreu e hoje
passa bem, mas os resultados da cirurgia ainda
se fazem sentir no corpo da garota. Posterior-mente,
após investigação, se percebeu que o
médico, após análise prévia das condições
físicas da paciente, não poderia ter sabido que
a menina tinha um problema grave em sua
constituição muscular e de tecidos. Uma pa-tologia
raríssima, desconhecida pelo cirurgião.
O desconhecimento foi determinante para o
resultado catastrófico da cirurgia.
A cirurgia em si foi bem realizada. O mé-dico,
quando prometeu o resultado esperado,
estava no uso total da boa fé e ciente o quanto
podia das condições e dos limites materiais
da paciente. No entanto, a ignorância quanto
a um aspecto decisivo comprometeu os re-sultados
da cirurgia e quase levou a paciente
ao óbito.
Não duvidamos da qualidade e da capaci-dade
do médico. Porém, sabemos que os cien-tistas
não sabem tudo e que a ciência não pode
pretender assumir todas as responsabilidades
pela satisfação material da sociedade humana.
Faz parte do desenvolvimento normal da
atividade científica não atribuir caráter defi-nitivo
aos resultados de qualquer avanço em
particular. Ou seja, uma descoberta científica
nunca é definitiva nem a afirmação integral da
verdade. Antes pelo contrário. A ciência é uma
atividade provisória, voltada para descobrir a
realidade e, nesse processo, assumir-se como
uma atividade de desconfiança. A ciência
não conhece todos os mistérios do universo
para definir, de forma total, o conjunto das
condições e dos resultados acerca do mundo
da natureza e do mundo da vida.
Nesse sentido, não é que o médico não
pudesse realizar a cirurgia segundo seu co-nhecimento
do corpo da paciente. Poderia,
como de fato acabou fazendo. O problema
está na promessa do resultado, como se o co-nhecimento
obtido pelo médico fosse integral,
enquanto na verdade não é. A prova de que
não é e nem poderia ser está no resultado ines-perado,
decorrente da falta de conhecimento
por parte do médico em relação ao aspecto
que passou obscurecido nas avaliações prévias
ao ato cirúrgico.
Tal situação demonstra que o papel di-vinizatório
da ciência e o prestígio social da
comunidade científica impõem uma ética de
resultados, cuja subsistência carece de funda-mentos
mais robustos. O conhecimento téc-nico
nunca poderá arrogar para si o conheci-mento
definitivo da realidade investigada. É da
própria natureza da ciência a provisoriedade
e a efemeridade dos resultados. Por exemplo:
é comum na história de qualquer ciência que
um cientista faça uma descoberta que, embora
subsista por séculos, seja desterrada por uma
nova descoberta científica. A evolução da ci-ência
pressupõe que seus resultados sempre
sejam colocados em xeque, à medida que as
condições tecnológicas avancem.
O tratamento estanque e definidor da
ciência, como se seus resultados fossem de-finitivos
e inquestionáveis, acabou, por outro
lado, conferindo um prestigio social enorme
à comunidade científica na era moderna,
prestígio esse que, em alguns casos, facilita
o caminho para que pretensões políticas e
lucrativas ganhem espaço. A venda de pare-ceres
técnicos aprobatórios ou reprobatórios,
por exemplo, ganha notoriedade pelo caráter
“científico” que possuem. No entanto, mas-cara
pretensões reais de poder, pretensões
estas embutidas nas finalidades dos pare-ceres
em questão. Um grupo econômico
ou um partido político podem tomar certas
decisões estratégicas e comprar o apoio de
certos investigadores para que façam pare-ceres
apontando as virtudes inerentes àquela
pretensão política anteriormente deliberada.
O parecer em questão irá conferir o status
científico necessário para que tal projeto
ou pretensão alcance o raio da sociedade de
massas e conquiste o apoio necessário na
cultura e nos meios de comunicação em geral.
Após a solidez do consenso sobre o projeto
ou pretensão em si, sua consecução será en-tendida
como “necessidade” e contaminará
a agenda política. O ato de decisão sobre o
projeto será um ato de ratificação do espírito
científico, que ganhará a adesão incondicio-nal
da comunidade cientifica, interessada nos
ganhos advindos da parceria com o poder,
do grupo político ou econômico em si mesmo,
que se valeram da palavra “ciência” para fazer
vingar suas reais pretensões políticas e, por
fim, da sociedade, que corroborará para os
dois objetivos anteriores, sem se dar conta
das falácias contidas na estratégia em tese.
A dimensão política da ciência vem ser-vindo
de base para que grupos organizados
e comunidades científicas em geral possam
não apenas manter seus respectivos prestígios
sociais, midiáticos e culturais, como ainda fa-vorece
a edificação de uma sociedade baseada
na técnica e na autoridade de investigadores
científicos.
A ciência, portanto, deve ser encarada
como atividade-meio, atividade cujos graus de
certeza são impossíveis por definição, já que
a natureza da ciência como tal nos impede de
conferir à ela –ciência- o papel mítico de deus
da modernidade. A ciência nunca será defini-tiva,
pois apóia-se na realidade, um objeto de
conhecimento aberto, infinito e impossível de
ser abarcado pelos limites frígidos e tangíveis
da atividade científica.
* Professor de Filosofia Política, Filosofia do Direito
e Teoria do Estado. Mestre e Doutor em Direito
do Estado pela Faculdade de Direito do Largo São
Francisco -USP. Coordenador-geral de Programas de
Pós-Graduação do Departamento de Direito do IICS/
CEU - Instituto Internacional de Ciências Sociais.
dario jacopo laganà | www.norte.it
Quem somos, dizem
os apologistas da
ciência, para duvidar
da “palavra do
médico”, do “proibido
fumar” estampado em
qualquer restaurante
ou para “questionar
o bem-estar físico
advindo com o uso
de suplementos
alimentares”?
8. 8 Estado de Direito n. 37
Constitucionalismo olvidado
César Augusto Baldi*
No Equador e na Bolívia, os novos
processos constitucionais abriram
possibilidades de repensar a justiça
constitucional e, em particular, a diversidade
étnica, cultural, política e epistêmica que têm
marcado as sociedades latino-americanas e que
vinha sendo ignorada pelo constitucionalismo
moderno, decimonônico e eurocentrado. No
Brasil, contudo, parte dos constitucionalistas
tem imaginado que tais inovações jurídico
-políticas não merecem grande importância,
permanecendo apegados a parâmetros de
constituições europeias e prisioneiros de um
colonialismo interno avesso às contribuições
dos países vizinhos. Continuam proliferando,
por aqui, discussões sobre neoconstituciona-lismo,
diferenciação entre princípios e regras,
posições contramajoritárias clássicas, prece-dentes
da Suprema Corte dos EUA e ativismo
judicial. Pouco se analisam, no âmbito cons-titucional
daqui, as questões de descoloniza-ção,
interculturalidade, plurinacionalidade
e jurisdição indígena. Mesmo contribuições
interessantes vindas da linha jurisprudencial
colombiana, pós-1991, têm sido solenemente
ignoradas. Destaquem-se apenas algumas que
poderiam dar novas ênfases para discussões
“surradas” na teoria constitucional brasileira.
Primeiro: aquela Corte Constitucional cons-truiu
a categoria de “estado de cosas inconsti-tucional”,
por ações e omissões dos poderes
públicos que provoquem “vulneração massiva
e contínua de direitos fundamentais”, hipóteses
em que suas “sentencias” e “autos” se estendem
a toda a população afetada e não somente às
partes proponentes, mediante fixação de políti-cas
públicas definidas com a participação da so-ciedade
civil em audiências públicas realizadas
com tal finalidade. É questão diversa da simples
participação de “amici curiae” ou de imaginar
que o julgamento, pela Corte Constitucional,
encerra o processo e decide, de forma final, o
conflito posto em questão perante o Judiciário.
Antes, pelo contrário, constituem, como define
Bartolomé Clavero, “práticas judiciais de de-mocracia
deliberativa”. São exemplares, nesse
sentido, as discussões envolvendo o direito à
saúde e também o “desplazamento forzoso”
das comunidades indígenas e negras, questões
muito bem documentadas por César Rodriguez
Garavito e pouco divulgadas no âmbito brasi-leiro.
Poderia, de forma muito consequente,
ser utilizada para as comunidades guaranis do
Brasil- e não somente as do Mato Grosso do
Sul- em que situações de servidão, trabalho
forçado ou “indecente” e mesmo de “instigação
ao suicídio coletivo”, por manifesta omissão
dos Poderes Públicos, constituem evidente
“vulneração massiva e contínua de direitos
fundamentais”.
Segundo: como já demonstrou Garavito,
não se trata de simples ativismo judicial, mas
sim de processo eminentemente dialógico, em
que a decisão inicial de reconhecimento da
inconstitucionalidade vai sendo aperfeiçoada,
modificada e mesmo revisada em seus parâme-tros
a partir das intervenções das referidas au-diências.
Tal situação foi desenvolvida já nos
primórdios da Constituição colombiana, mas
nada impede seja utilizada e perfectibilizada
nos países vizinhos: Bolívia, com o mandato
constitucional de “descolonização” para alcan-çar
uma “plurinacionalidade”; Equador, com
o mandamento transversal de “interculturali-dade”
e, no caso do Brasil, com o pluralismo
de ideias, a redução de desigualdades e o
compromisso com os direitos humanos.
Terceiro, a reformulação do princípio da
igualdade. O STF, durante muito tempo, como
bem analisa Roger Raupp Rios, foi condescen-dente
diante de “realidades discriminatórias
e desoneração argumentativa perante trata-mentos
díspares”, tendo, nos últimos tempos,
alterado posicionamento no sentido de “maior
rigor em face de diferenciações e a emergência
do conteúdo antidiscriminatório do princípio
da igualdade”. Aqui, também, a Colômbia
poderia ajudar: há mais de dez anos, tendo em
& colonialismo interno
vista a análise de direitos coletivos dos povos
indígenas, a Corte vem entendendo que “sob
o princípio da igualdade e na perspectiva de
proteger a diversidade étnica e cultural do país
é necessário, guardando simetrias legais, pro-jetar
simetricamente a outros grupos étnicos
normas que garantam direitos coletivos para os
povos indígenas”(Sentencia C-370/2002). E,
neste sentido, estendeu-se, também com base
na Convenção 169-OIT, o tratamento para as
populações raizales e palenqueras daquele
país e, hoje, as comunidades ciganas vêm
peticionando junto à Corte o estabelecimento
de uma política de habitação diferenciada, que
a legislação nacional reconhece apenas para
indígenas e comunidades negras. Da mesma
forma, a situação da confissão religiosa ou
da orientação sexual mais favorecida poderia
ser considerada como “patamar normal de
referência” e, portanto, qualquer desvio “de
tratamento das minorias, em relação à maioria,
é concebido a priori como restrição ao direito
de igualdade” (Jónatas Machado). Trata-se,
pois, de estender a todos os outros grupos
um direito que já se encontra concretizado, à
falta de fundamento racional ou material que
determine tratamento diferenciado: extensão,
por igualdade, do regime mais favorável já
disciplinado (Jayme Weingartner Neto). O
STF, por exemplo, poderia ter trilhado esta
argumentação no julgamento da união de
pessoas do mesmo sexo, sem que, para isso,
tivesse que discutir a existência de “mutação
constitucional” ou “literalidade” da norma.
Do que se trata, pois, é de, inicialmente,
conhecer a jurisprudência e doutrina dos paí-ses
com realidades culturais e sociais próximas
da nossa. E, com isso, como destaca Rodrigo
Uprimny, desenvolver: a) uma teoria da justiça
constitucional “que implique um exercício da
proteção judicial dos direitos tendente a promo-ver
e não a debilitar a participação e a discussão
democráticas”; b) um pensamento constitucional
progressista, “comprometido com o aprofunda-mento
democrático da região, que, em diálogo
com experiências e tradições de outras regiões do
mundo, acompanhe, criticamente, os processos
constitucionais latino-americanos em curso,
afim de reduzir riscos autocráticos e fortalecer
as potencialidades democráticas desses esforços
de experimentação institucional”. Enfim, incen-tivar
um caráter descolonizador, experimental e
pluriverso de constitucionalismo e de práticas
constitucionais.
* Mestre em Direito (ULBRA/RS), doutorando
Universidad Pablo Olavide (Espanha), servidor
do TRF-4ª Região. Organizador do livro “Direitos
humanos na sociedade cosmopolita” (Ed. Renovar,
2004).
No Brasil,
contudo, parte dos
constitucionalistas
tem imaginado que tais
inovações jurídico-políticas
não merecem
grande importância,
permanecendo
apegados a parâmetros
de constituições
europeias
Trata-se, pois, de
estender a todos
os outros grupos
um direito que já se
encontra concretizado
Pouco se analisam, no
âmbito constitucional
daqui, as questões
de descolonização,
interculturalidade,
plurinacionalidade e
jurisdição indígena
dario jacopo laganà | www.norte.it
9. Estado de Direito n. 37 9
MUDANÇA DE VERDADE,
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CHAPA 2: SAYEG-HERMES-ARRUDA ALVIM 100% OPOSIÇÃO
EDUARDO ARRUDA ALVIM - VICE
EM 29/11
William Douglas*
Nesta edição, o Jornal Estado de Direi-to
está celebrando mais um ano de
informações pertinentes e atuais e de
conquistas dentro do mundo jurídico. E, para
comemorar este acontecimento, este artigo é
dirigido a você, que, como eu, escolheu atuar
na área jurídica como advogado, defensor, juiz,
promotor, procurador etc., mas não só, ele
também se destina àqueles que apenas sonham
em seguir esta tão honrosa e recompensadora
carreira. Não sei se você, leitor, acabou de se
formar, talvez ainda nem tenha passado no
Exame da OAB, ou talvez esteja sonhando
com uma pós-graduação ou MBA, ou ainda um
concurso. Talvez esteja “ralando” no começo
de sua história na advocacia ou é um operador
jurídico que já tem estabilidade, mas qualquer
que seja o seu caso, colega, saiba: você escolheu
a melhor de todas as carreiras.
Tenho, particularmente, uma boa experi-ência
no “mundo jurídico”, onde ingressei no
curso de Direito na UFF, em Niterói. Já passei
por quase tudo que é possível na carreira, já ad-voguei,
fiz concursos, fui Defensor, Delegado,
fiz júris. Cometi, ao longo da carreira, possi-velmente,
todos os erros cometidos por aqueles
a quem ainda falta experiência, tive todas as
dúvidas, levei muito tempo para aprender a me
“virar” e a achar meu “lugar ao sol”. Mas, por
insistência, fé e esforço, cheguei onde queria e
busco me qualificar sempre para galgar ainda
mais degraus na carreira que escolhi.
O outro lado da história é que, ao longo
da minha jornada, tive acesso a uma série de
outras atividades – fora do universo do Direito
–, sou empresário e empreendedor, sou pro-fessor,
palestrante e, como muitos devem me
conhecer, sou escritor. Nas carreiras que pude
ter maior vinculação com o Direito, não perdi
a chance de juntar os dois: fui escritor de obras
jurídicas, professor em faculdades de Direito,
palestrante – sempre que possível – para o
público “jurídico”. Como empresário, também
acumulei os revezes e derrotas dos iniciantes,
e vários de meus empreendimentos faliram,
mas minha grande vitória foi fundar uma
editora, que, hoje, é referência no mundo...
jurídico, a Impetus. Ou seja, tive sucesso em
muitas áreas, mas todas, de alguma forma cir-cundavam
o Direito. Até mesmo o best-seller,
Como passar em provas e concursos, que deu
projeção a diversos aspectos de minha carreira
fora do mundo jurídico, foi criado pela minha
experiência em concursos jurídicos. Enfim,
sou empreendedor, jurista e um entusiasta da
carreira. O que se exige para o sucesso é ener-gia,
inteligência e integridade (ensinamento
dado por Warren Buffet). Se você tiver essas
três qualidades, o futuro é bem promissor. A
energia deverá ser para estudar, para treinar e,
claro, para o trabalho em si.
Por todos esses motivos, este artigo é feito
para afastar qualquer dúvida que você possa ter
sobre a escolha da carreira dentro do campo do
Direito. Você pode estar se perguntando se o
Direito foi feito para você, por estar passando
por dificuldades e angústias profissionais, por
dúvidas e perplexidades comuns do início. Mas,
se este for o seu caso, acredite em
mim, seu colega de anos e anos
como operador jurídico: você está
na melhor de todas as carreiras.
Esteja absolutamente certo
de que nenhuma carreira oferece
tantas oportunidades, tantas por-tas
abertas e tantas possibilidades
profissionais, seja na iniciativa
privada ou no setor público. E,
embora não seja o mais impor-tante,
apesar de, para a maioria
certamente parecer urgente, ofe-rece
uma excelente remuneração.
Além, é claro, do status e da cer-teza
de poder ajudar a melhorar a
vida, nossa, da nossa família, do
próximo e do país.
Além de todas as vantagens
que comentei, ainda tem a grande
vantagem de estarem sobrando
posições! Está faltando gente no
mercado. Reformulando, está
faltando gente qualificada no
mercado. Estão faltando advo-gados,
professores e até mesmo
concurseiros preparados para en-frentar
os desafios que este ramo
apresenta àqueles que escolhem
desempenhar suas diversas fun-ções.
O mercado não está, como
muitos pensam, saturado. Se você
está achando que tem gente demais, entenda:
o mercado não precisa de gente, mas de “gente
qualificada”, como disse. Sou juiz e converso
com muitos operadores jurídicos, de todas as
instâncias, o que me assegura certa convicção
ao afirmar que: há falta de bons advogados e os
candidatos às vagas oferecidas nos concursos
muitas vezes não possuem a experiência, ou
ainda a vivência necessária ao cargo. A gente
vê poucos advogados realmente capazes no dia
a dia e para estes não falta trabalho. Nos con-cursos,
o cenário não é muito diferente. Sobram
vagas nos concursos de elite.
Nesse cenário, o Jornal Estado de Direito
contribui imensamente para a formação e qua-lificação
dos futuros profissionais e reciclagem
daqueles que já atuam no setor e buscam o
aprimoramento e a qualidade. Então, anime-se:
se você se dispuser a buscar a excelência utili-zando,
para isso, todas as formas de experiência
e à informação, se você se dedicar e obtiver co-nhecimento
e habilidade para qualquer desses
ramos, certamente terá muitas portas abertas
e vai poder escolher o que fazer. Isso é o que
chamo de fazer Direito direito.
O mercado tem muita gente, mas poucos
são os que se diferenciam por sua capacidade
profissional e técnica. Se você tem como se
diferenciar, mesmo que leve algum tempo,
colherá os frutos dessa busca por qualificação
em ofertas de trabalho, em novos projetos e
desafios e, claro, em uma remuneração con-dizente
com sua qualificação.
Outras dicas que aproveito para comparti-lhar
e que, sem dúvida contribuirão para um
futuro promissor: seja leal, educado, honesto,
trabalhador e competente que as pessoas o
procurarão para ser advogado, professor, só-cio,
conselheiro, consultor. E se você desejar
o caminho dos concursos, neles também será
bem-sucedido. Como diz o Evangelho, “aquele
que busca, encontra; o que procura, acha”.
Basta semear e cuidar das sementes certas que
a colheita será boa.
O mundo pertence a quem fez Direito...
direito. Se ainda não é seu caso, recupere o
tempo perdido e seja um profissional dife-renciado,
qualificado, atual, necessário. O
mundo é aquilo que você faz dele. Faça com
que o seu mundo seja ainda mais revolucio-nário,
marcante e impactante na vida dos
próximos e ajude na construção de um futuro
melhor para o país.
* Juiz federal, professor universitário, palestrante e
autor de mais de 30 obras, dentre elas o best-seller
“Como passar em provas e concursos” – www.
williamdouglas.com.br.
Fazer Direito direito
Se você está achando
que tem gente demais,
entenda: o mercado não
precisa de gente, mas
de “gente qualificada”
O mundo é aquilo
que você faz dele.
Faça com que o seu
mundo seja ainda mais
revolucionário
O Jornal Estado de
Direito contribui
imensamente
para a formação
e qualificação dos
futuros profissionais
e reciclagem daqueles
que já atuam no
setor e buscam o
aprimoramento e a
qualidade
dario jacopo laganà | www.norte.it
10. 10 Estado de Direito n. 37
O projeto do novo Código de Processo Civil
José Fernando Simão*
Alexandre, menino das Minas Gerais,
fruto do casamento de seus pais,
criado no amor e afeto até seus sete
anos. Luciane, nascida fora do casamento em
terras paulistanas, com o estigma da bastar-dia
que ainda paira na sociedade brasileira,
apesar de afrontar claramente os preceitos
constitucionais. Alexandre foi vítima de um
fenômeno comum. Seus pais se divorciaram,
e com o fim da conjugalidade e constituição
de nova família, seu pai entendeu que havia
se encerrado a parentalidade, negando-se a
conviver com o menor, a ter com ele qualquer
relação que não a jurídica. Luciane, por sua
vez, nunca teve um pai em sentido fático ou
jurídico. Só conseguiu ser reconhecida como
filha após um longo procedimento judicial,
e, mesmo assim, após o reconhecimento, só
recebeu de seu pai hostilidades.
As diferenças entre Alexandre e Luciane
são diversas, mas algo os une: foram vítimas
de uma das mais perversas condutas por parte
de seus pais: o abandono filial.
Em 29 de novembro de 2005, ao julgar o
processo de Alexandre, disse o STJ o seguinte:
“1. A indenização por dano moral pressupõe
a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo
à aplicabilidade da norma do art. 159 do
Código Civil de 1916 o abandono afetivo,
incapaz de reparação pecuniária.” (REsp
757.411/MG, Rel. Ministro FERNANDO
GONÇALVES).
As razões invocadas pelo Ministro Relator
para ser cúmplice do abandono e chancelar
o desamparo, dando a benção estatal é de
causar estranheza: “Quem sabe admitindo
a indenização por abandono moral não
estaremos enterrando em definitivo a pos-sibilidade
de um pai, seja no presente, seja
perto da velhice, buscar o amparo do amor
dos filhos”.
A conclusão do julgado que puniu Ale-xandre
foi a seguinte: “Como escapa ao arbí-trio
do Judiciário obrigar alguém a amar, ou a
Primeiras impressões
De Alexandre a Luciane – da cumplicidade pelo abandono ao abandono punido
manter um relacionamento afetivo, nenhuma
finalidade positiva seria alcançada com a
indenização pleiteada.” Esta frase demonstra
um velho ranço de alguns juristas, minori-tários
é verdade. Falar de conceitos sem os
conhecê-los o que acaba por gerar absurdos
jurídicos. O direito não define afeto. A dis-ciplina
que o faz é a psicanálise.
Em 02 de maio de 2012, o mesmo STJ,
com nova composição, atento a um direito
de família mais humano e solidário, julgou o
caso da Luciane. A Ministra Nancy Andrighi
deixou claro que “na hipótese, não se discute
o amar – que é uma faculdade – mas sim
a imposição biológica e constitucional de
cuidar, que é dever jurídico, corolário da li-berdade
das pessoas de gerar ou adotar filhos”
(Informativo STJ 496, REsp 1.1.59.242/SP).
Confundir cuidado com amor foi erro lamen-tável
que abonou a o abandono e serviu de
estímulos aos péssimos genitores. Esclarecer
que amor e afeto não se confundem revelou,
de maneira pedagógica, a sensibilidade da
Ministra Nancy Andrighi.
Afeto, segundo definição da psicanálise,
nas palavras Giselle Câmara Groeninga, é,
“no direito, em ramos da filosofia e no senso
comum, identificado com o amor. Em nossa
visão positivista era inclusive visto como
dissociado do pensamento. Mas, ele é muito
mais do que isto. Sem dúvida, uma quali-dade
que nos caracteriza é a ampla gama de
sentimentos com que somos dotados e que
nos vinculam – uns aos outros, de forma
original face a outras espécies. Com base nos
afetos, que se transformam em sentimentos,
é que criamos as relações intersubjetivas
- compostas de razão e emoção - do que
nos move. À diferença dos outros animais,
somos constituídos, além dos instintos, de
sua tradução mental em impulsos de vida e
de morte. Estes ganham a qualidade mental
de afetos – energia mental com a qualidade
de ligação, de vinculação = libido, Eros, ou
de desligamento, de não existência = morte,
Thanatos.” (Descumprimento do dever de
convivência: danos morais por abandono
afetivo. A interdisciplina sintoniza o direito
de família com o direito à família. In A outra
face do Poder Judiciário – Decisões inova-doras
e mudanças de paradigmas. Coord.
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka.
Belo Horizonte: Del Rey/São Paulo: Escola
Paulista de Direito – EPD. 2005).
O julgado em que o STJ pune o abando-no
e põe fim à irresponsabilidade parental
ressalta que “os sentimentos de mágoa e
tristeza causados pela negligência paterna e
o tratamento como filha de segunda classe,
que a recorrida levará ad perpetuam, é perfei-tamente
apreensível e exsurgem das omissões
do pai (recorrente) no exercício de seu dever
de cuidado em relação à filha e também de
suas ações que privilegiaram parte de sua
prole em detrimento dela, caracterizando o
dano in re ipsa e traduzindo-se, assim, em
causa eficiente à compensação”.
* Professor de Direito Civil da USP. Mestre,
Doutor e Livre-Docente em Direito Civil pela USP.
Advogado em SP. Professor do curso Damásio.
Autor do livro “Responsabilidade Civil do Incapaz”
pela Editora Atlas.
Afetos e desafetos
Quem sabe admitindo
a indenização por
abandono moral não
estaremos enterrando
em definitivo a
possibilidade de um
pai, seja no presente,
seja perto da velhice,
buscar o amparo do
amor dos filhos
Arruda Alvim*
A filosofia do PL 8.046/2010, nas suas
linhas mais gerais, é a seguinte: não se
pretendeu fazer uma mudança radical
ou brusca, até porque as mudanças radicais
em Direito geralmente não se justificam e, se
feitas, não geram resultados satisfatórios.
Procurou-se manter o que seria aproveitável
do Código vigente e incorporar novidades ten-do
em vista uma resposta mais atual aos proble-mas
que afligem os operadores do Direito.
Desde o art. 1.º, o Projeto enfatiza o
valor fundamental da Constituição, o que
representa um enfoque contemporâneo da
temática do Direito. Valeu-se, portanto, da
concepção de que os Códigos devem ser ilu-minados
pelas Constituições. Além disso, da
estrutura do Projeto extrai-se a intenção de se
imprimir maior organicidade e simplicidade
à normativa processual civil e ao processo,
com o objetivo de fazer com que o juiz deixe,
na medida do possível, de se preocupar ex-cessivamente
com o processo, como se fosse
um fim em si mesmo, deslocando o foco da
atenção do julgador para o direito material.
Com isto, pretende-se descartar uma proces-sualidade
excessiva, desvinculada do objetivo
do direito material.
Outro ponto importante a ser frisado é a
extrema cautela do Projeto quanto à manu-tenção
da segurança jurídica e da estabilidade
da jurisprudência. Procurou-se incentivar
a uniformidade da jurisprudência e sua
estabilidade, e, ao mesmo tempo, conferir
maior rendimento (i.e., efetividade) a cada
processo, individualmente considerado.
É perceptível a ênfase conferida ao peso
e ao significado social da jurisprudência
dos tribunais, mormente sob a perspectiva
da realização da isonomia e da segurança
jurídica. Isto se dá em todos os níveis, dos
Tribunais Superiores aos órgãos de segundo
e primeiro grau. O objetivo que informa estas
regras é exatamente concretizar melhor os
princípios da legalidade e da isonomia, no
sentido de que se diz que, se a lei é igual para
todos, é importante também que as decisões
judiciais que interpretem a lei sejam iguais
para todos.
Procurou-se oferecer uma visão do pro-jeto,
mas seria impossível considerar nesta
sede todos os seus aspectos. Para terminar,
diríamos que o projeto é bastante bom, bem
ordenado, impecavelmente bem redigido,
sintonizado rigorosamente com as necessi-dades
contemporâneas, especialmente com o
problema da justiça de massa, com a simplifi-cação
do processo; ademais, a sociedade está
sendo ouvida, ocorreram audiências públicas
antes da entrega ao Presidente do Senado
e sucedem-se outras audiências públicas,
amplamente divulgadas e concorridas. Faço
votos que este projeto seja bem sucedido com
a colaboração da sociedade e do Congresso
Nacional.
No mais, deve ser ressaltado que os inu-meráveis
caminhos possíveis de soluções que
se encontram no Projeto decorrem dos proble-mas
atuais, que assolam a Justiça brasileira. A
promulgação de um Novo Código de Processo
Civil – conquanto haja problemas paralelos
outros, atinentes à estrutura do Judiciário, tais
como aprimoramento profissional de servido-res
e magistrados, adequação dos rendimen-tos,
instalações melhores, uso acentuado da
informática – é um dos elementos que podem
auxiliar na melhoria da distribuição da Justiça
e na aplicação do Direito.
* Professor Titular da Faculdade de Direito da
PUC-SP e da Fadisp. Advogado.
11. Estado de Direito n. 37 11
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Guilherme, Richard Pae Kim e
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POR ARTIGO, 4ª EDIÇÃO
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12. 12 Estado de Direito n. 37
Maria Berenice Dias*
Questão de Estado e Interesse Público
Quando se adentra na seara do direito das
famílias, se passa a falar em interesse
público e a nominar determinadas
ações como ações de estado. Só que em ne-nhum
momento quer a lei civil, quer a lei pro-cessual
dizem o que tais expressões significam.
Limita-se o Código Civil a assegurar que
ninguém pode ser obrigado a depor sobre fato
que, por estado deva guardar segredo (CC
229 I).
O Código de Processo Civil em mais de uma
oportunidade faz menção tanto a uma como a
outra dessas expressões. Exige a intervenção do
Ministério Público nas causa concernentes ao
estado das pessoas (CPC 82, II), bem quando
há interesse público evidenciado pela natureza
dalide ou qualidade da parte (CPC 82 IV).
Também é firmada a competência exclusiva
dos juízes de direito para julgar as demandas
relativas ao estado e à capacidade da pessoa
(CPC 92 II). Apesar de públicos atos proces-suais,
é autorizado que corram em segredo de
justiça os processos em que exigir o interesse
público (CPC 155 I).
Não cabe a citação pelo correio, sendo ne-cessária
a citação pessoal nas ações de estado
(CPC 222 a).
Do mesmo modo questões de estado, sus-citadas
pela via incidental como pressuposto
para o julgamento, podem ensejar a suspensão
do processo (CPC 265 IV c).
É vedado o uso do procedimento sumário
nas ações de estado (CPC 275 parágrafo único).
Outras referências são feitas em matéria
probatória. São dispensadas as partes (CPC 347
II) e as testemunhas (CPC 406 II) de deporem,
bem como de exibirem documento ou coisa,
sobre os quais devem guardar segredo por
estado ou profissão (CPC 363 IV).
Mas há mais. São afastados os impedimen-tos
para depor, salvo em se tratando de causa
relativa ao estado da pessoa ou quando assim
exigir o interesse público (CPC 405 § 2º I).
Talvez o efeito mais significativo no que diz
com o estado das pessoas é quanto aos limites
da coisa julgada (CPC 472): A sentença faz coisa
julgada às partes entre as quais é dada, não
beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas
causas relativas ao estado de pessoa, se houve-rem
sido citados no processo, em litisconsórcio
necessário, todos os interessados, a sentença
produz coisa julgada em relação a terceiros. Ou
seja, em se tratando de demanda que envolva
o estado da pessoa, os efeitos da sentença vão
além das partes, seja lá o que signifique dita
referência. O que descabe é confundir coisa
julgado com efeito constitutivo da sentença.
Mas a final, o que são ações de estado? A
referência não é às demandas em que as partes
podem passar de um estado civil a outro. Como
exemplo se poderia assim reconhecer a ação de
divórcio. Mas resta a dúvida quanto a ação refe-rente
à união estável, pois, injustificadamente a
lei não prevê a alteração do estado civil, apesar
de impor o regime da comunhão parcial de bens
que provoca sequelas de ordem patrimonial.
Ainda assim, como o divórcio pode ocorrer
extrajudicialmente, nada justifica tratamento
diferenciado em juízo.
Do mesmo modo, não há como reconhecer
que se trata das ações que dizem com a capaci-dade
da pessoa, assim as ações de emancipação
e de interdição. Quanto a estas a lei faz expressa
referência, não as incluindo no conceito de
ação de estado. É o que diz o parágrafo único
do art. 275 do CPC, ao cercear o uso do pro-cesso
sumário às ações relativas ao estado e à
capacidade das pessoas. Ou seja, são conceitos
que não se confundem.
A mesma ordem de incertezas surge sempre
que é invocado interesse público, que serve de
justificativa para impor a participação do Minis-tério
Público, admitir que as ações tramitem em
segredo de justiça e a ouvida de testemunhas
impedidas.
Com certeza a grande dúvida que remanes-ce
diz com as ações de alimentos, ainda que
nada justifique serem rotuladas de ações de
estado ou que se reconheça como demandas
de interesse público. Sendo as partes maiores
e capazes, independente da origem do encargo
alimentar, não se atina, por exemplo, a inter-venção
ministerial. E, havendo menores ou
incapazes envolvidos a presença do Ministério
Pública se impõe pela qualidade da parte.
Ora, se interesse público é interesse de
todos, no âmbito das relações familiares difícil
é identificar o transbordamento do interes-se
além das partes. Também não pode ser
identificado como interesse do Estado. Deste
modo, mister adequar todas essas previsões
legais às ações que resguardam interesses de
crianças, adolescentes e idosos, bem como as
concernentes à capacidade e à identidade das
pessoas. Nada mais.
Advogada; Presidenta da Comissão da Diversidade
Sexual do Conselho Federal da OAB. Vice-Presidenta
Nacional do IBDFAM. www.mbdias.com.br. www.
mariaberenice.com.br. www.direitohomaofetivo.
com.br. www.estatutodiverisdadesexual.
Um Estado que se
diz democrático
e de direito, cuja
Constituição assegura
a todos o respeito à
dignidade, o direito à
liberdade e a igualdade
Duas expressões ocas e inúteis
Mas a final, o que são
ações de estado? A
referência não é às
demandas em que as
partes podem passar
de um estado civil a
outro
Cosmopolita | flickr cosmopolita
13. Estado de Direito n. 37 13
Eu tomo ritalina! Você me quer???
•
Dora Martins*
Assunto batido, antigo (que pena!) e sem-pre
renovado é o da existência de milha-res
de crianças que vivem, Brasil afora, em
instituições, ditos abrigos ( e não mais orfanatos)
sob a custódia do Estado, e sob os cuidados das
Varas da Infância e Juventude. São meninos e
meninas que, por alguma razão, seja mais ou
menos dolorosa, não exercem um direito que lhes
é previsto na Constituição Federal, no Estatuto
da Criança e do Adolescente - ECA e em tantas
leis outras, das quais coração sincero algum pode
discordar: o direito de nascer, crescer e viver em
uma família. O direito à convivência familiar.
E se não há possibilidade de retomar o conví-vio
com a família biológica, urge que outra surja
no horizonte de tantas crianças e adolescentes
que por ela anseiam. A adoção, assim, é a alme-jada
solução. E, sim, adoções acontecem, todos
os dias. Mas, quase sempre, e com maior rapidez,
quando são de crianças pequenas, normais e de
preferência brancas e meninas. Ainda é essa a
ordem do desejo que impera naqueles que se
dispõem a constituir uma família pela adoção.
É preciso reconhecer que, com tanta cam-panha
feita, se tem conseguido, cada vez mais, a
sensibilização de homens e mulheres para a ado-ção
de crianças de qualquer cor ou raça e aquelas
que já somam alguns anos. Mas, só alguns anos,
pois quando a soma se aproxima de uma dezena,
a fila pára. Raras ainda, no Brasil, as adoções de
crianças cuja idade ultrapassa os 6 ou 7 anos.
É a chamada adoção tardia. E muito tardia
talvez para o menino ou menina que, nas suas
noites de solidão (sem beijo de mãe, sem
história contada pelo pai), numa instituição,
espera a chegada de “sua família”.
É conhecida a marca de tristeza, nos abrigos,
quando uma das crianças, seja de que tamanho
for, é adotada. Os que ficam por lá, coração
apertado a bater – por que não eu? quando será
minha vez? – acabam transformando a perversa
dor da espera em rebeldia e agressividade.
Medo de nunca partir, esperança de que,
enfim, chegue sua família, são sentimentos que
habitam corações de adolescentes e de pequenos
que vivem nos abrigos. Muitos não suportam
tanta espera e se rebelam, não “se comportam
bem”, choram, pedem, exigem, não tem bom
rendimento escolar, e logo são contemplados com
um diagnóstico: sofrem de um tal déficit de aten-ção,
dislexia?, TDAH?, e ditos transtornos outros
que tais. Então, na ausência para eles de colos
suficientes e amorosos de verdade, sobram-lhes
por fim, e para por fim em tanta agitação, algumas
prescrições: fluoxetina (20 mg, 1 vez ao dia),
Neuleptil (4%, 1 vez ao dia), Oxcarbamazepina (2
comprimidos por dia) e Ritalina (1/2 comprimido
de manhã e meio ½ comprimido à noite).
Aos treze, catorze, quinze até os dezessete
anos, as doses de tais modernos medicamentos
sofrerão aumentos, por certo, junto com as
incessantes angústia e rebeldia. Aos dezessete
anos, onze meses e vinte e nove dias de vida,
exige-se, enfim, desses meninos e meninas es-tarem
aptos para a chamada autonomia, e a um
passo da rua, para um mundo desconhecido que
os quer, enfim, cidadãos! O Estado, por vezes
tantas, tão perverso e cínico quando o assunto é
a Infância e Juventude brasileiras escondida em
tantas instituições e abrigos, precisa encarar esse
mal “moderno” – a medicalização de crianças
e adolescentes em instituições, quase sempre
imposta pelos serviços públicos de saúde, única
via de atendimento desses brasileiros. Se tal
medicalização, ou a chamada “ritalinização” já é
fato em escolas públicas e privadas brasileiras e
nos consultórios de caros médicos, nos abrigos
será praga cada vez mais daninha e difícil de
extirpar. A adoção tardia, forma única de garan-tir
convivência familiar para muitas crianças e
adolescentes é ato complexo e que exige afeto
e paciência. É preciso estar disponível para a
criança que já diz o que quer, que pensa, reclama
e sonha. Impor a essa criança o estigma da “ritali-nização”
significa dificultar ou até impossibilitar
a chance da adoção esperada. É crueldade demais
do Estado. É perversão que vai de encontro a
todos os princípios constitucionais garantidores
dos direitos das crianças e dos adolescentes. E,
cabe o “mea culpa” de todos nós, pois o Estado
não está só nesse triste e abjeto papel: “É dever
da família, da comunidade, da sociedade em
geral e do poder público assegurar, com absoluta
prioridade, a efetivação dos direitos referentes
à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convi-vência
familiar e comunitária das crianças e dos
adolescentes, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão (artigos 4º do
ECA e 227 da Constituição Federal).
* Juíza de Direito da Vara Central da Infância e
Juventude de São Paulo, membro da Associação Juízes
para a Democracia e da Coordenadoria da Infância e
Juventude do Tribunal de Justiça/SP.
“Para os dois
garotinhos inda à
espera
que a justiça abra os
olhos, meu janeiro,
dá-lhes as mães exatas,
primavera
a se multiplicar pelo
ano inteiro.” Cantiga,
Carlos Drummond de
Andrade
14. 14 Estado de Direito n. 37
Habeas Mídia
Newton De Lucca*
Em certa passagem do meu discurso de
posse como Presidente do Tribunal
Regional Federal da 3ª. Região defendi
de forma irrestrita a criação do habeas mídia,
e, como já era de se esperar, os setores reacio-nários
do País reagiram de forma imediata e
contundente a tal declaração, atribuindo-me
o desejo de instituir a censura prévia, a mor-daça
e outras estultices de igual jaez.
O meio acadêmico, porém, parece ter
recebido muito bem a ideia e foram vários
os convites que recebi para discorrer acerca
do sentido e alcance desse instituto, que não
guarda nenhuma similitude com censura
prévia, mordaça à liberdade de imprensa e
de expressão e quejandos...
Em singelo resumo, passo a expor suas
linhas mestras.
Constitui erro grosseiro, em primeiro lu-gar,
só cabível na cabeça daqueles que gostam
de criticar tudo aquilo que possa representar
ameaça aos próprios interesses, acoimar a
ideia de “inconstitucional”. Poderia sê-lo, é
verdade, se se imaginasse que a matéria seria
regulada exclusivamente mediante a edição
de uma lei ordinária ou mesmo complemen-tar...
Mas eu não afirmei isso em nenhum
momento de minhas falas. Pelo contrário,
tenho dito e repetido que a instituição do ha-beas
mídia no Brasil deveria dar-se mediante
a aprovação de Emenda Constitucional --- se,
por um arroubo de ingenuidade, se supusesse
que as oligarquias econômicas e políticas pu-dessem
permitir tal avanço ---, formando-se o
tripé da defesa contra as ilegalidades: habeas
corpus, habeas data e habeas mídia...
A ideia que defendo é, na verdade, muito
simples. Trata-se, fundamentalmente, de uma
previsão normativa de maior eficácia, no que
se refere à proteção individual, coletiva ou
difusa, tanto de pessoas físicas quanto de
pessoas jurídicas, que sofrerem ameaça ou
lesão ao seu patrimônio jurídico indisponí-vel,
em razão de eventuais abusos cometidos
pela mídia. Teria o cidadão brasileiro, desta
forma, um “remédio” para proteger o seu
patrimônio de honra, o que não ocorre nos
dias de hoje. Exemplificando tais abusos,
poderíamos citar uma notícia precipitada,
inverídica, que ponha em risco a honorabi-lidade
da pessoa, sem que sua culpa esteja
efetivamente comprovada.
A criação do habeas mídia já vem sendo
estudada há bastante tempo, sendo as primei-ras
iniciativas, datadas de 1988, realizadas
pelo Professor Sérgio Borja, do Rio Grande
do Sul. A ideia se disseminou no País, entre
outros professores, como, por exemplo, o
Professor Paulo Lopo Saraiva, do Rio Grande
do Norte. É de sua autoria o livro intitulado
“Constituição e Mídia”, no qual ele discute
e defende, com vigor deveras invulgar, o
instituto de que se trata.
Os dois professores citados demonstram
o que se deve enfatizar: não se trata, nem
mesmo remotamente, de se querer instituir
algo nos moldes da censura prévia. Não é
um limite à liberdade de imprensa. O que se
deseja é que esta seja sempre ilimitada, des-de
que a responsabilidade de quem escreve
matéria eventualmente danosa também seja
ilimitada...
Em vez de se falar em controle da mídia, o
que se quer é o reconhecimento da sua plena
responsabilidade pelos abusos que venha,
eventualmente, a cometer. Seria, assim, um li-mite
ao uso abusivo da liberdade de informar.
Tem-se o direito de fazer uso da informação,
mas não o abuso dela. A diferença entre o uso
e o abuso nem sempre é muito clara, infeliz-mente,
na tela da ciência jurídica.
A liberdade de pensamento, consagrada
na Constituição Federal, em seu artigo 220,
tem de existir para todos e não somente para
a imprensa. É o que se denomina “controle
social da mídia”. Nenhum dos poderes pode
se sobrepor ao poder da sociedade civil. É
o que está previsto na Carta Magna, a qual
determina que todo poder, em princípio,
A criação do habeas
mídia já vem sendo
estudada há bastante
tempo, sendo as
primeiras iniciativas,
datadas de 1988,
realizadas pelo
Professor Sérgio Borja,
do Rio Grande do Sul
Tem-se o direito
de fazer uso da
informação, mas não o
abuso dela. A diferença
entre o uso e o abuso
nem sempre é muito
clara, infelizmente, na
tela da ciência jurídica
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