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Tribunal de Contas, esse 
desconhecido? 
Wremyr Scliar informa as 
competências do Tribunal 
de Contas, desconhecido 
de grande parte da opinião 
pública, mas muitíssimo 
conhecido por aqueles que 
são condenados a devolver 
valores aos cofres públicos 
Página 6 
Alimentos reavivando 
noções fundamentais 
Silvio Venosa comenta os 
artigos do Código Civil 
que tratam da questão de 
alimentos e esclarece aspectos 
importantes da distinção 
quanto aos alimentos 
naturais e civis 
Página 14 
Direitos do Coração 
Ana Jamily Veneroso Yoda 
destaca a importância de 
levar as crianças a terem 
contato com o universo 
de direitos que lhes são 
assegurados 
Página 15 
PORTO ALEGRE, AGOSTO E SETEMBRO DE 2008 • ANO III • N° 16 Estado de Direito 
Luiz Flávio Gomes 
Página 5 
Veja também 
A conciliação no sistema de 
Justiça do Quebec 
Louise Otis relata as 
razões que orientaram a 
instauração da conciliação 
judicial e as características 
de integração dentro do 
sistema de justiça 
Página 20 
Nepotismo 
O STF pode Legislar? 
Alimentos Gravídicos 
A primeira mulher a ser 
Desembargadora do Tribunal 
de Justiça do Estado do Rio 
Grande do Sul Maria Berenice 
Dias apresenta a polêmica 
questão sobre o Projeto de Lei 
7.376/2006, que concede à 
gestante o direito de buscar 
alimentos durante a gravidez, 
re f e re n d a n d o a m o d e r n a 
c o n c e p ç ã o d a s re l a ç õ e s 
parentais desde a concepção 
do nascituro 
Página 07 
AP 
O Jornal Estado de Direito comemora 
mais um feito relevante: o I Encontro 
Internacional Estado de Direito, em 
Brasília. O que era um projeto, agora 
é uma realidade que pode estar em 
outras cidades que quiserem partilhar 
dessa idéia como um meio de discussão 
sobre os rumos do Direito no Brasil, 
veja nessa edição como foi importante 
esse evento. Essas atividades realiza-das 
em Shoppings Centers objetivam 
transmitir o conhecimento de grandes 
juristas que se juntam a nós para 
fazer acontecer essa construção de 
cidadania. Luiz Flávio Gomes um dos 
palestrantes em Brasília, em seu artigo 
alerta para os riscos que rondam o 
denominado Estado de Direito cons-titucional 
e aborda a “judicialização 
do Direito” e a decisão do STF sobre 
a Súmula vinculante que trata do ne-potismo. 
Veja página 13 
P a r l a m e n t a r e s : “ O s 
parlamentares são os legítimos 
e diretos representantes do 
povo. Seu produto legislativo, 
portanto, quando compatível 
com a Constituição, é muito 
mais democrático que uma 
norma do judiciário.” 
Declaração Universal dos 
Direitos Humanos 
Johanner Van Aggelen faz 
um balanço dos 60 anos 
ao longo da história, a 
formulação jurídica no plano 
internacional em regiões e 
épocas distintas 
Balanço dos 20 anos 
da Constituição 
O professor Bruno Espiñeira 
Lemos apresenta reflexões 
sobre os vinte anos da “Cons-tituição 
Cidadã”, e observa 
que de todas as nossas Cartas 
políticas é a mais importante 
e responsável por um cenário 
democrático jamais vivido com 
tamanha plenitude no Brasil 
Página 08 
II Encontro Nacional 
Estado de Direito 
em porto alegre 
acesse o site e confira a programação www.estadodedireito.com.br
Estado 2 de Direito, agosto e setembro de 2008 
Estado de Direito 
Você faz parte dessa cultura Estado de Direito Comunicação Social Ltda. 
O Jornal Estado de Direito desenvolve iniciativas que 
fortalecem os ideais de promoção da cultura jurídica pela 
cidadania e é com alegria que registramos nessa edição a I 
Mostra de Cinema Português, com enfoque jurídico, realiza-da 
em Porto Alegre e o I Encontro Internacional Estado de 
Direito, em Brasília. 
Agradecemos aos palestrantes de ambos eventos que 
compartilharam os seus conhecimentos e elucidaram de forma 
criativa como o Direito está presente em nosso cotidiano, seja 
pelas oficinas de prática jurídica, comentários nos filmes e 
palestras com uma linguagem mais simples. 
Ressalto o papel das instituições e empresas que patroci-nam 
as atividades do Jornal Estado de Direito, pois são elas 
que dão vida aos nossos pensamentos. Cada passo conquis-tado 
é fruto do apoio e credibilidade que nos dão para que 
possamos levar até vocês mais informação e eventos com 
renomados profissionais. 
A todas as pessoas e empresas dispostas a serem parcei-ras 
nessa idéia, convidamos a participar do nosso próximo 
evento: II ENCONTRO NACIONAL ESTADO DE DIREITO, 
que acontecerá em Porto Alegre. 
Quero registrar que a televisão Café & Revista, via inter-net, 
com mais de dois milhões de acessos passará a transmitir 
pelo site www.cafeerevista.com.br todas as manhãs, às 10 h, 
com reprise a noite, às 22 h, o programa “Estado de Direito” 
produzido por mim. 
De um lado o Jornal, de outro as atividades que fortalecem 
o Projeto: “Conhecer o Direito é Desenvolver a Cidadania” e 
para por em prática nossas idéias, os esforços são permanentes 
e com todo entusiasmo na certeza de que estamos conseguin-do 
trazer mais parceiros para juntos levar a cultura jurídica 
de forma preventiva para toda sociedade! 
Grande abraço, 
Carmela Grüne 
CNPJ 08.583.884/0001-66 
Porto Alegre - RS - Brasil 
Rua Conselheiro Xavier da Costa, 3004 
CEP: 91760-030 - fone: (51) 3246.0242 e 3246.3477 
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Diretora Presidente 
Carmela Grüne 
carmela@estadodedireito.com.br | carmelagrune@via-rs.net 
Diretor Financeiro 
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Jornalista Responsável 
Patrícia Araujo - MTb 11686 
Colaboraram nesta Edição 
Bayard Fos, Diego Moreira Alves, Fábio Lino, Ayla Barbosa de Amorim, 
Edgar Garcia Lira Junior, Jaqueline Muriel Nogueira e Silva, Juliana Gomes 
Braggio e Talita Garcia 
Redação 
redacao@estadodedireito.com.br 
Anúncios 
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Diagramação 
Carmela Grüne 
Tiragem: 40.000 exemplares 
Pontos de distribuição 
PORTO ALEGRE 
Livraria Saraiva Shopping Praia de Belas 
1001 Produtos e Serviços de Informática: 
Matriz - Rua São Luís, 316 - Santana - 3219.1001 
Menino Deus - Shopping Praia de Belas - Térreo - 3026.7585 
Centro - Andradas,1273, lj. 003 - Galeria Edith - 3224.4119 
Nossa Livraria 
Pernambuco e Alagoas 
Maceió: Av. Moreira e Silva, 430 - Farol 
Maceió: Rua Íris Alagoense, 438-A - Farol 
Maceió: Rua Durval de Guimarães, 1217 - lojas 03 e 08 Ponta Verde 
Recife: Rua do Riachuelo, 267 
Recife: Av. Cais do Apolo, 739 - TRT 
Recife: Av. Dantas Barreto, 191 lojas 22 a 24 - TJ 
Recife: Rua da Aurora, 325 loja 01 
Santa Catarina 
Nas salas da OAB/SC, com apoio da 
Caixa de Assitência aos Advogados 
Editora Revista dos Tribunais 
São Paulo: Rua Conde do Pinhal, 80 - Liberdade 
Curitiba: Rua Voluntários da Pátria, 547 - Loja - Centro 
Rio de Janeiro: Rua da Assembléia, 83 - Centro 
Porto Alegre: Rua São Nicolau, 955 
Belo Horizonte: Rua Paracatú, 304 - Loja 02 - Barro Preto 
Brasília Asa Sul: SHC Sul - CL quadra 402 bloco A loja 21 - Asa Sul 
Goiania Central: Avenida Goiás, 60 - Qd2 Lt8E - Loja 03 - Setor Central 
Goiânia Setor Sul: Rua 101 n.º 123 Qd F17 Lt11E - Sala 01 - Setor Sul 
Rio Verde: Rua Edmundo de Carvalho, 905 - sala 01 
Setor Central, Rio Verde - GO 
Anápolis: Avenida Sen. José Lourenço Dias, 1362 - Sala 03 
Setor Central, Anápolis - GO 
Recife: Rua Barão de São Borja, 62 lojas 1, 2 e 3 
PAÍSES 
Através de nossos colaboradores, consulados e escritores 
o jornal Estado de Direito chega a Portugal, Itália, México, 
Venezuela, Alemanha, Argentina, Ucrânia e Uruguai 
Peça a lista dos locais em que o Jornal Estado de Direito 
é divulgado para comercial@estadodedireito e consulte os 
mais de 85 pontos de distribuição! 
Apoio 
Consulado de Portugal/Recife 
*Os artigos publicados nesse jornal são responsabilidade dos autores 
e não refletem necessariamente a opinião do Jornal e informa que os 
autores são únicos responsáveis pela original criação literária. 
Democracia, Judiciário e Associações 
de Magistrados 
A Constituição brasileira assegura o direito de associação (art. 
5º., inciso), que representa a faculdade conferida aos os cidadão 
de se reunirem para tratar de interesses comuns, sem que o Estado 
possa intervir. É uma manifestação do status negativus. 
Os juízes também se organizam em associações, que, de regra, 
cuidam de questões que escapam ao âmbito de seus interesses 
estritamente profissionais, a exemplo, do recente debate sobre a 
investigação da vida pregressa de políticos com vista a registro de 
candidaturas a cargos eletivos. Indaga-se porque isso acontece. 
Na sociedade atual, caracterizada pelo reconhecimento de 
extenso rol de direitos aos cidadãos, os juízes têm um papel de 
fundamental importância, por lhes ter sido atribuída a função 
de dar efetividade a estes direitos. O estado brasileiro é com-prometido 
com um dos principais fundamentos do regime de 
democrático – o princípio da proteção judicial, que é o primado 
do estado de direito – não é possível um estado de direito sem 
leis e sem juízes independentes e imparciais que as apliquem e 
lhes garanta efetividade, sendo este um dos principais aspectos 
das cartas de direitos, como o Pacto Internacional dos Direitos 
Civis e Políticos, a Convenção Americana de Direitos Huma-nos, 
dos quais o Brasil é signatário e o art. 5º. da CF do Brasil 
(inciso LV). 
O meio usual e próprio dos juízes se manifestarem sobre as 
questões da vida nacional é o processo judicial, mediante o qual 
se busca uma decisão jurídica. Entretanto, este não é o único 
meio de os juízes se expressarem. Já é passado o tempo em que 
não era dado aos juízes opinar sobre temas políticos de importân-cia 
para o desenvolvimento da cidadania e da vida constitucional 
da nação e hoje a sociedade espera uma participação mais ativa 
da magistratura também no debate político. 
De outra parte, diferentemente de outras Instituições, como o 
legislativo, ou mesmo a OAB, em que a escolha dos seus represen-tantes 
oficiais se dá de forma dialógica, pelo debate do processo 
eleitoral, os dirigentes dos órgãos do Poder Judiciário ainda são 
escolhidos pelo critério de antiguidade, que, não obstante conferir 
relevante contribuição aos que honram a magistratura com sua ex-periência, 
alija a magistratura do debate como procedimento pré-vio 
de escolha. Por isso, as associações de magistrados cumprem a 
relevante função de expressar o pensamento da magistratura. 
Além disso, os temas de que mais se ocupam as associações 
de magistrados não são reivindicações corporativas, mas questões 
que interessam à própria sociedade. Quando, por exemplo, uma 
associação defende mais celeridade e efetividade dos processos, 
informatização, mais independência para os juízes ou mais res-paldo 
às decisões de primeiro grau, está defendendo condições de 
trabalho que se confunde com o interesse de toda a sociedade. 
Neste contexto é que se compreende porque as associações 
de magistrados lançam e se empenham em uma campanha por 
eleições limpas. São os interesses da sociedade na preservação da 
democracia que se confundem com o interesse da magistratura 
no cumprimento da sua missão. 
Por isso, é necessário que as associações de magistrados 
sejam ouvidas e seus pleitos levados em consideração, pois 
atuam não apenas como entidades que representam os interes-ses 
profissionais de determinado grupo, mas, sobretudo, como 
importantes agentes da democracia. As atividades associativas 
aqui destacadas têm se revelado, na prática, como verdadeira 
manifestação do status activus, contribuindo para a construção 
de um regime cada vez mais democrático. 
*Juiz Eleitoral da 1ª. Zona de Brasília e Diretor-Geral da Escola da Magistratura 
do Distrito Federal. 
Aiston Henrique de Sousa*
Estado de Direito, agosto e setembro de 2008 3 
Mais de 100 mil aprovados 
O destino é uma questão de escolha 
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Estado 4 de Direito, agosto e setembro de 2008 
A relativização da coisa julgada e a segurança jurídica à 
A coisa julgada afigura-se como ferramenta 
imprescindível à pacificação coletiva, pois, a certeza 
de uma decisão judicial significa para as partes em 
litígio o fim das controvérsias que as mantinham 
em constante conflito. Contudo, em que pese sua 
importância, não se deve atribuir-lhe valor absoluto, 
já que absoluto não é nenhum dos direitos funda-mentais, 
nem mesmo o direito à vida. 
Nesse contexto, não se pode olvidar que a 
garantia da coisa julgada admite relativização. Essa 
flexibilização do instituto é materializada à luz do 
que Canotilho e Vital Moreira denominam de “Prin-cípio 
da Concordância Prática ou da Harmonização” 
(Fundamentos da Constituição. Coimbra Editora, 
1991, p. 139). 
Tratando da relativização da coisa julgada, o in-tricado 
problema que se afigura é a busca de solução 
ao seguinte impasse: de um lado, há a necessidade 
de um sistema processual capaz de garantir a efeti-vação 
do Direito e da Justiça; de outro, há a neces-sidade 
de preservação da estabilidade das relações 
jurídicas, imprescindível à convivência social. 
No conflito entre segurança jurídica (coisa 
julgada) e Justiça (relativização da coisa julgada), 
caberá ao intérprete solucionar o impasse através 
da devida ponderação dos interesses envolvidos, 
harmonizando-os e identificando a relação de 
prevalência entre ambos, sem, no entanto, excluir, 
por completo, qualquer deles. É o que se chama de 
Princípio da Harmonização. 
No caso em espeque, não se pode negar a pri-mazia 
da Justiça sobre a garantia da coisa julgada. 
O princípio da Justiça das decisões decorre da 
própria garantia constitucional de acesso à pres-tação 
jurisdicional (Princípio da Inafastabilidade), 
prevista no art. 5º, XXXV, da Carta Magna. O 
jurisdicionado possui o direito público subjetivo 
constitucionalmente assegurado de acesso ao Ju-diciário, 
que pressupõe, registre-se, a prestação de 
tutela jurisdicional adequada, efetiva e justa. Pedro 
Lenza, a esse respeito, esclarece que o Princípio da 
Inafastabilidade é chamado por alguns de Princípio 
do “acesso à ordem jurídica justa” ou do “acesso 
à Justiça”, o que demonstra a íntima e inafastável 
relação entre Justiça e tutela jurisdicional. (Direito 
Constitucional Esquematizado. São Paulo, 2005, 
p. 540). 
Ora, a coisa julgada não é absoluta, logo, seus 
efeitos restam enfraquecidos diante da exigência do 
justo, não havendo como, face ao ideal de Justiça 
que permeia a atividade jurisdicional, negar ao 
cidadão a possibilidade de correção de uma decisão 
errônea. 
A Justiça é o princípio maior da Constituição 
e, com efeito, todos os demais princípios constitu-cionais 
cedem a ela. É inadmissível conviver num 
sistema processual em que uma decisão carregada 
de carga lesiva não possa ser revertida. São inúmeros 
os casos em que se vê, em pólos contrapostos, o 
comando legal determinando seja respeitada a coisa 
julgada e uma injustiça patente, demonstrada atra-vés 
de prova irrefutável. Nessas ocasiões, a garantia 
do acesso à ordem jurídica justa repele a perenização 
de julgados manifestamente discrepantes com os 
ditames da Justiça. 
Ademais, a eternização de comandos decisórios 
injustos afeta a própria credibilidade do Poder 
Judiciário. Quando os críticos à teoria da relativi-zação 
falam em perda de credibilidade, no caso da 
desconstituição das sentenças definitivas, o que se 
observa é exatamente o contrário, vez que descredi-tante 
não é a flexibilização ponderada e justificável 
da coisa julgada, mas sim ter conhecimento da 
existência de um julgado reconhecidamente injusto 
e negar à parte a oportunidade de reparação do 
equívoco. 
Assim, conclui-se que a relativização da coisa 
julgada não faz brotar a insegurança jurídica. Pelo 
contrário, essa insegurança surge, exatamente, do 
envilecimento da prestação jurisdicional, marcado 
pela eternização de decisões injustas. Nesse compas-so, 
a conclusão a que se chega é que não é razoável 
perpetuar injustiças a pretexto de se impedir a 
eternização de incertezas. 
*Advogado da União – Procurador Chefe da Procuradoria- 
Seccional da Advocacia-Geral da União em Petrolina/PE 
– Pós-Graduando em Direito Processual Civil pela UNISUL. 
Raul Murilo Fonseca Lima* 
luz do princípio da harmonização 
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Estado de Direito, agosto e setembro de 2008 5 
Tribunal de Contas - esse desconhecido? 
Wremyr Scliar 
No programa de divulgação das atividades do Tribunal 
de Contas do Rio Grande do Sul, a Escola Superior de 
Gestão e Controle Francisco Juruena recebeu um grupo de 
alunos da USC, unidade de Nova Prata, os quais assistiram a 
uma sessão do Pleno e em seguida tiveram uma explanação 
sobre o desenvolvimento de um julgamento que ali acabara 
de ocorrer. 
O julgamento referia-se às diárias pagas a vereadores 
que tinham comparecido, no mês de janeiro, a um congresso 
realizado em Itapema, praia localizada em Santa Catarina. 
Quando noticiado pela imprensa, houve candentes críti-cas 
pela viagem e diárias, noticiada como “farra das diárias”. 
O julgamento considerou essas despesas como ilegais 
e determinou a devolução dos valores res-pectivos 
aos cofres municipais. 
Então, lançou-se aos alunos que haviam 
assistido ao julgamento o seguinte desafio: 
“quem verificar pela imprensa, a partir de 
amanhã, a notícia sobre o julgamento do 
Tribunal de Contas, será contemplado com 
um prêmio”. 
O que se pretendia? 
Mostrar aos alunos que a mídia, siste-mática, 
orgânica e cientificamente, movida 
por interesses alheios à administração pú-blica, 
promove constantemente campanhas 
difamatórias batizadas de farra das diárias, 
o ralo do dinheiro dos contribuintes, o caos na saúde, o 
desperdício nas obras públicas, a falta de qualidade do 
ensino público, corrupção generalizada e assim por diante 
muitas outras campanhas. 
Entretanto, quando o próprio Estado corrige os erros, 
deficiências, pune e manda devolver o dinheiro mal empre-gado, 
a mídia silencia integralmente (ou nega-se) a prestar 
a informação. 
Obviamente, nenhum aluno foi contemplado com o 
prêmio porque simplesmente nada, absolutamente nada, 
foi noticiado sobre o resultado do julgamento pelo Tribunal 
de Contas. Embora fosse aquela uma decisão complexa e 
de repercussão jurisprudencial ampla nos processos admi-nistrativos 
daquela Corte e nos procedimentos dos gestores 
municipais e estaduais objetos de análise pelo Tribunal, para 
a mídia não havia interesse, visto que a decisão punitiva era 
uma “resposta” às acusações de imoralidade. 
O julgamento que os alunos assistiram é um exemplo 
paradigmático sobre as competências do Tribunal, assim 
como as suas relações com os jurisdicionados, imprensa e 
meio acadêmico. 
Infelizmente, essa relação, principalmente com a mídia, 
está contaminada por motivos políticos que impedem a 
fluxo normal e necessário de notícias e informações sobre 
as atividades do Tribunal de Contas. 
Claro que essa contaminação não se restringe ao Tribunal 
de Contas - ela atinge o Legislativo, o Judiciário e as ações 
administrativas em gênero. 
Por isso, publicações como o “Estado de Direito”, livre 
e independe de obscuras campanhas agressivas e negativas 
à administração pública, assim como livre e independe de 
silêncios igualmente obscuros, são importantes e ressaltam 
o necessário cumprimento dos valores constitucionais de 
liberdade de imprensa e direito à informação, como reali-zação 
da cidadania e dignidade humana. 
O Tribunal de Contas, sinteticamente ora informando-se 
aos leitores do “Estado de Direito”, tem sede constitucional e 
tem a sua principal competência constitucional na emissão do 
parecer prévio sobre as contas do chefe do poder executivo 
(Presidente, Governadores e Prefeitos), o qual é encaminhado 
ao Poder Legislativo corresponde para ser julgado. O julga-mento 
não tem as características próprias de um processo 
judicial - ele é político. O parecer do Tribunal de Contas pode 
ser aprovado ou rejeitado, conseqüência idêntica será adotada 
para as contas do chefe do poder executivo. 
Cabe acrescer: nas Câmaras de Vereadores, o quorum 
para rejeitar o parecer prévio do Tribunal de Contas é de 
dois terços, enquanto que nos demais corpos legislativos, a 
rejeição pode ser proclamada com maioria simples. 
Quanto ao julgamento de “contas”, assinala-se que não se 
trata de apreciação contábil, mas do cumprimento das obriga-ções 
constitucionais e legais, ou seja, um exame de legitimidade 
da ação administrativa do chefe do poder executivo. 
O presidentes do corpos legislativo, assim como o pre-sidente 
do tribunal judicial e do chefe do ministério público 
também têm as suas contas examinadas pelo Tribunal de 
Contas, mas nesse caso, a Constituição determina que elas 
sejam julgadas mediante decisão que igualmente aprecia a 
legitimidade das respectivas ações administrativas. 
Por fim, cabe ao Tribunal de Contas apreciar a legalidade 
dos atos de admissão, aposentadoria, contratos, editais, 
programas administrativos, enfim, a ação administrativa, 
exteriorizada por atos e fatos em toda a sua plenitude. 
Com isso fica claro que o controle exercido pelo Tribunal 
de Contas não é numérico ou aritmético - ele é um exame 
de legitimidade (essa entendida como a conformidade ao 
sistema jurídico). 
O Tribunal de Contas exerce o controle (fiscalização 
em sentido amplo) externo (porque localizado em campo 
distinto) da administração pública. 
Ele é independente, tem autonomia administrativa 
e financeira. Diz a Constituição que o controle externo é 
competência do Poder Legislativo com o auxílio do Tribunal 
de Contas. 
Prestar auxílio não é subserviência, dependência ou 
hierarquização. Todos os poderes e órgãos de Estado devem-se 
auxílio recíproco. 
Não é Tribunal caudatário do legislativo: afinal, seus 
membros são equiparados a magistrados para fins de inco-lumidade 
dos seus julgamentos. 
Verdade que o controle externo é atribuição do poder 
legislativo. Aliás, no sistema brasileiro, o poder preeminente 
é exatamente o legislativo, no qual se elabora o estatuto do 
estado e da sociedade. Mas a competência constitucional de 
controle externo da administração pública, ativa, técnica e 
independente, é atribuída ao Tribunal de Contas. 
Com a exceção do parecer prévio emitido sobre as contas 
do chefe do poder executivo, nenhuma outra decisão ou 
apreciação do Tribunal de Contas é submetida ao Poder 
Legislativo. 
Tribunal é; mas “sui generis”, disse Rui Barbosa. Ins-tituição 
de Estado entre os poderes, sem ancoragem com 
nenhum deles. 
Por essa razão, indaga-se: depois da privatização das 
principais atividades de infra-estrutura econômica do Estado 
(energia elétrica, minérios e telecomunicações) qual ou quais 
as próximas presas do mercado que a iniciativa privada 
cobiça com tanta voracidade? 
Pode ser o judiciário, ou o ministério público...Também 
pode ser o “incômodo” (para o mercado e a sua mídia) 
Tribunal de Contas. 
O Tribunal de Contas pode ser desconhecido de grande 
parte da opinião pública. 
Mas ele é muitíssimo conhecido por aqueles que são 
condenados a devolver dinheiros públicos, pagar multar ou 
desfazer atos ou contratos. 
Também ele é muitíssimo conhecido por aqueles que 
sonham (o nosso pesadelo) em auferir pagamentos em níveis 
internacionais por serviços (mal prestados) de auditoria 
ao Estado. 
Quanto ao obsequioso silêncio ou difamação midiática, 
e por esse motivo, pode-se afirmar: nesse contexto factual, 
há uma evidente frustração na concretização dos valores 
da república e da democracia. Os cidadãos estão sendo 
impedidos de conhecer e avaliar livremente o controle que 
é exercido pelo Tribunal de Contas. 
Isso é crime. E grave. 
Wremyr Scliar é Mestre em Direito 
do Estado, Diretor da Escola Supe-rior 
de Gestão e Controle Francisco 
Juruena do Tribunal de Contas - RS e 
Professor de Direito Administrativo 
da Fac. de Direito - PUC.
Estado 6 de Direito, agosto e setembro de 2008 
Alimentos: reavivando noções fundamentais 
Formado pela Faculdade de Direito 
da Universidade de São Paulo (1969), 
cursou o Curso de Direito do Consumi-dor 
na Comunidade Européia, Univer-sidade 
de Louvain-la-Neuve, Bélgica 
(1993). Foi juiz no Estado de São Paulo 
por 25 anos tendo se aposentado como 
magistrado do antigo Primeiro Tribu-nal 
de Alçada Civil. 
Foi professor em várias faculdades 
de Direito no Estado de São Paulo. É 
também professor convidado e 
palestrante em instituições docentes e 
profissionais de todo o país e membro 
da Academia Paulista de Magistrados 
(APAMAGIS), Associação dos 
Magistrados Brasileiros. Autor de di-versas 
obras destaco ‘Primeiras Linhas 
- Introdução ao Estudo do Direito’, 
publicado pela Editora Atlas. 
Sílvio de Salvo Venosa 
CHRISTINA RUFATTO 
O ser humano, desde o nascimento até sua morte, necessita de 
amparo de seus semelhantes e de bens essenciais ou necessários para 
a sobrevivência. Nesse aspecto, realça-se a necessidade de alimentos. 
Desse modo, o termo alimentos pode ser entendido, em sua conotação 
vulgar, como tudo aquilo necessário para sua subsistência. Acrescen-temos 
a essa noção o conceito de obrigação que tem uma pessoa de 
fornecer esses alimentos a outra e chegaremos facilmente à noção 
jurídica. No entanto, no Direito, a compreensão do termo é mais am-pla, 
pois a palavra, além de abranger os alimentos propriamente ditos, 
deve referir-se também à satisfação de outras necessidades essenciais 
da vida em sociedade. 
O Código Civil, nos arts. 1.694 a 1.710 não se preocupou em 
definir o que se entende por alimentos. Porém, no art. 1.920 encon-tramos 
o conteúdo legal de alimentos quando a lei refere-se ao legado: 
“O legado de alimentos abrange o sustento, a cura, o vestuário e a 
casa, enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for menor.” 
Assim, alimentos, na linguagem jurídica, possuem significado bem 
mais amplo do que o sentido comum, compreendendo, além da 
alimentação, também o que for necessário para moradia, vestuário, 
assistência médica e instrução. Os alimentos, assim, traduzem-se em 
prestações periódicas fornecidas a alguém para suprir essas necessi-dades 
e assegurar sua subsistência. Nesse quadro, a doutrina costuma 
distinguir os alimentos naturais ou necessários, aqueles que possuem 
alcance limitado, compreendendo estritamente o necessário para a 
subsistência; e os alimentos civis ou côngruos, isto é, convenientes, 
que incluem os meios suficientes para a satisfação de todas as outras 
necessidades básicas do alimentando, segundo as possibilidades do 
obrigado. O Código de 1916 não distinguia essas duas modalidades, 
mas o atual Código o faz (art. 1.694), discriminando alimentos neces-sários 
ao lado dos indispensáveis, permitindo ao juiz que fixe apenas 
estes últimos em determinadas situações restritivas. No § 2º, encon-tra- 
se a noção destes: “Os alimentos serão apenas os indispensáveis à 
subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de 
quem os pleiteia.” Por outro lado, o § 1º estabelece a regra geral dos 
alimentos amplos, denominados côngruos ou civis: “Os alimentos 
devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e 
dos recursos da pessoa obrigada.” 
Nosso Código Civil anterior originalmente disciplinara a obrigação 
alimentar dentre os efeitos do casamento, inserindo-a como um dos 
deveres dos cônjuges (“mútua assistência”, art. 231, III e “sustento, 
guarda e educação dos filhos”, art. 231, IV), bem como mencionando 
competir ao marido, como chefe da sociedade conjugal, “prover a ma-nutenção 
da família” (art. 233, IV), além de fazer a obrigação derivar 
do parentesco (arts. 396 ss). A legislação complementar posterior, por 
força das sensíveis transformações sociológicas da família, já analisadas 
nesta obra, introduziu várias nuanças na regulamentação do instituto. 
Anote-se também que há interesse público nos alimentos, pois se os 
parentes não atenderem às necessidades básicas do necessitado, haverá 
mais um problema social que afetará os cofres da Administração. 
Em linha fundamental, quem não pode prover a própria subsis-tência 
nem por isso deve ser relegado ao infortúnio. A pouca idade, 
a velhice, a doença, a falta de trabalho ou qualquer incapacidade 
pode colocar a pessoa em estado de necessidade alimentar. A socie-dade 
deve prestar-lhe auxílio. O Estado designa em primeiro lugar 
os parentes para fazê-lo, aliviando em parte seu encargo social. Os 
parentes podem exigir uns dos outros os alimentos e os cônjuges 
devem-se mútua assistência. A mulher e o esposo, não sendo parentes 
ou afins, devem-se alimentos com fundamento no vínculo conjugal. 
Também os companheiros em união estável estão na mesma situação 
atualmente. Daí decorre, igualmente, o interesse público em matéria 
de alimentos. Como vemos, a obrigação alimentar interessa ao Estado, 
à sociedade e à família.É importante ressaltar uma distinção que tem 
reflexos práticos: o ordenamento reconhece que o parentesco, o jus 
sanguinis, estabelece o dever alimentar, assim como aquele decorrente 
do âmbito conjugal definido pelo dever de assistência e socorro mútuo 
entre cônjuges e, modernamente, entre companheiros. Existe, pois, 
no ordenamento, uma distinção entre a obrigação alimentar entre 
parentes e aquela entre cônjuges ou companheiros. Ambas, porém, 
são derivadas da lei. 
É enorme a pletora de ações de alimentos em nossas cortes, de 
modo que as questões exigem muita dedicação e perspicácia dos 
magistrados e operadores jurídicos em geral, em nação de acentuada 
pobreza e com injusta distribuição de riquezas. 
O art. 1.695 estabelece os pressupostos da obrigação alimentar:“São 
devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens sufi-cientes, 
nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e 
aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do 
necessário ao seu sustento.” O dispositivo coroa o princípio básico 
da obrigação alimentar pelo qual o montante dos alimentos deve ser 
fixado de acordo com as necessidades do alimentando e as possibili-dades 
do alimentante 
O Projeto do Estatuto das Famílias (nº 2285/2007), elaborado 
por iniciativa do IBDFAM, apresenta uma diferente compreensão dos 
alimentos: “Podem os parentes, cônjuges, conviventes ou parceiros 
pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver com 
dignidade e de modo compatível com a sua condição social” (art. 
115). Aqui o princípio da vida com dignidade tem proeminência, 
já trazendo esse projeto a possibilidade de alimentos entre parceiros 
homoafetivos. 
Não se pretende que o fornecedor de alimentos fique entregue à 
necessidade, nem que o necessitado se locuplete a sua custa. Cabe ao 
juiz ponderar os dois valores de ordem axiológica em destaque, bem 
como a vida com dignidade não somente de quem recebe os paga. 
Destarte, só pode reclamar alimentos quem comprovar que não pode 
sustentar-se com seu próprio esforço. Não podem os alimentos conver-ter- 
se em prêmio para os néscios e descomprometidos com a vida. Se, 
no entanto, o alimentando encontra-se em situação de penúria, ainda 
que por ele causada, poderá pedir alimentos. Do lado do alimentante, 
como vimos, importa que ele tenha meios de fornecê-los: não pode 
o Estado, ao vestir um santo, desnudar o outro. Não há que se exigir 
sacrifício do alimentante. Lembre-se de que em situações definidas 
como sendo de culpa do alimentando, os alimentos serão apenas os 
necessários, conforme o § 2º do art. 1.694, mas os demais princípios 
continuam aplicáveis. 
O art. 1.694 assegura, em terminologia inovadora, que os alimen-tos 
devem preservar a condição social de quem os pleiteia. Assim, o 
novel ordenamento civil é claro no sentido de que os alimentos devem 
preservar o status do necessitado. Se isto estava, de uma maneira ou 
de outra, presente nas petições dos alimentandos no passado, com 
respaldo por vezes nas decisões, tal não constava de texto legal expres-so. 
Essa expressão é de total impropriedade, pois pode dar margem 
a abusos patentes. Daí por que o texto legal vigente “compatível com 
sua condição social” deve ser substituído pela ênfase à dignidade do 
necessitado de alimentos, como já faz o citado projeto mencionado. 
Também se mostra inadequada a generalização de alimentos que in-cluam 
necessidades de educação para todos os parentes e o cônjuge 
ou companheiro. As necessidades de educação devem ser destinadas 
exclusivamente aos filhos menores e jovens até completar o curso 
superior, se for o caso. 
Por outro lado, as condições de fortuna de alimentando e ali-mentante 
são mutáveis, razão pela qual também é modificável, a 
qualquer momento, não somente o montante dos alimentos fixados, 
como também a obrigação alimentar pode ser extinta, quando se 
altera a situação econômica das partes. O alimentando pode passar 
a ter meios próprios de prover a subsistência e o alimentante pode 
igualmente diminuir de fortuna e ficar impossibilitado de prestá-los. 
Daí por que sempre é admissível a ação revisional ou de exoneração 
de alimentos (art. 1.699). 
Os alimentos aqui enfocados são aqueles derivados de direito 
de família, do casamento e do companheirismo, portanto obrigação 
legal. No entanto, os alimentos, com a mesma compreensão básica, 
podem decorrer da vontade, serem instituídos em contrato gratuito ou 
oneroso e por testamento, bem como derivar de sentença condenatória 
decorrente de responsabilidade civil aquiliana. Nada impede, embora 
raro seja, dentro da autonomia da vontade, que os interessados con-tratem 
pensão alimentícia, nem que por testamento ou doação seja ela 
atribuída. A obrigação alimentar conseqüente da prática de ato ilícito 
constitui uma forma de reparação do dano. Nesse sentido, o art. 948, 
II, estipula como uma das modalidades de indenização para o caso de 
homicídio, a “prestação de alimentos a quem o defunto os devia”. O 
art. 950 determina a fixação de uma pensão proporcional no caso de 
ofensas físicas, quando a vítima tem sua capacidade funcional debi-litada 
ou diminuída. O regime jurídico desses alimentos de natureza 
diversa, embora tenham particularidades próprias, obedece a um 
sistema ao menos análogo. Nada obsta que, perante a omissão da lei 
ou dos declarantes de vontade, os princípios alimentares do direito
Estado de Direito, agosto e setembro de 2008 7 
de família sejam utilizados na interpretação. 
Quanto à finalidade, denominam-se alimentos 
provisionais ou provisórios aqueles que precedem ou 
são concomitantes a uma demanda de separação judi-cial, 
divórcio, nulidade ou anulação de 
casamento, ou mesmo ação de alimentos. 
Sua finalidade é propiciar meios para que 
a ação seja proposta e prover a mantença 
do alimentando e seus dependentes du-rante 
o curso do processo. São regulares 
ou definitivos os alimentos estabelecidos 
como pensão periódica, ainda que sempre 
sujeitos à revisão judicial. A referência aos 
alimentos provisionais no presente Código 
Civil é feita no art. 1.706, que determi-na 
que se obedeça à lei processual. Os 
alimentos provisionais são estabelecidos 
quando se cuida da separação de corpos, 
prévia à ação de nulidade ou anulação 
de casamento, de separação ou divórcio. 
Nesse caso, os provisionais devem perdu-rar 
até a partilha dos bens do casal. Mas 
os alimentos provisórios podem ser requeridos sempre 
que movida a ação de alimentos, com fixação initio litis 
(art. 4º da Lei nº 5.478/68), desde que já haja prova 
pré-constituída do dever de prestá-los. Provisórios ou 
provisionais, pouco importando sua denominação, sua 
compreensão e finalidades são idênticas. 
Quanto ao tempo em que são concedidos, os ali-mentos 
podem ser futuros ou pretéritos. Futuros são 
aqueles a serem pagos após a propositura da ação; pre-téritos, 
os que antecedem a ação. Em nosso sistema, não 
são possíveis alimentos anteriores à citação, por força da 
Lei nº 5.478/68 (art. 13, § 2º). Se o necessitado bem ou 
mal sobreviveu até o ajuizamento da ação, o direito não 
lhe acoberta o passado. Alimentos decorrentes da lei são 
devidos, portanto, ad futurum, e não ad praeteritum. O 
contrato, a doação e o testamento podem fixá-los para 
o passado, contudo, porque nessas hipóteses não há 
restrições de ordem pública. 
O art. 1.701 também faculta ao devedor prestar 
alimentos sob a forma de pensão periódica ou sob 
a forma de concessão de hospedagem e sustento ao 
alimentando. Essa modalidade somente se aplica aos 
alimentos derivados do parentesco e não se aplicará, em 
princípio, aos alimentos decorrentes do casamento ou 
da união estável. O Projeto nº 6.960 tentou fazer esse 
acréscimo para deixar esse aspecto expresso. O art. 25 
da Lei nº 5.478/68 eliminara em parte essa faculdade 
do devedor, estabelecendo que a prestação não pecu-niária 
só pode ser autorizada pelo juiz se com ela anuir 
o alimentando capaz. De qualquer modo, compete ao 
juiz estabelecer as condições dessa pensão, conforme 
as circunstâncias. 
Na maioria das vezes, a obrigação alimentar gira 
em torno de uma quantia em dinheiro a ser fornecida 
periodicamente ao necessitado. O fornecimento direto 
de alimentos no próprio lar do alimentante caracteriza 
a denominada obrigação alimentar própria, pouco 
utilizada na prática, em razão das inconveniências que 
apresenta. Sem dúvida, duas pessoas que se digladiam 
em processo judicial não serão as melhores companhias 
para conviver sob o mesmo teto. Desse modo, embora 
a lei faculte ao alimentante escolher a modalidade de 
prestação, o juiz poderá impor a forma que melhor 
atender ao caso concreto, de acordo com as circuns-tâncias, 
conforme estampado no parágrafo único do 
mencionado art. 1.701. É inócuo para o demandado 
alegar, em sua defesa, no pedido de alimentos, que já 
vem fornecendo sustento e morada ao reclamante: essa 
matéria deverá ser sopesada na ação, sempre podendo 
o necessitado pleitear judicialmente a regulamentação 
da prestação alimentícia. 
Não se esqueça também da distinção feita de plano 
no início deste capítulo quanto aos alimentos naturais 
ou necessários e os alimentos civis ou côngruos. 
O tema é por demais amplo, com inúmeros detalhes, 
os quais pretendemos enfocar em próximos escritos. 
Alimentos gravídicos? 
Maria Berenice Dias* 
A expressão é feia, mas o seu significado é dos mais 
salutares. Aguarda a sanção presidencial o Projeto de Lei 
7.376/2006 que concede à gestante o direito de buscar ali-mentos 
durante a gravidez, daí “alimentos gravídicos.” 
Ainda que inquestionável a responsabilidade parental 
desde a concepção, o silêncio do legislador sempre gerou 
dificuldade para a concessão de alimentos ao nascituro. 
Raras vezes a Justiça teve a oportunidade de reconhecer a 
obrigação alimentar antes do nascimento, pois o art. 2º da 
Lei de Alimentos exige prova do parentesco ou da obrigação. 
O máximo a que se chegou foi, nas ações investigatórias de 
paternidade, deferir alimentos provisórios 
quando há indícios do vínculo parental. 
Também após o resultado positivo do teste de 
DNA ou quando se nega o réu a submeter-se à 
perícia serve de fundamento para a antecipação 
da tutela alimentar. 
Assim, em muito boa hora é preenchida 
injustificável lacuna. Porém, muitos são os 
equívocos da lei, a ponto de questionar-se a 
validade de sua aprovação. Apesar de apa-rentemente 
consagrar o princípio da proteção 
integral, visando assegurar o direito à vida do 
nascituro e de sua genitora, nítida a postura 
protetiva em favor do réu. Gera algo nunca 
visto: a responsabilização da autora por danos 
materiais e morais a ser apurada nos mesmos autos, caso o 
exame da paternidade seja negativo. Assim, ainda que não 
tenha sido imposta a obrigação alimentar, o réu pode ser 
indenizado, pelo só fato de ter sido acionado em juízo. Esta 
possibilidade cria perigoso antecedente. Abre espaço a que, 
toda ação desacolhida, rejeitada ou extinta confira direito 
indenizatório ao réu. Ou seja, a improcedência de qualquer 
demanda autoriza pretensão por danos materiais e morais. 
Trata-se de flagrante afronta o princípio constitucional de 
acesso à justiça (CF, art. 5º, inc. XXXV), dogma norteador 
do estado democrático de direito. 
Ainda que salutar seja a concessão do direito, de forma 
para lá de desarrazoada é criado um novo procedimento. 
Talvez a intenção tenha sido dar mais celeridade ao pedido, 
mas imprime um rito bem mais emperrado do que o da Lei 
de Alimentos. 
O primeiro pecado é fixar a competência no domicílio 
do réu (CPC, art. 94), quando de forma expressa o estatuto 
processual concede foro privilegiado ao credor de alimentos 
(CPC, art. 100, inc. II). De qualquer modo, a referência há 
que ser interpretada da forma que melhor atenda ao interesse 
da gestante, a quem não se pode exigir que promova a ação 
no local da residência do devedor de alimentos. 
A outra incongruência é impor a realização de audiência 
de justificação, mesmo que sejam trazidas provas de o réu 
ser o pai do filho que a autora espera. Da forma como está 
posto, é necessária a ouvida da genitora, sendo facultativo 
somente o depoimento do réu, além de haver a possibilidade 
de serem ouvidas testemunhas e requisitados documentos. 
Porém, congestionadas como são as pautas dos juízes, mesmo 
sem a audiência, convencido da existência de indícios da 
paternidade, indispensável reconhecer a possibilidade de ser 
dispensada a solenidade para a fixação dos alimentos. 
Mas há mais. É concedido ao réu o prazo de resposta de 
5 dias. Caso ele se oponha à paternidade a concessão dos 
alimentos vai depender de exame pericial. Este, às claras é o 
pior pecado da lei. Não há como impor a realização de exame 
por meio da coleta de líquido amniótico, o que pode colocar 
em risco a vida da criança. Isso tudo sem contar com o custo 
do exame, que pelo jeito terá que ser suportado pela gestante. 
Não há justificativa para atribuir ao Estado este ônus. E, se 
depender do Sistema Único de Saúde, certamente o filho 
nascerá antes do resultado do exame. 
Os equívocos vão além. Mesmo explicitado que os 
alimentos compreendem as despesas desde a concepção 
até o parto, de modo contraditório é 
estabelecido como termo inicial dos 
alimentos a data da citação. Ninguém 
duvida que isso vai gerar toda a sorte 
de manobras do réu para esquivar-se 
do oficial de justiça. Ao depois, o 
dispositivo afronta jurisprudência 
já consolidada dos tribunais e se 
choca com a Lei de Alimentos, que de 
modo expresso diz em seu art. 4º: ao 
despachar a inicial o juiz fixa, desde 
logo, alimentos provisórios. 
Preocupa-se a lei em explicitar 
que os alimentos compreendem as 
despesas adicionais durante o perío-do 
de gravidez, da concepção ao par-to, 
identificando vários itens: alimen-tação 
especial, assistência médica e 
psicológica, exames complementares, 
internações, parto, medicamentos 
e demais prescrições preventivas e 
terapêuticas indispensáveis, a juízo 
do médico. Mas o rol não é exaustivo, 
pois o juiz pode considerar outras 
despesas pertinentes. 
Quando do nascimento, os alimentos mudam de na-tureza, 
se convertem em favor do filho, apesar do encargo 
decorrente do poder familiar ter parâmetro diverso, pois deve 
garantir ao credor o direito de desfrutar da mesma condição 
social do devedor (CC, art. 1.694). De qualquer forma, nada 
impede que o juiz estabeleça um valor para a gestante, até o 
nascimento e atendendo ao critério da proporcionalidade, fixe 
alimentos para o filho, a partir do seu nascimento. 
Caso o genitor não proceda ao registro do filho, e inde-pendente 
de ser buscado o reconhecimento da paternidade, 
a lei deveria determinar a expedição do mandado de registro. 
Com isso seria dispensável a propositura da ação investiga-tória 
da paternidade ou a instauração do procedimento de 
averiguação, para o estabelecimento do vínculo parental 
(Lei 8.560/92). 
Apesar das imprecisões, dúvidas e equívocos, os alimen-tos 
gravídicos vêm referendar a moderna concepção das rela-ções 
parentais que, cada vez com um colorido mais intenso, 
busca resgatar a responsabilidade paterna. Mas este fato, por 
si só, não absolve todos os pecados do legislador. 
* Vice Presidente Nacional do IBDFAM, Desembargadora Apoenstada 
do TJRS, Mestre em Direito 
“Cabe ao juiz ponderar os 
dois valores de ordem 
axiológica em destaque, 
bem como a vida com 
dignidade não somente de 
quem recebe os paga ” 
“Não há como impor a 
realização de exame por meio 
da coleta de líquido amniótico, 
o que pode colocar em risco a 
vida da criança. Isso tudo sem 
contar com o custo do exame, 
que pelo jeito terá que ser 
suportado pela gestante.”
Estado 8 de Direito, agosto e setembro de 2008 
Um sintético balanço dos 20 anos da 
Constituição de 1988 
A bela moça que completa vinte anos em outubro 
de 2008 foi gestada e gerada por uma Assembléia 
Nacional Constituinte instalada em 1º de fevereiro 
de 1987, sob a presidência do Ministro Moreira 
Alves, então presidente do STF e já no dia seguinte, 
foi escolhido presidente o Deputado Federal Ulysses 
Guimarães. 
Os trabalhos de discussão foram realizados por 
24 (vinte e quatro) subcomissões que tiveram as 
suas conclusões aperfeiçoadas por 8 (oito) comissões 
temáticas e que por sua vez encaminharam o ante-projeto 
à Comissão de Sistematização presidida pelo 
relator Deputado Federal Bernardo Cabral. 
É interessante destacar que no seio da Constituin-te 
foram travados debates acalorados, com diversos 
grupos de pressão buscando influenciar o texto final 
da nova Carta, verdadeiros “fatores reais de poder”, na 
ótica de Lassalle. Cada um deles com os seus graus e 
níveis de influência, em sua grande maioria, utilizan-do- 
se de mecanismos legítimos de pressão. 
Entre tese, antítese e síntese geradora da nossa 
Constituição Federal de 1988 ocorreram cerca de 
(21.000) vinte e uma mil emendas de Plenário, além 
das emendas populares que remontaram a cento e 
vinte. Após um trabalho final concentrado nasceu a 
nossa Carta democrática com 245 (duzentos e qua-renta 
e cinco) artigos no corpo principal, seguidos 
de outros 70 (setenta) artigos contidos nos Atos das 
Disposições Constitucionais Transitórias. 
Desde a sua promulgação em 05 de outubro de 
1988, com a finalidade de propiciar o seguimento do 
avanço democrático, embora nem sempre sendo esta 
a tônica das “mudanças”, foram realizadas 6 (seis) 
Emendas de Revisão e outras 56 (cinqüenta e seis) 
Emendas Constitucionais. 
Para regulamentar os dispositivos da Carta de 88 
foram promulgadas 67 (sessenta e sete) leis comple-mentares 
e 38 (trinta e oito) leis ordinárias. 
Trata-se sem sombra de dúvida, de uma Carta 
analítica, detalhista e minuciosa, todavia, diante da 
força dos legítimos grupos de pressão aliada à dimen-são 
da expectativa de uma sociedade que buscava uma 
reconstrução depois das sombras em que viveu, nos 
parece ter sido ela a melhor síntese que se poderia 
alcançar, diante do seu claro conteúdo afirmativo. 
Respeitou-se, na medida do possível, toda a 
carga valorativa dos pleitos contidos e latentes, e, 
em grande parte, finalmente externalizados sob um 
cenário democrático que se descortinava. 
O que de novo trouxe a Constituição-cidadã? 
Em primeiro lugar e na mesma ordem de 
importância restabeleceu a democracia no Brasil, 
instaurando o Estado Democrático de Direito (v. 
Preâmbulo e art. 1º, além da força irradiadora de 
diversos dispositivos contidos no seu ventre), após 
mais de duas décadas de um regime militar vigente 
sob o Estado de exceção dos Atos Institucionais, 
Adicionais e Complementares que se sobrepunham 
à própria Constituição formal de então (1967 e EC 
1/1969). 
Ao lado da importância conferida aos Municípios 
na nova Federação que se instaurou, agora com novas 
bases e diretrizes ditadas para a União, para os Esta-dos 
e para os Municípios, merece destaque como um 
dos seus “Princípios Fundamentais”, o princípio-regra 
da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III). 
Seguindo a linha da democracia nascente, de 
implemento da soberania popular, percebe-se a sua 
carga intencionalmente mitigada entre as modalida-des 
representativa e participativa (esta ainda pouco 
explorada em favor da coletividade), o que se lê nos 
ditames do art. 1º, Parágrafo único, combinado com 
o art. 14), sem perder-se de vista, a consagração do 
pluralismo político (art. 1º, V). 
A garantia do equilíbrio e da harmonia entre 
os poderes ou funções do Estado, com a sua carga 
histórica contra o absolutismo é um elemento claro 
de fortalecimento de um real Estado Democrático de 
Direito (art. 2º). 
Quando se elegeu como objetivos fundamentais 
da República Brasileira, a construção de uma socie-dade, 
livre, justa e solidária (art. 3º, I), a erradicação 
da pobreza e da marginalização, além da redução 
das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III), o 
constituinte originário firmou um compromisso com 
a sociedade brasileira e outorgou este compromisso 
a cada um dos legisladores e gestores públicos do 
país, em cada uma das suas esferas de governo, de-monstrando 
se tratar agora o país, de uma República 
Federativa, Democrática e fundada em ditames de um 
Estado Social, ainda que a livre iniciativa assegurada 
seja um componente, não excludente, que acrescenta 
também o cunho Liberal ao novo Estado. 
Quando a Carta de 88 prosseguiu elencando 
dentre os objetivos da nova ordem constitucional, 
o da promoção do bem de todos, sem preconceitos 
de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras 
formas de discriminação (art. 3º, IV) deixou claro 
que o nosso país, se não respeitava, necessariamen-te 
deverá respeitar a sua pluralidade, com o seu 
componente muticultural e multiétnico, ainda que 
para isso seja necessária a mão forte e punitiva do 
Estado (Leis 7.716/89; 8.081/90; 9.459/97; Dec. 
5.397/2005, dentre outras) que punem as discrimi-nações 
delituosas. 
Logo após consagrar a prevalência dos direitos 
humanos nas suas relações internacionais (art. 4º, II), 
a Constituição de 1988 brindou a sociedade brasileira 
com o seu art. 5º e seus atuais 78 (setenta e oito) inci-sos 
e 4(quatro) parágrafos, verdadeira Declaração de 
Direitos Fundamentais, não por menos, denominado 
no Título dos “Direitos e Garantias Fundamentais”, 
como o Capítulo “Dos Direitos e Deveres Individuais 
e Coletivos”. 
Nas Constituições editadas sob o regime militar 
(art. 150, da Constituição de 1967 e art. 153, da 
Emenda n. 1 de 1969) havia a previsão formal de 
proteção do direito à vida, a igualdade, a liberdade, a 
segurança, o princípio da legalidade, a liberdade de 
pensamento e de crença religiosa, a inviolabilidade 
da correspondência, a proteção da propriedade, a 
liberdade de reunião e de associação, “protegia-se” a 
casa como asilo inviolável, o sigilo das comunicações 
telegráficas e telefônicas, previa a ampla defesa, o 
mandado de segurança, o habeas corpus, a ação 
popular, o direito de petição, a assistência judiciária 
gratuita, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e 
a coisa julgada, a liberdade de ofício ou profissão e a 
garantia de acesso ao Judiciário. 
A propósito, o formalismo constitucional pós-64 
entendia também que o Estado brasileiro se encon-trava 
sob um “regime democrático”, tanto assim que 
estabelecia que: “o abuso de direito individual ou 
político, com o propósito de subversão do regime 
democrático ou de corrupção, importará a suspensão 
daqueles direitos de dois a dez anos...” (art. 154, Carta 
de 1969, destaque nosso). 
Essa breve digressão serve tão-somente para 
demonstrar que a Constituição meramente formal, 
sem legitimidade e carga potencial de aplicabilidade 
concreta, ainda que a sua efetividade apenas venha 
a se materializar ao longo do tempo, não passa de 
simples “folha de papel”, em expressão tomada de 
empréstimo de Lassalle. 
Sob um real manto democrático, a Constituição de 
1988 trouxe petrificados e auto-aplicáveis os direitos 
e garantias previstos no seu art. 5º, com efetivação 
possível, caso não obedecidos pelos agentes públicos, 
fazendo-se uso dos mecanismos processuais assegura-dores 
previstos no mesmo dispositivo constitucional 
(Habeas corpus, mandado de segurança individual e 
coletivo – este último, novidade no histórico consti-tucional 
brasileiro, juntamente com o habeas data e 
o mandado de injunção). 
A “função social” da propriedade (art. 5º, XXIII, 
art. 170, III e art. 186), embora prevista na Emenda 
n. 1/69 (art. 160, III), constitui-se em novidade cons-titucional 
no que diz respeito à sua efetiva aplicação 
no processo de desconcentração improdutiva do uso 
da terra, de incentivo à reforma agrária e na própria 
política de ordenamento do solo e da política urbana 
(arts. 182 a 185). 
Os direitos sociais previstos no art. 6º, que con-sagrou 
os direitos à educação, à saúde, ao trabalho, à 
moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à 
proteção à maternidade e à infância e assistência aos 
desamparados, é dispositivo com carga de irradiação 
sobre os artigos que compõem o Título da “Ordem 
Social” (arts. 193 a 217) e significam cobrança dos 
governantes por efetivação das respectivas políticas 
públicas. 
As conquistas dos trabalhadores e das associações 
sindicais encontram-se consagradas nos arts. 7º e 8º, 
afigurando-se como mecanismos pioneiros em nossa 
ordem constitucional, o seguro-desemprego, a licen-ça- 
paternidade, a garantia contra a despedida injusta, 
garantia de salário nunca inferior ao mínimo, 13º salá-rio, 
proteção do trabalho do portador de deficiência, 
proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre 
para menores de dezoito anos e que qualquer espécie 
de trabalho para os menores de dezesseis anos, salvo 
na condição de aprendiz, somente é possível a partir 
dos quatorze anos, além da previsão dos direitos dos 
trabalhadores domésticos, a estabilidade do dirigente 
sindical, dentre alguns outros. 
Como já dissemos a Carta de 88 seguiu no desejo 
de uma democracia também de cunho participa-tivo, 
quando consagrou que a soberania popular 
será exercida não apenas com o sufrágio universal, 
consubstanciado no voto direto e secreto, com igual-dade 
de valor entre os eleitores, mas também com o 
exercício do plebiscito, do referendo e da iniciativa 
popular (art. 14). 
Garantiu à administração pública os princípios 
da legalidade, impessoalidade, moralidade, publi-cidade 
e agora o da eficiência (EC 19/98), além da 
regra da acessibilidade ao serviço público, por via 
de concurso público. 
O Poder Judiciário e os magistrados foram 
destinatários de garantias efetivas para o exercício 
das suas funções judicantes, de modo independente 
e o Ministério Público separou-se da Advocacia de 
Estado conquistando relevo sem par no funcio-namento 
das instituições democráticas, sendo-lhe 
atribuído tamanho grau de autonomia que muito o 
aproximou de um “quarto Poder”. O surgimento da 
Defensoria Pública foi uma importante conquista, 
embora ainda pendente de um nível adequado de 
efetivação que atenda aos anseios da população que 
não pode custear um advogado quando necessário, 
Bruno Espiñeira Lemos* 
“Como já dissemos a Carta 
de 88 seguiu no desejo de 
uma democracia também 
de cunho participativo, 
quando consagrou que a 
soberania popular será 
exercida não apenas com 
o sufrágio universal, 
consubstanciado no voto 
direto e secreto, com 
igualdade de valor entre os 
eleitores, mas também com 
o exercício do plebiscito, 
do referendo e da iniciativa 
popular (art. 14).”
Estado de Direito, agosto e setembro de 2008 9 
sem prejuízo do seu sustento e dos seus familiares, 
possibilitando um real acesso ao Judiciário. 
A Polícia Federal, embora já existisse no cenário 
pretérito, somente com a Constituição de 1988 
alcançou posto e status constitucional de “órgão 
permanente”. Ou seja, poderá até ser modificada a 
sua estrutura e funcionamento, nos limites da norma 
constitucional, mas jamais extinta. 
O Meio Ambiente também foi aquinhoado 
com densa previsão que possibilitou o início de 
sua proteção (art. 225, com seus sete incisos e seis 
parágrafos). O respaldo constitucional à Cultura e à 
Ciência e Tecnologia são elementos cruciais para que 
o povo brasileiro alcance o seu merecido espaço em 
suas relações internas, fortalecidas e consolidadas 
com o respeito à sua identidade cultural que é plu-ral, 
somando-se em matéria de ciência e tecnologia 
a investimentos que se revertam em benefício da 
coletividade. 
Especial cuidado foi dedicado à família, aos 
idosos, às crianças e aos adolescentes e também 
às pessoas portadoras de deficiências (art. 226 a 
230). 
Os povos indígenas tiveram a sua organização 
social, costumes, línguas, crenças e tradições reco-nhecidas 
em conjunto com os direitos originários 
sobre as terras que tradicionalmente ocupavam, 
cujas demarcações são de atribuição da União (art. 
231). 
A Carta de 88 e o cenário jurídico nacional 
não vivem apenas da legislação que complementa 
a Constituição. O texto constitucional com a sua 
natureza irradiadora sobre todo o edifício jurídico 
brasileiro inspirou dezenas de leis específicas, edita-das 
não necessariamente como normas diretamente 
regulamentadoras da Constituição em si, e, sim, na 
condição de irradiadas pelos marcos referenciais 
constitucionais, surgindo dentre diversas normas, 
como dignas de nota: 
- Em matéria de proteção ao consumidor (art. 
5º, XXXII e art. 170, V) a Lei n. 8.078/1990, co-nhecida 
como Código de Defesa do Consumidor, 
que revolucionou as relações de consumo no Brasil, 
citando-se apenas um dentre diversos outros pontos 
dignos de destaque no referido diploma, que é a 
possibilidade de desconsideração da personalidade 
jurídica da empresa que, em detrimento do consu-midor, 
“abuse de direito, excesso de poder, infração 
da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos 
ou contrato social. A desconsideração também 
será efetivada quando houver falência, estado de 
insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa 
jurídica provocados por má administração.” 
- A Lei n. 8.080/90 que instituiu o sistema único 
de saúde, o SUS, somando-se a ela, dezenas de 
outras normas que permitem a gradual implantação 
das políticas públicas de saúde e que tratam desde 
os procedimentos para transplantes, fornecimento 
de medicamentos de alto custo, distribuição de 
medicamentos aos portadores e doentes de AIDS, 
até sobre cirurgia plástica reparadora de mama 
pelo SUS. 
- Em matéria de proteção à criança e ao ado-lescente, 
de valia imensurável, tem-se a Lei n. 
8.069/90, conhecida como Estatuto da Criança e 
do Adolescente. 
- A Lei n. 7.853/89 que trata do apoio às pessoas 
portadoras de deficiência. 
- A Lei n. 8.313/91, que dispõe sobre o progra-ma 
nacional de apoio à cultura. 
- A Lei n. 8.642/93, que trata do programa 
nacional de atenção integral à criança e ao ado-lescente. 
- A Lei n. 9.029/95, que proíbe a exigência de 
atestados de gravidez e esterilização para efeitos 
admissionais. 
- A Lei n. 9.099/95, que criou os Juizados 
Especiais. 
- A Lei n. 9.394/96, que trouxe as diretrizes e 
bases da educação nacional 
- A Lei n. 9.455/97, que define os crimes de 
tortura. 
- A Lei n. 9.503/97, que é o novo Código Bra-sileiro 
de Trânsito. 
- A Lei n. 9.605/98, que prevê sanções penais 
para atividades lesivas ao meio ambiente. 
- A Lei n. 9.613/98, que regulamenta o com-bate 
à lavagem de dinheiro e a ocultação de bens, 
direitos e valores. 
- A Lei n. 9.777/98, que baliza o combate ao 
trabalho escravo. 
- A Lei n.10.406/2002, que é o novo Código 
Civil. 
- A Lei n. 10.741/2003, que trata do estatuto 
dos idosos. 
- A Lei n. 11.340/2006, que regulamenta o 
combate à violência doméstica e familiar contra 
a mulher. 
O que se pode constatar diante deste breve 
balanço é que a nova-cidadã de apenas vinte anos 
incompletos tem toda a sua vida pela frente na busca 
da plenitude da sua realização, o que não ocorrerá 
sem a luta diária da sociedade civil organizada 
reivindicando as políticas públicas respectivas e a 
atuação harmônica entre as funções do Estado. 
A realidade social de um país se modifica cons-tantemente 
e diversas conjunturas podem residir 
em um mesmo momento histórico. A realidade 
cambiante, entretanto, jamais poderá fazer tábula 
rasa de uma Constituição legítima que foi elaborada 
sem prazo de validade ou duração. 
Nossa Carta de 88 sofreu diversas mudan-ças 
desde a sua promulgação, muitas delas nem 
sempre necessárias, outras sim, foram realizadas 
para adaptá-la ao processo natural de evolução da 
sociedade. 
Vida longa à Constituição de 1988, de todas 
as nossas Cartas políticas (com ressalva apenas 
parcial, por justiça, à breve de 1934 e a de 1946) a 
mais importante, a real, a conciliadora e ao mesmo 
tempo bastonária da ruptura, responsável por um 
cenário democrático jamais vivido com tamanha 
plenitude no Brasil, trazendo adrede o dever de 
luta pacífica e perene da sociedade na busca por um 
cenário em que se reduzam a um mínimo tolerável 
as desigualdades não saudáveis entre cada um dos 
brasileiros, quando então, o festejado e homenage-ado 
com justiça, Diploma essencial, terá cumprido 
importante parte dos seus “objetivos”. 
Necessidade de se exercer uma resistência em 
relação a soluções simplistas e generalizadas, e que 
a busca da melhor resposta implica avaliação cri-teriosa 
não apenas de algumas questões de ordem 
normativa e formal. 
* Advogado. Procurador do Estado da Bahia. Mestre em Direito 
pela UFBa. Professor de Direito Constitucional. Ex-Procurador 
Federal.
Estado 10 de Direito, agosto e setembro de 2008 
A terra é um imenso condomínio 
Paulo Magalhaes* 
Tendo em conta que a Biosfera possui bens que 
pelas suas características são factual e juridicamen-te 
indivisíveis, e que ninguém se pode excluir do 
seu consumo, a humanidade já vive num sistema 
de condomínio. Isto é, existe uma parte que é 
susceptível de divisão jurídica, a crosta terrestre, 
onde os diversos Estados exercem já soberania, e 
outras que circulam por todo o planeta e que por 
isso, são juridicamente indivisas, requerendo uma 
administração comum: a Atmosfera e a Hidrosfera. 
Para todos os efeitos, e porque o uso em excesso 
destes bens provoca sempre um prejuízo a todos 
os outros e a si próprio, da mesma forma que 
quem cuida destes bens, afecta de forma positiva 
todos os outros, os territórios políticos dos Estados 
vivem na condição de partilharem o dominium 
comum sobre estes bens indivisíveis. Portanto, 
o Condomínio da Terra já existe, os condóminos 
somos todos, só que este condomínio está desor-ganizado 
e sem administrador. 
Uma das regras para o funcionamento de um 
sistema de condomínio é que ele só funciona com 
todos os vizinhos, o que pressupõe um PRINCÍPIO 
DE NÃO EXCLUSÃO. 
Neste sentido, os Condóminos da Terra serão 
todas as pessoas individuais ou colectivas, de 
direito privado ou público que, por livre e espon-tânea 
iniciativa, reconheçam a condição comum de 
condóminos de um imenso Condomínio, o Planeta 
Terra. Esta vivência em sistema de condomínio 
não corresponde a nenhuma ideologia política 
de carácter individualista ou comunitarista, mas 
sim a uma realidade que nos é pré-existente. É 
necessário tirar consequências da proclamação 
que vivemos na era da globalização. 
Uma soberania complexa 
O projecto “Condomínio da Terra” tem como 
objectivo conciliar a necessidade comum a todos 
os povos, da posse de um território definido e 
delimitado, com a unidade interdependente da 
Biosfera. Esta harmonização é realizada através 
de uma proposta de coexistência de soberanias 
autónomas num espaço colectivo, ou seja, um 
poder político, supremo e independente, relativo 
à fracção territorial de cada Estado, e partilhado, 
no que concerne às partes insusceptíveis de divisão 
jurídica, (atmosfera e hidrosfera) das quais todos 
os povos são funcionalmente dependentes. Esta 
será pois a Soberania Complexa. 
Para entender o conceito agora proposto, é 
fundamental distinguir a soberania ou propriedade 
que é exercida sobre os ecossistemas, do serviço 
que estes prestam. Estes serviços não se confinam 
a nenhuma forma de titularidade ou soberania, são 
inevitavelmente globais e, portanto, de interesse 
comum. 
A título de exemplo, uma floresta afecta 
positivamente toda a Biosfera, absorvendo CO2, 
regulando o clima, o ciclo hidrológico e bioquí-mico 
e servindo de suporte à biodiversidade. Faz 
a manutenção dos ciclos vitais que sustentam a 
vida de todo o planeta. Estes serviços são “usa-dos” 
por todos, em qualquer ponto do planeta. 
A economia de simbiose propõe uma integração 
daquilo a que se poderia chamar de “economia da 
manutenção dos sistemas vitais” com a economia 
de produção. 
A “Economia de Simbiose” constitui uma pro-posta 
de valoração económica dos vários serviços 
ecológicos, que a própria economia ambiental já 
preconiza, enquadrando-a na impossibilidade ju-rídica 
de os dividir segundo a lógica das fronteiras 
políticas. Assume que todos usamos bens am-bientais, 
que alguns usam-nos para lá dos limites 
equitativos e, que outros possuem dentro do seu 
território ecossistemas que afectam positivamente 
os bens que todos usam e de que dependem. Logo, 
um país que é soberano sobre uma fracção do 
planeta onde está localizado um ecossistema que 
reconhecidamente presta serviços de dimensão 
global, deveria ser compensado pelos serviços de 
interesse comum que está a prestar. 
Isto só será possível com a clarificação da 
titularidade comum dos bens ambientais indivi-sos, 
articulando este pressuposto jurídico com o 
sistema económico, que já reconhece a existência 
de uma falha de mercado, devido à inexistência de 
uma “instituição de troca onde o sujeito que afecta 
positivamente outro(s) receba uma compensação 
por isso ou o sujeito que afecta negativamente 
outro(s) suporte o respectivo custo. 
Essa instituição de troca, este administrador 
de um condomínio global deveria ser um orga-nismo 
já existente, exercendo novas funções, por 
exemplo a ONU. 
*Licenciado pela Universidade Católica do Porto, Pós-graduado 
pela Universidade de Coimbra, e Aluno de 
Doutramento da Universidade de Salamanca. Autor do livro “O 
Condomínio da Terra” publicado pela Editora Almedina. 
Legalidade ou ilegalidade dos loteamentos ou 
Bruno Mattos e Silva* 
condomínios fechados 
Também chamado de “condomínio atípico” ou 
“loteamento fechado”, há controvérsias a respeito da 
legalidade dos chamados “condomínios fechados”. 
A questão diz respeito à possibilidade de se edificar 
cercas ou muros ao redor do loteamento e implantar 
controle de acesso, mediante instalação de guarita na 
entrada do loteamento ou “condomínio”, com pessoal 
contratado para impedir a entrada de pessoas que 
não sejam moradoras ou convidadas, inviabilizando 
a utilização dos espaços não privativos do loteamento 
ou condomínio por outras pessoas. 
Normalmente, o “condomínio fechado” é geren-ciado 
por uma associação de moradores, que presta 
serviços diversos, com vigilância e limpeza, executa 
obras manutenção ou de melhorias etc. Essa associa-ção 
poderá se constituir formalmente, com registro 
em cartório, hipótese em que haverá a criação de uma 
pessoa jurídica. Mesmo nessa hipótese, porém, não se 
confunde a associação de moradores do “condomínio 
fechado” com o condomínio edilício, previsto nos 
arts. 1.331 a 1.358 do novo Código Civil. Tecnica-mente, 
o “condomínio fechado” é um loteamento e 
não um condomínio, exceto na hipótese do art. 8º 
da Lei nº 4.591/64, que veremos adiante. 
De acordo com o art. 22 da Lei nº 6.766/79, 
a partir do registro do loteamento no cartório de 
registro de imóveis, passam a integrar o domínio 
do Município as vias e praças, os espaços, livres 
e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros 
equipamentos urbanos, constantes do projeto e do 
memorial descritivo. Por isso há quem afirme que os 
chamados “condomínios fechados” não são legais, 
pois as vias de acesso e demais áreas não privativas 
deveriam ser abertas a todas as pessoas, moradoras ou 
não do condomínio, por serem propriedade pública 
de uso comum do povo. 
Há, basicamente, quatro posições a respeito do 
tema, três a favor da legalidade dos “condomínios 
fechados” e uma contra. Vejamos, inicialmente, a 
primeira posição, que sustenta a legalidade dos “con-domínios 
fechados” que, sem prejuízo da aplicação 
da Lei nº 6.766/99, forem aprovados pela legislação 
municipal, que pode disciplinar genericamente os 
“condomínios fechados” ou autorizar a utilização 
privativa das vias internas e demais bens públicos 
aos moradores do condomínio: 
“O fato de determinados bens passarem a integrar 
o domínio do Poder Público não significa que não 
possam ter sua destinação primitiva alterada, sob 
pena de manietar a Administração das comunas, 
conforme as competências constitucionais que lhe são 
próprias. Não se esqueça que compete aos Municípios 
(art. 30, CF) legislar sobre assuntos de interesse local 
(inciso I) e promover, no que couber, adequado 
ordenamento territorial mediante planejamento e 
controle do uso, do parcelamento e da ocupação do 
solo urbano (inciso VIII).” 
A segunda posição é no sentido de que o “condo-mínio 
fechado” prescinde de lei municipal, bastando 
ato administrativo de concessão ou permissão para 
que as vias internas do condomínio passem a ser de 
utilização privada. 
Essas posições sustentam também que o morador 
tem direito à segurança (arts. 5º e 6º da Constituição 
Federal), assim como o Poder Público Municipal 
tem competência constitucional para disciplinar a 
utilização do solo urbano (art. 30, VIII) e dos bens 
públicos municipais (art. 18). 
Também favorável à legalidade dos “condomínios 
fechados”, existe a posição que defende a possibi-lidade 
de aplicação do art. 8º da Lei nº 4.591, de 
16-12-64, em vez da Lei nº 6.766/79, como meio 
de constituição de condomínios de casas, qualquer 
que seja o tamanho desse condomínio. 
Contra essas três posições, há quem sustente a 
ilegalidade dos “condomínios fechados”, ainda que 
existente legislação municipal a respeito: 
“A ilegalidade da propriedade da terra urbana não 
diz respeito só aos pobres. Os loteamentos fechados 
que se multiplicam nos arredores das grandes cidades 
são ilegais, já que o parcelamento da terra nua é regi-do 
pela Lei Federal nº 6.766, de 1979, e não pela que 
rege os condomínios, a Lei nº 4.591, de 1964. (...) 
Moram em loteamentos fechados juízes, promotores 
do Ministério Público, autoridades de todos os níveis 
de governo. Eles usufruem privadamente de áreas 
verdes públicas e também vias de trânsito que são 
fechadas intramuros. Para viabilizar a privatização do 
patrimônio público, na forma de um produto irresis-tível 
ao mercado de alta renda, há casos de prefeituras 
e câmaras municipais que não titubearam em se 
mancomunar para aprovar lei locais que contrariam 
a lei federal. Ou seja, aprova-se uma legislação ilegal, 
bem de acordo com a tradição nacional de aplicação 
da lei de acordo com as circunstâncias e o interesse 
dos donos do poder.” 
Sem entrar no mérito dessa discussão, a pessoa 
que pretender adquirir um lote ou uma casa em um 
“condomínio fechado” deve verificar se há lei muni-cipal 
ou ato administrativo regulando ou concedendo 
a propriedade ou qualquer direito ao uso privativo 
das vias internas do condomínio (primeira e segunda 
posições) ou se está diante de um condomínio de 
casas, regido pela Lei nº 4.591/64, como ocorre com 
qualquer edifício de apartamentos (terceira posição). 
É interessante observar se existe alguma ação judicial 
contra o “condomínio fechado” ou contra a associação 
de moradores que o administra, com base na alegação 
de violação do art. 22 da Lei nº 6.766/79 (quarta 
posição). Às vezes os loteadores, por ocasião do início 
do empreendimento, dizem que o condomínio será 
“fechado”, mas não têm qualquer amparo legal para 
tanto e o comprador, ao final, descobre que adquiriu 
um lote comum. 
Pode-se sustentar que há uma maior segurança 
jurídica quando a formatação utilizada para o “condo-mínio 
fechado” é a da Lei nº 4.591/64. Mas mesmo 
nessa hipótese há possibilidade de ser entendido que 
o “condomínio de casas” (art. 8º da Lei nº 4.591/64) 
é um loteamento disfarçado (Lei nº 6.766/79). A 
questão é polêmica. O mais seguro, por óbvio, é o 
condomínio de casas de pequenas proporções, de 
acordo com interpretação restritiva do art. 8º da Lei 
nº 4.591/64. 
Essa matéria será modificada, caso seja aprovado 
o Projeto de Lei nº 3.057, de 2000, na forma do subs-titutivo 
da Comissão Especial (publicado no Diário 
da Câmara dos Deputados de 20/02/2008), ora em 
tramitação na Câmara dos Deputados. Essa proposta 
legislativa expressamente prevê a possibilidade, em 
certos casos, da criação de “condomínios fechados”, 
nominados de condomínios urbanísticos, e também 
regula a possibilidade de instalação de controle de 
acesso em loteamentos para fins urbanos. 
A questão da legalidade ou ilegalidade do “con-domínio 
fechado” não se confunde com a questão 
do chamado “condomínio irregular”, que não tem 
sequer registro válido do parcelamento no cartório 
imobiliário, embora possa existir um “condomínio 
irregular fechado”, ou seja, um loteamento irregular 
cercado ou murado e com controle de acesso. 
* Advogado, consultor parlamentar e autor do livro “Compra 
de imóveis” (Ed. Atlas).
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Estado 12 de Direito, agosto e setembro de 2008 
O Supremo Tribunal Federal e a penhora do 
bem de família do fiador 
O direito social à moradia do fiador e a penhora 
do seu bem de família nos contratos de locação é 
tema de destaque no debate jurídico atual, em face do 
conflito normativo e valorativo que lhe é inerente. 
Em 08 de fevereiro de 2006, no julgamento do 
Recurso Extraordinário n° 407.688-8, cuja relatoria 
foi do Ministro Cezar Peluso, a maioria dos ministros 
participantes do julgamento entendeu constitucional, 
em face do direito fundamental à moradia previsto no 
art. 6° da Constituição Federal, a regra que permite a 
penhora do imóvel residencial do fiador, nos termos 
do art. 3°, inciso VII, da Lei n° 8009/90, na versão 
que lhe deu a Lei n° 8.245/91. 
A questão debatida, para além da dogmática, 
remete a argumentos filosóficos, pois a avaliação 
do conflito entre a regra que determina a penhora 
e o princípio da dignidade da pessoa humana que 
fundamenta o direito social à moradia é, na verdade, 
um conflito de valores antes de ser um conflito de 
normas, como bem demonstrou a argumentação 
trazida na votação. 
Dos votos condutores da maioria no julgamento 
em questão, deve-se destacar o voto do relator, Minis-tro 
Cezar Peluso, que se baseou no argumento utili-tarista 
de que a penhora do bem de família do fiador 
supostamente garantiria o direito à moradia através 
da maior oferta de imóveis no mercado. Nessa linha 
de argumentação, a regra é constitucional porque 
maximiza o bem-estar geral, ao garantir uma maior 
oferta de imóveis para locação - diante de uma fiança 
reforçada pela penhorabilidade – e, conseqüentemen-te, 
a diminuição do risco dos locadores. Diminuindo 
o risco, maior será a oferta e menor será o preço pago 
em geral para efetivar o direito à moradia através de 
contratos de locação. 
O segundo argumento a embasar a decisão pela 
constitucionalidade foi apresentado de diferentes 
formas pelos ministros Joaquim Barbosa, Gilmar 
Mendes e Sepúlveda Pertence. Tais julgadores 
defenderam a posição pela constitucionalidade da 
penhora com base no fato de que o fiador se obriga 
voluntariamente, portanto, no pleno exercício da sua 
autonomia de vontade, podendo, de tal forma, abrir 
mão de seu direito fundamental à moradia. 
Contudo, os supracitados argumentos pela 
constitucionalidade da penhora do bem de família 
do fiador não são sustentáveis numa visão utili-tarista, 
tampouco numa análise voluntarista mais 
detida. 
Inicialmente, em termos utilitaristas, a exceção 
prevista no art. 3°, VII, da Lei 8.009/90, justificar-se-ia 
sob duas condições: 1) o fiador tem uma diferença 
de capacidade em relação aos devedores em geral e 
aos locatários em particular; 2) a finalidade a ser 
buscada é melhor atendida pelos fiadores em função 
dessa diferença. 
As regras que estabelecem distribuições no 
funcionalismo utilitarista se estruturam de maneira a 
verificar as conseqüências desses atos. Assim, a regra 
considerada correta é aquela que maximiza a utilida-de, 
nesse caso, a regra correta seria a que maximiza 
o bem em questão, ou seja, a moradia. 
Para determinar essa maximização é necessário 
um raciocínio conseqüencialista, ou seja, é impres-cindível 
verificar se a regra em questão realmente traz 
algum ganho de bem-estar identificável. Destarte, o 
argumento utilitarista do ministro Cesar Peluso falha 
no teste do próprio utilitarismo, pois o voto do relator 
não demonstra quais seriam as conseqüências da 
penhora do bem de família do fiador no mercado de 
locação, Com efeito, não existe nenhum estudo do 
mercado apresentado na decisão que fundamente o 
argumento de que a penhora do bem de família do 
fiador irá aumentar o acesso à moradia através de 
locações. Ou seja, assim como é possível supor que 
a regra aumentaria a oferta de moradias é, também, 
perfeitamente plausível defender que esta regra irá 
diminuir o número de pessoas dispostas a prestar 
fiança, o que tornaria o acesso à moradia mais restrito. 
Como não existe nenhuma análise confiável nesse 
sentido, o argumento falha por falta de confiabilidade 
da análise das conseqüências da regra da penhora do 
bem de família do fiador. 
Ademais, o voto em comento não demonstra a 
diferença da penhora do bem de família do fiador 
em relação à penhora do bem de família do locatário 
e dos devedores em geral para fins de maximização 
do acesso à moradia. Será que a penhora do bem 
de família do locatário não maximiza o acesso à 
moradia? Qual a diferença, em relação à maximi-zação 
do acesso à moradia, entre a penhora do bem 
de família do fiador e do locatário? Nos moldes 
supracitados, não há como se admitir o argumento 
utilitarista sob análise, pois não se sustenta na sua 
própria racionalidade. 
Quanto ao argumento voluntarista, o que é olvi-dado 
pelos ministros do Supremo Tribunal Federal 
é que essa liberdade, que vincula o indivíduo pela 
intencionalidade, depende do respeito à dignidade 
da pessoa humana. Como salienta Kant, o pensa-dor 
de maior referência para os voluntaristas, pela 
segunda formulação do imperativo categórico, a 
ação está sempre ligada ao uso que se faz dos seres 
humanos. 
Nesse aspecto, a dignidade denota que a legis-lação 
ideal expressa na filosofia kantiana não pode 
admitir que as determinações da legislação positiva 
prejudiquem um ser humano em favor de objetivos 
hipotéticos. A legislação puramente racional, na dou-trina 
de Kant, não admite imperativos hipotéticos que 
poderiam sujeitar determinadas pessoas a servirem de 
meio para quaisquer fins contingentes de uma maio-ria 
ou dela própria. Nesse contexto, o ser humano não 
pode, através do exercício de sua liberdade, atentar 
contra a dignidade humana das demais pessoas, bem 
como da sua própria pessoa. 
A autonomia da vontade kantiana legitima o arbí-trio 
livre, ou seja, aquele arbítrio conforme a vontade 
que respeita o valor do ser humano. Toda a liberalidade 
(uso do arbítrio) que contrasta com o valor (dignidade) 
do ser humano, seja o valor humano nos outros ou em 
nós mesmos, é contrária à razão e, portanto, ilegítima 
para consubstanciar uma obrigação. 
Nesse compasso, o argumento voluntarista 
usado pelos ministros Joaquim Barbosa, Gilmar 
Mendes e Sepúlveda Pertence não condiz com o 
voluntarismo (em termos kantianos), pois o fato de 
que o fiador se obriga voluntariamente não legítima 
a possibilidade de que ele abra mão de sua dignidade 
e, conseqüentemente, de seu direito à moradia, eis 
que o respeito à dignidade é premissa de qualquer 
obrigação jurídica. 
Caso o raciocínio voluntarista fosse defensável, 
seria possível aos indivíduos oferecer outros bens em 
garantia de forma a dispor de seus direitos fundamen-tais. 
Seria possível, nesse raciocínio, oferecer nossa 
vida como garantia? Nosso corpo? Nossa liberdade? O 
Direito prevê formas de instituição de garantias e im-põe 
o cumprimento das obrigações, mas, a efetivação 
dessas garantias e cumprimento das obrigações não 
se dá sem limites, caso contrário, deveria possibilitar 
garantias como a carne do corpo que Antônio, o 
mercador, oferece a Shylock, o agiota, no Mercador 
de Veneza de William Shakespeare. 
* Advogado, especialista e mestre em Direito pela UFRGS, 
doutorando em Direito pela PUCRS e professor dos cursos de 
Direito da FEEVALE e do IPA (rafaeldresch@feevale.br). 
Rafael de Freitas Valle Dresch* 
Ativismo judicial e cidadania: a judicialização da política 
e das relações sociais em verde e amarelo 
Gustavo Rabay Guerra* 
O Poder Judiciário Nacional e a cidadania bra-sileira 
vivem uma fase de intensas transformações e 
conquistas na passagem dos 200 anos desde a insta-lação 
da Casa da Suplicação do Brasil, aos 10 de maio 
de 1808, data que assinala, também, a consagração da 
independência judicial no País, tendo o citado órgão 
operado ainda antes da primeira Constituição brasileira 
(1824), que o transformou em Supremo Tribunal de 
Justiça do Império do Brasil, e que, posteriormente, 
com a Constituição Republicana de 1891, se transmu-tou 
em Supremo Tribunal Federal (STF). 
Por esses dias, temas instigantes povoam as 
sessões do STF. O papel político e a conseqüente 
necessidade de legitimação democrática discursiva 
do Judiciário ficaram patentes no julgamento de 
questões complexas, tais como a fidelidade partidá-ria 
e a autorização de experiências científicas com 
células tronco-embrionárias. Tivemos, também, a 
imposição do uso das algemas, o caso da greve dos 
servidores públicos e o fim do nepotismo nas três 
funções do Estado. Em seguida, teremos, ainda, 
julgamentos marcantes, tais como a possibilidade de 
descriminalização de aborto de fetos anencefálicos, a 
demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, 
a constitucionalidade do casamento homossexual e, 
por fim, a questão das ações afirmativas e das cotas 
nas universidades públicas. 
Esses são exemplos de como o Judiciário vem 
se tornando o último reduto político-moral da 
sociedade, nos temas que naturalmente suscitem os 
chamados desacordos morais razoáveis (reasonable 
disagreements). Vivenciamos, assim, o que Ingeborg 
Maus chamou de “Superego da sociedade órfã” e o 
que Viana Lopes identifica como a “Invasão do Di-reito”, 
no contexto da expansão do papel dos atores 
judiciais e da própria normatividade no quotidiano 
das práticas sociais. No “Estado Judicante” é mais 
fácil conclamar o debate público na corte do que no 
parlamento. É o fenômeno da acessibilidade dos espa-ços 
judiciais, em substituição à representação política 
tradicional, em que os eleitores demandam de seus 
governantes as providências necessárias para o bom 
funcionamento da sociedade. Diante das frustrações 
da ausência de representação política, o julgador 
torna-se, ele próprio, porta-voz de uma ideologia 
refratária dos desmandos do poder, descendo ao “in-ferno 
de uma democracia desnorteada” (Paul Ricouer) 
e impondo severos comprometimentos ao espaço 
público e a sua própria instituição. A nova “cidadania 
judicial” tem que enfrentar velhos fantasmas. 
A expansão do poder dos magistrados a partir 
da assunção do papel normativo da Constituição e 
como isso acarretou uma mudança comportamental 
da função judiciária, que da emudecida passividade 
e da falta de efetividade passou à judicialização ex-cessiva, 
como nos diz Luís Roberto Barroso. Como 
exemplos de tal mudança da paisagem atitudinal, 
sopesam-se decisões que vão do racismo e sexismo 
explícitos – como aquela proferida por um juiz 
mineiro que considerou inconstitucional a Lei Maria 
da Penha e diabólicas as mulheres –, passando pela 
marca patrimonialista do nosso Judiciário – encar-nado 
na magistrada paraibana que atestou ser o 
julgador “incomparavelmente superior a qualquer 
outro ser material” –, até as recentes construções 
jurisprudenciais que, (re)habilitando instrumentos 
constitucionais legítimos e democráticos, como o 
mandado de injunção para efetivar o direito de greve 
no serviço público, resignificam a gramática dos 
direitos fundamentais. 
Será possível, enfim, modular a reflexividade po-lítico- 
moral do ativismo judicial? Se há limites éticos 
ao ativismo político dos juízes, tais só poderão ser 
ponderados a partir do recorte histórico e do estudo de 
casos, implicados em uma linguagem que reconheça a 
integridade e a idiossincrasia do debate brasileiro. 
*Doutorando em Direito, Estado e Constituição pela UnB. 
Mestre em Direito Público pela UFPE. Professor Titular de 
Direito Constitucional do UniCEUB. Coordenador do Curso de 
Pós-Graduação à Distância em Direito Constitucional Aplicado 
da Universidade Gama Filho/Instituto Posead. Professor de 
Hermenêutica Jurídica do Instituto dos Magistrados do Distrito 
Federal. Advogado. Contato: gustavorabay@justice.com.
Estado de Direito, agosto e setembro de 2008 13 
Nepotismo: o STF pode legislar? 
No nosso livro Do Estado de Direito constitucional e transnacional: 
riscos e precauções (Gomes, L. F. e Vigo, R.L., São Paulo: Premier, 2008, 
p. 157) analisamos, detalhadamente, os dezoito mais preocupantes riscos 
que rondam o denominado Estado de Direito constitucional. Um deles 
diz respeito à “judicialização do Direito”, ou seja, os juízes é que dão a 
configuração final do Direito e isso pode ser feito de modo equivocado 
e autoritário. Particularmente no que diz respeito ao STF, ele pode criar 
normas obrigatórias, a partir de textos constitucionais, sem a interposição 
da lei e do legislador? Numa espécie de ativismo normatizante, ele pode 
invadir competência alheia e disciplinar assuntos ainda não cuidados 
pelo Poder Legislativo? 
Kelsen dizia que o Poder Judiciário, no exercício do controle de 
constitucionalidade das leis, seria, no máximo, um “legislador negativo” 
(poderia negar validade a uma lei). Nosso STF, entretanto, na medida em 
que edita súmulas vinculantes, que devem ser seguidas por todos os juízes 
e toda administração pública, vem se comportando como um “legislador 
ativo”. Isso é possível? 
Nos últimos tempos nossa máxima Corte, sob o império do neo-constitucionalismo 
(Alexy, Dworkin, Zagrebelsky, Ferrajoli, Nino etc.), 
vem assumindo, com toda clareza, essa anômala função. Fez isso na 
regulamentação da fidelidade partidária, disciplinou depois os limites do 
uso das algemas (Súmula Vinculante 11) e, agora, acaba editar a Súmula 
Vinculante 13, que cuida da proibição do nepotismo, direto ou cruzado 
(nos três poderes). 
Da constitucionalização do Direito pode resultar num novo tipo de 
Estado, que é o judicial? Sim. Os novos senhores do direito já não são 
os legisladores, senão, os juízes constitucionais. Bachof, já no final da 
década de 50, falava na superioridade jurídica do juiz sobre o legislador 
no momento da realização do direito. Atualmente, Alexy propõe assim 
também a preferência pela capacidade argumentativa dialógica judiciária 
em face da que se gera no âmbito legislativo. 
A última palavra interpretativa da Constituição e das leis é do juiz. 
Nisso reside a chamada judicialização do Direito. Mas uma coisa é inter-pretar 
uma lei, outra distinta é criar uma regra geral obrigatória, a partir 
da interpretação exclusiva da Constituição. A denominada judicialização 
do Direito permite isso? O STF está autorizado a “legislar”, ocupando o 
lugar do Poder Legislativo? O próprio STF, por meio das denominadas 
súmulas vinculantes, vem dizendo que sim. Mas até que limite isso é pos-sível? 
Por que está ocorrendo esse fenômeno? Quais riscos são inerentes 
a essa nova função? 
Súmula Vinculante 13 
No dia 20.08.08, quando discutia o tema nepotismo, deliberou nossa Su-prema 
Corte editar mais uma súmula vinculante. No dia seguinte (21.08.08) 
publicou a Súmula Vinculante 13 (que não pode ser descumprida por nenhum 
órgão público). A sua redação final é a seguinte: “A nomeação de cônjuge, 
companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o 
terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma 
pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para 
o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gra-tificada 
na Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes 
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendido 
o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal”. 
Desde a publicação dessa súmula, tornou-se possível impugnar, no 
próprio STF, por meio de reclamação, a contratação de parentes para cargos 
da administração pública direta e indireta no Executivo, no Legislativo e 
no Judiciário. Qualquer diligente membro do Ministério Público poderá 
fiscalizar o cumprimento da referida súmula. 
Confirmou-se inicialmente a constitucionalidade da Resolução 7, do 
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que veda o nepotismo no Judiciário. 
Em seguida partiu o STF para sua tarefa (anômala) de legislar. Analisando 
o Recurso Extraordinário (RE 579.951-RN) interposto pelo Ministério 
Público do Rio Grande do Norte contra a contratação de parentes no 
município de Água Nova, os ministros reafirmaram que a Constituição 
Federal veda o nepotismo. Em outras palavras: não é necessária a edição 
de lei para que a regra seja respeitada por todos os Poderes da União. 
Esse novo ativismo judicial (do STF) está impregnado de vários riscos. 
O primeiro reside no enfraquecimento da democracia. Os parlamentares 
são os legítimos e diretos representantes do povo. Seu produto legislativo, 
portanto, quando compatível com a Constituição, é muito mais demo-crático 
que uma norma do judiciário. Atuando o STF como “legislador 
ativo”, há sempre também o risco de “aristocratização do Direito” (ou 
seja: o Direito pode derivar de uma casta elitizada, não da vontade dos 
representantes do povo). Conforme a composição do STF, pode-se ade-mais 
descambar para uma “hipermoralização do Direito” (que significa 
priorizar as regras morais sobre o direito positivado). Que a prudência e 
a razoabilidade sejam sempre as companheiras do STF, sobretudo na sua 
atividade legisferante. 
*Professor Doutor em Direito penal pela Universidade de Madri, Mestre em 
Direito penal pela USP e diretor-presidente da Rede de Ensino LFG (www.lfg. 
com.br). Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) 
e Advogado (1999 a 2001). 
ESPECIAL 
“Kelsen dizia que o Poder 
Judiciário, no exercício 
do controle de constitu-cionalidade 
das leis, 
seria, no máximo, um 
“legislador negativo” 
(poderia negar validade 
a uma lei). Nosso STF, 
entretanto, na medida em 
que edita súmulas vincu-lantes, 
que devem ser 
seguidas por todos os 
juízes e toda adminis-tração 
pública, vem se 
comportando como um 
“legislador ativo”. 
Isso é possível?” 
Luiz Flavio Gomes* 
AP
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ESTADO DE DIREITO - 16 EDIÇÃO

  • 1. Tribunal de Contas, esse desconhecido? Wremyr Scliar informa as competências do Tribunal de Contas, desconhecido de grande parte da opinião pública, mas muitíssimo conhecido por aqueles que são condenados a devolver valores aos cofres públicos Página 6 Alimentos reavivando noções fundamentais Silvio Venosa comenta os artigos do Código Civil que tratam da questão de alimentos e esclarece aspectos importantes da distinção quanto aos alimentos naturais e civis Página 14 Direitos do Coração Ana Jamily Veneroso Yoda destaca a importância de levar as crianças a terem contato com o universo de direitos que lhes são assegurados Página 15 PORTO ALEGRE, AGOSTO E SETEMBRO DE 2008 • ANO III • N° 16 Estado de Direito Luiz Flávio Gomes Página 5 Veja também A conciliação no sistema de Justiça do Quebec Louise Otis relata as razões que orientaram a instauração da conciliação judicial e as características de integração dentro do sistema de justiça Página 20 Nepotismo O STF pode Legislar? Alimentos Gravídicos A primeira mulher a ser Desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul Maria Berenice Dias apresenta a polêmica questão sobre o Projeto de Lei 7.376/2006, que concede à gestante o direito de buscar alimentos durante a gravidez, re f e re n d a n d o a m o d e r n a c o n c e p ç ã o d a s re l a ç õ e s parentais desde a concepção do nascituro Página 07 AP O Jornal Estado de Direito comemora mais um feito relevante: o I Encontro Internacional Estado de Direito, em Brasília. O que era um projeto, agora é uma realidade que pode estar em outras cidades que quiserem partilhar dessa idéia como um meio de discussão sobre os rumos do Direito no Brasil, veja nessa edição como foi importante esse evento. Essas atividades realiza-das em Shoppings Centers objetivam transmitir o conhecimento de grandes juristas que se juntam a nós para fazer acontecer essa construção de cidadania. Luiz Flávio Gomes um dos palestrantes em Brasília, em seu artigo alerta para os riscos que rondam o denominado Estado de Direito cons-titucional e aborda a “judicialização do Direito” e a decisão do STF sobre a Súmula vinculante que trata do ne-potismo. Veja página 13 P a r l a m e n t a r e s : “ O s parlamentares são os legítimos e diretos representantes do povo. Seu produto legislativo, portanto, quando compatível com a Constituição, é muito mais democrático que uma norma do judiciário.” Declaração Universal dos Direitos Humanos Johanner Van Aggelen faz um balanço dos 60 anos ao longo da história, a formulação jurídica no plano internacional em regiões e épocas distintas Balanço dos 20 anos da Constituição O professor Bruno Espiñeira Lemos apresenta reflexões sobre os vinte anos da “Cons-tituição Cidadã”, e observa que de todas as nossas Cartas políticas é a mais importante e responsável por um cenário democrático jamais vivido com tamanha plenitude no Brasil Página 08 II Encontro Nacional Estado de Direito em porto alegre acesse o site e confira a programação www.estadodedireito.com.br
  • 2. Estado 2 de Direito, agosto e setembro de 2008 Estado de Direito Você faz parte dessa cultura Estado de Direito Comunicação Social Ltda. O Jornal Estado de Direito desenvolve iniciativas que fortalecem os ideais de promoção da cultura jurídica pela cidadania e é com alegria que registramos nessa edição a I Mostra de Cinema Português, com enfoque jurídico, realiza-da em Porto Alegre e o I Encontro Internacional Estado de Direito, em Brasília. Agradecemos aos palestrantes de ambos eventos que compartilharam os seus conhecimentos e elucidaram de forma criativa como o Direito está presente em nosso cotidiano, seja pelas oficinas de prática jurídica, comentários nos filmes e palestras com uma linguagem mais simples. Ressalto o papel das instituições e empresas que patroci-nam as atividades do Jornal Estado de Direito, pois são elas que dão vida aos nossos pensamentos. Cada passo conquis-tado é fruto do apoio e credibilidade que nos dão para que possamos levar até vocês mais informação e eventos com renomados profissionais. A todas as pessoas e empresas dispostas a serem parcei-ras nessa idéia, convidamos a participar do nosso próximo evento: II ENCONTRO NACIONAL ESTADO DE DIREITO, que acontecerá em Porto Alegre. Quero registrar que a televisão Café & Revista, via inter-net, com mais de dois milhões de acessos passará a transmitir pelo site www.cafeerevista.com.br todas as manhãs, às 10 h, com reprise a noite, às 22 h, o programa “Estado de Direito” produzido por mim. De um lado o Jornal, de outro as atividades que fortalecem o Projeto: “Conhecer o Direito é Desenvolver a Cidadania” e para por em prática nossas idéias, os esforços são permanentes e com todo entusiasmo na certeza de que estamos conseguin-do trazer mais parceiros para juntos levar a cultura jurídica de forma preventiva para toda sociedade! Grande abraço, Carmela Grüne CNPJ 08.583.884/0001-66 Porto Alegre - RS - Brasil Rua Conselheiro Xavier da Costa, 3004 CEP: 91760-030 - fone: (51) 3246.0242 e 3246.3477 Nextel ID: 84*97060 e-mail: contato@estadodedireito.com.br internet: www.estadodedireito.com.br Diretora Presidente Carmela Grüne carmela@estadodedireito.com.br | carmelagrune@via-rs.net Diretor Financeiro Renato de Oliveira Grüne CRC/RS 45.039 Jornalista Responsável Patrícia Araujo - MTb 11686 Colaboraram nesta Edição Bayard Fos, Diego Moreira Alves, Fábio Lino, Ayla Barbosa de Amorim, Edgar Garcia Lira Junior, Jaqueline Muriel Nogueira e Silva, Juliana Gomes Braggio e Talita Garcia Redação redacao@estadodedireito.com.br Anúncios teleanuncios (51) 3246.0242 comercial@estadodedireito.com.br Diagramação Carmela Grüne Tiragem: 40.000 exemplares Pontos de distribuição PORTO ALEGRE Livraria Saraiva Shopping Praia de Belas 1001 Produtos e Serviços de Informática: Matriz - Rua São Luís, 316 - Santana - 3219.1001 Menino Deus - Shopping Praia de Belas - Térreo - 3026.7585 Centro - Andradas,1273, lj. 003 - Galeria Edith - 3224.4119 Nossa Livraria Pernambuco e Alagoas Maceió: Av. Moreira e Silva, 430 - Farol Maceió: Rua Íris Alagoense, 438-A - Farol Maceió: Rua Durval de Guimarães, 1217 - lojas 03 e 08 Ponta Verde Recife: Rua do Riachuelo, 267 Recife: Av. Cais do Apolo, 739 - TRT Recife: Av. Dantas Barreto, 191 lojas 22 a 24 - TJ Recife: Rua da Aurora, 325 loja 01 Santa Catarina Nas salas da OAB/SC, com apoio da Caixa de Assitência aos Advogados Editora Revista dos Tribunais São Paulo: Rua Conde do Pinhal, 80 - Liberdade Curitiba: Rua Voluntários da Pátria, 547 - Loja - Centro Rio de Janeiro: Rua da Assembléia, 83 - Centro Porto Alegre: Rua São Nicolau, 955 Belo Horizonte: Rua Paracatú, 304 - Loja 02 - Barro Preto Brasília Asa Sul: SHC Sul - CL quadra 402 bloco A loja 21 - Asa Sul Goiania Central: Avenida Goiás, 60 - Qd2 Lt8E - Loja 03 - Setor Central Goiânia Setor Sul: Rua 101 n.º 123 Qd F17 Lt11E - Sala 01 - Setor Sul Rio Verde: Rua Edmundo de Carvalho, 905 - sala 01 Setor Central, Rio Verde - GO Anápolis: Avenida Sen. José Lourenço Dias, 1362 - Sala 03 Setor Central, Anápolis - GO Recife: Rua Barão de São Borja, 62 lojas 1, 2 e 3 PAÍSES Através de nossos colaboradores, consulados e escritores o jornal Estado de Direito chega a Portugal, Itália, México, Venezuela, Alemanha, Argentina, Ucrânia e Uruguai Peça a lista dos locais em que o Jornal Estado de Direito é divulgado para comercial@estadodedireito e consulte os mais de 85 pontos de distribuição! Apoio Consulado de Portugal/Recife *Os artigos publicados nesse jornal são responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente a opinião do Jornal e informa que os autores são únicos responsáveis pela original criação literária. Democracia, Judiciário e Associações de Magistrados A Constituição brasileira assegura o direito de associação (art. 5º., inciso), que representa a faculdade conferida aos os cidadão de se reunirem para tratar de interesses comuns, sem que o Estado possa intervir. É uma manifestação do status negativus. Os juízes também se organizam em associações, que, de regra, cuidam de questões que escapam ao âmbito de seus interesses estritamente profissionais, a exemplo, do recente debate sobre a investigação da vida pregressa de políticos com vista a registro de candidaturas a cargos eletivos. Indaga-se porque isso acontece. Na sociedade atual, caracterizada pelo reconhecimento de extenso rol de direitos aos cidadãos, os juízes têm um papel de fundamental importância, por lhes ter sido atribuída a função de dar efetividade a estes direitos. O estado brasileiro é com-prometido com um dos principais fundamentos do regime de democrático – o princípio da proteção judicial, que é o primado do estado de direito – não é possível um estado de direito sem leis e sem juízes independentes e imparciais que as apliquem e lhes garanta efetividade, sendo este um dos principais aspectos das cartas de direitos, como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, a Convenção Americana de Direitos Huma-nos, dos quais o Brasil é signatário e o art. 5º. da CF do Brasil (inciso LV). O meio usual e próprio dos juízes se manifestarem sobre as questões da vida nacional é o processo judicial, mediante o qual se busca uma decisão jurídica. Entretanto, este não é o único meio de os juízes se expressarem. Já é passado o tempo em que não era dado aos juízes opinar sobre temas políticos de importân-cia para o desenvolvimento da cidadania e da vida constitucional da nação e hoje a sociedade espera uma participação mais ativa da magistratura também no debate político. De outra parte, diferentemente de outras Instituições, como o legislativo, ou mesmo a OAB, em que a escolha dos seus represen-tantes oficiais se dá de forma dialógica, pelo debate do processo eleitoral, os dirigentes dos órgãos do Poder Judiciário ainda são escolhidos pelo critério de antiguidade, que, não obstante conferir relevante contribuição aos que honram a magistratura com sua ex-periência, alija a magistratura do debate como procedimento pré-vio de escolha. Por isso, as associações de magistrados cumprem a relevante função de expressar o pensamento da magistratura. Além disso, os temas de que mais se ocupam as associações de magistrados não são reivindicações corporativas, mas questões que interessam à própria sociedade. Quando, por exemplo, uma associação defende mais celeridade e efetividade dos processos, informatização, mais independência para os juízes ou mais res-paldo às decisões de primeiro grau, está defendendo condições de trabalho que se confunde com o interesse de toda a sociedade. Neste contexto é que se compreende porque as associações de magistrados lançam e se empenham em uma campanha por eleições limpas. São os interesses da sociedade na preservação da democracia que se confundem com o interesse da magistratura no cumprimento da sua missão. Por isso, é necessário que as associações de magistrados sejam ouvidas e seus pleitos levados em consideração, pois atuam não apenas como entidades que representam os interes-ses profissionais de determinado grupo, mas, sobretudo, como importantes agentes da democracia. As atividades associativas aqui destacadas têm se revelado, na prática, como verdadeira manifestação do status activus, contribuindo para a construção de um regime cada vez mais democrático. *Juiz Eleitoral da 1ª. Zona de Brasília e Diretor-Geral da Escola da Magistratura do Distrito Federal. Aiston Henrique de Sousa*
  • 3. Estado de Direito, agosto e setembro de 2008 3 Mais de 100 mil aprovados O destino é uma questão de escolha Escola LFG/Prima para Exame da OAB Universidade TeleVirtual UNIDERP/LFG Pós-Graduação Concursos Públicos Semana Jurídica Gratuita 28/07 a 01/08/08 – Ao Vivo 29/07 a 01/08/08 – Reprise Matutino e Noturno Maior Rede de Ensino do Brasil www.lfg.com.br Via Satélite com mais de 300 Unidades. Consulte a unidade mais próxima de você Escola LFG para Concursos Públicos
  • 4. Estado 4 de Direito, agosto e setembro de 2008 A relativização da coisa julgada e a segurança jurídica à A coisa julgada afigura-se como ferramenta imprescindível à pacificação coletiva, pois, a certeza de uma decisão judicial significa para as partes em litígio o fim das controvérsias que as mantinham em constante conflito. Contudo, em que pese sua importância, não se deve atribuir-lhe valor absoluto, já que absoluto não é nenhum dos direitos funda-mentais, nem mesmo o direito à vida. Nesse contexto, não se pode olvidar que a garantia da coisa julgada admite relativização. Essa flexibilização do instituto é materializada à luz do que Canotilho e Vital Moreira denominam de “Prin-cípio da Concordância Prática ou da Harmonização” (Fundamentos da Constituição. Coimbra Editora, 1991, p. 139). Tratando da relativização da coisa julgada, o in-tricado problema que se afigura é a busca de solução ao seguinte impasse: de um lado, há a necessidade de um sistema processual capaz de garantir a efeti-vação do Direito e da Justiça; de outro, há a neces-sidade de preservação da estabilidade das relações jurídicas, imprescindível à convivência social. No conflito entre segurança jurídica (coisa julgada) e Justiça (relativização da coisa julgada), caberá ao intérprete solucionar o impasse através da devida ponderação dos interesses envolvidos, harmonizando-os e identificando a relação de prevalência entre ambos, sem, no entanto, excluir, por completo, qualquer deles. É o que se chama de Princípio da Harmonização. No caso em espeque, não se pode negar a pri-mazia da Justiça sobre a garantia da coisa julgada. O princípio da Justiça das decisões decorre da própria garantia constitucional de acesso à pres-tação jurisdicional (Princípio da Inafastabilidade), prevista no art. 5º, XXXV, da Carta Magna. O jurisdicionado possui o direito público subjetivo constitucionalmente assegurado de acesso ao Ju-diciário, que pressupõe, registre-se, a prestação de tutela jurisdicional adequada, efetiva e justa. Pedro Lenza, a esse respeito, esclarece que o Princípio da Inafastabilidade é chamado por alguns de Princípio do “acesso à ordem jurídica justa” ou do “acesso à Justiça”, o que demonstra a íntima e inafastável relação entre Justiça e tutela jurisdicional. (Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo, 2005, p. 540). Ora, a coisa julgada não é absoluta, logo, seus efeitos restam enfraquecidos diante da exigência do justo, não havendo como, face ao ideal de Justiça que permeia a atividade jurisdicional, negar ao cidadão a possibilidade de correção de uma decisão errônea. A Justiça é o princípio maior da Constituição e, com efeito, todos os demais princípios constitu-cionais cedem a ela. É inadmissível conviver num sistema processual em que uma decisão carregada de carga lesiva não possa ser revertida. São inúmeros os casos em que se vê, em pólos contrapostos, o comando legal determinando seja respeitada a coisa julgada e uma injustiça patente, demonstrada atra-vés de prova irrefutável. Nessas ocasiões, a garantia do acesso à ordem jurídica justa repele a perenização de julgados manifestamente discrepantes com os ditames da Justiça. Ademais, a eternização de comandos decisórios injustos afeta a própria credibilidade do Poder Judiciário. Quando os críticos à teoria da relativi-zação falam em perda de credibilidade, no caso da desconstituição das sentenças definitivas, o que se observa é exatamente o contrário, vez que descredi-tante não é a flexibilização ponderada e justificável da coisa julgada, mas sim ter conhecimento da existência de um julgado reconhecidamente injusto e negar à parte a oportunidade de reparação do equívoco. Assim, conclui-se que a relativização da coisa julgada não faz brotar a insegurança jurídica. Pelo contrário, essa insegurança surge, exatamente, do envilecimento da prestação jurisdicional, marcado pela eternização de decisões injustas. Nesse compas-so, a conclusão a que se chega é que não é razoável perpetuar injustiças a pretexto de se impedir a eternização de incertezas. *Advogado da União – Procurador Chefe da Procuradoria- Seccional da Advocacia-Geral da União em Petrolina/PE – Pós-Graduando em Direito Processual Civil pela UNISUL. Raul Murilo Fonseca Lima* luz do princípio da harmonização Palestras Gratuitas? Toda terceira 3ª feira do mês, em Porto Alegre. www.estadodedireito.com.br
  • 5. Estado de Direito, agosto e setembro de 2008 5 Tribunal de Contas - esse desconhecido? Wremyr Scliar No programa de divulgação das atividades do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul, a Escola Superior de Gestão e Controle Francisco Juruena recebeu um grupo de alunos da USC, unidade de Nova Prata, os quais assistiram a uma sessão do Pleno e em seguida tiveram uma explanação sobre o desenvolvimento de um julgamento que ali acabara de ocorrer. O julgamento referia-se às diárias pagas a vereadores que tinham comparecido, no mês de janeiro, a um congresso realizado em Itapema, praia localizada em Santa Catarina. Quando noticiado pela imprensa, houve candentes críti-cas pela viagem e diárias, noticiada como “farra das diárias”. O julgamento considerou essas despesas como ilegais e determinou a devolução dos valores res-pectivos aos cofres municipais. Então, lançou-se aos alunos que haviam assistido ao julgamento o seguinte desafio: “quem verificar pela imprensa, a partir de amanhã, a notícia sobre o julgamento do Tribunal de Contas, será contemplado com um prêmio”. O que se pretendia? Mostrar aos alunos que a mídia, siste-mática, orgânica e cientificamente, movida por interesses alheios à administração pú-blica, promove constantemente campanhas difamatórias batizadas de farra das diárias, o ralo do dinheiro dos contribuintes, o caos na saúde, o desperdício nas obras públicas, a falta de qualidade do ensino público, corrupção generalizada e assim por diante muitas outras campanhas. Entretanto, quando o próprio Estado corrige os erros, deficiências, pune e manda devolver o dinheiro mal empre-gado, a mídia silencia integralmente (ou nega-se) a prestar a informação. Obviamente, nenhum aluno foi contemplado com o prêmio porque simplesmente nada, absolutamente nada, foi noticiado sobre o resultado do julgamento pelo Tribunal de Contas. Embora fosse aquela uma decisão complexa e de repercussão jurisprudencial ampla nos processos admi-nistrativos daquela Corte e nos procedimentos dos gestores municipais e estaduais objetos de análise pelo Tribunal, para a mídia não havia interesse, visto que a decisão punitiva era uma “resposta” às acusações de imoralidade. O julgamento que os alunos assistiram é um exemplo paradigmático sobre as competências do Tribunal, assim como as suas relações com os jurisdicionados, imprensa e meio acadêmico. Infelizmente, essa relação, principalmente com a mídia, está contaminada por motivos políticos que impedem a fluxo normal e necessário de notícias e informações sobre as atividades do Tribunal de Contas. Claro que essa contaminação não se restringe ao Tribunal de Contas - ela atinge o Legislativo, o Judiciário e as ações administrativas em gênero. Por isso, publicações como o “Estado de Direito”, livre e independe de obscuras campanhas agressivas e negativas à administração pública, assim como livre e independe de silêncios igualmente obscuros, são importantes e ressaltam o necessário cumprimento dos valores constitucionais de liberdade de imprensa e direito à informação, como reali-zação da cidadania e dignidade humana. O Tribunal de Contas, sinteticamente ora informando-se aos leitores do “Estado de Direito”, tem sede constitucional e tem a sua principal competência constitucional na emissão do parecer prévio sobre as contas do chefe do poder executivo (Presidente, Governadores e Prefeitos), o qual é encaminhado ao Poder Legislativo corresponde para ser julgado. O julga-mento não tem as características próprias de um processo judicial - ele é político. O parecer do Tribunal de Contas pode ser aprovado ou rejeitado, conseqüência idêntica será adotada para as contas do chefe do poder executivo. Cabe acrescer: nas Câmaras de Vereadores, o quorum para rejeitar o parecer prévio do Tribunal de Contas é de dois terços, enquanto que nos demais corpos legislativos, a rejeição pode ser proclamada com maioria simples. Quanto ao julgamento de “contas”, assinala-se que não se trata de apreciação contábil, mas do cumprimento das obriga-ções constitucionais e legais, ou seja, um exame de legitimidade da ação administrativa do chefe do poder executivo. O presidentes do corpos legislativo, assim como o pre-sidente do tribunal judicial e do chefe do ministério público também têm as suas contas examinadas pelo Tribunal de Contas, mas nesse caso, a Constituição determina que elas sejam julgadas mediante decisão que igualmente aprecia a legitimidade das respectivas ações administrativas. Por fim, cabe ao Tribunal de Contas apreciar a legalidade dos atos de admissão, aposentadoria, contratos, editais, programas administrativos, enfim, a ação administrativa, exteriorizada por atos e fatos em toda a sua plenitude. Com isso fica claro que o controle exercido pelo Tribunal de Contas não é numérico ou aritmético - ele é um exame de legitimidade (essa entendida como a conformidade ao sistema jurídico). O Tribunal de Contas exerce o controle (fiscalização em sentido amplo) externo (porque localizado em campo distinto) da administração pública. Ele é independente, tem autonomia administrativa e financeira. Diz a Constituição que o controle externo é competência do Poder Legislativo com o auxílio do Tribunal de Contas. Prestar auxílio não é subserviência, dependência ou hierarquização. Todos os poderes e órgãos de Estado devem-se auxílio recíproco. Não é Tribunal caudatário do legislativo: afinal, seus membros são equiparados a magistrados para fins de inco-lumidade dos seus julgamentos. Verdade que o controle externo é atribuição do poder legislativo. Aliás, no sistema brasileiro, o poder preeminente é exatamente o legislativo, no qual se elabora o estatuto do estado e da sociedade. Mas a competência constitucional de controle externo da administração pública, ativa, técnica e independente, é atribuída ao Tribunal de Contas. Com a exceção do parecer prévio emitido sobre as contas do chefe do poder executivo, nenhuma outra decisão ou apreciação do Tribunal de Contas é submetida ao Poder Legislativo. Tribunal é; mas “sui generis”, disse Rui Barbosa. Ins-tituição de Estado entre os poderes, sem ancoragem com nenhum deles. Por essa razão, indaga-se: depois da privatização das principais atividades de infra-estrutura econômica do Estado (energia elétrica, minérios e telecomunicações) qual ou quais as próximas presas do mercado que a iniciativa privada cobiça com tanta voracidade? Pode ser o judiciário, ou o ministério público...Também pode ser o “incômodo” (para o mercado e a sua mídia) Tribunal de Contas. O Tribunal de Contas pode ser desconhecido de grande parte da opinião pública. Mas ele é muitíssimo conhecido por aqueles que são condenados a devolver dinheiros públicos, pagar multar ou desfazer atos ou contratos. Também ele é muitíssimo conhecido por aqueles que sonham (o nosso pesadelo) em auferir pagamentos em níveis internacionais por serviços (mal prestados) de auditoria ao Estado. Quanto ao obsequioso silêncio ou difamação midiática, e por esse motivo, pode-se afirmar: nesse contexto factual, há uma evidente frustração na concretização dos valores da república e da democracia. Os cidadãos estão sendo impedidos de conhecer e avaliar livremente o controle que é exercido pelo Tribunal de Contas. Isso é crime. E grave. Wremyr Scliar é Mestre em Direito do Estado, Diretor da Escola Supe-rior de Gestão e Controle Francisco Juruena do Tribunal de Contas - RS e Professor de Direito Administrativo da Fac. de Direito - PUC.
  • 6. Estado 6 de Direito, agosto e setembro de 2008 Alimentos: reavivando noções fundamentais Formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (1969), cursou o Curso de Direito do Consumi-dor na Comunidade Européia, Univer-sidade de Louvain-la-Neuve, Bélgica (1993). Foi juiz no Estado de São Paulo por 25 anos tendo se aposentado como magistrado do antigo Primeiro Tribu-nal de Alçada Civil. Foi professor em várias faculdades de Direito no Estado de São Paulo. É também professor convidado e palestrante em instituições docentes e profissionais de todo o país e membro da Academia Paulista de Magistrados (APAMAGIS), Associação dos Magistrados Brasileiros. Autor de di-versas obras destaco ‘Primeiras Linhas - Introdução ao Estudo do Direito’, publicado pela Editora Atlas. Sílvio de Salvo Venosa CHRISTINA RUFATTO O ser humano, desde o nascimento até sua morte, necessita de amparo de seus semelhantes e de bens essenciais ou necessários para a sobrevivência. Nesse aspecto, realça-se a necessidade de alimentos. Desse modo, o termo alimentos pode ser entendido, em sua conotação vulgar, como tudo aquilo necessário para sua subsistência. Acrescen-temos a essa noção o conceito de obrigação que tem uma pessoa de fornecer esses alimentos a outra e chegaremos facilmente à noção jurídica. No entanto, no Direito, a compreensão do termo é mais am-pla, pois a palavra, além de abranger os alimentos propriamente ditos, deve referir-se também à satisfação de outras necessidades essenciais da vida em sociedade. O Código Civil, nos arts. 1.694 a 1.710 não se preocupou em definir o que se entende por alimentos. Porém, no art. 1.920 encon-tramos o conteúdo legal de alimentos quando a lei refere-se ao legado: “O legado de alimentos abrange o sustento, a cura, o vestuário e a casa, enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for menor.” Assim, alimentos, na linguagem jurídica, possuem significado bem mais amplo do que o sentido comum, compreendendo, além da alimentação, também o que for necessário para moradia, vestuário, assistência médica e instrução. Os alimentos, assim, traduzem-se em prestações periódicas fornecidas a alguém para suprir essas necessi-dades e assegurar sua subsistência. Nesse quadro, a doutrina costuma distinguir os alimentos naturais ou necessários, aqueles que possuem alcance limitado, compreendendo estritamente o necessário para a subsistência; e os alimentos civis ou côngruos, isto é, convenientes, que incluem os meios suficientes para a satisfação de todas as outras necessidades básicas do alimentando, segundo as possibilidades do obrigado. O Código de 1916 não distinguia essas duas modalidades, mas o atual Código o faz (art. 1.694), discriminando alimentos neces-sários ao lado dos indispensáveis, permitindo ao juiz que fixe apenas estes últimos em determinadas situações restritivas. No § 2º, encon-tra- se a noção destes: “Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.” Por outro lado, o § 1º estabelece a regra geral dos alimentos amplos, denominados côngruos ou civis: “Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.” Nosso Código Civil anterior originalmente disciplinara a obrigação alimentar dentre os efeitos do casamento, inserindo-a como um dos deveres dos cônjuges (“mútua assistência”, art. 231, III e “sustento, guarda e educação dos filhos”, art. 231, IV), bem como mencionando competir ao marido, como chefe da sociedade conjugal, “prover a ma-nutenção da família” (art. 233, IV), além de fazer a obrigação derivar do parentesco (arts. 396 ss). A legislação complementar posterior, por força das sensíveis transformações sociológicas da família, já analisadas nesta obra, introduziu várias nuanças na regulamentação do instituto. Anote-se também que há interesse público nos alimentos, pois se os parentes não atenderem às necessidades básicas do necessitado, haverá mais um problema social que afetará os cofres da Administração. Em linha fundamental, quem não pode prover a própria subsis-tência nem por isso deve ser relegado ao infortúnio. A pouca idade, a velhice, a doença, a falta de trabalho ou qualquer incapacidade pode colocar a pessoa em estado de necessidade alimentar. A socie-dade deve prestar-lhe auxílio. O Estado designa em primeiro lugar os parentes para fazê-lo, aliviando em parte seu encargo social. Os parentes podem exigir uns dos outros os alimentos e os cônjuges devem-se mútua assistência. A mulher e o esposo, não sendo parentes ou afins, devem-se alimentos com fundamento no vínculo conjugal. Também os companheiros em união estável estão na mesma situação atualmente. Daí decorre, igualmente, o interesse público em matéria de alimentos. Como vemos, a obrigação alimentar interessa ao Estado, à sociedade e à família.É importante ressaltar uma distinção que tem reflexos práticos: o ordenamento reconhece que o parentesco, o jus sanguinis, estabelece o dever alimentar, assim como aquele decorrente do âmbito conjugal definido pelo dever de assistência e socorro mútuo entre cônjuges e, modernamente, entre companheiros. Existe, pois, no ordenamento, uma distinção entre a obrigação alimentar entre parentes e aquela entre cônjuges ou companheiros. Ambas, porém, são derivadas da lei. É enorme a pletora de ações de alimentos em nossas cortes, de modo que as questões exigem muita dedicação e perspicácia dos magistrados e operadores jurídicos em geral, em nação de acentuada pobreza e com injusta distribuição de riquezas. O art. 1.695 estabelece os pressupostos da obrigação alimentar:“São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens sufi-cientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.” O dispositivo coroa o princípio básico da obrigação alimentar pelo qual o montante dos alimentos deve ser fixado de acordo com as necessidades do alimentando e as possibili-dades do alimentante O Projeto do Estatuto das Famílias (nº 2285/2007), elaborado por iniciativa do IBDFAM, apresenta uma diferente compreensão dos alimentos: “Podem os parentes, cônjuges, conviventes ou parceiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver com dignidade e de modo compatível com a sua condição social” (art. 115). Aqui o princípio da vida com dignidade tem proeminência, já trazendo esse projeto a possibilidade de alimentos entre parceiros homoafetivos. Não se pretende que o fornecedor de alimentos fique entregue à necessidade, nem que o necessitado se locuplete a sua custa. Cabe ao juiz ponderar os dois valores de ordem axiológica em destaque, bem como a vida com dignidade não somente de quem recebe os paga. Destarte, só pode reclamar alimentos quem comprovar que não pode sustentar-se com seu próprio esforço. Não podem os alimentos conver-ter- se em prêmio para os néscios e descomprometidos com a vida. Se, no entanto, o alimentando encontra-se em situação de penúria, ainda que por ele causada, poderá pedir alimentos. Do lado do alimentante, como vimos, importa que ele tenha meios de fornecê-los: não pode o Estado, ao vestir um santo, desnudar o outro. Não há que se exigir sacrifício do alimentante. Lembre-se de que em situações definidas como sendo de culpa do alimentando, os alimentos serão apenas os necessários, conforme o § 2º do art. 1.694, mas os demais princípios continuam aplicáveis. O art. 1.694 assegura, em terminologia inovadora, que os alimen-tos devem preservar a condição social de quem os pleiteia. Assim, o novel ordenamento civil é claro no sentido de que os alimentos devem preservar o status do necessitado. Se isto estava, de uma maneira ou de outra, presente nas petições dos alimentandos no passado, com respaldo por vezes nas decisões, tal não constava de texto legal expres-so. Essa expressão é de total impropriedade, pois pode dar margem a abusos patentes. Daí por que o texto legal vigente “compatível com sua condição social” deve ser substituído pela ênfase à dignidade do necessitado de alimentos, como já faz o citado projeto mencionado. Também se mostra inadequada a generalização de alimentos que in-cluam necessidades de educação para todos os parentes e o cônjuge ou companheiro. As necessidades de educação devem ser destinadas exclusivamente aos filhos menores e jovens até completar o curso superior, se for o caso. Por outro lado, as condições de fortuna de alimentando e ali-mentante são mutáveis, razão pela qual também é modificável, a qualquer momento, não somente o montante dos alimentos fixados, como também a obrigação alimentar pode ser extinta, quando se altera a situação econômica das partes. O alimentando pode passar a ter meios próprios de prover a subsistência e o alimentante pode igualmente diminuir de fortuna e ficar impossibilitado de prestá-los. Daí por que sempre é admissível a ação revisional ou de exoneração de alimentos (art. 1.699). Os alimentos aqui enfocados são aqueles derivados de direito de família, do casamento e do companheirismo, portanto obrigação legal. No entanto, os alimentos, com a mesma compreensão básica, podem decorrer da vontade, serem instituídos em contrato gratuito ou oneroso e por testamento, bem como derivar de sentença condenatória decorrente de responsabilidade civil aquiliana. Nada impede, embora raro seja, dentro da autonomia da vontade, que os interessados con-tratem pensão alimentícia, nem que por testamento ou doação seja ela atribuída. A obrigação alimentar conseqüente da prática de ato ilícito constitui uma forma de reparação do dano. Nesse sentido, o art. 948, II, estipula como uma das modalidades de indenização para o caso de homicídio, a “prestação de alimentos a quem o defunto os devia”. O art. 950 determina a fixação de uma pensão proporcional no caso de ofensas físicas, quando a vítima tem sua capacidade funcional debi-litada ou diminuída. O regime jurídico desses alimentos de natureza diversa, embora tenham particularidades próprias, obedece a um sistema ao menos análogo. Nada obsta que, perante a omissão da lei ou dos declarantes de vontade, os princípios alimentares do direito
  • 7. Estado de Direito, agosto e setembro de 2008 7 de família sejam utilizados na interpretação. Quanto à finalidade, denominam-se alimentos provisionais ou provisórios aqueles que precedem ou são concomitantes a uma demanda de separação judi-cial, divórcio, nulidade ou anulação de casamento, ou mesmo ação de alimentos. Sua finalidade é propiciar meios para que a ação seja proposta e prover a mantença do alimentando e seus dependentes du-rante o curso do processo. São regulares ou definitivos os alimentos estabelecidos como pensão periódica, ainda que sempre sujeitos à revisão judicial. A referência aos alimentos provisionais no presente Código Civil é feita no art. 1.706, que determi-na que se obedeça à lei processual. Os alimentos provisionais são estabelecidos quando se cuida da separação de corpos, prévia à ação de nulidade ou anulação de casamento, de separação ou divórcio. Nesse caso, os provisionais devem perdu-rar até a partilha dos bens do casal. Mas os alimentos provisórios podem ser requeridos sempre que movida a ação de alimentos, com fixação initio litis (art. 4º da Lei nº 5.478/68), desde que já haja prova pré-constituída do dever de prestá-los. Provisórios ou provisionais, pouco importando sua denominação, sua compreensão e finalidades são idênticas. Quanto ao tempo em que são concedidos, os ali-mentos podem ser futuros ou pretéritos. Futuros são aqueles a serem pagos após a propositura da ação; pre-téritos, os que antecedem a ação. Em nosso sistema, não são possíveis alimentos anteriores à citação, por força da Lei nº 5.478/68 (art. 13, § 2º). Se o necessitado bem ou mal sobreviveu até o ajuizamento da ação, o direito não lhe acoberta o passado. Alimentos decorrentes da lei são devidos, portanto, ad futurum, e não ad praeteritum. O contrato, a doação e o testamento podem fixá-los para o passado, contudo, porque nessas hipóteses não há restrições de ordem pública. O art. 1.701 também faculta ao devedor prestar alimentos sob a forma de pensão periódica ou sob a forma de concessão de hospedagem e sustento ao alimentando. Essa modalidade somente se aplica aos alimentos derivados do parentesco e não se aplicará, em princípio, aos alimentos decorrentes do casamento ou da união estável. O Projeto nº 6.960 tentou fazer esse acréscimo para deixar esse aspecto expresso. O art. 25 da Lei nº 5.478/68 eliminara em parte essa faculdade do devedor, estabelecendo que a prestação não pecu-niária só pode ser autorizada pelo juiz se com ela anuir o alimentando capaz. De qualquer modo, compete ao juiz estabelecer as condições dessa pensão, conforme as circunstâncias. Na maioria das vezes, a obrigação alimentar gira em torno de uma quantia em dinheiro a ser fornecida periodicamente ao necessitado. O fornecimento direto de alimentos no próprio lar do alimentante caracteriza a denominada obrigação alimentar própria, pouco utilizada na prática, em razão das inconveniências que apresenta. Sem dúvida, duas pessoas que se digladiam em processo judicial não serão as melhores companhias para conviver sob o mesmo teto. Desse modo, embora a lei faculte ao alimentante escolher a modalidade de prestação, o juiz poderá impor a forma que melhor atender ao caso concreto, de acordo com as circuns-tâncias, conforme estampado no parágrafo único do mencionado art. 1.701. É inócuo para o demandado alegar, em sua defesa, no pedido de alimentos, que já vem fornecendo sustento e morada ao reclamante: essa matéria deverá ser sopesada na ação, sempre podendo o necessitado pleitear judicialmente a regulamentação da prestação alimentícia. Não se esqueça também da distinção feita de plano no início deste capítulo quanto aos alimentos naturais ou necessários e os alimentos civis ou côngruos. O tema é por demais amplo, com inúmeros detalhes, os quais pretendemos enfocar em próximos escritos. Alimentos gravídicos? Maria Berenice Dias* A expressão é feia, mas o seu significado é dos mais salutares. Aguarda a sanção presidencial o Projeto de Lei 7.376/2006 que concede à gestante o direito de buscar ali-mentos durante a gravidez, daí “alimentos gravídicos.” Ainda que inquestionável a responsabilidade parental desde a concepção, o silêncio do legislador sempre gerou dificuldade para a concessão de alimentos ao nascituro. Raras vezes a Justiça teve a oportunidade de reconhecer a obrigação alimentar antes do nascimento, pois o art. 2º da Lei de Alimentos exige prova do parentesco ou da obrigação. O máximo a que se chegou foi, nas ações investigatórias de paternidade, deferir alimentos provisórios quando há indícios do vínculo parental. Também após o resultado positivo do teste de DNA ou quando se nega o réu a submeter-se à perícia serve de fundamento para a antecipação da tutela alimentar. Assim, em muito boa hora é preenchida injustificável lacuna. Porém, muitos são os equívocos da lei, a ponto de questionar-se a validade de sua aprovação. Apesar de apa-rentemente consagrar o princípio da proteção integral, visando assegurar o direito à vida do nascituro e de sua genitora, nítida a postura protetiva em favor do réu. Gera algo nunca visto: a responsabilização da autora por danos materiais e morais a ser apurada nos mesmos autos, caso o exame da paternidade seja negativo. Assim, ainda que não tenha sido imposta a obrigação alimentar, o réu pode ser indenizado, pelo só fato de ter sido acionado em juízo. Esta possibilidade cria perigoso antecedente. Abre espaço a que, toda ação desacolhida, rejeitada ou extinta confira direito indenizatório ao réu. Ou seja, a improcedência de qualquer demanda autoriza pretensão por danos materiais e morais. Trata-se de flagrante afronta o princípio constitucional de acesso à justiça (CF, art. 5º, inc. XXXV), dogma norteador do estado democrático de direito. Ainda que salutar seja a concessão do direito, de forma para lá de desarrazoada é criado um novo procedimento. Talvez a intenção tenha sido dar mais celeridade ao pedido, mas imprime um rito bem mais emperrado do que o da Lei de Alimentos. O primeiro pecado é fixar a competência no domicílio do réu (CPC, art. 94), quando de forma expressa o estatuto processual concede foro privilegiado ao credor de alimentos (CPC, art. 100, inc. II). De qualquer modo, a referência há que ser interpretada da forma que melhor atenda ao interesse da gestante, a quem não se pode exigir que promova a ação no local da residência do devedor de alimentos. A outra incongruência é impor a realização de audiência de justificação, mesmo que sejam trazidas provas de o réu ser o pai do filho que a autora espera. Da forma como está posto, é necessária a ouvida da genitora, sendo facultativo somente o depoimento do réu, além de haver a possibilidade de serem ouvidas testemunhas e requisitados documentos. Porém, congestionadas como são as pautas dos juízes, mesmo sem a audiência, convencido da existência de indícios da paternidade, indispensável reconhecer a possibilidade de ser dispensada a solenidade para a fixação dos alimentos. Mas há mais. É concedido ao réu o prazo de resposta de 5 dias. Caso ele se oponha à paternidade a concessão dos alimentos vai depender de exame pericial. Este, às claras é o pior pecado da lei. Não há como impor a realização de exame por meio da coleta de líquido amniótico, o que pode colocar em risco a vida da criança. Isso tudo sem contar com o custo do exame, que pelo jeito terá que ser suportado pela gestante. Não há justificativa para atribuir ao Estado este ônus. E, se depender do Sistema Único de Saúde, certamente o filho nascerá antes do resultado do exame. Os equívocos vão além. Mesmo explicitado que os alimentos compreendem as despesas desde a concepção até o parto, de modo contraditório é estabelecido como termo inicial dos alimentos a data da citação. Ninguém duvida que isso vai gerar toda a sorte de manobras do réu para esquivar-se do oficial de justiça. Ao depois, o dispositivo afronta jurisprudência já consolidada dos tribunais e se choca com a Lei de Alimentos, que de modo expresso diz em seu art. 4º: ao despachar a inicial o juiz fixa, desde logo, alimentos provisórios. Preocupa-se a lei em explicitar que os alimentos compreendem as despesas adicionais durante o perío-do de gravidez, da concepção ao par-to, identificando vários itens: alimen-tação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico. Mas o rol não é exaustivo, pois o juiz pode considerar outras despesas pertinentes. Quando do nascimento, os alimentos mudam de na-tureza, se convertem em favor do filho, apesar do encargo decorrente do poder familiar ter parâmetro diverso, pois deve garantir ao credor o direito de desfrutar da mesma condição social do devedor (CC, art. 1.694). De qualquer forma, nada impede que o juiz estabeleça um valor para a gestante, até o nascimento e atendendo ao critério da proporcionalidade, fixe alimentos para o filho, a partir do seu nascimento. Caso o genitor não proceda ao registro do filho, e inde-pendente de ser buscado o reconhecimento da paternidade, a lei deveria determinar a expedição do mandado de registro. Com isso seria dispensável a propositura da ação investiga-tória da paternidade ou a instauração do procedimento de averiguação, para o estabelecimento do vínculo parental (Lei 8.560/92). Apesar das imprecisões, dúvidas e equívocos, os alimen-tos gravídicos vêm referendar a moderna concepção das rela-ções parentais que, cada vez com um colorido mais intenso, busca resgatar a responsabilidade paterna. Mas este fato, por si só, não absolve todos os pecados do legislador. * Vice Presidente Nacional do IBDFAM, Desembargadora Apoenstada do TJRS, Mestre em Direito “Cabe ao juiz ponderar os dois valores de ordem axiológica em destaque, bem como a vida com dignidade não somente de quem recebe os paga ” “Não há como impor a realização de exame por meio da coleta de líquido amniótico, o que pode colocar em risco a vida da criança. Isso tudo sem contar com o custo do exame, que pelo jeito terá que ser suportado pela gestante.”
  • 8. Estado 8 de Direito, agosto e setembro de 2008 Um sintético balanço dos 20 anos da Constituição de 1988 A bela moça que completa vinte anos em outubro de 2008 foi gestada e gerada por uma Assembléia Nacional Constituinte instalada em 1º de fevereiro de 1987, sob a presidência do Ministro Moreira Alves, então presidente do STF e já no dia seguinte, foi escolhido presidente o Deputado Federal Ulysses Guimarães. Os trabalhos de discussão foram realizados por 24 (vinte e quatro) subcomissões que tiveram as suas conclusões aperfeiçoadas por 8 (oito) comissões temáticas e que por sua vez encaminharam o ante-projeto à Comissão de Sistematização presidida pelo relator Deputado Federal Bernardo Cabral. É interessante destacar que no seio da Constituin-te foram travados debates acalorados, com diversos grupos de pressão buscando influenciar o texto final da nova Carta, verdadeiros “fatores reais de poder”, na ótica de Lassalle. Cada um deles com os seus graus e níveis de influência, em sua grande maioria, utilizan-do- se de mecanismos legítimos de pressão. Entre tese, antítese e síntese geradora da nossa Constituição Federal de 1988 ocorreram cerca de (21.000) vinte e uma mil emendas de Plenário, além das emendas populares que remontaram a cento e vinte. Após um trabalho final concentrado nasceu a nossa Carta democrática com 245 (duzentos e qua-renta e cinco) artigos no corpo principal, seguidos de outros 70 (setenta) artigos contidos nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias. Desde a sua promulgação em 05 de outubro de 1988, com a finalidade de propiciar o seguimento do avanço democrático, embora nem sempre sendo esta a tônica das “mudanças”, foram realizadas 6 (seis) Emendas de Revisão e outras 56 (cinqüenta e seis) Emendas Constitucionais. Para regulamentar os dispositivos da Carta de 88 foram promulgadas 67 (sessenta e sete) leis comple-mentares e 38 (trinta e oito) leis ordinárias. Trata-se sem sombra de dúvida, de uma Carta analítica, detalhista e minuciosa, todavia, diante da força dos legítimos grupos de pressão aliada à dimen-são da expectativa de uma sociedade que buscava uma reconstrução depois das sombras em que viveu, nos parece ter sido ela a melhor síntese que se poderia alcançar, diante do seu claro conteúdo afirmativo. Respeitou-se, na medida do possível, toda a carga valorativa dos pleitos contidos e latentes, e, em grande parte, finalmente externalizados sob um cenário democrático que se descortinava. O que de novo trouxe a Constituição-cidadã? Em primeiro lugar e na mesma ordem de importância restabeleceu a democracia no Brasil, instaurando o Estado Democrático de Direito (v. Preâmbulo e art. 1º, além da força irradiadora de diversos dispositivos contidos no seu ventre), após mais de duas décadas de um regime militar vigente sob o Estado de exceção dos Atos Institucionais, Adicionais e Complementares que se sobrepunham à própria Constituição formal de então (1967 e EC 1/1969). Ao lado da importância conferida aos Municípios na nova Federação que se instaurou, agora com novas bases e diretrizes ditadas para a União, para os Esta-dos e para os Municípios, merece destaque como um dos seus “Princípios Fundamentais”, o princípio-regra da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III). Seguindo a linha da democracia nascente, de implemento da soberania popular, percebe-se a sua carga intencionalmente mitigada entre as modalida-des representativa e participativa (esta ainda pouco explorada em favor da coletividade), o que se lê nos ditames do art. 1º, Parágrafo único, combinado com o art. 14), sem perder-se de vista, a consagração do pluralismo político (art. 1º, V). A garantia do equilíbrio e da harmonia entre os poderes ou funções do Estado, com a sua carga histórica contra o absolutismo é um elemento claro de fortalecimento de um real Estado Democrático de Direito (art. 2º). Quando se elegeu como objetivos fundamentais da República Brasileira, a construção de uma socie-dade, livre, justa e solidária (art. 3º, I), a erradicação da pobreza e da marginalização, além da redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III), o constituinte originário firmou um compromisso com a sociedade brasileira e outorgou este compromisso a cada um dos legisladores e gestores públicos do país, em cada uma das suas esferas de governo, de-monstrando se tratar agora o país, de uma República Federativa, Democrática e fundada em ditames de um Estado Social, ainda que a livre iniciativa assegurada seja um componente, não excludente, que acrescenta também o cunho Liberal ao novo Estado. Quando a Carta de 88 prosseguiu elencando dentre os objetivos da nova ordem constitucional, o da promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV) deixou claro que o nosso país, se não respeitava, necessariamen-te deverá respeitar a sua pluralidade, com o seu componente muticultural e multiétnico, ainda que para isso seja necessária a mão forte e punitiva do Estado (Leis 7.716/89; 8.081/90; 9.459/97; Dec. 5.397/2005, dentre outras) que punem as discrimi-nações delituosas. Logo após consagrar a prevalência dos direitos humanos nas suas relações internacionais (art. 4º, II), a Constituição de 1988 brindou a sociedade brasileira com o seu art. 5º e seus atuais 78 (setenta e oito) inci-sos e 4(quatro) parágrafos, verdadeira Declaração de Direitos Fundamentais, não por menos, denominado no Título dos “Direitos e Garantias Fundamentais”, como o Capítulo “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”. Nas Constituições editadas sob o regime militar (art. 150, da Constituição de 1967 e art. 153, da Emenda n. 1 de 1969) havia a previsão formal de proteção do direito à vida, a igualdade, a liberdade, a segurança, o princípio da legalidade, a liberdade de pensamento e de crença religiosa, a inviolabilidade da correspondência, a proteção da propriedade, a liberdade de reunião e de associação, “protegia-se” a casa como asilo inviolável, o sigilo das comunicações telegráficas e telefônicas, previa a ampla defesa, o mandado de segurança, o habeas corpus, a ação popular, o direito de petição, a assistência judiciária gratuita, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, a liberdade de ofício ou profissão e a garantia de acesso ao Judiciário. A propósito, o formalismo constitucional pós-64 entendia também que o Estado brasileiro se encon-trava sob um “regime democrático”, tanto assim que estabelecia que: “o abuso de direito individual ou político, com o propósito de subversão do regime democrático ou de corrupção, importará a suspensão daqueles direitos de dois a dez anos...” (art. 154, Carta de 1969, destaque nosso). Essa breve digressão serve tão-somente para demonstrar que a Constituição meramente formal, sem legitimidade e carga potencial de aplicabilidade concreta, ainda que a sua efetividade apenas venha a se materializar ao longo do tempo, não passa de simples “folha de papel”, em expressão tomada de empréstimo de Lassalle. Sob um real manto democrático, a Constituição de 1988 trouxe petrificados e auto-aplicáveis os direitos e garantias previstos no seu art. 5º, com efetivação possível, caso não obedecidos pelos agentes públicos, fazendo-se uso dos mecanismos processuais assegura-dores previstos no mesmo dispositivo constitucional (Habeas corpus, mandado de segurança individual e coletivo – este último, novidade no histórico consti-tucional brasileiro, juntamente com o habeas data e o mandado de injunção). A “função social” da propriedade (art. 5º, XXIII, art. 170, III e art. 186), embora prevista na Emenda n. 1/69 (art. 160, III), constitui-se em novidade cons-titucional no que diz respeito à sua efetiva aplicação no processo de desconcentração improdutiva do uso da terra, de incentivo à reforma agrária e na própria política de ordenamento do solo e da política urbana (arts. 182 a 185). Os direitos sociais previstos no art. 6º, que con-sagrou os direitos à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados, é dispositivo com carga de irradiação sobre os artigos que compõem o Título da “Ordem Social” (arts. 193 a 217) e significam cobrança dos governantes por efetivação das respectivas políticas públicas. As conquistas dos trabalhadores e das associações sindicais encontram-se consagradas nos arts. 7º e 8º, afigurando-se como mecanismos pioneiros em nossa ordem constitucional, o seguro-desemprego, a licen-ça- paternidade, a garantia contra a despedida injusta, garantia de salário nunca inferior ao mínimo, 13º salá-rio, proteção do trabalho do portador de deficiência, proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre para menores de dezoito anos e que qualquer espécie de trabalho para os menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, somente é possível a partir dos quatorze anos, além da previsão dos direitos dos trabalhadores domésticos, a estabilidade do dirigente sindical, dentre alguns outros. Como já dissemos a Carta de 88 seguiu no desejo de uma democracia também de cunho participa-tivo, quando consagrou que a soberania popular será exercida não apenas com o sufrágio universal, consubstanciado no voto direto e secreto, com igual-dade de valor entre os eleitores, mas também com o exercício do plebiscito, do referendo e da iniciativa popular (art. 14). Garantiu à administração pública os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publi-cidade e agora o da eficiência (EC 19/98), além da regra da acessibilidade ao serviço público, por via de concurso público. O Poder Judiciário e os magistrados foram destinatários de garantias efetivas para o exercício das suas funções judicantes, de modo independente e o Ministério Público separou-se da Advocacia de Estado conquistando relevo sem par no funcio-namento das instituições democráticas, sendo-lhe atribuído tamanho grau de autonomia que muito o aproximou de um “quarto Poder”. O surgimento da Defensoria Pública foi uma importante conquista, embora ainda pendente de um nível adequado de efetivação que atenda aos anseios da população que não pode custear um advogado quando necessário, Bruno Espiñeira Lemos* “Como já dissemos a Carta de 88 seguiu no desejo de uma democracia também de cunho participativo, quando consagrou que a soberania popular será exercida não apenas com o sufrágio universal, consubstanciado no voto direto e secreto, com igualdade de valor entre os eleitores, mas também com o exercício do plebiscito, do referendo e da iniciativa popular (art. 14).”
  • 9. Estado de Direito, agosto e setembro de 2008 9 sem prejuízo do seu sustento e dos seus familiares, possibilitando um real acesso ao Judiciário. A Polícia Federal, embora já existisse no cenário pretérito, somente com a Constituição de 1988 alcançou posto e status constitucional de “órgão permanente”. Ou seja, poderá até ser modificada a sua estrutura e funcionamento, nos limites da norma constitucional, mas jamais extinta. O Meio Ambiente também foi aquinhoado com densa previsão que possibilitou o início de sua proteção (art. 225, com seus sete incisos e seis parágrafos). O respaldo constitucional à Cultura e à Ciência e Tecnologia são elementos cruciais para que o povo brasileiro alcance o seu merecido espaço em suas relações internas, fortalecidas e consolidadas com o respeito à sua identidade cultural que é plu-ral, somando-se em matéria de ciência e tecnologia a investimentos que se revertam em benefício da coletividade. Especial cuidado foi dedicado à família, aos idosos, às crianças e aos adolescentes e também às pessoas portadoras de deficiências (art. 226 a 230). Os povos indígenas tiveram a sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições reco-nhecidas em conjunto com os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupavam, cujas demarcações são de atribuição da União (art. 231). A Carta de 88 e o cenário jurídico nacional não vivem apenas da legislação que complementa a Constituição. O texto constitucional com a sua natureza irradiadora sobre todo o edifício jurídico brasileiro inspirou dezenas de leis específicas, edita-das não necessariamente como normas diretamente regulamentadoras da Constituição em si, e, sim, na condição de irradiadas pelos marcos referenciais constitucionais, surgindo dentre diversas normas, como dignas de nota: - Em matéria de proteção ao consumidor (art. 5º, XXXII e art. 170, V) a Lei n. 8.078/1990, co-nhecida como Código de Defesa do Consumidor, que revolucionou as relações de consumo no Brasil, citando-se apenas um dentre diversos outros pontos dignos de destaque no referido diploma, que é a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica da empresa que, em detrimento do consu-midor, “abuse de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.” - A Lei n. 8.080/90 que instituiu o sistema único de saúde, o SUS, somando-se a ela, dezenas de outras normas que permitem a gradual implantação das políticas públicas de saúde e que tratam desde os procedimentos para transplantes, fornecimento de medicamentos de alto custo, distribuição de medicamentos aos portadores e doentes de AIDS, até sobre cirurgia plástica reparadora de mama pelo SUS. - Em matéria de proteção à criança e ao ado-lescente, de valia imensurável, tem-se a Lei n. 8.069/90, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente. - A Lei n. 7.853/89 que trata do apoio às pessoas portadoras de deficiência. - A Lei n. 8.313/91, que dispõe sobre o progra-ma nacional de apoio à cultura. - A Lei n. 8.642/93, que trata do programa nacional de atenção integral à criança e ao ado-lescente. - A Lei n. 9.029/95, que proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização para efeitos admissionais. - A Lei n. 9.099/95, que criou os Juizados Especiais. - A Lei n. 9.394/96, que trouxe as diretrizes e bases da educação nacional - A Lei n. 9.455/97, que define os crimes de tortura. - A Lei n. 9.503/97, que é o novo Código Bra-sileiro de Trânsito. - A Lei n. 9.605/98, que prevê sanções penais para atividades lesivas ao meio ambiente. - A Lei n. 9.613/98, que regulamenta o com-bate à lavagem de dinheiro e a ocultação de bens, direitos e valores. - A Lei n. 9.777/98, que baliza o combate ao trabalho escravo. - A Lei n.10.406/2002, que é o novo Código Civil. - A Lei n. 10.741/2003, que trata do estatuto dos idosos. - A Lei n. 11.340/2006, que regulamenta o combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. O que se pode constatar diante deste breve balanço é que a nova-cidadã de apenas vinte anos incompletos tem toda a sua vida pela frente na busca da plenitude da sua realização, o que não ocorrerá sem a luta diária da sociedade civil organizada reivindicando as políticas públicas respectivas e a atuação harmônica entre as funções do Estado. A realidade social de um país se modifica cons-tantemente e diversas conjunturas podem residir em um mesmo momento histórico. A realidade cambiante, entretanto, jamais poderá fazer tábula rasa de uma Constituição legítima que foi elaborada sem prazo de validade ou duração. Nossa Carta de 88 sofreu diversas mudan-ças desde a sua promulgação, muitas delas nem sempre necessárias, outras sim, foram realizadas para adaptá-la ao processo natural de evolução da sociedade. Vida longa à Constituição de 1988, de todas as nossas Cartas políticas (com ressalva apenas parcial, por justiça, à breve de 1934 e a de 1946) a mais importante, a real, a conciliadora e ao mesmo tempo bastonária da ruptura, responsável por um cenário democrático jamais vivido com tamanha plenitude no Brasil, trazendo adrede o dever de luta pacífica e perene da sociedade na busca por um cenário em que se reduzam a um mínimo tolerável as desigualdades não saudáveis entre cada um dos brasileiros, quando então, o festejado e homenage-ado com justiça, Diploma essencial, terá cumprido importante parte dos seus “objetivos”. Necessidade de se exercer uma resistência em relação a soluções simplistas e generalizadas, e que a busca da melhor resposta implica avaliação cri-teriosa não apenas de algumas questões de ordem normativa e formal. * Advogado. Procurador do Estado da Bahia. Mestre em Direito pela UFBa. Professor de Direito Constitucional. Ex-Procurador Federal.
  • 10. Estado 10 de Direito, agosto e setembro de 2008 A terra é um imenso condomínio Paulo Magalhaes* Tendo em conta que a Biosfera possui bens que pelas suas características são factual e juridicamen-te indivisíveis, e que ninguém se pode excluir do seu consumo, a humanidade já vive num sistema de condomínio. Isto é, existe uma parte que é susceptível de divisão jurídica, a crosta terrestre, onde os diversos Estados exercem já soberania, e outras que circulam por todo o planeta e que por isso, são juridicamente indivisas, requerendo uma administração comum: a Atmosfera e a Hidrosfera. Para todos os efeitos, e porque o uso em excesso destes bens provoca sempre um prejuízo a todos os outros e a si próprio, da mesma forma que quem cuida destes bens, afecta de forma positiva todos os outros, os territórios políticos dos Estados vivem na condição de partilharem o dominium comum sobre estes bens indivisíveis. Portanto, o Condomínio da Terra já existe, os condóminos somos todos, só que este condomínio está desor-ganizado e sem administrador. Uma das regras para o funcionamento de um sistema de condomínio é que ele só funciona com todos os vizinhos, o que pressupõe um PRINCÍPIO DE NÃO EXCLUSÃO. Neste sentido, os Condóminos da Terra serão todas as pessoas individuais ou colectivas, de direito privado ou público que, por livre e espon-tânea iniciativa, reconheçam a condição comum de condóminos de um imenso Condomínio, o Planeta Terra. Esta vivência em sistema de condomínio não corresponde a nenhuma ideologia política de carácter individualista ou comunitarista, mas sim a uma realidade que nos é pré-existente. É necessário tirar consequências da proclamação que vivemos na era da globalização. Uma soberania complexa O projecto “Condomínio da Terra” tem como objectivo conciliar a necessidade comum a todos os povos, da posse de um território definido e delimitado, com a unidade interdependente da Biosfera. Esta harmonização é realizada através de uma proposta de coexistência de soberanias autónomas num espaço colectivo, ou seja, um poder político, supremo e independente, relativo à fracção territorial de cada Estado, e partilhado, no que concerne às partes insusceptíveis de divisão jurídica, (atmosfera e hidrosfera) das quais todos os povos são funcionalmente dependentes. Esta será pois a Soberania Complexa. Para entender o conceito agora proposto, é fundamental distinguir a soberania ou propriedade que é exercida sobre os ecossistemas, do serviço que estes prestam. Estes serviços não se confinam a nenhuma forma de titularidade ou soberania, são inevitavelmente globais e, portanto, de interesse comum. A título de exemplo, uma floresta afecta positivamente toda a Biosfera, absorvendo CO2, regulando o clima, o ciclo hidrológico e bioquí-mico e servindo de suporte à biodiversidade. Faz a manutenção dos ciclos vitais que sustentam a vida de todo o planeta. Estes serviços são “usa-dos” por todos, em qualquer ponto do planeta. A economia de simbiose propõe uma integração daquilo a que se poderia chamar de “economia da manutenção dos sistemas vitais” com a economia de produção. A “Economia de Simbiose” constitui uma pro-posta de valoração económica dos vários serviços ecológicos, que a própria economia ambiental já preconiza, enquadrando-a na impossibilidade ju-rídica de os dividir segundo a lógica das fronteiras políticas. Assume que todos usamos bens am-bientais, que alguns usam-nos para lá dos limites equitativos e, que outros possuem dentro do seu território ecossistemas que afectam positivamente os bens que todos usam e de que dependem. Logo, um país que é soberano sobre uma fracção do planeta onde está localizado um ecossistema que reconhecidamente presta serviços de dimensão global, deveria ser compensado pelos serviços de interesse comum que está a prestar. Isto só será possível com a clarificação da titularidade comum dos bens ambientais indivi-sos, articulando este pressuposto jurídico com o sistema económico, que já reconhece a existência de uma falha de mercado, devido à inexistência de uma “instituição de troca onde o sujeito que afecta positivamente outro(s) receba uma compensação por isso ou o sujeito que afecta negativamente outro(s) suporte o respectivo custo. Essa instituição de troca, este administrador de um condomínio global deveria ser um orga-nismo já existente, exercendo novas funções, por exemplo a ONU. *Licenciado pela Universidade Católica do Porto, Pós-graduado pela Universidade de Coimbra, e Aluno de Doutramento da Universidade de Salamanca. Autor do livro “O Condomínio da Terra” publicado pela Editora Almedina. Legalidade ou ilegalidade dos loteamentos ou Bruno Mattos e Silva* condomínios fechados Também chamado de “condomínio atípico” ou “loteamento fechado”, há controvérsias a respeito da legalidade dos chamados “condomínios fechados”. A questão diz respeito à possibilidade de se edificar cercas ou muros ao redor do loteamento e implantar controle de acesso, mediante instalação de guarita na entrada do loteamento ou “condomínio”, com pessoal contratado para impedir a entrada de pessoas que não sejam moradoras ou convidadas, inviabilizando a utilização dos espaços não privativos do loteamento ou condomínio por outras pessoas. Normalmente, o “condomínio fechado” é geren-ciado por uma associação de moradores, que presta serviços diversos, com vigilância e limpeza, executa obras manutenção ou de melhorias etc. Essa associa-ção poderá se constituir formalmente, com registro em cartório, hipótese em que haverá a criação de uma pessoa jurídica. Mesmo nessa hipótese, porém, não se confunde a associação de moradores do “condomínio fechado” com o condomínio edilício, previsto nos arts. 1.331 a 1.358 do novo Código Civil. Tecnica-mente, o “condomínio fechado” é um loteamento e não um condomínio, exceto na hipótese do art. 8º da Lei nº 4.591/64, que veremos adiante. De acordo com o art. 22 da Lei nº 6.766/79, a partir do registro do loteamento no cartório de registro de imóveis, passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços, livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo. Por isso há quem afirme que os chamados “condomínios fechados” não são legais, pois as vias de acesso e demais áreas não privativas deveriam ser abertas a todas as pessoas, moradoras ou não do condomínio, por serem propriedade pública de uso comum do povo. Há, basicamente, quatro posições a respeito do tema, três a favor da legalidade dos “condomínios fechados” e uma contra. Vejamos, inicialmente, a primeira posição, que sustenta a legalidade dos “con-domínios fechados” que, sem prejuízo da aplicação da Lei nº 6.766/99, forem aprovados pela legislação municipal, que pode disciplinar genericamente os “condomínios fechados” ou autorizar a utilização privativa das vias internas e demais bens públicos aos moradores do condomínio: “O fato de determinados bens passarem a integrar o domínio do Poder Público não significa que não possam ter sua destinação primitiva alterada, sob pena de manietar a Administração das comunas, conforme as competências constitucionais que lhe são próprias. Não se esqueça que compete aos Municípios (art. 30, CF) legislar sobre assuntos de interesse local (inciso I) e promover, no que couber, adequado ordenamento territorial mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (inciso VIII).” A segunda posição é no sentido de que o “condo-mínio fechado” prescinde de lei municipal, bastando ato administrativo de concessão ou permissão para que as vias internas do condomínio passem a ser de utilização privada. Essas posições sustentam também que o morador tem direito à segurança (arts. 5º e 6º da Constituição Federal), assim como o Poder Público Municipal tem competência constitucional para disciplinar a utilização do solo urbano (art. 30, VIII) e dos bens públicos municipais (art. 18). Também favorável à legalidade dos “condomínios fechados”, existe a posição que defende a possibi-lidade de aplicação do art. 8º da Lei nº 4.591, de 16-12-64, em vez da Lei nº 6.766/79, como meio de constituição de condomínios de casas, qualquer que seja o tamanho desse condomínio. Contra essas três posições, há quem sustente a ilegalidade dos “condomínios fechados”, ainda que existente legislação municipal a respeito: “A ilegalidade da propriedade da terra urbana não diz respeito só aos pobres. Os loteamentos fechados que se multiplicam nos arredores das grandes cidades são ilegais, já que o parcelamento da terra nua é regi-do pela Lei Federal nº 6.766, de 1979, e não pela que rege os condomínios, a Lei nº 4.591, de 1964. (...) Moram em loteamentos fechados juízes, promotores do Ministério Público, autoridades de todos os níveis de governo. Eles usufruem privadamente de áreas verdes públicas e também vias de trânsito que são fechadas intramuros. Para viabilizar a privatização do patrimônio público, na forma de um produto irresis-tível ao mercado de alta renda, há casos de prefeituras e câmaras municipais que não titubearam em se mancomunar para aprovar lei locais que contrariam a lei federal. Ou seja, aprova-se uma legislação ilegal, bem de acordo com a tradição nacional de aplicação da lei de acordo com as circunstâncias e o interesse dos donos do poder.” Sem entrar no mérito dessa discussão, a pessoa que pretender adquirir um lote ou uma casa em um “condomínio fechado” deve verificar se há lei muni-cipal ou ato administrativo regulando ou concedendo a propriedade ou qualquer direito ao uso privativo das vias internas do condomínio (primeira e segunda posições) ou se está diante de um condomínio de casas, regido pela Lei nº 4.591/64, como ocorre com qualquer edifício de apartamentos (terceira posição). É interessante observar se existe alguma ação judicial contra o “condomínio fechado” ou contra a associação de moradores que o administra, com base na alegação de violação do art. 22 da Lei nº 6.766/79 (quarta posição). Às vezes os loteadores, por ocasião do início do empreendimento, dizem que o condomínio será “fechado”, mas não têm qualquer amparo legal para tanto e o comprador, ao final, descobre que adquiriu um lote comum. Pode-se sustentar que há uma maior segurança jurídica quando a formatação utilizada para o “condo-mínio fechado” é a da Lei nº 4.591/64. Mas mesmo nessa hipótese há possibilidade de ser entendido que o “condomínio de casas” (art. 8º da Lei nº 4.591/64) é um loteamento disfarçado (Lei nº 6.766/79). A questão é polêmica. O mais seguro, por óbvio, é o condomínio de casas de pequenas proporções, de acordo com interpretação restritiva do art. 8º da Lei nº 4.591/64. Essa matéria será modificada, caso seja aprovado o Projeto de Lei nº 3.057, de 2000, na forma do subs-titutivo da Comissão Especial (publicado no Diário da Câmara dos Deputados de 20/02/2008), ora em tramitação na Câmara dos Deputados. Essa proposta legislativa expressamente prevê a possibilidade, em certos casos, da criação de “condomínios fechados”, nominados de condomínios urbanísticos, e também regula a possibilidade de instalação de controle de acesso em loteamentos para fins urbanos. A questão da legalidade ou ilegalidade do “con-domínio fechado” não se confunde com a questão do chamado “condomínio irregular”, que não tem sequer registro válido do parcelamento no cartório imobiliário, embora possa existir um “condomínio irregular fechado”, ou seja, um loteamento irregular cercado ou murado e com controle de acesso. * Advogado, consultor parlamentar e autor do livro “Compra de imóveis” (Ed. Atlas).
  • 11. Estado de Direito, agosto e setembro de 2008 11 Promoção Especial Contém Reforma do CPP 2008 E muito mais Brinde exclusivo: Lápis Destaca-texto. Retire na livraria no ato da compra Coord.: Luiz Rodrigues Wambier SEM TROCA www.rt.com.br Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery 1598 páginas 990 páginas 334 páginas 510 páginas 718 páginas 1264 páginas 1182 páginas 1.072 páginas 1.072 páginas 1182 páginas Guilherme de Souza Nucci e Naila Cristina Ferreira Nucci Luiz Regis Prado V. 3 - 812 páginas V. 2 - 800 páginas V. 1 - 812 páginas Guilherme de Souza Nucci Novo Vade Mecum RT 3.ª edição – Julho/2008 Você não precisa trocar nada e ainda leva O MELHOR. COMPARE: De R$ 84,90 Por R$ 54,00 Conheça também os Códigos e MiniCódigos RT A lista completa das livrarias parceiras, você encontra em www.rt.com.br Promoção válida até 30.11.08 ou enquanto durarem os estoques. Vade Mecum RT, 3.ª edição – jul/08: Atualização mais recente em CD-ROM: 4.07.08 Mais conteúdo: livro – mais de 330 normas e CD-Rom – mais de 800 normas – ambos na íntegra Mais normas de 2008– 22 na íntegra Melhor tratamento da Reforma do CPP. Confira Brinde Exclusivo Vade Mecum concorrente: Atualização em CD-ROM: 18.06.08 Menos conteúdo: quantidade inferior de normas no livro e no CD-Rom Menos normas de 2008 Sem brinde exclusivo COMPRE AGORA! SEM BUROCRACIA
  • 12. Estado 12 de Direito, agosto e setembro de 2008 O Supremo Tribunal Federal e a penhora do bem de família do fiador O direito social à moradia do fiador e a penhora do seu bem de família nos contratos de locação é tema de destaque no debate jurídico atual, em face do conflito normativo e valorativo que lhe é inerente. Em 08 de fevereiro de 2006, no julgamento do Recurso Extraordinário n° 407.688-8, cuja relatoria foi do Ministro Cezar Peluso, a maioria dos ministros participantes do julgamento entendeu constitucional, em face do direito fundamental à moradia previsto no art. 6° da Constituição Federal, a regra que permite a penhora do imóvel residencial do fiador, nos termos do art. 3°, inciso VII, da Lei n° 8009/90, na versão que lhe deu a Lei n° 8.245/91. A questão debatida, para além da dogmática, remete a argumentos filosóficos, pois a avaliação do conflito entre a regra que determina a penhora e o princípio da dignidade da pessoa humana que fundamenta o direito social à moradia é, na verdade, um conflito de valores antes de ser um conflito de normas, como bem demonstrou a argumentação trazida na votação. Dos votos condutores da maioria no julgamento em questão, deve-se destacar o voto do relator, Minis-tro Cezar Peluso, que se baseou no argumento utili-tarista de que a penhora do bem de família do fiador supostamente garantiria o direito à moradia através da maior oferta de imóveis no mercado. Nessa linha de argumentação, a regra é constitucional porque maximiza o bem-estar geral, ao garantir uma maior oferta de imóveis para locação - diante de uma fiança reforçada pela penhorabilidade – e, conseqüentemen-te, a diminuição do risco dos locadores. Diminuindo o risco, maior será a oferta e menor será o preço pago em geral para efetivar o direito à moradia através de contratos de locação. O segundo argumento a embasar a decisão pela constitucionalidade foi apresentado de diferentes formas pelos ministros Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes e Sepúlveda Pertence. Tais julgadores defenderam a posição pela constitucionalidade da penhora com base no fato de que o fiador se obriga voluntariamente, portanto, no pleno exercício da sua autonomia de vontade, podendo, de tal forma, abrir mão de seu direito fundamental à moradia. Contudo, os supracitados argumentos pela constitucionalidade da penhora do bem de família do fiador não são sustentáveis numa visão utili-tarista, tampouco numa análise voluntarista mais detida. Inicialmente, em termos utilitaristas, a exceção prevista no art. 3°, VII, da Lei 8.009/90, justificar-se-ia sob duas condições: 1) o fiador tem uma diferença de capacidade em relação aos devedores em geral e aos locatários em particular; 2) a finalidade a ser buscada é melhor atendida pelos fiadores em função dessa diferença. As regras que estabelecem distribuições no funcionalismo utilitarista se estruturam de maneira a verificar as conseqüências desses atos. Assim, a regra considerada correta é aquela que maximiza a utilida-de, nesse caso, a regra correta seria a que maximiza o bem em questão, ou seja, a moradia. Para determinar essa maximização é necessário um raciocínio conseqüencialista, ou seja, é impres-cindível verificar se a regra em questão realmente traz algum ganho de bem-estar identificável. Destarte, o argumento utilitarista do ministro Cesar Peluso falha no teste do próprio utilitarismo, pois o voto do relator não demonstra quais seriam as conseqüências da penhora do bem de família do fiador no mercado de locação, Com efeito, não existe nenhum estudo do mercado apresentado na decisão que fundamente o argumento de que a penhora do bem de família do fiador irá aumentar o acesso à moradia através de locações. Ou seja, assim como é possível supor que a regra aumentaria a oferta de moradias é, também, perfeitamente plausível defender que esta regra irá diminuir o número de pessoas dispostas a prestar fiança, o que tornaria o acesso à moradia mais restrito. Como não existe nenhuma análise confiável nesse sentido, o argumento falha por falta de confiabilidade da análise das conseqüências da regra da penhora do bem de família do fiador. Ademais, o voto em comento não demonstra a diferença da penhora do bem de família do fiador em relação à penhora do bem de família do locatário e dos devedores em geral para fins de maximização do acesso à moradia. Será que a penhora do bem de família do locatário não maximiza o acesso à moradia? Qual a diferença, em relação à maximi-zação do acesso à moradia, entre a penhora do bem de família do fiador e do locatário? Nos moldes supracitados, não há como se admitir o argumento utilitarista sob análise, pois não se sustenta na sua própria racionalidade. Quanto ao argumento voluntarista, o que é olvi-dado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal é que essa liberdade, que vincula o indivíduo pela intencionalidade, depende do respeito à dignidade da pessoa humana. Como salienta Kant, o pensa-dor de maior referência para os voluntaristas, pela segunda formulação do imperativo categórico, a ação está sempre ligada ao uso que se faz dos seres humanos. Nesse aspecto, a dignidade denota que a legis-lação ideal expressa na filosofia kantiana não pode admitir que as determinações da legislação positiva prejudiquem um ser humano em favor de objetivos hipotéticos. A legislação puramente racional, na dou-trina de Kant, não admite imperativos hipotéticos que poderiam sujeitar determinadas pessoas a servirem de meio para quaisquer fins contingentes de uma maio-ria ou dela própria. Nesse contexto, o ser humano não pode, através do exercício de sua liberdade, atentar contra a dignidade humana das demais pessoas, bem como da sua própria pessoa. A autonomia da vontade kantiana legitima o arbí-trio livre, ou seja, aquele arbítrio conforme a vontade que respeita o valor do ser humano. Toda a liberalidade (uso do arbítrio) que contrasta com o valor (dignidade) do ser humano, seja o valor humano nos outros ou em nós mesmos, é contrária à razão e, portanto, ilegítima para consubstanciar uma obrigação. Nesse compasso, o argumento voluntarista usado pelos ministros Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes e Sepúlveda Pertence não condiz com o voluntarismo (em termos kantianos), pois o fato de que o fiador se obriga voluntariamente não legítima a possibilidade de que ele abra mão de sua dignidade e, conseqüentemente, de seu direito à moradia, eis que o respeito à dignidade é premissa de qualquer obrigação jurídica. Caso o raciocínio voluntarista fosse defensável, seria possível aos indivíduos oferecer outros bens em garantia de forma a dispor de seus direitos fundamen-tais. Seria possível, nesse raciocínio, oferecer nossa vida como garantia? Nosso corpo? Nossa liberdade? O Direito prevê formas de instituição de garantias e im-põe o cumprimento das obrigações, mas, a efetivação dessas garantias e cumprimento das obrigações não se dá sem limites, caso contrário, deveria possibilitar garantias como a carne do corpo que Antônio, o mercador, oferece a Shylock, o agiota, no Mercador de Veneza de William Shakespeare. * Advogado, especialista e mestre em Direito pela UFRGS, doutorando em Direito pela PUCRS e professor dos cursos de Direito da FEEVALE e do IPA (rafaeldresch@feevale.br). Rafael de Freitas Valle Dresch* Ativismo judicial e cidadania: a judicialização da política e das relações sociais em verde e amarelo Gustavo Rabay Guerra* O Poder Judiciário Nacional e a cidadania bra-sileira vivem uma fase de intensas transformações e conquistas na passagem dos 200 anos desde a insta-lação da Casa da Suplicação do Brasil, aos 10 de maio de 1808, data que assinala, também, a consagração da independência judicial no País, tendo o citado órgão operado ainda antes da primeira Constituição brasileira (1824), que o transformou em Supremo Tribunal de Justiça do Império do Brasil, e que, posteriormente, com a Constituição Republicana de 1891, se transmu-tou em Supremo Tribunal Federal (STF). Por esses dias, temas instigantes povoam as sessões do STF. O papel político e a conseqüente necessidade de legitimação democrática discursiva do Judiciário ficaram patentes no julgamento de questões complexas, tais como a fidelidade partidá-ria e a autorização de experiências científicas com células tronco-embrionárias. Tivemos, também, a imposição do uso das algemas, o caso da greve dos servidores públicos e o fim do nepotismo nas três funções do Estado. Em seguida, teremos, ainda, julgamentos marcantes, tais como a possibilidade de descriminalização de aborto de fetos anencefálicos, a demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, a constitucionalidade do casamento homossexual e, por fim, a questão das ações afirmativas e das cotas nas universidades públicas. Esses são exemplos de como o Judiciário vem se tornando o último reduto político-moral da sociedade, nos temas que naturalmente suscitem os chamados desacordos morais razoáveis (reasonable disagreements). Vivenciamos, assim, o que Ingeborg Maus chamou de “Superego da sociedade órfã” e o que Viana Lopes identifica como a “Invasão do Di-reito”, no contexto da expansão do papel dos atores judiciais e da própria normatividade no quotidiano das práticas sociais. No “Estado Judicante” é mais fácil conclamar o debate público na corte do que no parlamento. É o fenômeno da acessibilidade dos espa-ços judiciais, em substituição à representação política tradicional, em que os eleitores demandam de seus governantes as providências necessárias para o bom funcionamento da sociedade. Diante das frustrações da ausência de representação política, o julgador torna-se, ele próprio, porta-voz de uma ideologia refratária dos desmandos do poder, descendo ao “in-ferno de uma democracia desnorteada” (Paul Ricouer) e impondo severos comprometimentos ao espaço público e a sua própria instituição. A nova “cidadania judicial” tem que enfrentar velhos fantasmas. A expansão do poder dos magistrados a partir da assunção do papel normativo da Constituição e como isso acarretou uma mudança comportamental da função judiciária, que da emudecida passividade e da falta de efetividade passou à judicialização ex-cessiva, como nos diz Luís Roberto Barroso. Como exemplos de tal mudança da paisagem atitudinal, sopesam-se decisões que vão do racismo e sexismo explícitos – como aquela proferida por um juiz mineiro que considerou inconstitucional a Lei Maria da Penha e diabólicas as mulheres –, passando pela marca patrimonialista do nosso Judiciário – encar-nado na magistrada paraibana que atestou ser o julgador “incomparavelmente superior a qualquer outro ser material” –, até as recentes construções jurisprudenciais que, (re)habilitando instrumentos constitucionais legítimos e democráticos, como o mandado de injunção para efetivar o direito de greve no serviço público, resignificam a gramática dos direitos fundamentais. Será possível, enfim, modular a reflexividade po-lítico- moral do ativismo judicial? Se há limites éticos ao ativismo político dos juízes, tais só poderão ser ponderados a partir do recorte histórico e do estudo de casos, implicados em uma linguagem que reconheça a integridade e a idiossincrasia do debate brasileiro. *Doutorando em Direito, Estado e Constituição pela UnB. Mestre em Direito Público pela UFPE. Professor Titular de Direito Constitucional do UniCEUB. Coordenador do Curso de Pós-Graduação à Distância em Direito Constitucional Aplicado da Universidade Gama Filho/Instituto Posead. Professor de Hermenêutica Jurídica do Instituto dos Magistrados do Distrito Federal. Advogado. Contato: gustavorabay@justice.com.
  • 13. Estado de Direito, agosto e setembro de 2008 13 Nepotismo: o STF pode legislar? No nosso livro Do Estado de Direito constitucional e transnacional: riscos e precauções (Gomes, L. F. e Vigo, R.L., São Paulo: Premier, 2008, p. 157) analisamos, detalhadamente, os dezoito mais preocupantes riscos que rondam o denominado Estado de Direito constitucional. Um deles diz respeito à “judicialização do Direito”, ou seja, os juízes é que dão a configuração final do Direito e isso pode ser feito de modo equivocado e autoritário. Particularmente no que diz respeito ao STF, ele pode criar normas obrigatórias, a partir de textos constitucionais, sem a interposição da lei e do legislador? Numa espécie de ativismo normatizante, ele pode invadir competência alheia e disciplinar assuntos ainda não cuidados pelo Poder Legislativo? Kelsen dizia que o Poder Judiciário, no exercício do controle de constitucionalidade das leis, seria, no máximo, um “legislador negativo” (poderia negar validade a uma lei). Nosso STF, entretanto, na medida em que edita súmulas vinculantes, que devem ser seguidas por todos os juízes e toda administração pública, vem se comportando como um “legislador ativo”. Isso é possível? Nos últimos tempos nossa máxima Corte, sob o império do neo-constitucionalismo (Alexy, Dworkin, Zagrebelsky, Ferrajoli, Nino etc.), vem assumindo, com toda clareza, essa anômala função. Fez isso na regulamentação da fidelidade partidária, disciplinou depois os limites do uso das algemas (Súmula Vinculante 11) e, agora, acaba editar a Súmula Vinculante 13, que cuida da proibição do nepotismo, direto ou cruzado (nos três poderes). Da constitucionalização do Direito pode resultar num novo tipo de Estado, que é o judicial? Sim. Os novos senhores do direito já não são os legisladores, senão, os juízes constitucionais. Bachof, já no final da década de 50, falava na superioridade jurídica do juiz sobre o legislador no momento da realização do direito. Atualmente, Alexy propõe assim também a preferência pela capacidade argumentativa dialógica judiciária em face da que se gera no âmbito legislativo. A última palavra interpretativa da Constituição e das leis é do juiz. Nisso reside a chamada judicialização do Direito. Mas uma coisa é inter-pretar uma lei, outra distinta é criar uma regra geral obrigatória, a partir da interpretação exclusiva da Constituição. A denominada judicialização do Direito permite isso? O STF está autorizado a “legislar”, ocupando o lugar do Poder Legislativo? O próprio STF, por meio das denominadas súmulas vinculantes, vem dizendo que sim. Mas até que limite isso é pos-sível? Por que está ocorrendo esse fenômeno? Quais riscos são inerentes a essa nova função? Súmula Vinculante 13 No dia 20.08.08, quando discutia o tema nepotismo, deliberou nossa Su-prema Corte editar mais uma súmula vinculante. No dia seguinte (21.08.08) publicou a Súmula Vinculante 13 (que não pode ser descumprida por nenhum órgão público). A sua redação final é a seguinte: “A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gra-tificada na Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal”. Desde a publicação dessa súmula, tornou-se possível impugnar, no próprio STF, por meio de reclamação, a contratação de parentes para cargos da administração pública direta e indireta no Executivo, no Legislativo e no Judiciário. Qualquer diligente membro do Ministério Público poderá fiscalizar o cumprimento da referida súmula. Confirmou-se inicialmente a constitucionalidade da Resolução 7, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que veda o nepotismo no Judiciário. Em seguida partiu o STF para sua tarefa (anômala) de legislar. Analisando o Recurso Extraordinário (RE 579.951-RN) interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte contra a contratação de parentes no município de Água Nova, os ministros reafirmaram que a Constituição Federal veda o nepotismo. Em outras palavras: não é necessária a edição de lei para que a regra seja respeitada por todos os Poderes da União. Esse novo ativismo judicial (do STF) está impregnado de vários riscos. O primeiro reside no enfraquecimento da democracia. Os parlamentares são os legítimos e diretos representantes do povo. Seu produto legislativo, portanto, quando compatível com a Constituição, é muito mais demo-crático que uma norma do judiciário. Atuando o STF como “legislador ativo”, há sempre também o risco de “aristocratização do Direito” (ou seja: o Direito pode derivar de uma casta elitizada, não da vontade dos representantes do povo). Conforme a composição do STF, pode-se ade-mais descambar para uma “hipermoralização do Direito” (que significa priorizar as regras morais sobre o direito positivado). Que a prudência e a razoabilidade sejam sempre as companheiras do STF, sobretudo na sua atividade legisferante. *Professor Doutor em Direito penal pela Universidade de Madri, Mestre em Direito penal pela USP e diretor-presidente da Rede de Ensino LFG (www.lfg. com.br). Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). ESPECIAL “Kelsen dizia que o Poder Judiciário, no exercício do controle de constitu-cionalidade das leis, seria, no máximo, um “legislador negativo” (poderia negar validade a uma lei). Nosso STF, entretanto, na medida em que edita súmulas vincu-lantes, que devem ser seguidas por todos os juízes e toda adminis-tração pública, vem se comportando como um “legislador ativo”. Isso é possível?” Luiz Flavio Gomes* AP