1. O estudo analisa os episódios de violência doméstica vivenciados por usuárias de uma casa-abrigo em Sergipe, realizando entrevistas com usuárias e profissionais. 2. Os resultados mostram que a violência física é predominante entre vítimas pardas, com ensino fundamental incompleto, entre 20-25 anos, que exercem atividades domésticas. 3. O agressor geralmente tem baixa escolaridade, é desempregado, pardo, entre 26-30 anos, e convive com a vítima.
Monografia "O Sistema de Atendimento às Vítimas de Violência Doméstica da Casa-Abrigo Professora Núbia Marques"
1. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
O SISTEMA DE ATENDIMENTO ÀS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA DA CASA-ABRIGO PROFESSORA NÚBIA MARQUES
São Cristóvão–SE
2010/1
2. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
Monique Elen Rodrigues de Araújo Oliveira
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
Departamento de Serviço Social da Universidade
Federal de Sergipe como requisito parcial à
obtenção do título de Bacharel em Serviço
Social.
ORIENTADORA: Prof.ª Dr.ª Maria Helena
Santana Cruz
São Cristóvão-SE
2010/1
3. FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
Oliveira, Monique Elen Rodrigues de Araújo
O sistema de atendimento às vítimas de violência doméstica da
O48s Casa-Abrigo Professora Núbia Marques / Monique Elen Rodrigues de
Araújo. – São Cristóvão, 2010.
106 f.: il.
Monografia (Bacharelado em Serviço Social) – Departamento de
Serviço Social, Centro de Ciências Sociais e Aplicadas, Universidade
Federal de Sergipe, 2010.
Orientador: Profª Drª Maria Helena Santana Cruz.
1. Violência contra as mulheres. 2. Mulheres – Assistência
em Instituições. 3. Casa-Abrigo Professora Núbia Marques (SE).
I. Título.
CDU 364.63-027.553(813.7)
4. Monique Elen Rodrigues de Araújo Oliveira
O Sistema de Atendimento às Vítimas de Violência Doméstica
da Casa-Abrigo Professora Núbia Marques
Aprovada em 09/07/2010
___________________________________________
Orientadora: Professora Doutora Maria Helena Santana Cruz
Universidade Federal de Sergipe
___________________________________________
Examinadora: Professora Doutora Maria da Conceição Vasconcelos Gonçalves
Universidade Federal de Sergipe
____________________________________________
Examinadora: Doutoranda Maria Aparecida Souza Couto
Universidade Federal de Sergipe
São Cristóvão-SE
2010/1
5. Dedico este trabalho à minha querida mãe
Silvia e ao meu esposo Tarcísio, que
estiveram sempre presentes em todos os
momentos desta trajetória.
6. AGRADECIMENTOS
O desejo de vitória é uma necessidade que se faz presente em muitos momentos de
nossa vida, principalmente quando almejamos algo que parece ser tão difícil. O caminho é
árduo, cheio de situações inesperadas que trazem o sentimento de medo, ansiedade e
impotência, mas que aos poucos vão desaparecendo e dando lugar ao prazer do dever
cumprido.
Agora posso dizer que venci mais uma etapa e faço o seguinte desabafo: o percurso
rumo à realização de um sonho não é fácil, mas os bons resultados são obtidos a partir da
paciência e compressão, não adianta ter pressa. Tudo tem o seu devido tempo, não adianta
querer burlar as etapas. Durante o meu percurso acadêmico passei por inúmeros obstáculos e
até pensei que não conseguiria chegar até o fim, mas me surpreendi. Então, estou aqui para
agradecer aos que se fizeram presentes nessa longa caminhada.
Primeiramente a Deus, meu fiel escudeiro que sempre me deu forças para alcançar os
meus objetivos, sem Ele eu não teria conseguido superar os obstáculos durante toda formação
acadêmica.
A minha avó Ercília, exemplo de vida. Obrigada pelos momentos de felicidades! A
Carmem e Tânia, que me adotaram como neta, obrigada pela torcida por minha vitória, vocês
são um presente de Deus em minha vida!
A minha mãe Silvia, que me deu o dom da vida. É o exemplo de uma mulher de força
e coragem, que não mediu esforços para me educar. Representa para mim algo
incomensurável, não só por sua honestidade, mas também pela bravura em desempenhar o
papel de mãe e pai. Nunca deixou de ser presente em minha vida, serei eternamente grata!
Ao meu irmão Thiago, que hoje representa um laço de amizade. Tudo o que fiz foi
para o seu bem. TE AMO!
Ao meu esposo Tarcísio, que é um presente dado por Deus. Peço-te desculpas pelos
momentos de ausência e aproveito o ensejo para agradecer o seu apoio, principalmente pela
paciência em me conduzir todos os dias para a UFS. Essa conquista é nossa, TE AMO!
Aos meus familiares que se fizeram presentes durante essa etapa, em especial aos
meus padrinhos: Vera Lúcia e Aroaldo. E aos meus primos: Jozias, Patrícia, Andréa, Augusto
e Mariana, vocês moram no meu coração!
A minha família do coração: Rosa, Edson, Lilian, Liliane e Leilane. Obrigada pela
acolhida, vocês são muito importantes para mim!
7. As minhas irmãs do coração: Ceiça e Maria, pela compreensão nos momentos de
ausência, vocês são inesquecíveis!
Aos professores Marcelo e Marilene, que desempenharam um papel muito importante
na minha vida. Galguei mais esse espaço por causa do empenho e compromisso despendido
por vocês durante a minha formação educacional. Os ensinamentos vêm da base!
A orientadora, Prof.ª Drª. Maria Helena Santana Cruz, que humildemente
compartilhou seu vasto conhecimento acerca do tema. Obrigada pela compreensão,
entusiasmo e apoio na elaboração desse trabalho.
Aos professores que foram responsáveis pela minha formação acadêmica, em especial
aos do Departamento de Serviço Social.
As minhas amizades constituídas no espaço universitário, Renata e Silvaneide: Muito
obrigada pela força!
Aos estagiários e profissionais do Núcleo Psicossocial da Vara de Execuções
Criminais de Sergipe, pela contribuição para o meu crescimento pessoal e profissional.
A todos da Secretaria Municipal de Assistência Social e Cidadania-SEMASC e da
Casa-Abrigo Professora Núbia Marques, pela oportunidade ímpar de realizar esse trabalho,
em especial a Assistente Social Magna, que tanto torceu por mim. Não poderia deixar de
esquecer as amigas: Luzia, Clésia e Edileuza, com as quais compartilhei meus anseios e
dificuldades.
E por fim, aos profissionais e usuárias que foram entrevistados. Agradeço pela
receptividade e confiança em expor suas representações acerca do tema pesquisado. Destarte
contribuíram imensamente para a minha formação profissional.
Finalizo brindando com todos o sabor doce da VITÓRIA!
Monique Elen Rodrigues de Araújo Oliveira
8. Não existe mulher que gosta de apanhar, o
que existe é uma mulher humilhada demais
para denunciar, machucada demais para
reagir e pobre demais para ir embora.
(Autor desconhecido)
9. LISTA DE GRÁFICOS E TABELAS
Gráficos
Gráfico 1- Distribuição geográfica das DEAM‘S por Regiões Brasil 2008 ........................... 36
Gráfico 2- Fluxograma de Atendimento 01 ............................................................................. 43
Gráfico 3- Fluxograma de Atendimento 02 ............................................................................. 44
Gráfico 4- Fluxograma de Atendimento 03 ............................................................................. 45
Gráfico 5- Origem das usuárias ............................................................................................... 57
Gráfico 6- Cor/raça das usuárias ............................................................................................. 59
Gráfico 7- Número de filhos das usuárias ............................................................................... 60
Gráfico 8- Nível de escolaridade das usuárias ......................................................................... 61
Gráfico 9- Condições de moradia das usuárias ....................................................................... 63
Gráfico 10- Profissão/Origem da renda das usuárias ............................................................. 64
Gráfico 11- Faixa etária das usuárias ...................................................................................... 65
Gráfico 12- Estado civil das usuárias ..................................................................................... 66
Gráfico 13- Tempo de convivência com o agressor ............................................................... 66
Gráfico 14- Tipo de violência ................................................................................................. 67
Gráfico 15- Tempo de permanência no abrigo ....................................................................... 68
Gráfico 16- Usuárias de substâncias psicoativas/envolvimento com o tráfico ....................... 69
Gráfico 17- Nível de escolaridade do agressor ....................................................................... 70
Gráfico 18- Estado civil do agressor ...................................................................................... 71
Gráfico 19- Cor/raça do agressor ............................................................................................ 72
Gráfico 20- Profissão ou origem da renda do agressor ........................................................... 72
Gráfico 21- Faixa etária do agressor ....................................................................................... 73
Gráfico 22- Agressores usuários de substâncias psicoativas .................................................. 73
Tabelas
Tabela 1- Serviços de Atendimento à Mulher em Sergipe ..................................................... 38
Tabela 2- Número de denúncias na DEAM ............................................................................ 39
Tabela 3- Número de abrigados .............................................................................................. 55
Tabela 4- Origem das usuárias ............................................................................................... 56
10. RELAÇÃO DE SIGLAS E ABREVIATURAS
B.O.- Boletim de Ocorrência
CAPS- Centro de Apoio Psicossocial
COHRE- Centro pelo direito à moradia contra despejos
CPPM-Coordenadoria de Políticas Públicas para a Mulher
CRAS- Centro de Referência da Assistência Social
CREAS- Centro de Referência Especializado da Assistência Social
DEAM- Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher
DAGV- Departamento de Atendimento à Grupos Vulneráveis
IML- Instituto Médico Legal
NOB/RH/SUAS- Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único de
Assistência Social
OEA- Organização dos Estados Americanos
ONG- Organização Não Governamental
ONU- Organização das Nações Unidas
PPCAM- Programa de Proteção a Criança e ao Adolescente Ameaçados de Morte
SEMASC- Secretaria Municipal de Assistência Social e Cidadania
SGD- Sistema de Garantia dos Direitos
SUAS- Sistema Único da Assistência Social
UBM- União Brasileira de Mulheres
UBS- Unidade Básica de Saúde
11. RESUMO
OLIVEIRA, Monique Elen Rodrigues de Araújo. O Sistema de Atendimento às Vítimas de
Violência Doméstica da Casa-Abrigo Professora Núbia Marques. Trabalho de Conclusão
de Curso de Serviço Social: Universidade Federal de Sergipe. São Cristóvão/SE, 2010.
O presente estudo objetivou analisar os episódios de violência doméstica vivenciados por
usuárias da Casa-Abrigo Profª Núbia Marques no Estado de Sergipe. Coerente com os
objetivos a opção metodológica recaiu sobre a pesquisa qualitativa por meio do Estudo de
caso organizacional realizado na referida instituição que acolhe mulheres em situação de
violência doméstica e que estão sob ameaça de morte. Desta maneira a coleta de dados se deu
por várias fontes: a análise documental da instituição do período de fevereiro de 2003 a
setembro de 2009; análise de estatísticas obtidas em sites de institutos de pesquisa e na
própria instituição. Neste contexto, priorizou-se a realização de oito entrevistas
semiestruturadas com cinco usuárias e três profissionais. Os resultados informam que a
violência física é predominante entre as vítimas de cor parda, com faixa etária entre 20 e 25
anos e ensino fundamental incompleto. Em geral, as vítimas exercem apenas atividades
domésticas, convivem com o agressor e residem em sua maioria no Bairro Santa Maria em
Aracaju/SE. O agressor possui baixa escolaridade, apresentado pelo grau de ensino
fundamental incompleto, é desempregado, de cor parda, possui faixa etária entre 26 e 30 anos
e convive com a vítima. As usuárias/respondentes revelam que a resistência em denunciar o
agressor provém do medo de represália após o registro do boletim de ocorrência, por isso que
a Casa-Abrigo é um local que representa a ruptura com os episódios de violência. Apesar de
algumas falhas na rede de atendimento, os serviços oferecidos pela instituição para as
respondentes têm atendido às suas principais demandas. Entretanto considera-se que é
necessário um suporte maior na efetivação da Lei Maria da Penha e nas políticas setoriais para
fortalecer as ações no enfrentamento à violência doméstica.
PALAVRAS-CHAVE: Casa-Abrigo, Violência Doméstica, Gênero, Cidadania, Direitos.
12. ABSTRACT
The present study aimed examine episodes of domestic violence experienced by users of the
Shelter House Prof. Marques Núbia in the State of Sergipe. Consistent with the objectives of
the methodological choice fell, this work on the qualitative research through case study
organizational conducted at that institution that welcomes women in situations of domestic
violence and who are under threat of death. Thus the collection of data was from several
sources: a documentary analysis of the institution from February 2003 to September 2009;
analysis of statistics obtained on websites of research institutes and the institution itself. In
this context, the priority is the completion of eight semi-structured interviews with five users
and three professionals. The results report that physical violence is prevalent among victims
of brown, aged between 20-25 years and in primary school level of education. In general,
victims are engaged only in domestic activities and are cohabiting with the offender. They are
predominantly residents of the Barrio Santa Maria in Aracaju/SE. The aggressor has low
education, presented by the degree of grade school, is unemployed, brown-skinned, aged 26-
30 years and living with the victim. Those of the users/ respondents indicate that resistance to
denounce the aggressor comes from the fear of reprisals after the record of the police report,
why the Shelter House is a place that represents a break with the episodes of violence. Despite
some flaws in the service network, the services offered by the institution for the respondents
have met their main demands. However it is necessary to consider great support to the
application of Law Maria da Penha and to the police concerned in order to strengthen the
actions in dealing with domestic violence.
KEYWORDS: Shelter House, Domestic Violence, Gender, Citizenship, Rights.
13. SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 13
CAPÍTULO I
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ........................................................................................ 27
1.1-Evolução da política contra a violência doméstica ...................................................... 32
CAPÍTULO II
A CASA-ABRIGO PROFª NÚBIA MARQUES ................................................................. 41
2.1-Fluxograma de atendimento ........................................................................................ 43
2.2-Transporte e acolhimento à vitima ............................................................................... 46
2.3-Equipe profissional ...................................................................................................... 47
2.4-Encaminhamentos realizados ...................................................................................... 48
2.5-Instrumentais de trabalho ............................................................................................ 49
2.6-Atribuições do Assistente Social ................................................................................. 50
CAPÍTULO III
PERFIL DAS USUÁRIAS E DOS AGRESSORES ........................................................... 54
3.1-Caracterização do perfil das usuárias .......................................................................... 54
3.2-Caracterização do perfil dos agressores ...................................................................... 70
CAPÍTULO IV
A ÓPTICA DOS AGENTES ENVOLVIDOS NO SISTEMA DE ATENDIMENTO ÀS
VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA ....................................................................... 75
4.1-A óptica dos profissionais ........................................................................................... 75
4.2-A óptica das usuárias ................................................................................................... 83
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 88
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 91
ANEXOS ................................................................................................................................ 95
APÊNDICES ........................................................................................................................ 103
14. 13
INTRODUÇÃO
O interesse pelo estudo do tema: O Sistema de Atendimento às Vítimas de
Violência Doméstica da Casa-Abrigo Professora Núbia Marques1 - deveu-se ao fato de ser
considerado como uma proposta inédita ao campo da pesquisa, pela escassez de estudos
desenvolvidos em tal direcionamento, particularmente pela possibilidade obtida com a
liberação do meu acesso à instituição como estagiária. Nesta oportunidade, mediante
observações exploratórias realizadas com as vítimas/usuárias dos serviços oferecidos pela
instituição, emergiu o interesse pelo objeto deste estudo de forma mais aprofundada.
A conjuntura em que vivemos tem mostrado cada vez mais o crescimento de episódios
de violência. O respeito ao próximo parece não mais existir, presenciamos atos de extrema
crueldade tanto pelos meios de comunicação quanto em nosso cotidiano.
A violência se caracteriza de várias formas, seja ela social em seu sentido amplo ou
aplicada em alguns segmentos da sociedade, como é o caso da violência doméstica contra a
mulher, que vem se perpetuando por vários anos, demarcando um histórico de desigualdade
nas relações de gênero entre o homem e a mulher, que no Brasil é disseminada desde quando
éramos Colônia de Portugal, ou seja, desde o início do processo de povoamento do solo
brasileiro, pelos europeus.
Conforme Vinagre (1992), a expressão violência contra a mulher é geralmente
associada à ocorrência de agressões físicas ou sexuais. Cabe lembrar, porém, que essas
violências explícitas traduzem atitudes e comportamentos de caráter mais permanente que
mesmo com ausência do ato agressivo propriamente dito, estão impregnados de conteúdo
violento, de caráter simbólico, que vão desde a educação diferenciada, a toda uma cultura sutil
de depreciação da mulher.
Outra abordagem é citada pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu (2003), em seu
ensaio A dominação masculina, no qual o autor discute a violência sob uma visão
androcêntrica da sociedade, classificando-a como violência simbólica, suave, imperceptíveis
às suas próprias vítimas, que no caso são as mulheres. O autor explora o discurso fazendo
uma crítica ao conformismo que a sociedade reproduz ao achar normal todo tipo de violência
empregado na sociedade, é algo naturalizado, isto é, banalizado, uma vez que prevalece a
relação de dominação, no caso em questão, do homem em detrimento à mulher.
1
Professora Núbia Marques foi poeta, ficcionista, membro da Academia Sergipana de Letras e Professora do
Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Sergipe. Nasceu na cidade de Aracaju em
21.12.1927 e faleceu em 26.08.1999. Atuava nos estudos de comunidades, de mulheres trabalhadoras e da
igualdade de gênero. Foi exemplo de força através da realização de denúncias e organização de movimentos pela
Anistia em Sergipe na época da Ditadura Militar.
15. 14
A postura violenta arraigada nos relacionamentos entre homens e mulheres sempre
esteve presente na cultura machista2 desde os primórdios da sociedade, tendo como base as
contribuições de Blay (2003), em seu artigo Violência contra a mulher e políticas públicas,
no qual discute a evolução da mulher perante a família. A autora explora o fator
discriminatório do trabalho feminino, que na época era visto como motivo desagregador
familiar, uma vez que a mulher deixava em segundo plano os afazeres domésticos. Por isso a
mulher era subjugada à ordem do marido, não podendo jamais trabalhar fora de casa sem a
devida autorização deste - ato respaldado pelo Código Civil de 1916.
Em termos do relacionamento fora do casamento, a mulher era vista como adúltera e o
homem apenas era rotulado por manter uma relação de concubinato. Os crimes passionais
eram explicados pela defesa da honra, ocasionando o femicídio3, que foi amplamente
contestado pelo movimento feminista.
A situação de violência vivenciada pelas mulheres passou despercebida por muitos
anos, visto que o ato estava ligado à família, lócus considerado privado, sobre o qual ninguém
tinha o direito de opinar ou interferir. Entretanto, com a luta do movimento feminista, o
quadro foi sendo mudado, uma vez que os direitos humanos estavam sendo violados;
A luta pelo reconhecimento dos direitos femininos e a denúncia de sua
violação foram empreendidas por mulheres do mundo inteiro, destacando-se
o esforço dos movimentos feministas, de outros movimentos e organizações,
para colocar a violência de gênero na agenda política, no âmbito dos
organismos internacionais e dos diversos países. (ROCHA, 2007, p.18-19)
Segundo Rocha (2007), os movimentos feministas explicitaram lacunas e omissões
das políticas com relação aos direitos humanos que não eram efetivados para as mulheres.
Foram solicitadas na década da redemocratização, nos meados de 1980, algumas medidas que
incluíam a alteração do Código Penal, criação de Conselhos Estaduais da Condição Feminina,
do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, de Delegacias Especializadas de Defesa da
Mulher, de Centros de Atendimento Integral, de abrigos para as mulheres em situação de
violência doméstica e de serviços específicos no Instituto Médico Legal. Após várias
solicitações feministas foi modificado o artigo 233 da Lei 4.121/1962 (Estatuto da Mulher
2
Segundo Azevedo (1985), o machismo pode de ser definido como a ideologia do sexo, ou seja, como um
sistema de idéias e valores legitimador de um padrão não-igualitário de relações entre homens e mulheres: o
padrão da dominação do homem sobre a mulher.
3
Neologismo que começou a ser utilizado nos meados da década de 1970 por escritoras norte-americanas
(Russel, 1992), como alternativa ao termo homicídio para designar o assassinato de mulheres por homens por
razões de gênero, tendo sido introduzida no Brasil por Almeida (1998), ao analisar processos de homicídios
conjugais e observar a relação desses crimes com a exacerbação da violência de gênero. (ROCHA, 2007 p. 51)
16. 15
Casada), que privilegiava os homens acerca do pátrio poder, reconhecendo-o como chefe de
família e provedor do lar.
Com a destituição do poder nas mãos dos homens, as mulheres puderam questionar os
casos de violência doméstica, evidenciando o problema como algo público que requeria
serviços voltados para as mulheres violentadas, no sentido de apoiá-las no processo de ruptura
com as agressões, a exemplo dos serviços especializados de atendimento à mulher destacando
a implantação de Casas-Abrigos, que visam acolher mulheres em situação de urgência,
proporcionando segurança e tempo necessário para recuperação física e psicológica.
A partir da luta iniciada pelo movimento feminista, a violência tornou-se uma questão
pública e passou a ser estudada nas últimas décadas, constituindo-se em um território
estratégico para muitos discursos contemporâneos com diferentes análises, envolvendo uma
gama de disciplinas e divulgação de casos nos meios de comunicação- sem deixar de citar as
próprias políticas direcionadas à causa em detrimento da responsabilização do Estado para
minorar os casos de violência e nas universidades a partir da produção científica- conforme as
idéias de Araújo (2008).
A violência doméstica deixou de ser assunto privado, abrangeu os espaços públicos
com as campanhas de conscientização acerca do reconhecimento que a sua prática é uma
violação dos direitos humanos, tornando-se parte do arcabouço dos problemas sociais,
encadeando o questionamento das idéias da sociedade patriarcal4, e machista.
Apesar de a violência acontecer em vários espaços, destaca-se a realizada no lar com
pessoas que fazem parte dos vínculos sociais e afetivos da vítima, principalmente nos
relacionamentos conjugais. Toledo (2007), em seu artigo Violência Doméstica e Familiar:
uma demanda a ser enfrentada, explica que o motivo está diretamente vinculado ao espaço
privado, o qual media as relações de violência, atrelado a inúmeros fatores: a divisão sexual
do trabalho, a referência simbólica do lugar da mulher na família, pela ordem patriarcal da
mulher ser preservadora da família e dos vínculos afetivos, tudo em nome da
indissolubilidade da família e da relação conjugal.
A violência doméstica é um problema que atinge as mulheres independentemente da
idade, orientação sexual e condições financeiras. A sua consequência é, sobretudo, social e
psicológica, visto que afeta a segurança, o bem-estar, a educação, o desenvolvimento pessoal
e principalmente a autoestima das vítimas e dos de seus dependentes.
4
A designação patriarcal está relacionada ao patriarcalismo, que segundo Saffioti (1987, p. 50), ―não se resume a
um sistema de dominação, modelado pela ideologia machista. Mais do que isto, ele também é um sistema de
exploração.
17. 16
Diante dessa reflexão fica explícita a problemática atrelada à continuidade da mulher
numa relação de violência, uma vez que há reflexos na dinâmica familiar que devem ser
considerados, sobretudo no desenvolvimento da postura agressiva dos pais na presença dos
filhos menores, que pode ocasionar problemas na educação infantil, principalmente no que
tange a reprodução da conduta violenta.
Com a necessidade de compreender a dimensão do problema social ocasionado pela
violência doméstica contra a mulher, procurou-se analisar suas múltiplas formas, tendo em
vista ser uma das mais graves expressões da questão social5 relacionadas à cidadania e aos
direitos das mulheres na crise da modernidade. Com base no problema em questão, foram
adotados os seguintes questionamentos: Qual o perfil das usuárias e dos agressores? Onde
procurar ajuda? Quais são as condicionalidades para o acesso de vítimas de violência
doméstica ao serviço de abrigamento6? Como é realizado o atendimento na Casa-Abrigo?
Qual o tipo de violência que predomina entre as mulheres acolhidas? Quais os
encaminhamentos realizados? Qual o impacto dos episódios de violência na subjetividade das
vítimas?
Sob esse aspecto, a pesquisa nada mais é que um subsídio ao enfrentamento a
violência doméstica perpetrada contra a mulher, tendo em vista um aprofundamento da
questão de gênero no que concerne ao melhor entendimento sobre a dinâmica que engendra
tais processos, proporcionando à sociedade, aos técnicos que trabalham com a questão e ao
meio acadêmico, conhecimentos atualizados da particularidade do estudo, tendo em vista o
desenvolvimento de políticas para a redução e combate a violência doméstica contra a mulher.
Para o entendimento da violência doméstica e suas consequências, a pesquisa foi
orientada por meio do objetivo geral:
Analisar episódios de violência doméstica vivenciados por usuárias da Casa-
Abrigo Professora Núbia Marques, com vistas a contribuir para um melhor
entendimento sobre seu funcionamento, proporcionando à sociedade e ao meio
acadêmico mais uma forma de combate à violência doméstica contra a mulher.
Quanto aos objetivos específicos têm-se:
Caracterizar a Rede de Proteção Social ligada ao combate da violência doméstica
contra a mulher em Aracaju;
5
Segundo Iamamoto é apreendida como ―conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista
madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais
amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da
sociedade‖. (IAMAMOTO, 2007, grifos da autora p.27)
6
Ação protetiva que tem por objetivo resguardar os usuários de situações de risco circunstancial, conjuntural,
geológico e/ou geotécnico, oferecendo moradia temporária. (Dicionário de termo técnicos da Assistência Social,
BH 2007).
18. 17
Traçar o perfil das vítimas atendidas e dos agressores;
Mapear os episódios de violência cometidos contra a mulher, sob a ótica das
usuárias e profissionais da Casa-Abrigo Professora Núbia Marques;
Analisar o impacto dos episódios de violência na subjetividade das vítimas;
Identificar quais as condicionalidades para a solicitação de abrigamento;
Identificar quais os encaminhamentos realizados pelos técnicos da instituição.
Neste sentido, a justificativa para a realização deste estudo provém da sua relevância
social e científica, tendo em vista a inexistência de pesquisas realizadas no espaço da Casa-
Abrigo Professora Núbia Marques, vinculada a Secretaria Municipal de Assistência Social e
Cidadania-SEMASC, sendo este um equipamento que acolhe mulheres em situação de
violência doméstica e que estão sob ameaça de morte. A Casa-Abrigo possui endereço
sigiloso e acesso restrito para maior segurança das mulheres abrigadas.
O estudo também apresenta relevância social por disponibilizar novos conhecimentos
de como acessar os serviços das medidas protetivas7, contribuindo para a qualidade dos
serviços prestados pelos profissionais que atuam na área. Por meio deste estudo foi possível a
divulgação dos procedimentos e encaminhamentos utilizados pela instituição, possibilitando a
apreensão de métodos de atuação para os profissionais que não conhecem a dinâmica
institucional.
Sob essa reflexão, espera-se contribuir com o maior entendimento do funcionamento
da Rede Socioassistencial8 que subsidia o combate à violência doméstica contra a mulher,
possibilitando um aprofundamento de conhecimentos dos pesquisadores da temática em
pauta. Ademais, no campo científico os resultados do estudo da Casa-Abrigo em Sergipe,
permitem o aprimoramento de trabalhos futuros, no sentido da expansão de conhecimento das
refrações da questão social, sendo a violência doméstica perpetrada contra a mulher, um
assunto corrente em toda sociedade.
É importante destacar que no campo do Serviço Social o Assistente Social está
incluído na divisão sócio técnica do trabalho, e dele é exigida a compreensão das causas e
consequências dos problemas societários. Ele é cada vez mais cobrado a responder às
necessidades da classe trabalhadora e do sistema capitalista.
7
Conjunto de medidas que asseguram a integridade física e psíquica da mulher, que garante o direito de ir e vir,
de continuar trabalhando, de permanência no lar, inclusão em programas do governo e a garantia de manutenção
de vínculo trabalhista até seis meses, caso seja necessário o afastamento da vítima do trabalho.
8
Conjunto integrado de ações, da iniciativa pública e da sociedade, que ofertam e operam benefícios, serviços,
programas e projetos, o que supõe a articulação entre todas essas unidades de provisão de proteção social, sob a
hierarquia de básica e especial, e ainda por níveis de complexidade. (BRASIL. NOB, 2005, p. 19)
19. 18
A violência doméstica é mais uma das expressões da questão social, a qual deve ser
abordada pelo Assistente Social de maneira minuciosa, não só pela escassez de trabalhos
desenvolvidos nesta área, mas também pelo papel desse profissional em promover o acesso a
cidadania de seus usuários, que se dá pelo processo de esclarecimento dos direitos inerentes a
cada público. No caso em questão o Assistente Social contribuirá ao enfrentamento a
violência doméstica contra a mulher a partir da promoção do empoderamento das vítimas, por
meio de informações e encaminhamentos, fomentando um espaço de conquista da autonomia
feminina.
Nessa linha de pensamento, é necessário que o Assistente Social compreenda a
conjuntura em que vivemos e associá-la ao processo de reflexão na intervenção profissional,
em face ao projeto político neoliberal que acirra as refrações da questão social, naturalizando-
a e causando o desmonte das políticas sociais. Em decorrência dos fatos abordados, pode-se
observar;
O caráter do projeto neoliberal se expressa, de um lado, na naturalização do
ordenamento capitalista e das desigualdades sociais coletivas e suas lutas na
construção da história; e, de outro lado, em um retrocesso histórico
condensado no desmonte das conquistas sociais acumuladas, resultantes de
embates históricos das classes trabalhadoras, consubstanciadas nos direitos
sociais universais de cidadania, que têm no Estado uma mediação
fundamental. (MOTA et. al.; 2006, p. 163)
Para a superação da naturalização da questão social, mais especificamente da violência
doméstica, é preciso que o Assistente Social tenha a competência para propor, negociar e
articular, isto é, buscar mecanismos que viabilizem os direitos sociais das mulheres atendidas,
que necessitam de um acolhimento direcionado e sem julgamentos. É necessário entender a
história de vida de cada usuária e utilizar as estratégias apreendidas pela categoria mediação9
como campo reflexivo, que qualifica o profissional de modo que a cada caso atendido seja
gerada a instrumentalidade necessária que decorre do acúmulo de experiências e leitura da
realidade.
A partir daí o Assistente Social poderá instigar as usuárias vítimas de violência
doméstica a fazer uma reflexão sobre a realidade em que estão enquadradas, principalmente
no fomento de estratégias para a ruptura com os relacionamentos conflituosos, sob os ditames
de uma cultura machista, que destitui o direito a cidadania e a liberdade de pensamento.
O atendimento social deve está vinculado ao compromisso de orientação dos direitos
pertinentes a cada usuária. É relevante mencionar que a partir do esclarecimento o Assistente
Social abre um leque de possibilidades para o enfrentamento a violência, como por exemplo,
9
De acordo com Pontes (2000), as mediações significam, no plano metodológico, a captura das articulações e
passagens vivas que se processaram entre as instâncias envolvidas na trama histórica.
20. 19
a identificação da vítima não como sujeito passivo, mas como sujeito agente e ativo, que pode
mudar a situação de vulnerabilidade em que se encontra.
Uma resposta mais geral sobre as razões pelas quais ocorre discriminação e violência
contra a mulher é a persistência de uma mentalidade patriarcal e machista, que continua
enraizada nas mentes dos homens e, também, de muitas mulheres, apesar das transformações
socioculturais nas formas de sexualidade, nas relações afetivas, nas estruturas e convivências
familiares.
Compreende-se que a violência doméstica contra a mulher pode manifestar-se das
mais diversas formas, seja ela física, psicológica, sexual, moral ou patrimonial caracterizada
pela exposição da mulher a situações humilhantes e constrangedoras, sendo mais comuns em
relações com grau de parentesco, onde predomina condutas negativas dirigidas à vítima por
subordinar-se ao agressor, desestabilizando-a em seu convívio familiar. É um aspecto
conotativo atribuído ao papel do homem como ―dono‖, ―chefe de família‖, ou seja, ―o todo
poderoso‖, em que a mulher passa a ficar sob seu domínio, numa relação de propriedade. A
partir desta situação, o homem passa a justificar que na relação conjugal todo ato em nome da
honra passa a ser aceitável.
É importante destacar que os padrões patriarcais vigentes integram a moldura de
sociabilidade na sociedade brasileira e sergipana, condicionando a emergência de conflitos no
cotidiano das mulheres abrigadas em situação de violência doméstica. Compreende-se que o
conflito pode ser positivo para a socialização, pois ele não tem somente como versão aquela
que acabamos de mencionar. Segundo Nunes,
O conflito pode ser destruidor, mas também pode ser construtivo. Quais
seriam essas dinâmicas diferentes? Para que o conflito seja positivo é
necessário que os interlocutores possam expressar e defender ―suas
verdades‖, ou seja, que a polaridade seja reconhecida como possível.
(NUNES, 2006 [página desconhecida])
Contudo, as vítimas da violência doméstica em geral, não têm oportunidade de
defender seus pontos de vista e suas verdades, isto é, elas não têm chances de desenvolver
argumentos elucidativos com os agressores, tendo em vista a falta de diálogo. As relações são
pautadas na punição física, o que destitui o direito da mulher em falar e expor suas indagações
e idéias. Conforme Cruz adverte, as tensões vividas por mulheres em situação de violência
doméstica não se reduzem ao campo econômico obviamente, mas a essas formas de
desigualdade de reconhecimento. Igualmente, pouco se reflete sobre a mudança social que
ocorre quando os atores que não tinham vozes legítimas passam a ser considerados como
atores na relação de conflito em seu sentido construtivo. Isto é, quando se passa de uma
21. 20
violência para um conflito, este é o primeiro passo para o reconhecimento do outro, e também
o passo necessário para a mudança social. A culpa da má-adaptação é sempre colocada nos
sujeitos ou nas instituições, mas essas adaptações não colocam em xeque a reprodução das
instituições, mesmo se elas adoecem ou se adoecem o sujeito. Parece que não haveria outra
saída a não ser uma adaptação dolorosa ou uma vivência de conflitos de natureza violenta.
(CRUZ, 2009).
Segundo Nunes (2006), nas relações de violência, o outro não é reconhecido. Para que
um sujeito se reconheça na polaridade do conflito, é necessário o seu autorreconhecimento.
Entretanto, isso não quer dizer que depende somente de sua pretensão, mas também do
reconhecimento dos outros, não como um ser diferente e sim como alguém que tem direito à
sua diferença.
Nessa reflexão é possível dizer que as mulheres em situação de violência em várias
ocasiões deixam de ser reconhecidas como sujeito. Segundo Silveira,
As mulheres desempenha(ra)m na História papéis de considerável
importância, mesmo quando ainda restritas ao espaço privado, como esteio
da reprodução familiar. Com a conquista do espaço público, ampliaram a sua
atuação e hoje exercem as mais diversas profissões, inclusive aquelas que,
durante muito tempo, eram consideradas masculinas. De dirigidas, passaram
a dirigentes, tanto chefiando famílias quanto empresas e instituições
políticas. Apesar de todo o avanço da questão feminista, sobretudo a partir
da 2ª metade do século XX, ainda é bastante forte a discriminação e a
violência praticadas contra as mulheres, nas mais diversas sociedades, nelas
incluída a brasileira [e a sergipana]. Agressões, assédio sexual,
espancamentos, estupros, assassinatos, violência simbólica, são algumas das
formas de violação de direitos, embutidos na violência contra as mulheres,
presentes na vida cotidiana, de forma explícita ou muitas vezes silenciadas.
Afora a antiga e persistente mercantilização do corpo (a prostituição), a que
muitas mulheres se submetem para sobreviver, agora é também atualizada
pelo turismo sexual. (SILVEIRA, 1998)
O Brasil, mais precisamente o Nordeste, concentra a cultura patriarcal, em especial nas
camadas familiares de baixa renda, em que a regra básica consiste na submissão da mulher em
relação ao homem, dos filhos diante do pai e/ou mãe e dos mais novos frente aos mais velhos.
Na cultura patriarcal tudo que está relacionado ao mundo doméstico é feminino, e,
portanto deve ser assumido pela mulher, entretanto os assuntos direcionados à rua, pertencem
ao universo masculino e deve ser assumido pelo homem, ou seja, a ele cabe a posição de
provedor e a mulher a de dona de casa.
Contudo, vale ressaltar que diante desta reflexão as relações entre o homem e a
mulher, é sempre pautada na subordinação, em que a mulher deve obedecer aos mandos e
desmandos do marido, atitude que legitima a violência física ou simbólica contra a mulher.
22. 21
Da Mata, diz que a família em sua versão patriarcal10 significa um valor e uma forma
ideológica básica para toda a sociedade brasileira. Para o referido autor, a família para os
brasileiros não é apenas uma possibilidade de resolver a questão sexual ou uma operadora da
reprodução física do sistema:
Ela é também banco e escola, agência de Serviço Social e igreja,
consultório médico e partido político, máquina de controlar o tempo e lugar
onde temos cidadania perpétua, restaurante de luxo e local onde sabemos
ser amados incondicionalmente. (DA MATA, 1987, p. 136).
Para Almeida (1987, p. 63), o modelo patriarcal gilbertiano é um referencial, faz parte
da formação brasileira e é este modelo que se ―casa‖ posteriormente com o modelo da família
nuclear burguesa, “que será reapropriado e adaptado pela mentalidade da família
patriarcal”. Segundo Roberto da Matta, entende-se por modelo patriarcal brasileiro:
A parentela de mais de duas gerações, com agregados, que age de modo
corporado quando em crise e possui uma chefia indiscutível, bem como
recursos de poder que o grupo cuida de manter e distribuir com cuidado e
decisão, o que faz também com que esses grupos possam eventualmente
chegar ao poder por meio do uso de relações pessoais. (DA MATTA, 1987,
p.119 -120).
Para Da Matta (1987), tal modelo é estruturador de toda uma concepção hierárquica de
formas de famílias, completas umas e incompletas outras. A incompletude (famílias
monoparentais, famílias sem agregados) das periféricas se deve à sua função de ―sustentar‖ e
―servir‖ às primeiras. O autor vai além, entende que no Brasil o valor da família como
prestígio se estende por toda a sociedade11.
O valor da família gira em torno do valor metafórico da ―casa‖ e que chega a
se constituir em um princípio ordenador quase cosmológico: o ―mundo da
casa‖ que é percebido como distinto, muitas vezes oposto ao ―mundo da
rua‖, mundo da universalidade de direitos, mas também da impessoalidade.
(DA MATTA, 1987 p.125).
Ainda é corriqueiro que boa parte da sociedade continue com padrões masculinizantes
de interpretar o mundo e exercer as práticas sociais, principalmente em enxergar o outro com
preconceito, desqualificando e julgando de acordo com princípios moralistas, por este (ser
10
Historiadores, sociólogos e antropólogos brasileiros já destacaram a importância da ―família patriarcal‖ tal
como caracterizada por Gilberto Freire em Casa-Grande & Senzala (2002, p. 97), para a construção social de
um tipo de modelo familiar que fez efeito em toda a sociedade colonial, mas também no período da
Independência, da República até a contemporaneidade, senão para impor uma mesma forma de família, mas para
instaurá-la como modelo referencial.
11
“Quem não tem família já desperta pena antes de começar o entrecho dramático; e quem renega sua família
tem, de saída, a nossa mais franca antipatia‖ (Da MATTA, 1987, p. 125).
23. 22
humano) não pensar e agir do mesmo modo que ela pensa e age, especialmente em torno
dessa problemática espinhosa que é o relacionamento de gênero.
No Brasil, ainda são escassos os estudos que se propõem a investigar o fenômeno da
violência doméstica relacionando-o às questões de gênero, no que se refere à violência e sua
incidência nas famílias contemporâneas12. Contudo, nas cidades, nas famílias, no interior dos
lares, no campo, nos hospitais, nas favelas, nos bancos escolares, nas empresas e em cada
parte da nossa sociedade, as mulheres são discriminadas.
Considerou-se que a formulação de hipóteses, no processo de investigação científica, é
precisamente a segunda parte deste modo de operar inaugurado pela formulação de um
problema. Antes de tudo, a hipótese corresponde a uma resposta possível ao problema
formulado — a uma suposição ou solução provisória mediante a qual a imaginação se
antecipa ao conhecimento, e que se destina a ser ulteriormente verificada (para ser confirmada
ou rejeitada). A hipótese é na verdade um recurso de que se vale o raciocínio humano diante
da necessidade de superar o impasse produzido pela formulação de um problema e diante do
interesse em adquirir um conhecimento que ainda não se tem. É um fio condutor para o
pensamento, através do qual se busca encontrar uma solução adequada, ao mesmo tempo em
que são descartadas progressivamente as soluções inadequadas para o problema que se quer
resolver. (BARROS, 2008).
Neste sentido, para este estudo, foram antecipadas algumas hipóteses:
A violência doméstica perpetrada contra a mulher é gerada pela desestruturação
familiar, ocasionada pela utilização de substâncias psicoativas dos agressores;
Dentre alguns aspectos, a mulher em situação de violência apresenta um nível de
escolaridade e qualificação profissional aquém do exigido no mercado de trabalho;
As mulheres em situação de violência doméstica frequentemente possuem o perfil
de dependência econômica e emocional do parceiro;
Nessa linha de reflexão foi indispensável a utilização de uma metodologia capaz de
dar suporte ao tema em questão, no que concerniu ao entendimento e desenvolvimento dos
mecanismos da leitura imbricada na realidade.
O campo empírico da pesquisa foi a Casa-Abrigo Professora Núbia Marques criada em
dezembro de 2002 e inaugurada em fevereiro de 2003, a partir de convênio entre a Prefeitura
12
Cf. os trabalhos de Minayo (2003), Ibias e Grossi (2001), Menezes (1999), Souza (1998) et al., Figueiredo
(1998).
24. 23
Municipal de Aracaju, através da Secretaria Municipal de Assistência Social e Cidadania-
SEMASC e a União Brasileira de Mulheres do Estado de Sergipe-UBM.
A pesquisa foi realizada com base no materialismo histórico-dialético que;
É uma categoria que indica a realidade objetiva dada ao homem por meio de
suas sensações e que existe independente dele. [...] a dialética está vinculada
ao processo dialógico de debate entre posições contrárias, e baseada no uso
de refutações ao argumento por redução ao absurdo à verdade.
(RICHARDSON, 2007, p. 44-45)
O materialismo histórico dialético foi utilizado para o entendimento da dinâmica
social envolvida pela violência perpetrada contra a mulher, tendo em vista ser a corrente
filosófica que mais se enquadrava na busca do estudo contínuo dos acontecimentos. Dessa
forma procurou-se o entendimento da contradição gerada pela violência doméstica na
abordagem de gênero, visto que esta é resultante de um processo histórico e dinâmico
engendrado na sociedade. Por exemplo, a violência doméstica é também resultado da
conjuntura da sociedade brasileira na qual o desemprego, o trabalho precário integram grande
segmento da população de agressores e vítimas da violência doméstica. Nesta conjuntura com
frequência, as vítimas tornam-se dependentes do agressor e ficam presas nos grilhões da
violência.
Com base nas características do objeto, a opção metodológica recaiu sob o Estudo de
caso organizacional, que para Gil (1991, p.58), ―é caracterizado pelo estudo profundo e
exaustivo de poucos objetos, de maneira que permita o seu amplo e detalhado conhecimento‖,
seguindo a definição criada por Yong, à qual Gil adere, que diz:
[...] um conjunto de dados que descrevem uma fase ou a totalidade do
processo social de uma unidade, em suas várias relações internas e nas suas
fixações culturais, quer seja essa unidade uma pessoa, uma família, um
profissional, uma instituição social, uma comunidade ou uma nação.
(YOUNG, 1960 apud GIL, 1991, p. 59)
Para complemento da investigação, também foi utilizada a pesquisa exploratória, que
segundo Gil;
[...] têm como finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e
idéias, tendo em vista, a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses
pesquisáveis para estudos posteriores. Habitualmente envolvem
levantamento bibliográfico e documental, entrevistas não padronizadas e
estudos de caso. (GIL, 2006, p.43)
A Pesquisa exploratória, segundo Gil (1991, p.45), ―têm como objetivo proporcionar
maior familiaridade com problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir
25. 24
hipóteses‖. Foram considerados na pesquisa os dados qualitativos e quantitativos das usuárias
acolhidas entre janeiro de 2006 a setembro de 2009, tendo em vista que os dados anteriores ao
referido período encontravam-se incompletos para a análise da pesquisa. O trabalho de campo
ocorreu a partir da dinâmica diária da instituição em questão.
Foram utilizadas diferentes fontes de coleta de dados, dentre elas:
a) Análise documental13 existente na instituição no período de fevereiro de 2003 a
setembro de 2009, no qual foram analisados os documentos que possuíam dados
relevantes para o maior entendimento do funcionamento: os instrumentais de
trabalho, tabelas, formulários e etc., com vistas a clarificar a dinâmica dos serviços
oferecidos. Já para o perfil das usuárias e agressores foram verificados os
documentos compreendidos entre janeiro de 2006 a setembro de 2009.
b) Dados Estatísticos extraídos do site do Observatório da Lei Maria da Penha, criado
pela iniciativa da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres da República,
iniciado em setembro de 2007 e de outros sites especializados no tema;
c) Entrevistas14 semiestruturadas com cinco usuárias e três profissionais da
instituição, escolhidos intencionalmente. A entrevista semiestruturada segundo
Richardson (2007), visa responder a alternativas pré-formuladas, para obter do
entrevistado o que ele considera mais relevante nos aspectos de determinado
problema.
Após a coleta dos dados, realizou-se a organização, de modo que, a compreensão do
cotidiano institucional fosse de fácil entendimento. Foi utilizada a análise de conteúdo que
conforme Bardin (2007, p.27), ―é um conjunto de técnicas de análise das comunicações‖ O
autor destaca que ―não se trata de um instrumento, mas de um leque de apetrechos; ou, com
maior rigor, será um único instrumento, mas marcado por uma grande disparidade de formas e
adaptável a um campo de aplicação muito vasto: as comunicações‖.
Conforme Richardson,
A análise de conteúdo deve ser eficaz, rigorosa e precisa. Trata-se de
compreender melhor um discurso, de aprofundar suas características
(gramaticais, fonológicas, cognitivas, ideológicas etc.) e extrair os momentos
mais importantes. Portanto, deve basear-se em teorias relevantes que sirvam
13
Envolve diversos procedimentos: codificação das respostas, tabulação dos dados e cálculos estatísticos. Após,
ou juntamente com a análise, pode ocorrer também a interpretação dos dados, que consiste, fundamentalmente,
em estabelecer a ligação entre os resultados obtidos com outros já conhecidos, quer sejam derivados de teorias,
quer sejam de estudos realizados anteriormente. (GIL, 1991, p. 102)
14
A entrevista é uma técnica importante que permite o desenvolvimento de uma estreita relação entre as pessoas.
É um modo de comunicação no qual determinada informação é transmitida de uma pessoa A a uma pessoa B.
(RICHARDSON, 2007, p. 207)
26. 25
de marco de explicação para as descobertas do pesquisador.
(RICHARDSON, 2007, p.224)
Com a análise dos dados serão expostos os perfis das usuárias e dos agressores,
permitindo o acesso aos fatos no sentido de desvelar as causas da violência doméstica,
indicando se esta é resultante da condição da vida familiar das vítimas.
A pesquisa foi sistematizada em quatro capítulos:
Na Introdução serão abordados os pontos norteadores da pesquisa, direcionada pela
delimitação do tema, com uma breve apresentação do assunto, além das técnicas utilizadas
durante a pesquisa, como: questionamentos, justificativa, objetivos, hipóteses e metodologia.
No Capítulo I, haverá a abordagem da fundamentação teórica, com aprofundamento
do conhecimento sobre a violência em seu sentido geral e sua dimensão voltada para o âmbito
doméstico e familiar. A conceituação da violência doméstica e de gênero, a origem de
submissão da mulher para com o homem sob a ótica de poder e do estigma atribuído desde o
primórdio da sociedade, principalmente nas justificativas bíblicas, o preconceito social frente
às ações femininas que divergem do manual de ―boas convenções‖ e a evolução da política de
violência doméstica, evidenciando como os casos eram tratados, bem como se caracterizavam
os episódios. Em seguida será analisada a restrição da mulher como sujeito de direitos, visto
que os mesmos eram constantemente violados com a negação de liberdade de pensamento e
ação. Serão postas as reivindicações do movimento feminista, com a proposta políticas de
enfrentamento à violência doméstica. A partir desse momento haverá a análise das mudanças
atribuídas ao modo de se lidar com a violência e a intervenção do Estado frente aos casos até
os dias atuais com a identificação da rede de proteção social responsável por atender as
vítimas.
No Capítulo II, será focalizado o atendimento realizado pela Casa-Abrigo Professora
Núbia Marques, com vistas a divulgar os serviços disponibilizados pela instituição, bem como
a dinâmica que tal equipamento proporciona à rede de atendimento às vítimas de violência
doméstica em todo o Estado.
No Capítulo III, realizar-se-á um apanhado geral sobre o perfil das usuárias da Casa-
Abrigo e seus agressores, tendo em vista o conhecimento mais aprofundado da causa da
violência doméstica, no sentido de desvelar a realidade de acordo com algumas variáveis
consideradas importantes na pesquisa.
No Capítulo IV, haverá o relato sobre a óptica dos agentes envolvidos no sistema de
atendimento da Casa-Abrigo, momento crucial da pesquisa, considerando a importância da
27. 26
autonomia dos profissionais e usuárias, buscando a priorização de suas falas e idéias a
respeito da violência doméstica em seu sentido amplo, como também na dinâmica da Casa-
Abrigo, apontando as dificuldades e sugerindo mudanças para uma melhor prática no
atendimento às mulheres em situação de violência.
E por fim nas Considerações Finais, com a reflexão do resultado da pesquisa através
da refutação ou confirmação das hipóteses geradas no princípio do estudo, bem como da
realidade atrelada à violência doméstica e suas consequências.
28. 27
CAPÍTULO I
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A violência vem sendo estudada cada vez mais no decorrer das últimas décadas, por
causa da presença de vários episódios tristes que se proliferam na sociedade. De acordo com
Minayo (1998), a violência não é objeto específico da medicina, mas também social, que
muitas vezes está embutida em aspectos da política e sociologia,
Segundo Azevedo:
Violência é toda iniciativa que procura coação sobre a liberdade de alguém,
que tenta impedir-lhe a liberdade de reflexão, de julgamento, de decisão e
que termina por rebaixar alguém ao nível de meio ou instrumento num
projeto, que o absorve e engloba, sem tratá-lo como parceiro livre e igual. A
violência é uma tentativa de diminuir alguém a renegar-se a si mesmo, a
resignar-se à situação que lhe é proposta, a renunciar a luta, a abdicar de si.
(VILELA, 1977 apud AZEVEDO, 1985, p. 19)
É pertinente dizer que muitos atos de violência são resultantes de acúmulos
deficitários de uma ordem social, os quais desestruturam famílias e acabam dilacerando a
saúde de seus integrantes. A principal vítima ainda é a mulher, que pelo seu histórico
permanece como alvo das agressões.
Para Rocha,
A violência doméstica é constitutiva de uma ordem social androcêntrica,
caracterizada pelas relações de dominação, exploração, hieraquia e
assimetria entre os gêneros. Seu alvo principal são as mulheres, de diferentes
faixas etárias, condição social e pertencimento étnico/racial. (ROCHA, 2007,
p. 29)
Segundo Saffioti (2001), a violência doméstica é um conceito mais amplo, que
abrange não só as mulheres, como também crianças e adolescentes de ambos os sexos, dentro
de relações com pessoas do convívio familiar. É importante destacar que a autora explora o
estudo da sociedade sob o exercício da função patriarcal15, cujos homens detêm o poder de
determinar a conduta dos ―submissos‖.
Nesse sentido, pode-se dizer que os homens possuem a autorização e a tolerância por
parte da sociedade para punir o que se lhes apresenta como desvio, o que ratifica a garantia de
obediência das vítimas aos ditames do patriarca, tendo em vista o uso da força e da coerção.
15
De acordo com Pana (1981), o patriarcalismo tem como característica o estabelecimento do poder masculino
nas relações como resultado de um processo histórico que pressupõe condições ideológicas para o seu
estabelecimento e manutenção, dentre eles a idéia que o masculino é superior ao feminino.
29. 28
A violência de gênero está ligada à forma desigual à que a mulher é submetida, através da
ideologia do ―sexo forte‖, que pode fazer tudo, e do sexo frágil que nada é permitido. É uma
questão cultural, pode-se notar que em vários países desde muitos séculos as mulheres têm sido
tratadas com diferença por serem responsáveis por algumas mazelas que acontecem na sociedade,
como na antiga Grécia, por exemplo.
Os mitos contavam que, devido à curiosidade própria de seu sexo, Pandora
tinha aberto a caixa de todos os males do mundo e, em conseqüência, as
mulheres eram responsáveis por haver desencadeado todo o tipo de desgraça.
A religião é outro dos discursos de legitimação mais importantes. As grandes
religiões têm justificado ao longo dos tempos os âmbitos e condutas próprias
de cada sexo. (PULEO, 2004, p. 13)
O Cristianismo através de escrita registrada na passagem da Bíblia afirma que a
mulher foi a responsável pelo pecado transmitido ao homem, por meio de sua desobediência e
sedução para o errado, o que acarretou na perda do paraíso e condenação de toda humanidade.
De acordo com Dias (2005), em seu artigo Violência doméstica contra a mulher –um
apanhado histórico, a mulher desde os tempos bíblicos sofre com a violação de direitos mais
essenciais, como direito à vida, à liberdade de pensamento e até mesmo do próprio corpo.
Na introdução do livro A mulher na língua do povo, lançado em 2007 pela editora
Achiamé, a autora faz a seguinte abordagem;
A narrativa bíblica da criação da mulher a partir de uma costela de Adão é a
responsável pela mais antiga queixa feminina contra a sociedade patriarcal.
Até hoje, o mito da natural dependência do segundo sexo em relação ao
homem tem-se perpetuado. Entretanto, sabemos que cada cultura oferece à
mulher uma visão dela mesma, um estereótipo. (LEITÃO, 2007, p. 11)
Na antiga Grécia a mulher ocupava posição equivalente à dos escravos no sentido de
que tão-somente estes executavam trabalhos manuais, extremamente desvalorizados pelo
homem livre. Em Atenas ser livre era, primeiramente, ser homem e não mulher, ser ateniense
e não estrangeiro, ser livre e não escravo. Há uma tradição na relação de poder do homem
sobre a mulher, de longos anos, nas culturas e civilizações passadas. Entretanto, algumas
ações não mudaram, até hoje ainda é corriqueiro o comportamento preconceituoso até no
campo da educação no que diz respeito à aprendizagem infantil, onde se nota a discriminação
entre menino e menina, uma vez que ocorre a segregação embutida na separação de
atividades, comportamento, vestimentas etc, trazendo à tona a questão do machismo e valores
cultivados pela religião.
Saffioti (1987), caracteriza a violência de gênero como tudo que tira os direitos
humanos na perspectiva da manutenção das desigualdades hierárquicas existentes para
garantir a obediência, a submissão de um sexo a outro. A autora destaca que gênero parte de
30. 29
uma cultura arcaica que afirma ser o homem superior a mulher, que muitas vezes é reafirmado
pelas mulheres que se submetem a posição de inferioridade.
Araújo (2008), em seu artigo Gênero e violência contra a mulher: o perigoso jogo de
poder e dominação, faz a seguinte indagação: Por que essas mulheres permanecem na relação
abusiva? A resposta da mesma se respalda na ideologia de gênero, que segundo a autora é um
dos principais fatores que levam as mulheres a permanecerem em uma relação como esta, já
que muitas delas interiorizam e naturalizam a situação de violência em que vivem. Além da
ideologia de gênero, também aparece como motivo, a dependência emocional e econômica, a
valorização da família e idealização do amor, assim como o casamento até que a morte os
separe.
São inúmeros fatores que inibem a denúncia da mulher, seja pelo medo de represália
ou pelo conformismo adquirido culturalmente, com a idéia de que o sexo feminino é frágil e
que necessita de cuidados, a exemplo da descrição elucidada abaixo;
[...] a idéia que prevaleceu foi a transmitida pelo romantismo da cavalaria:
uma mulher frágil e indolente, entretida em bordados e bandolins, à espera
de seu cavaleiro andante. Esta imagem, que por um lado exclui a grande
massa de mulheres até de uma representação simbólica, por outro reflete
uma visão distorcida. Existe assim, uma defasagem entre a posição concreta
da mulher na vida cotidiana e a representação simbólica de seu papel.
(ALVES, 2007, p. 19-20)
Desta forma também é perceptível que muitos homens e algumas mulheres ainda
reproduzem e têm como referência o conceito da mulher dona de casa, que cuida dos filhos e
do marido. Outra característica bastante usual é a passividade que a mulher deve ter segundo
Leitão (1981), que debate sobre a posição da mulher como inferior, sem poder de iniciativa e
nivelada à condição de propriedade, o que destitui a humanização e identidade feminina,
como se fosse nada mais que um mero objeto.
É uma relação de posse: o sexo feminino é subjugado à concepção de simples objeto,
além do estereótipo criado pela sociedade, em que a aparência é muito mais valorizada do que
a capacidade intelectual. Diz Leitão (1981, p. 23), ―basta ser bonita para ter um lugar
assegurado dentro da sociedade, que a estereotipa como sendo aquele ente que não precisa ser
culto, nem inteligente e, até mesmo, em alguns casos, esses predicados assustam o homem‖.
Para não ser rechaçada, as mulheres se submetem à busca de uma beleza física, como
algo integrante de sua vida, só para atender aos requisitos da preferência masculina e social.
Desde pequena é educada com traços de dependência, com a super proteção. A mãe sempre
deve zelar pela reputação da filha, ensinar-lhe a se comportar perante a sociedade, algo
31. 30
dificilmente realizado pelo pai, a ele cabe o papel de fiscalizar, julgar e punir as atitudes que
por ventura quebrem as convenções da sociedade machista.
Na infância os presentes das meninas são relacionados com as atividades domésticas e
com a função de mãe, a exemplo das bonecas, casinhas, vassouras, panelas. É totalmente
questionável quando uma mulher resolve não casar e ter filhos. É como se ela estivesse
negando a natureza a que foi destinada, contrariando a vontade divina, e por isso nunca será
completa, abrirá espaço para a mulher estigmatizada como mal amada e seca.
Há vários manuais de conduta feminina para gerar a ordem da sociedade que, no
entanto, nega o direito de ir e vir, da liberdade de pensamento. Normas que compõem os
direitos humanos são interpretadas, na maioria dos casos, para os homens e não para a
população em geral. A mulher também faz parte do universo humano, não está à parte, e por
isso merece ser tratada como sujeito de direitos, como cidadã.
É uma constante a violência enfrentada pelas mulheres, até mesmo nas palavras
utilizadas para designar relações e atos. O homem que namora várias mulheres é chamado de
garanhão, gostosão, Dom Juan. A mulher que porventura realize a mesma atitude é
considerada como galinha, assanhada, sem-vergonha etc.
Situações mínimas, mas que são retratadas no cotidiano vivido pelas mulheres,
perpassando pela infância, adolescência, juventude e velhice, mostram o preconceito velado
nas relações sociais em geral, desde a educação até o almejo de uma carreira profissional com
sucesso. Para que as mulheres alcancem uma posição de respeito e poder é necessário o
esforço maior que o desempenhado pelo homem, porque a mulher desempenha a função de
mãe, esposa, estudante, profissional etc., porém, em contrapartida, os homens possuem uma
carga menor com relação às atividades diárias desenvolvidas pela mulher.
Segundo Gomes (2008), em seu artigo A dimensão Simbólica da Violência de Gênero:
uma discussão introdutória, o modelo da masculinidade com o poder em seu eixo, é
justificado pela idéia de que o masculino é superior ao feminino, o que contribui para o
comportamento de dominação do homem sobre a mulher, fazendo com que elas sejam
excluídas dos momentos decisórios.
Isto revela o motivo de as mulheres serem subjugadas à violência simbólica que de
acordo com Bourdieu é entendida como;
[...] violência suave, insensível, invisível às suas próprias vítimas, que se
exerce essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do
conhecimento, ou, mais precisamente, do desconhecimento, do
reconhecimento ou, em última instância, do sentimento. (BOURDIEU, 2003,
p. 7-8)
32. 31
As vítimas não reconhecem o processo da subordinação, acham natural a posição à
qual são alocadas, seja pelo desconhecimento ou pelo entendimento cultural de subordinação.
Outra justificativa é atribuída a dependência emocional da vítima do agressor. Sob essa
dinâmica, acabam de maneira indireta e geralmente inconsciente reproduzindo o ciclo de
violência e preconceito contra o universo feminino, respaldando os relacionamentos
conflituosos.
As mulheres em situação de violência geralmente apresentam a idéia de mantenedoras
da ordem familiar, ou seja, são incapazes de reivindicar e denunciar a violência sofrida para
não destruir a imagem sagrada que a sociedade impõe, uma vez que tudo que acontece dentro
de casa é para ser mantido em sigilo. Essa atitude apresenta da idéia patriarcal do espaço
privado, onde ninguém pode intervir. Sobre o assunto, destaca Rocha:
[...] é caracterizada como uma questão relativa estritamente à esfera privada,
encoberta também pela ideologia que apresenta a família como uma
instituição natural, sagrada, na qual se desenvolvem apenas relações de
afeto, amor, proteção, a ser preservada pela sociedade. (ROCHA, 2007,
p.29)
É a manifestação da cultura androcêntrica, em que a mulher é um ser inferior, cuja
conceituação atravessou séculos e perdura até os dias atuais, resultante de uma visão
equivocada que atribui maior ou menor valor ao ser humano através da diferença entre os
sexos. Dessa forma, a mulher deve desenvolver atividades do lar, cuidar do marido e dos
filhos. Strey; Cabeda (1998, p.15 grifos originais) destacam: ―As representações da mulher
atravessam os tempos e estabeleceram o pensamento simbólico da diferença entre os sexos: a
mãe, a esposa, a ‗a rainha do lar‘, digna de ser louvada e santificada, uma mulher sublimada‖.
Tais concepções confinam as mulheres ao papel de mãe, esposa e ―dona do lar‖,
somente no sentido de execução dos afazes domésticos e não na autonomia das ações e no
poder de decisão, desmerecendo a sabedoria feminina para ocupar posições na sociedade e
gerando a discussão da categoria gênero.
Como defendem Strey; Cabeda (1998, p.28), ―Gênero tem sido o termo utilizado para
teorizar a questão da diferença sexual, questionando os papéis sociais destinados às mulheres
e aos homens‖. A questão de gênero segundo as autoras é resultante da dinâmica social e não
da natureza, da biologia e muito menos do sexo.
A dinâmica do gênero foi construída pela sociedade na relação entre os sexos, fator
que engendrou a constante indagação e discussão sobre as atividades atribuídas às mulheres.
Para melhor compreender o processo será evidenciada a evolução da política e luta feminina.
33. 32
1.1-Evolução da Política contra a violência doméstica
A violência doméstica perpetrada contra a mulher data de tempos remotos, resultante
de uma sociedade machista, de sobreposição de poder do homem sobre a mulher. A
desigualdade de gênero sempre esteve presente, a exemplo do que diz Azevedo (1985), a
Idade Média foi uma época violenta, os castigos físicos, a flagelação e tortura eram
legitimadas pelos poderes civis e eclesiásticos. Até então, quase não se questionava o direito
que os homens teriam de agredir suas mulheres, direito esse reconhecido e sancionado por
tribunais civis e religiosos.
A mulher tinha seus direitos restritos, era educada desde pequena para os serviços
domésticos e consequentemente para o casamento. Para ser uma boa mulher deveria possuir
um perfil meigo, prestativo e, além de tudo, nunca poderia contestar as ordens do marido. A
classe feminina não possuía liberdade de expressão; as mulheres eram constantemente
violentadas e isso era aceito como um ato natural aos olhos da sociedade.
A liberdade de pensamento e expressão é um direito fundamental do ser humano.
Nesse sentido violência é sempre uma violação do direito de ir e vir, ou seja, de ser sujeito
constituinte de sua própria história.
Após anos de martírios a mulher nos meados do século XIX, passou a ter direito a não
se submeter às agressões de seus maridos;
[...] A segunda metade do século XX e mais especificamente data dos anos
60, quando o movimento feminista rompeu o silêncio que até então cercava a
questão. A partir de então começam a surgir pesquisa-denúncia e
alternativas de solução. Sob a égide de abordagem feminista o
espancamento de mulheres passa a ser percebido como um problema social,
não apenas por suas proporções quantitativas, mas também pela gravidade
de suas conseqüências. (AZEVEDO, 1985, p. 27, grifos da autora)
Com a liberdade, a mulher galgou o direito ao divórcio que lhe era cerceado, a fim de
se cumprir os ditames religiosos, como o de que o casamento deveria ser até a morte. É
perceptível que a própria religião induz no ser humano que o homem é superior. A
confirmação de tal afirmação pode ser lida em várias partes da Bíblia, a exemplo da passagem
do Novo Testamento (I Pedro 3) expressa bem essa condição quando diz: ―Esposas, sujeitai-
vos a vossos maridos‖.
De acordo com Tânia Pinafi (2007), em seu artigo, Violência Contra a Mulher:
políticas públicas e medidas protetivas na contemporaneidade, a Organização das Nações
Unidas-ONU, iniciou a discussão da defesa dos direitos das mulheres desde 1950 com a
criação da Comissão de Status da Mulher, que formulou vários tratados baseados em
34. 33
provisões da Carta das Nações Unidas- que expressava a questão da igualdade de direitos
entre homens e mulheres e na Declaração Universal dos Direitos Humanos- que diz que todos
os direitos e liberdades humanos devem ser aplicados igualmente a homens e mulheres, sem
distinção de qualquer natureza.
A partir de então vários protestos e ações foram realizados para a promoção dos
direitos das mulheres. Por volta de 1970, as mulheres se reuniram com o objetivo de que a
violência doméstica contra a mulher saísse do espaço privado e passasse a ser tratada como
um problema social, uma questão de caráter público, com políticas direcionadas a esse
segmento.
Segundo um artigo da Biblioteca Virtual da Mulher, organizado pelo Conselho
Estadual dos Direitos da Mulher do Estado do Rio de Janeiro, que trata sobre a violência
doméstica e familiar contra esse público, o movimento feminista desmitificou a instituição
familiar, através do repúdio a não divulgação dos atos de violência dentro da família, uma vez
que nada a esse respeito podia ser divulgado para não deturpar a sua imagem, isso porque os
conservadores não aceitavam que nada abalasse a estrutura familiar.
Para Tânia Pinafi (2007), a política que reinava no Brasil por volta de 1970, era sexista
e deixava a desejar no que diz respeito à impunidade da violência contra a mulher, já que o
homem podia matar a mulher com o argumento de legítima defesa da honra, como pode ser
ilustrado no caso do assassinato brutal em 1976 da ex-esposa de Raul Fernando do Amaral
Street (Doca), que não se conformou com o rompimento da relação e simplesmente
descarregou um revólver contra o rosto e crânio de Ângela Maria Fernandes Diniz, sob o
pretexto de defender a honra, constituindo essa alegação o álibi para sua absolvição no
julgamento.
O caso supracitado foi de grande revolta para as mulheres da época, que criaram
vários movimentos para o combate da violência e da impunidade vigentes. Em 1981, na
cidade do Rio de Janeiro, foi criado o SOS Mulher, com o objetivo de atender as mulheres em
situação de violência, idéia que foi expandida para outros Estados, como São Paulo e Porto
Alegre.
Com a infindável luta do movimento feminista, as mulheres conseguiram o direito de
voz, com a promulgação da Constituição de 1988, em seu artigo 226, §8º, em que o Estado
passa a assegurar assistência à pessoa vítima de violência, criando mecanismos para coibir a
violência no âmbito das relações. A partir daí houve a preocupação de uma política pública
voltada para a classe feminina em diversos espaços, ou seja, a violência passou a ser tratada
como um problema social.
35. 34
Os direitos das mulheres foram instituídos no que se refere ao artigo 5º, inciso I da
Carta Magna, no qual homens e mulheres passam a ser iguais em direito e obrigações. A
década de 1980 foi o grande marco para a criação das Delegacias Especializadas de
Atendimento à Mulher (DEAM‘s), que se efetivaram com o compromisso de atuar contra a
violência doméstica. A partir dessa década houve maior visibilidade da problemática em
pauta.
Em 1993, com a Declaração de Viena, a violência doméstica passou para o cenário
internacional, pois nesse documento foram considerados os vários graus e manifestações de
violência. Após um ano, em 06 de junho, a Assembléia Geral da Organização dos Estados
Americanos – OEA, aprovou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra a Mulher, conhecida como Convenção de Belém do Pará, que foi ratificada
pelo Brasil em 1995.
O percurso até os dias atuais foi bastante árduo. Atualmente com a Lei 11.340/2006 de
nome Maria da Penha16, tem-se apresentado um avanço muito importante, o que não significa
que esteja tudo resolvido. É preciso avançar muito mais. O combate à violência doméstica
deve ser mais intensificado e aderido por toda sociedade.
A Lei Maria da Penha em seu Capítulo II, artigo 7º, apresenta as formas de violência
doméstica e familiar aplicadas contra a mulher;
I-A violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua
integridade ou saúde corporal;
II- A violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause
dano emocional e diminuição da auto-estima ou que prejudique e perturbe o
pleno desenvolvimento ou vise a degradar ou controlar suas ações,
comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento,
humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição
contumaz, insulto, chantagem, ridicularizarão, exploração e limitação do
direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde
psicológica e à autodeterminação;
III- A violência sexual entendida como qualquer conduta que a constranja a
presenciar, a manter ou participar de relação sexual não desejada, mediante
intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar
ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que impeça de usar
qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao
aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou
manipulação; ou que limite ou anule o exercício dos seus direitos sexuais e
reprodutivos;
IV- A violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que
configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos,
instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou
recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
16
Maria da Penha Maia Fernandes biofarmacêutica que lutou para que seu agressor viesse a ser condenado. Com
60 anos e três filhas, hoje ela é líder de movimentos de defesa dos direitos das mulheres, vítima emblemática da
violência doméstica.
36. 35
V- A violência moral, entendida como qualquer conduta que configure
calúnia, difamação ou injúria. (p. 31-32)
A violência praticada contra a mulher não é apenas física, mas sexual, psicológica,
patrimonial e moral. Apesar de a física ser mais frequente e visível, as outras causam enormes
consequências como traumas que desencadeiam problemas comportamentais difíceis de
superar. Quando o agressor violenta sua vítima, ele procura a melhor forma para não deixar
marcas, como cita Vinagre (1992, p. 59), ―[...] alguns agressores preferem atingir regiões que
não deixam marcas visíveis, como a cabeça, cujos sinais são ocultados pelo cabelo‖.
A criação da Casa-Abrigo foi um grande avanço para o apoio às vítimas de violência,
que esteve em pauta nas Declarações, Conferências, Planos e etc. Necessidade defendida
pelos movimentos feministas na década de 1980, concretizou-se a partir de um projeto muito
importante para a sociedade e para a vida das mulheres vítimas que lhes designou a
construção de um local de acolhimento e segurança. A Casa-Abrigo é uma instituição que
deverá ser acionada quando a mulher não possuir um lugar seguro após sofrer agressão física,
psíquica, sexual, dentre outras, a fim de receber a proteção e os cuidados necessários.
As redes de Casas-Abrigos em todo o Brasil vêm crescendo após várias divulgações.
Dentre elas, a do Protocolo de Orientações e Estratégias para Implementação das Casas-
Abrigos (Brasília, 2005), que diz:
As Casas-Abrigos constituem locais seguros para o atendimento às mulheres
em situação de risco de vida iminente, em razão da violência doméstica.
Trata-se de um serviço de caráter sigiloso e temporário, onde as usuárias
poderão permanecer por um período determinado, após o qual deverão reunir
condições necessárias para retomar o curso de suas vidas. (BRASIL, p. 55)
De acordo com o mesmo termo de referência o objetivo geral das Casas-Abrigos é
garantir a integridade física e/ou psicológica de mulheres em risco de vida e de seus filhos de
menor idade – crianças e/ou adolescentes, favorecendo o exercício de sua condição cidadã e
de seu valor de pessoa sabedora de que nenhuma vida humana pode ser violentada.
Como mecanismo de combate à violência, o Governo Federal por meio da Secretaria
Especial de Políticas Públicas para as Mulheres, instituída em 2004, estabeleceu no I Plano
Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres a expansão das Delegacias Especializadas de
Atendimento à Mulher-DEAM, em todo território nacional, ao qual foi aderido por Aracaju
em 2005.
Segundo o Relatório final do site Observatório da Lei Maria da Penha, a Delegacia
Especializada de Atendimento a Mulher possui papel estratégico no campo jurídico, visto que
desempenha funções para a resolução dos casos de violência exercidos contra as mulheres,
37. 36
com a garantia do zelo pela integridade física das mesmas e de seus filhos, a qual realiza o
registro da ocorrência, instauração de inquérito, encaminhamento ao Instituto Médico Legal-
IML e aos serviços de medidas protetivas de urgência e transporta a ofendida e seus
dependentes para abrigo ou local seguro, quando há risco de morte, além de acompanhar a
vítima até a residência para retirar os pertences pessoais.
O gráfico abaixo mostra o percentual de DEAM‘S nas regiões do Brasil, sendo que o
nordeste apresenta (15,9%) de delegacias, o que ainda é um número ínfimo comparado ao
número de violência perpetrada contra a mulher.
O gráfico 1 exemplifica o número percentual de DEAM‘s no Brasil, localizadas nas
regiões. Apesar do avanço de implementação de delegacias, o número ainda é pequeno,
levando-se em conta que o Nordeste dispõe de apenas (9,8%), o que significa uma rede ainda
pequena para o combate das expressões da violência doméstica.
Em Aracaju existe o Departamento de Atendimento a Grupos Vulneráveis-DAGV,
que é um órgão da Polícia Federal, composto pelas unidades de Atendimento a Mulher,
Delegacia de Atendimento a Criança e Adolescente-Vítimas. Compete a esta instituição o
atendimento especializado, na capital, de indivíduos vulneráveis sempre que vitimados em
razão da condição de vulnerabilidade.
O DAGV é um parceiro da Casa-Abrigo no enfrentamento da violência doméstica
contra a mulher, visto apresentar uma Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher-
DEAM, situada à Avenida Augusto Maynard, 247 Bairro São José. A DEAM é responsável
pela investigação e acompanhamento de crimes praticados contra esse segmento, como
também na apuração dos casos de violência doméstica e ainda pelos crimes sexuais
praticados, consoante uma relação de hipossuficiência, baseada no gênero.
38. 37
A DEAM emite o boletim de ocorrência através de profissionais qualificados para um
atendimento direcionado e diferenciado, sem realizar questionamentos sobre a conduta da
ofendida e muito menos na culpabilização da mesma pela causa da agressão, fator bastante
corriqueiro em algumas delegacias não especializadas, o que gera revitimação da violentada.
A especializada ainda tem por incumbência, segundo a Lei 11.340/2006 em seu
capítulo III (artigos 10, 11 e 12), estabelecer procedimentos policiais como: registro de
ocorrência; instauração de inquérito policial; coleta de provas; solicitação de exames médicos
e perícias legais. É de sua responsabilidade a realização de prisões em flagrantes; buscas e
apreensões de arma de fogo, como também o encaminhamento ao pedido de medidas proteção
de urgência, no qual se enquadra a Casa-Abrigo Professora Núbia Marques.
Segundo o Mapeamento das Delegacias da Mulher no Brasil (2008, p. 23), ―[...] Na
maior parte dos estados [...] as unidades não contam com policiais suficientes para manter
mais de uma ou duas equipes no atendimento‖.
No mesmo mapeamento é colocada a rede mínima para atendimento à mulher, que
deve haver na área de segurança, com as delegacias da mulher além de incluir os órgãos da
Polícia Militar e Corpo de Bombeiros, da justiça com Defensorias Públicas e Juizados
Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com base na Lei 11.340/2006.
Na saúde com postos de saúde e serviços para atendimento de mulheres vítimas de violência
sexual e de abortamento legal, no campo social e psicológico com centros de referência e
Casas-Abrigos para mulheres em situação de risco, e por fim com na área da articulação
política, através dos Conselhos Estaduais e Municipais de Direitos das Mulheres,
Coordenadorias de Políticas para as Mulheres com o apoio dos Conselhos Tutelares, Varas de
Família e Varas da Criança e do Adolescente, caso haja algum caso envolvendo crianças e
adolescentes.
A tabela a seguir indica os serviços de atendimento à mulher no Estado de Sergipe;
39. 38
TABELA Nº 01
Dentre as entidades que fazem parte da rede de proteção à mulher em Aracaju,
destacamos um Centro de Referência da Mulher, uma Delegacia Especializada, duas
Organizações Governamentais de Políticas para as Mulheres, uma Casa-Abrigo (que atende
outros municípios do Estado de Sergipe), uma unidade de Serviço de Atendimento as
Mulheres Vítimas de Violência Sexual, três conselhos de Direitos da Mulher, uma ONG e
uma Vara Especializada.
A 11ª Vara Criminal da Comarca de Aracaju (Vara de atendimento a Grupos
Vulneráveis) foi criada pela Lei Complementar nº 145 de 13 de novembro de 2007, para
desenvolver as funções inerentes ao Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher, processar e julgar causas relacionadas à apuração de crimes contra a mulher,
crianças, adolescentes e idosos.
A rede de proteção em Sergipe compactua com alguns dispositivos legais de
enfrentamento à violência doméstica, a exemplo da Lei nº 5.494 de 23 de dezembro de 2004,
alterada pela Lei Complementar 104 de abril de 2005, que trata sobre a notificação
40. 39
compulsória da violência contra a mulher atendida em serviços de urgência e emergência
públicos e privados no Estado de Sergipe, através do preenchimento de formulário por
qualquer profissional de saúde que detecte que a mulher atendida tenha sofrido violência.
Apesar da existência da rede de enfrentamento à violência doméstica, em Sergipe é
frequente o número de mulheres que omitem seu sofrimento ou desistem do processo,
deixando impunes atos de extrema crueldade.
Segundo dados do ―Jornal CINFORM, Cadernos 1 p. 6 de 19 a 25 de abril de
2010”, no período de janeiro a 12 de abril de 2010, de 888 mulheres que prestaram queixa na
Delegacia Especializada de Atendimento a Mulher de Aracaju, entretanto somente 156
optaram por inquéritos policiais, o que mostra uma desistência significativa por parte das
vítimas. Analisando os dados dos boletins de ocorrências efetuados em ano anteriores:
TABELA Nº 02
NÚMERO DE DENÚNCIAS NA DEAM
BOLETINS DE OCORRÊNCIA INQUÉRITOS POLICIAIS
2006 1923 71
2007 2006 248
. 2008 2377 462
2009 2548 491
2010* 888 156
* atendimentos realizados até 12 de abril
Fonte: Jornal Cinfome (Caderno 1 p.6), 2010
Pode-se visualizar que o número de inquéritos policiais é desproporcional ao número
de denúncias efetuadas. Infere-se que mais da metade das mulheres que desistem do processo
continuam a viver sob a violência doméstica. A causa do grande número de desistentes vai
além do jargão ―ela está com ele [o agressor] por que gosta de apanhar‖. Sob este aspecto
deve-se analisar a realidade apresentada em cada caso diante da complexidade de
sobrevivência e fragilidade emocional.
Além dos aspectos elencados, se faz pertinente voltar o olhar para o alto custo que a
violência doméstica tem gerado ao Estado e contribuintes. Segundo pesquisa publicada pelo
Instituto Patrícia Galvão, retirada do Jornal O Estado de São Paulo- 04/07/2010 em dez anos,
dez mulheres foram assassinadas por dia no Brasil, geralmente o crime é efetuado por motivo
passional. De acordo com os números assinalados os assassinatos no Brasil são considerados
como umas das mais altas taxas do que os números dos países europeus, cujos índices não
ultrapassam 0,5 caso por 100 mil habitantes, mas ficam abaixo de nações que lideram a lista,
41. 40
como África do Sul (25 por 100 mil habitantes) e Colômbia (7,8 por 100 mil). (INSTITUTO
PATRÍCIA GALVÃO, 2010).
Segundo dados de outra pesquisa17 realizada pela ONG-Centro pelo direito à moradia
contra despejos (COHRE), indica que a cada 15 segundos uma mulher é atacada no Brasil, e
que uma em cada quatro brasileiras sofrem com a violência doméstica, os motivos elencados
por 24% das entrevistadas retratam a dependência econômica como impedimento para
denunciar seus algozes. A pesquisa evidencia ainda que 70% das vítimas de violência no
Brasil foram agredidas em casa, sendo que em 40% dos casos houve lesão grave.
Diante dos dados, é perceptível a magnitude que as consequências da violência
doméstica vem ocasionando as vítimas e a sociedade como um todo, visto o alto custeio
gerado a partir de consultas médicas e psicológicas, atendimento em pronto-socorro e
procedimentos judiciais para investigação dos casos, bem como na manutenção dos
agressores em prisões. Nessa linha de reflexão, a violência não é algo unicamente privado,
mas público e por isso requer que todos se responsabilizem em combater tal crime,
principalmente pela via da denúncia.
17
Disponível em: http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI4570241-EI306,00.html. Acesso em 11 de julho
de 2010.