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Temas de
Seguro
Antonio Penteado Mendonça
2ª Edição
Revista e Atualizada
ANTONIO PENTEADO MENDONÇA
São Paulo/2010
TEMASDESEGURO
2ª Edição
Revista e Atualizada
© 2010 Editora Roncarati Ltda.
Todos os direitos reservados.
É expressamente proibida a reprodução total ou parcial
desta obra sem prévia autorização do Autor e da Editora.
2ª Edição - Revista e Atualizada
2010
PREPARAÇÃO DE ORIGINAL
Armando Olivetti
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA E CAPA
Sergio Gzeschnik
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Mendonça, Antonio Penteado
Temas de seguro / Antonio Penteado Mendonça. —
São Paulo : Editora Roncarati, 2010.
Bibliografia.
ISBN 978-85-98028-34-7
1. Contratos de seguro - Brasil 2. Corretores de seguros
3. Direito de seguros - Brasil 4. Previdência privada 5. Planos
de Saúde 6. Seguros - Brasil I. Título.
10-01812	CDD-368.981
Índice para catálogo sistemático:
1. Brasil : Seguros 368.981
2. Seguros : Brasil 368.981
2010
Editora Roncarati Ltda.
Rua Clodomiro Amazonas, 89 – casa 8 – Itaim Bibi
04537-010 – São Paulo/SP
Fone: (11) 3071-1086
www.editoraroncarati.com.br
5
PREFÁCIO
Na era do efêmero, apenas uma coisa parece dura-
doura: a incerteza. O incerto ronda a aventura humana. À
dúvida metódica, necessária para se chegar à certeza, sucedeu
o império da dúvida sistemática. Já não basta a cada dia sua
própria aflição, pois o aflitivo é permanente. Os dogmas se
desconstroem, não existem definições satisfatórias. O século
21 começou turbulento e ambíguo. Na visão de Díez Picazo
os últimos anos foram de uma verdadeira revolução, capaz de
conquistar três infinitos: o infinitamente pequeno (o átomo),
o infinitamente grande (o cosmos) e o infinitamente complexo
(a informática).1
Concepção análoga à de Albert Einstein, que
denotara a explosão de três grandes bombas no século 20: a
bomba demográfica, a bomba atômica e a bomba das teleco-
municações. Ou aquilo que já foi chamado o segundo dilúvio,
o das informações.2
1
	 Antonio García-Pablos Molina, Catedrático de Direito Penal da Universida-
de Complutense de Madrid. “Informatica y Derecho Penal”. In: Implicaciones
sócio-juridicas de las tecnologias de la informacion”. Madrid: Citema (Centro de
la Informática, Telemática y Médios Afines), s.d., p.39.
2
	Citado por Pierre Lévy. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 5ª reimpressão,
2005, p.13. A expressão ‘segundo dilúvio’ é de Roy Ascott, que Pierre Lévy
denomina um dos pioneiros e principais teóricos da arte em rede.
6
A N T O N I O P E N T E A D O M E N D O N Ç A
No Brasil a situação é ainda mais intrincada. Aqui
convivem, no mesmo espaço territorial, ilhas pré-medievais,
medievais, modernas e pós-modernas. O arquipélago da im-
probabilidade amedronta os ainda capazes de discernir. O
porvir é letargo, e ainda se acena com a produção de inteli-
gências artificiais superiores ao raciocínio humano.
Um dos signos desta era é a virtualidade. Baudrillard
constatou que “nada mais preserva o palco do real. Nada mais
nos preserva da obscenidade do virtual (da informação, da
transparência etc.). Não somos mais os autores do real, e sim
os agentes duplos do virtual”.3
O ciberespaço e a cibercultura
não tranquilizaram o ser humano.
Submetido ao estresse crescente das atribulações, da
volúpia da velocidade com que o drama contemporâneo o re-
quisita e com a paradoxal fragilidade de seu arcabouço físico,
o homem tenderia a desesperar-se, não fora a existência de
compensações para o seu desconforto existencial.
A crença é uma alavanca mantenedora do curso da vi-
da. A fuga para o hedonismo e o consumismo irrefreável é
um alçapão transitório. Mas a civilização criou mecanismos
outros para lenitivo da criatura que não quer se defrontar
com sua finitude. O seguro é uma dessas instituições pro-
piciadoras de alívio à humanidade. Atenuar o fardo de suas
adversidades é anseio profundamente natural a qualquer en-
te da espécie humana.
Viver é trilhar uma estrada rumo ao desconhecido.
A cada momento escancara-se o surpreendente, e este nem
sempre amistoso. Os infortúnios, as perdas e os danos são os
3
	 Jean Baudrillard. Cool Memories III – Fragmentos 1991-1995. São Paulo: Es-
tação Liberdade, 2000, p.138.
7
T E M A S D E S E G U R O
companheiros mais encontradiços no percurso. Ao final do
caminho, a única infalibilidade: a morte.
Se a História – observada ao longo do tempo – adquire
conotação de série de fatos inteligíveis, a história particular
de cada homem, por ele mesmo analisada, pode não guardar
coerência racional. É que
ahistória(domundo,davida,dohomem)nãopodeserconcebida
como simples desenvolvimento de uma lógica se encarnando
nos fenômenos através do tempo, à maneira hegeliana. De fato,
a história é, em parte, hegeliana, mas é também anti-hegeliana:
fatos, acidentes, áleas modificam, aceleram ou quebram os
processosfenomenológicos,eparticipamtambémdaconstituição
de novos princípios. Portanto, a história biológica, assim como
a história humana, é, não a de um desenvolvimento, e sim a de
uma cascata de desenvolvimentos. É uma história fragmentada,
desordenada e deslocada.4
Objeto da desventura, o ser humano – frágil caniço pen-
sante – perde o prumo e o norte. Desvalido, compromete o
seu porvir e o de sua prole. O efeito nefasto do insucesso é
contaminador de múltiplos destinos.
Bem por isso, a sucessão de inesperados não pode colher
o homem desprevenido. Cumpre ao precavido aparelhar-se
para o enfrentamento da álea demolidora de suas estruturas.
A desestruturação econômica é suficiente a conduzir uma em-
presa ou pessoa exitosa à ruína completa. Ruem os alicerces
psicológicos mantenedores de seu equilíbrio, de sua resistên-
cia aos embates, de sua coragem para o reinício.
4
	 Edgar Morin. O homem e a morte. Rio de Janeiro: Imago, 1997, p.15.
8
A N T O N I O P E N T E A D O M E N D O N Ç A
O seguro é a alternativa ao caos. Apercebeu-se disso o
talento, a vivacidade e o espírito criativo de Antonio Penteado
Mendonça, o brasileiro mais inventivo no setor securitário.
Ninguém pode dispensar no Brasil de hoje de suas lições provi-
das de clareza e tecnicamente precisas. Não é singela a missão
de se comunicar com milhões de leitores e de se fazer com-
preendido por todos. Pense-se em um Brasil permeado pela
heterogeneidade na escolarização, imagine-se um universo em
que o analfabetismo funcional acomete razoável parcela da po-
pulação, até mesmo aquela provida de formação universitária.
Os ensinamentos de direito securitário ministrados por
Antonio Penteado Mendonça não padecem da monotonia tecni-
cista professoral, tão característica ao hermetismo forense. Ao
contrário, atraem já a partir dos títulos dos artigos veiculados
nos maiores jornais do país. A denominação do texto enxuto,
preciso e instigante é um ímã ao qual não se consegue resistir.
Antonio Penteado Mendonça familiariza seus leitores
com temas em regra restritos a uma comunidade de iniciados.
Desmistifica o seguro, recompõe e clarifica seus conceitos,
remove equívocos e demonstra a essencialidade de se dispor
dessa proteção indispensável na contemporaneidade.
Sua destreza comunicativa se alia ao proveitoso domínio
vernacular, e o resultado é um texto de singular fluência atra-
tiva. Lê-se com prazer, pois o interesse deflui da abordagem
elegante e persuasiva. Conclui-se, a cada leitura, que o seguro
é a companhia amorável para mitigar a desdita. Bálsamo para
a miserável condição terrena, refrigério disponível ao previ-
dente. Remédio para as calamidades das quais ninguém se
libera, pois conaturais ao mortal caminheiro do planeta.
Sendas novas e auspiciosas são abertas pelo tirocínio do
conselheiro capaz de oferecer as melhores salvaguardas. Não
9
T E M A S D E S E G U R O
há espaço vedado à contratação do seguro, seja em relação às
catástrofes naturais, seja no pertinente aos resultantes da fa-
libilidade humana. Os imprevistos de toda ordem podem ser
cobertos pelo manto protetor do amparo securitário.
O assunto que o tratamento insípido das preleções
tradicionais tornava árido e desataviado, resplandece com to-
nalidades novas. Dentre as quais não é a de menor relevo a
preocupação ética.
Ética, a matéria-prima de que o Brasil tanto se ressente,
encontrou o seu lugar nos ensinamentos diáfanos de Antonio
Penteado Mendonça. A opção pelo contrato de seguro é alter-
nativa ética à inviável fuga das desgraças. Agrega à reanimante
convicção de se poder arcar com as procelas, o desafogo de
uma postura moral irrepreensível frente aos atingidos. O se-
guro é um fator de ataraxia no mundo de tormentos a que a
categoria produtiva de bens e de valores está subordinada.
Essa fisionomia de seguro como instrumento harmoni-
zador, pacificador, conciliador e a um tempo presentâneo e
acessível, deflui da ensinança irresistível de Antonio Penteado
Mendonça. É o elemento diferencial preordenado a conferir
condensação à promessa constituinte de edificar uma nação
fraterna, justa e solidária. A capacidade de assumir responsa-
bilidades abrevia esse projeto por tantos considerado utópico.
A distinção dos estudos partilhados por Antonio
Penteado Mendonça o credencia a um galardão duradouro no
elenco dos doutrinantes verazes e destinados ao reconheci-
mento dos coetâneos e dos pósteros.
José Renato Nalini
Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e
Presidente da Academia Paulista de Letras.
11
A OPERAÇÃO DE SEGURO
O QUE É SEGURO
Ao contrário do que muita gente pensa, a operação de
seguro não é uma invenção inglesa, surgida no século 18, nas
mesas de um pub chamado Lloyd’s.
Muito pelo contrário, a operação de seguros é uma das
mais antigas – e a mais bem-sucedida – forma de proteção
social desenvolvida pelo homem. Para se ter uma ideia da
idade do conceito por trás desse tipo de contrato, o Código
de Hamurabi, uma das normatizações legais mais antigas de
que se tem notícia, já trazia entre suas disposições regras de
proteção muito semelhantes aos comandos das apólices mo-
dernas, variando apenas o objeto a ser protegido. Enquanto
hoje o mundo se preocupa com satélites, computadores, riscos
ambientais etc., na antiga Mesopotâmia visava-se proteger as
caravanas, os camelos e os animais em geral. No mais, até
alguns tipos de risco são os mesmos: enchentes, tempestades,
roubo de mercadorias, saques, incêndios, tumultos etc., da-
quela época até os nossos dias estão entre os riscos que têm
rotineiramente seguros à sua disposição.
O conceito básico que norteia toda e qualquer ope-
ração de seguro é a repartição de determinados prejuízos
12
A N T O N I O P E N T E A D O M E N D O N Ç A
econômicos que afetam alguns membros de uma determinada
sociedade por todos os seus integrantes. Essa regra permane-
ce inalterada, desde os tempos da antiga Babilônia. A única
diferença substancial entre o passado e o presente é que lá
se rateavam os prejuízos causados pela morte de parte dos
camelos de uma caravana, e no mundo moderno se rateiam os
custos de um satélite que não entrou em órbita, ou do roubo
de veículos, ou da responsabilidade civil por um vazamento de
material tóxico.
É importante salientar que esse rateio só pode ser feito
entre titulares de riscos semelhantes. Não é factível segurar
objetos diversos contra riscos diferentes. Assim, a indenização
de um seguro de vida tem obrigatoriamente que ser rateada
entre os segurados de vida, ao passo que uma indenização por
roubo de veículo tem que ser rateada entre os segurados de
seguros de automóveis.
Na medida em que a operação de seguro tem na base o
rateio dos prejuízos de alguns segurados afetados por sinistros
entre a massa total de segurados, é imprescindível que os ris-
cos garantidos pela companhia de seguros, em suas diferentes
carteiras, sejam semelhantes. Sem isso não é possível chegar a
um prêmio estatístico justo, porque os riscos sendo diferentes,
sua frequência e o valor das indenizações também o serão.
Nem poderia ser de outro modo, já que um segurado
que paga prêmio para ter seu carro garantido contra roubo tem
um risco diferente daquele que paga prêmio para proteger-se
de danos causados a terceiros em decorrência de sua profissão.
Toda essa quantificação tem na sua origem a lei dos
grandes números e a lei das probabilidades, com base nas
quais são desenvolvidos os cálculos atuariais que determinam
o custo de cada seguro e a contribuição individual de cada
13
T E M A S D E S E G U R O
segurado, para a constituição de um mútuo destinado a fazer
frente às indenizações devidas aos segurados que venham a
ser atingidos por aquele determinado tipo de risco, para cuja
proteção foi criado o fundo comum.
A OPERAÇÃO DE SEGURO – 1
Desde o Código de Hamurabi, na antiga Mesopotâmia,
o homem se vale de regras muito próximas às dos seguros
atuais para proteger a sociedade organizada dos azares da vi-
da e da natureza. A base conceitual do seguro é a repartição
dos prejuízos de uns poucos por todos os componentes do
grupo, minimizando o impacto individual pela transferência
do total das perdas para a coletividade, proporcionalmente à
capacidade de cada um suportar custos extras, sem compro-
meter sua sobrevivência.
Essa operação é conhecida como mutualismo. Ela é a
soma das contribuições proporcionais aos riscos de todos os
integrantes de um grupo para fazer frente a sinistros que afe-
tem alguns de seus membros, em função de riscos cobertos
pelas apólices. Em outras palavras, o mútuo é um grande fun-
do, composto pelos prêmios pagos por todos os segurados,
destinados a indenizar os sinistros previstos nas apólices, que
afetem os integrantes do grupo.
Assim, o negócio de uma seguradora não é correr ris-
cos, mas assumir a obrigação de indenizar os sinistros de seus
segurados, com base em análises as mais exatas possíveis,
para dimensionar o custo de cada garantia oferecida indivi-
dualmente, levando em conta todo o grupo. Seguro é massa,
é a soma de milhares de contribuições, representadas pelos
14
A N T O N I O P E N T E A D O M E N D O N Ç A
prêmios pagos por milhares de pessoas, para terem seus riscos
transferidos para uma companhia de seguros, dentro de deter-
minadas condições preestabelecidas e previstas nas apólices.
Para a seguradora, o sinistro individual, desde que co-
berto e com prêmio pago, é indiferente, porque o seu negócio
é justamente arcar com essas despesas, pagando as indeniza-
ções de seus segurados.
Com o aumento da complexidade da atividade econô-
mica moderna, as seguradoras passaram a se defrontar com
riscos cada vez mais sofisticados e mais difíceis de serem
dimensionados e assumidos de forma simples. Quer pelo ta-
manho do objeto do seguro, quer pelo tamanho dos sinistros
possíveis, quer pela frequência da sua ocorrência, esses riscos
passaram a demandar cuidados especiais, que transformaram
as seguradoras em empresas altamente especializadas, ca-
pacitadas a assumi-los integralmente ou retendo apenas um
pedaço mínimo da obrigação de indenizar, de acordo com sua
capacidade de retenção e sua política de aceitação de riscos.
Cada tipo de seguro é colocado num mútuo com ca-
racterísticas próprias, destinadas a fazer frente aos sinistros
daquele tipo de seguro. São os ramos ou carteiras de seguros.
É por isso que os seguros de automóveis vão para a carteira de
automóveis e os seguros patrimoniais vão para esta carteira.
Não seria possível calcular o prêmio correto para um seguro
de automóvel e outro de incêndio, aceitos na mesma cartei-
ra. São realidades completamente diferentes, que precisam ser
tratadas de forma diferente. E como esses riscos são diferen-
tes, as seguradoras têm mecanismos diferentes para trabalhar
cada um, através de diversas opções.
15
T E M A S D E S E G U R O
A OPERAÇÃO DE SEGURO – 2
Ao decidir atuar numa determinada carteira de seguro,
uma seguradora deve ter respostas para uma série de questões
extremamente importantes, para que chegue a um final feliz.
A primeira delas é se ela conhece o mercado em que pretende
atuar, porque, se não o conhecer, os riscos de lançar produtos
fora de sintonia com as aspirações dos segurados são grandes,
e isso pode inviabilizar o projeto, porque ninguém comprará
suas apólices. Mais grave ainda, ao atuar num segmento des-
conhecido, a seguradora corre o risco de lançar produtos mal
dimensionados ou formulados com base em premissas erra-
das, e aí o resultado da operação será, com certeza, o prejuízo,
e por um bom tempo, já que as apólices de seguros têm vigên-
cia no mínimo anual.
Mas, além disso, é importante a companhia dimensionar
qual a participação que ela deseja ter no risco aceito. Se for um
risco unitariamente pequeno, com baixa frequência de sinistros
e grande potencial de segurados, pode ser interessante retê-lo
integralmente. Porém, contratar planos de resseguros pode re-
presentar transferência de tecnologia de ponta para a seguradora,
além de ser uma tábua de salvação importante para uma empresa
que deseja entrar num segmento novo e desconhecido.
Como se vê, as decisões não são fáceis e envolvem variá­
veis quase opostas, que, se adotadas de um ou de outro jeito,
terão impactos diferentes no resultado da empresa. É por isso
que o marketing é – ou deveria ser – uma das principais ativi-
dades de qualquer seguradora. Sem um conhecimento amplo
do setor visado e o planejamento estratégico adequado para
atacá-lo, uma companhia de seguros corre sérios riscos de in-
solvência, independentemente do seu tamanho.
16
A N T O N I O P E N T E A D O M E N D O N Ç A
Aliás, justamente por essa gama de possibilidades, o ta-
manho de uma seguradora não é tão importante, no momento
em que ela aceita um risco. Muito mais importante, especial-
mente em riscos de grande porte, é a contratação dos planos
de resseguros que garantem o seguro e que são, na realidade,
quem fica com o grosso do risco.
Como os limites das seguradoras nacionais não são sufi-
cientes para reter riscos do porte, elas são obrigadas a aceitar
as condições impostas de fora para dentro, porque quem real­
mente retém os riscos, ou seja, quem paga as indenizações, são
os resseguradores.
Limiteéquantoumaseguradorapodereterdedetermina-
do risco. Se, por um lado, a retenção integral de um automóvel
pode ser feita por praticamente qualquer seguradora, a mesma
regra pode não valer para os seguros de responsabilidade civil
desse mesmo veículo. A retenção da companhia na carteira de
responsabilidade civil pode ser menor do que a importância
segurada pretendida por um segurado, e, aí, a seguradora é
obrigada a transferir o que exceder o seu limite para outra
seguradora ou para um ressegurador.
Essa transferência, obrigatória, visa proteger a segu-
radora, limitando sua obrigação de indenizar a patamares
compatíveis com o que ela pode suportar, sem ficar abalada,
em função de seu tamanho.
A OPERAÇÃO DE SEGURO – 3
A principal garantia da solidez do mercado segurador
internacional é a sua capilaridade. Na medida em que as com-
panhias de seguros são obrigadas a, no mínimo, respeitar os
17
T E M A S D E S E G U R O
seus limites de retenção, grande parte dos riscos acaba sendo
transferida para outras companhias que, por também terem
limites, os repassam para uma terceira leva de companhias
que, da mesma forma que as anteriores, os repassam para uma
quarta linha de empresas e assim sucessivamente, até o ris-
co ser integralmente colocado, no número de seguradoras e
resseguradoras necessário para a sua absorção integral, sem
expor nenhuma delas a responsabilidades maiores do que as
de sua capacidade operacional.
Dando um exemplo para mostrar como isso funciona,
as operações de cessão de risco seriam muito mais sofistica-
das, mas semelhantes às do jogo do bicho, onde as bancas
pequenas repassam para os grandes bicheiros os valores que,
caso muitos apostadores ganhassem, poderiam representar o
seu estouro.
As operações de resseguro têm, em princípio, o mes-
mo objetivo dos pequenos bicheiros. Todavia, dada a imensa
complexidade das atividades econômicas modernas, elas aca-
baram se sofisticando para permitir às companhias de seguros
e às próprias resseguradoras, não apenas transferirem os seus
excedentes de responsabilidade, mas também desenvolverem
planos de proteção capazes de permitir uma rentabilidade mí-
nima para suas respectivas carteiras, mesmo se afetadas por
altas taxas de sinistralidade.
Essa sofisticação faz a capilaridade do mercado atingir
patamares quase inacreditáveis para quem não está familiari-
zado com a atividade. Por exemplo, um pedaço do seguro do
metrô de Moscou, anos atrás chegando ao Brasil através de uma
operação de aceitação de risco do IRB-Brasil Resseguros S.A.
Mas se a capilaridade por si só já é uma ferramen-
ta fundamental para a preservação do mercado segurador
18
A N T O N I O P E N T E A D O M E N D O N Ç A
internacional, ela não é a única. Além da obrigação de limitar
suas responsabilidades, as companhias de seguros têm também
o dever de constituir reservas técnicas para fazer frente ao seu
negócio, que é pagar sinistros.
Assim, com base nas estatísticas de sinistralidade das
diferentes carteiras das companhias de seguros, elas são
obrigadas a ter permanentemente separados, em contas espe-
ciais, fundos dos quais são sacados os valores necessários para
indenizar os sinistros, na medida em que estes vão sendo in-
formados pelos segurados.
Como se não bastasse, as companhias de seguros de-
vem ter capital e ativos compatíveis com as suas operações, e
esses recursos, mesmo não comprometidos com as reservas,
são uma garantia adicional da sua capacidade para pagar os
seus sinistros.
Num sistema que fatura anualmente 3 trilhões de dóla-
res, essas ferramentas são suficientes para preservar a solidez
das companhias bem gerenciadas e, consequentemente, a
tranquilidade dos segurados, que têm a certeza de receber a
indenização de seus sinistros.
SEGURO É NEGÓCIO E CONTRATO
A atividade seguradora não é instituição de caridade.
Ela é um negócio, com o objetivo do lucro, por isso tende
a ser eficiente e cumprir de forma satisfatória sua missão de
proteger e incentivar o desenvolvimento social.
Sendo negócio, a atividade segue as regras inerentes às
empresas que se dedicam a fazer negócios, mas, por ser negó-
cio de caráter especial, segue, também, regras específicas, que
19
T E M A S D E S E G U R O
a norteiam, fazendo dela um setor regulamentado por normas
especiais que interferem para dar desde a forma da constitui-
ção das empresas até os parâmetros que determinam quem são
os que podem ou não participar, em que abrangência e com
que competência.
É assim que no Brasil as companhias de seguros são so-
ciedades anônimas, incidindo sobre elas, de forma integral, a
legislação societária e fiscal inerente a esse tipo de empresa.
Mas, além de ser obrigatoriamente uma sociedade anô-
nima, para que uma empresa possa ser seguradora, ela deve
preencher uma série de requisitos impostos por legislação
específica que regulamenta o sistema nacional de seguros pri-
vados, que determina desde o capital mínimo até a forma de
atuação e os ramos em que a companhia, dependendo de sua
constituição, pode ou não operar.
Ao contrário da imensa maioria das sociedades anônimas
que para iniciar suas atividades necessitam apenas os registros
previstos na legislação aplicável a elas, as seguradoras, antes de
serem autorizadas a vender suas apólices, precisam, além de se
constituírem como sociedades anônimas, provar a subscrição
de um capital mínimo determinado por norma legal, obter au-
torização de funcionamento junto à SUSEP (Superintendência
de Seguros Privados), definir os ramos de seguros e as unida-
des da Federação em que pretende atuar, definir os limites
técnicos e operacionais de cada ramo de seguro, aprovar os
nomes de seus dirigentes junto à SUSEP, realizar um depósito
mínimo em conta vinculada no Banco do Brasil etc.
De acordo com a lei, apenas as companhias de seguros
estão autorizadas a aceitar riscos, contratar seguros e vender
apólices. Dada a natureza de caráter fortemente social da ati-
vidade, elas estão sujeitas a controles muito mais rígidos e a
20
A N T O N I O P E N T E A D O M E N D O N Ç A
uma legislação que vai além da legislação societária empresa-
rial normal brasileira.
Uma seguradora, ao fazer um seguro, está se dispondo a
cumprir uma obrigação futura, que, em se materializando a si-
tuação, se não for integralmente respeitada, pode causar dano
de vulto ao segurado que comprou dela uma apólice, imagi-
nando se proteger, por estar transferindo para a seguradora a
responsabilidade pelo ressarcimento dos danos decorrentes de
sinistros cujos eventos estão previstos e cobertos pelo seguro.
Se uma seguradora deixa de honrar o pagamento
de uma indenização devida, o segurado, que pagou adian-
tadamente pelo direito de ter essa contrapartida, além do
prejuízo direto causado pelo sinistro que o atingiu, fica tam-
bém sem ter a quem recorrer para arcar com os custos para a
recomposição de seu patrimônio, sendo obrigado a destinar
parte de suas reservas – se as tiver – para fazer frente a uma
obrigação que havia sido transferida para a companhia de
seguros, em virtude de um negócio formalizado através de
um contrato.
Daí a importância da participação do poder público na
regulamentação e na fiscalização da atividade seguradora, e
daí a necessidade de todo negócio de seguro ser feito obriga-
toriamente através de um contrato com regras extremamente
rígidas, a começar por ter nome: apólice de seguro. Sem que
haja uma apólice, não há um contrato de seguro, ou seja, não
há uma operação de seguro e, consequentemente, não há a
transferência da obrigação de arcar com os prejuízos causados
por um sinistro coberto do contratante para a contratada.
O contrato de seguro é um contrato de adesão regu-
lado pelo Código Civil em capítulo especialmente dedicado
a ele. Essa exclusividade que lhe é dada pela lei pertinente
21
T E M A S D E S E G U R O
não é mais do que a forma prática de se proteger as partes, já
que, pelas tipicidades da operação, tanto a seguradora como o
segurado podem causar dano ao outro, se não respeitarem
os pressupostos básicos e essenciais de um negócio que tem
no mutualismo sua base econômica, de onde são sacados os
recursos para o pagamento de indenizações decorrentes de
eventos futuros, aleatórios, previstos na apólice e que causem
prejuízo econômico ao segurado.
Assim, a apólice deve especificar os riscos cobertos, as
exclusões, bens sem cobertura e situações de perda de direito
à indenização com clareza, nos termos impostos pelo Código
de Defesa do Consumidor no que tange aos contratos de ade-
são. Feito isso, as condições contratadas devem ser respeitadas
para não prejudicar o mútuo.
A RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA
Uma questão interessante para quem estuda os assuntos
ligados a seguros é a da responsabilidade da seguradora, ou
melhor, das responsabilidades da seguradora, já que, sendo
um contrato complexo, o contrato de seguro coloca mais de
uma responsabilidade no polo da companhia de seguros.
Entre todas, sem dúvida a mais relevante é a responsabi-
lidade contratual de pagar a indenização. Afinal, o pagamento
da indenização é a razão de ser do contrato de seguro, sua
essência e sua finalidade. Mas a companhia de seguros só é
responsável perante seu segurado em função de um contrato,
a apólice de seguro, que delimita a extensão dessa respon-
sabilidade de acordo com seu clausulado e com os valores
envolvidos. Assim, a responsabilidade da seguradora não é
22
A N T O N I O P E N T E A D O M E N D O N Ç A
ampla e irrestrita, nem se confunde com o próprio sinistro ou
com o total do prejuízo dele resultante.
Uma companhia de seguros não é em hipótese alguma,
dentro das relações geradas pela apólice, responsável pelo
sinistro. De acordo com o contrato, ela é responsável pelo
pagamento da indenização do sinistro, o que é completamente
diferente de responder pelo próprio dano e por seus prejuí­
zos. Mais do que isso, ela é responsável apenas dentro dos
limites do contrato, ou seja, em função da apólice de seguro
a seguradora tem fronteiras definidas, dentro das quais su-
as responsabilidades precisam estar claramente colocadas, e
a mais importante dessas limitações – até mesmo para defesa
do mútuo e dos outros segurados – é a que veda a companhia
de indenizar mais do que o previsto na apólice, seja em função
de valor, ou de cláusula de garantia do risco ou de exclusão
de cobertura.
A ocorrência de um sinistro, ainda que em se tratan-
do de um risco em princípio coberto pela apólice, não gera a
certeza do pagamento da indenização. Existe toda uma série
de variáveis que podem influir positiva ou negativamente no
resultado da obrigação de fazer, impondo à seguradora o ônus
do pagamento ou liberando-a dessa obrigação.
A lei tipifica a operação de seguro assim: “Pelo contrato
de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento de
um prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo
a pessoa ou coisa, contra riscos predeterminados” (Artigo 757
do Código Civil).
Sendo a obrigação da seguradora garantir interesse legí-
timo do segurado contra riscos predeterminados, não há que
se falar em responsabilidade direta dela pela ocorrência do
sinistro. Assim, o sinistro – que é a materialização do risco em
23
T E M A S D E S E G U R O
função da ocorrência do evento previsto na apólice, que gere
prejuízo econômico para o segurado – gera uma expectativa de
obrigação para a seguradora, condicionada aos demais termos e
condições do contrato, que pode se concretizar ou não.
A ocorrência do evento previsto no contrato por si só
não implica automaticamente a certeza do desembolso de
qualquer valor pela companhia de seguros. Para que haja essa
conclusão é indispensável que o evento cause, antes de tudo,
um prejuízo econômico ao segurado. Sem a existência da per-
da econômica, não há obrigação de indenizar. Na medida em
que a seguradora repõe a perda ou o prejuízo, sem que este
exista concretamente, não surge a condição contratual fun-
damental, que é exatamente pagar os prejuízos econômicos
sofridos pelo segurado em decorrência do evento.
Exemplificando, num seguro de vida, a seguradora não
é responsável pela morte do segurado; ela responde pelo pa-
gamento do valor avençado na apólice, a ser feito para os
beneficiários do seguro, no caso da morte dele. Da mesma
forma, num incêndio, a seguradora não é responsável pelo
fogo ou pelos danos que ele causa; ela responde pela inde-
nização dos prejuízos decorrentes deles. E essa situação se
repete em todos os outros seguros, especialmente nos seguros
de responsabilidade civil facultativa, que antes de tudo são
seguros de reembolso, nos quais a seguradora tem a obriga-
ção contratual de ressarcir o segurado pelas quantias que for
obrigado a pagar a terceiro em função de dano involuntário
causado a ele. Todavia, nos seguros de responsabilidade civil a
lei impõe algumas exceções e, mesmo a seguradora não sendo
nunca responsável direta pelo dano, nessas situações especiais,
representadas pelos seguros obrigatórios de responsabilidade,
ela pode ser acionada pelo terceiro, vítima do dano causado
24
A N T O N I O P E N T E A D O M E N D O N Ç A
pelo segurado. Mas mesmo nessa situação a responsabilidade
da companhia de seguro é contratual, ou seja, ela não se con-
funde com a responsabilidade do causador do dano frente à
vítima, nem, tampouco, com a origem do próprio dano.
Finalizando, em toda relação de seguro existem sempre
dois momentos distintos. O da ocorrência do evento previsto
na apólice, que gera determinado prejuízo, e o do pagamento
da indenização pela companhia de seguros, que pode ou não
cobrir integralmente os prejuízos causados pelo sinistro, nos
limites do contrato.
ÉTICA, SEGUROS E TRANSPARÊNCIA – 1
Ao longo das últimas décadas o Brasil vem passando por
um processo interessante de resgate dos princípios éticos ne-
cessários à construção e manutenção de uma sociedade ativa e
mais justa, baseada nos fundamentos essenciais para o funcio-
namento da democracia e para a criação de um cenário hábil
a dar o suporte à mudança de patamar econômico-social que
nos permitirá entrar no seleto grupo dos países desenvolvidos.
Ao contrário do que pode parecer, a explosão de es-
cândalos que invariavelmente chocam a opinião pública não
significa o aumento incontrolável do crime e da esperteza, mas
o primeiro resultado dessa luta da sociedade para moralizar a
nação, tanto no público, como no privado.
Desde o impeachment do presidente Collor, que pode
ser visto como o marco inicial desse processo, o Brasil vem
exigindo de si um esforço fantástico, que já resultou em ações
como os processos de cassação de parlamentares por falta de
decoro, na identificação de vários setores do crime organizado,
25
T E M A S D E S E G U R O
no repúdio da sociedade a todas as práticas menos claras, em
todos os níveis de atuação.
Esse resgate da ética tem claros reflexos na atividade
empresarial do país. Por conta dele, e pelo uso – às vezes ex-
cessivo – de medidas legais à disposição da sociedade, como o
Código de Defesa do Consumidor, diversos setores econômi-
cos vão modificando suas posturas, passando a agir, acima de
tudo, com mais respeito pelos clientes, consumidores poten-
ciais e a sociedade em geral.
É evidente que ainda há muito a ser feito. Estamos co-
meçando uma longa marcha e, portanto, ainda existem abusos
de todas as ordens, e certamente novos escândalos virão à
tona.
Mas os princípios básicos, que foram resgatados pela
indignação popular diante de toda sorte de desmandos que
eram rotina em nossa vida, já estão consolidados e gerando
frutos, como os recalls feitos pela indústria automobilística,
os novos clausulados dos contratos de compra e venda, a ex-
tensão dos prazos de garantia dos mais diversos produtos, os
serviços de atendimento aos clientes etc.
E é aqui que a atividade seguradora tem um problema.
Enquanto um fabricante de geladeira, ao vender seu produto,
pode mostrá-lo e o comprador pode testá-lo, porque existe um
bem físico, de determinado tamanho, cor, peso etc., uma apóli-
ce de seguro é um pedaço de papel, com cláusulas e condições
que só poderão ser testadas se acontecer o sinistro, o que não é
obrigatório, e que, de qualquer forma, só acontecerá no futuro.
Quer dizer, seguro não tem test drive. A apólice é comprada no
escuro, na confiança, e por isso pode dar chabu, depois de pago
o prêmio e na hora em que o segurado mais precisa dela.
Pela tipicidade, a lei que regulamenta o sistema nacional
26
A N T O N I O P E N T E A D O M E N D O N Ç A
de seguros privados, votada em 1966, é provavelmente a
primeira lei de defesa do consumidor brasileira. Focada na
proteção do segurado em sua relação com seguradoras e cor-
retores de seguros, a lei contém uma série de disposições que
mesmo em caso de quebra da companhia, garantem o paga-
mento dos sinistros.
Mas só uma lei, no Brasil, não é suficiente para obri-
gar alguém a fazer alguma coisa. E se o setor de seguros tem
credibilidade, e ao longo dos últimos anos cresceu a taxas su-
periores ao resto do país, é porque a atividade é séria, ética, e
na média cumpre o contratado.
Esta é a melhor forma de atuar. Para que ela se consolide,
é só as seguradoras continuarem investindo no treinamento de
seus quadros.
ÉTICA, SEGUROS E TRANSPARÊNCIA – 2
Ética só tem sentido como um conceito objetivo. Sem
sua aplicação prática, na forma de condução das próprias
ações, coerentemente sintonizadas com os padrões morais em
que se acredita, não há ética, pelo contrário, neste caso existe
uma atitude antiética, e, portanto, reprovável, ainda que de
acordo com a posição de determinada maioria. Por isso a apli-
cação prática da ética é antes de tudo um ato de boa-fé. Sem
boa-fé não há padrão ético que se sustente. E, curiosamente,
sem boa-fé não há operação de seguro.
Para alicerçar as atividades seguradora e resseguradora,
ampliadas para conter capitalização, planos de saúde priva-
dos e previdência privada aberta, há que haver a boa-fé – e
de ambos os lados. Vale dizer, segurador e segurado devem,
27
T E M A S D E S E G U R O
obrigatoriamente, respeitar a mais estrita boa-fé na condução
do negócio, o que é muito mais abrangente e profundo do que
o momento da assinatura do contrato.
Assim, por definição conceitual, a atividade seguradora
– na medida em que exige a boa-fé das partes e a boa-fé é o ato
que exprime a atitude ética – é essencialmente uma atividade
ética, o que, pela análise dos números do setor no mundo,
pode ser comprovado pelas somas astronômicas, pagas anual­
mente como indenizações cobertas pelas mais diferentes
apólices, para os mais diversos riscos.
O exemplo clássico está, sem dúvida, nas indenizações
decorrentes do atentado terrorista de 11 de setembro de 2001,
que totalizaram várias dezenas de bilhões de dólares e evita-
ram um colapso em Nova York. Mas existem números mais
próximos que mostram que o Brasil não é exceção à regra e
que aqui a atividade seguradora também é ética e eficiente.
De acordo com estatísticas recentes anualmente aconte-
cem 300 mil contenciosos envolvendo seguros. É um número
que sem um referencial para comparação pode impressionar,
porque é bastante alto. Todavia, se lembrarmos que no Brasil
existem mais ou menos 100 milhões de relações de seguros,
esse número deixa de ser tão impressionante assim. Supondo
que, do total de riscos cobertos, 10% apresentem algum ti-
po de sinistro, os 300 mil casos representam apenas perto de
1,5% dos sinistros reclamados, já que é preciso não esquecer
que, numa conta de chegada, mais ou menos a metade deles
não tem razão na queixa.
Ora, não há como discutir com números, e são eles que
provam também que a maioria das operadoras de planos de
saúde privados é séria. Num universo aproximado de 50 mi-
lhões de usuários, com mais de 150 milhões de procedimentos
28
A N T O N I O P E N T E A D O M E N D O N Ç A
autorizados anualmente, o número de reclamações contra
elas é insignificante. Para não falar nos planos de previdência
privada abertos, que, mesmo sendo produtos recentes e, por-
tanto, menos sujeitos a ter suas falhas expostas, praticamente
não têm reclamações ou ações judiciais contra eles.
Como qualquer atividade humana, o setor está sujeito
a erros. Ninguém pretende minimizar o impacto de uma in-
denização coberta e não paga, nem a tragédia que isso pode
representar na vida de uma pessoa. São situações que aconte-
cem e, mesmo sendo minoria, podem ser terríveis e por isso
devem ser incessantemente combatidas, através de uma busca
constante pelo aprimoramento da mão de obra e das rotinas
técnicas e operacionais.
A boa-fé na operação de seguro, explicitamente exigi-
da pela filosofia e pela lei, não é apenas boa-fé no momento
da realização do contrato, nem é uma boa-fé subjetiva. Ela
é integralmente objetiva e começa no momento em que a
companhia inicia o desenvolvimento de um produto, para só
terminar no momento do final da vigência da apólice, tenha
ou não acontecido um sinistro.
Dentro desse tempo, e nos limites do contrato, a compa-
nhia deve, por ser ética, se comportar com o máximo de lisura
e absoluta transparência, interna e externa, em cada momen-
to, mesmo porque fazer isso com convicção e profissionalismo
é a melhor forma de vender seu peixe e continuar crescendo.
O LUCRO DAS SEGURADORAS
Balanço de companhia de seguro precisa ser lido com
mais cuidado do que balanço de fábrica de geladeira ou loja de
29
T E M A S D E S E G U R O
móveis. Pela tipicidade do negócio, a última linha nem sempre
representa efetivamente o que aconteceu no ano, e o lucro
nela não quer obrigatoriamente dizer que a empresa ganhou
dinheiro com sua atividade fim.
A primeira coisa que é preciso ter claro quando se pen-
sa numa companhia de seguros é que ela tem duas fontes de
receitas. A primeira é o negócio de aceitar riscos e a segunda,
a remuneração do capital e das reservas da companhia, que
são o dinheiro do acionista e não têm nenhuma relação com a
atividade seguradora. Esse dinheiro serve como lastro para a
operação, mas sem interferência direta em seu resultado.
Portanto, a primeira providência na análise de um ba-
lanço com essas características é separar o que é negócio de
seguro do que é remuneração de capital. E isso nem sempre é
fácil, dadas as facilidades permitidas pela legislação brasileira
para a composição maquiada de um balanço de S.A.
É por isso que uma das melhores formas de se aferir o
que aconteceu é ler a linha do imposto de renda. Se a segura-
dora está pagando muito imposto, é sinal de que ela ganhou
dinheiro, independentemente do que está escrito na última
linha, que, nesses casos, evidentemente é bom.
Mas o recurso da linha do imposto sozinho não é
suficiente para mostrar com clareza o que aconteceu com o ne-
gócio. Ela pode indicar o grosso, mas não disseca a operação.
É verdade que essa, se a seguradora desejar, nunca vai
aparecer com toda a clareza, mas existem indicadores que,
ainda que com o balanço mascarado, apontam para um qua-
dro mais exato do desempenho da companhia.
O primeiro é a conta simples do índice combinado, que,
grosso modo, pode ser feita com o abatimento dos sinistros,
das despesas administrativas e das despesas comerciais do
30
A N T O N I O P E N T E A D O M E N D O N Ç A
prêmio do período. Se o resultado ficar abaixo de cem pontos
é um indicador de que a companhia ganhou dinheiro com o
negócio de seguro. Se ficar acima de cem, a indicação, pela ló-
gica, seria no sentido contrário, só que isso não é obrigatório.
Comparando com uma atividade mais fácil de ser com-
preendida: quando um banco capta dinheiro para a caderneta
de poupança, ele toma 100 para devolver 106, mais a variação
da inflação. Mesmo tendo que devolver mais do que tomou, o
banco ganha dinheiro na operação porque aplica os recursos a
taxas mais altas do que os 6% com que remunera a aplicação
do poupador. Essa regra se aplica também à atividade segu-
radora. A seguradora toma os mesmos cem e os investe, com
a diferença de que, ao contrário dos bancos, pode empenhar
mais ou menos do que eles.
Vale dizer, as seguradoras podem determinar o preço
dos seus seguros para fazer que a conta fique abaixo ou acima
dos cem pontos. Como as companhias bem administradas sa-
bem com precisão o custo de sua operação, elas podem deixar
a soma dos sinistros e das despesas ultrapassar os cem pontos
que corresponderiam ao prêmio e ainda assim ganhar dinhei-
ro com a aplicação desses recursos no mercado financeiro.
Com uma taxa de remuneração de dez por cento ao ano, as
seguradoras que tiveram um “índice combinado” de 108 ain-
da podem ganhar dinheiro com o negócio de seguro, para não
falar na aplicação de seus ativos, que, com as mesmas taxas,
têm um retorno invejável em qualquer lugar do mundo.
Outra forma de se aferir o desempenho de uma segura-
dora é verificar suas reservas obrigatórias. Se forem altas em
relação aos prêmios e principalmente aos sinistros pagos, é mais
um bom indicador de que se trata de uma empresa saudável.
E o pior indicador surge quando o balanço mostra que
31
T E M A S D E S E G U R O
o dinheiro dos acionistas está sendo usado para custear a ope-
ração de seguro. Nesse caso, independentemente do que diz
a última linha, a seguradora está perdendo dinheiro e, pior,
está usando o capital dos acionistas para camuflar o seu mau
desempenho.

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Temas de seguros: guia conciso

  • 1. Temas de Seguro Antonio Penteado Mendonça 2ª Edição Revista e Atualizada
  • 2.
  • 3. ANTONIO PENTEADO MENDONÇA São Paulo/2010 TEMASDESEGURO 2ª Edição Revista e Atualizada
  • 4. © 2010 Editora Roncarati Ltda. Todos os direitos reservados. É expressamente proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem prévia autorização do Autor e da Editora. 2ª Edição - Revista e Atualizada 2010 PREPARAÇÃO DE ORIGINAL Armando Olivetti EDITORAÇÃO ELETRÔNICA E CAPA Sergio Gzeschnik Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Mendonça, Antonio Penteado Temas de seguro / Antonio Penteado Mendonça. — São Paulo : Editora Roncarati, 2010. Bibliografia. ISBN 978-85-98028-34-7 1. Contratos de seguro - Brasil 2. Corretores de seguros 3. Direito de seguros - Brasil 4. Previdência privada 5. Planos de Saúde 6. Seguros - Brasil I. Título. 10-01812 CDD-368.981 Índice para catálogo sistemático: 1. Brasil : Seguros 368.981 2. Seguros : Brasil 368.981 2010 Editora Roncarati Ltda. Rua Clodomiro Amazonas, 89 – casa 8 – Itaim Bibi 04537-010 – São Paulo/SP Fone: (11) 3071-1086 www.editoraroncarati.com.br
  • 5. 5 PREFÁCIO Na era do efêmero, apenas uma coisa parece dura- doura: a incerteza. O incerto ronda a aventura humana. À dúvida metódica, necessária para se chegar à certeza, sucedeu o império da dúvida sistemática. Já não basta a cada dia sua própria aflição, pois o aflitivo é permanente. Os dogmas se desconstroem, não existem definições satisfatórias. O século 21 começou turbulento e ambíguo. Na visão de Díez Picazo os últimos anos foram de uma verdadeira revolução, capaz de conquistar três infinitos: o infinitamente pequeno (o átomo), o infinitamente grande (o cosmos) e o infinitamente complexo (a informática).1 Concepção análoga à de Albert Einstein, que denotara a explosão de três grandes bombas no século 20: a bomba demográfica, a bomba atômica e a bomba das teleco- municações. Ou aquilo que já foi chamado o segundo dilúvio, o das informações.2 1 Antonio García-Pablos Molina, Catedrático de Direito Penal da Universida- de Complutense de Madrid. “Informatica y Derecho Penal”. In: Implicaciones sócio-juridicas de las tecnologias de la informacion”. Madrid: Citema (Centro de la Informática, Telemática y Médios Afines), s.d., p.39. 2 Citado por Pierre Lévy. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 5ª reimpressão, 2005, p.13. A expressão ‘segundo dilúvio’ é de Roy Ascott, que Pierre Lévy denomina um dos pioneiros e principais teóricos da arte em rede.
  • 6. 6 A N T O N I O P E N T E A D O M E N D O N Ç A No Brasil a situação é ainda mais intrincada. Aqui convivem, no mesmo espaço territorial, ilhas pré-medievais, medievais, modernas e pós-modernas. O arquipélago da im- probabilidade amedronta os ainda capazes de discernir. O porvir é letargo, e ainda se acena com a produção de inteli- gências artificiais superiores ao raciocínio humano. Um dos signos desta era é a virtualidade. Baudrillard constatou que “nada mais preserva o palco do real. Nada mais nos preserva da obscenidade do virtual (da informação, da transparência etc.). Não somos mais os autores do real, e sim os agentes duplos do virtual”.3 O ciberespaço e a cibercultura não tranquilizaram o ser humano. Submetido ao estresse crescente das atribulações, da volúpia da velocidade com que o drama contemporâneo o re- quisita e com a paradoxal fragilidade de seu arcabouço físico, o homem tenderia a desesperar-se, não fora a existência de compensações para o seu desconforto existencial. A crença é uma alavanca mantenedora do curso da vi- da. A fuga para o hedonismo e o consumismo irrefreável é um alçapão transitório. Mas a civilização criou mecanismos outros para lenitivo da criatura que não quer se defrontar com sua finitude. O seguro é uma dessas instituições pro- piciadoras de alívio à humanidade. Atenuar o fardo de suas adversidades é anseio profundamente natural a qualquer en- te da espécie humana. Viver é trilhar uma estrada rumo ao desconhecido. A cada momento escancara-se o surpreendente, e este nem sempre amistoso. Os infortúnios, as perdas e os danos são os 3 Jean Baudrillard. Cool Memories III – Fragmentos 1991-1995. São Paulo: Es- tação Liberdade, 2000, p.138.
  • 7. 7 T E M A S D E S E G U R O companheiros mais encontradiços no percurso. Ao final do caminho, a única infalibilidade: a morte. Se a História – observada ao longo do tempo – adquire conotação de série de fatos inteligíveis, a história particular de cada homem, por ele mesmo analisada, pode não guardar coerência racional. É que ahistória(domundo,davida,dohomem)nãopodeserconcebida como simples desenvolvimento de uma lógica se encarnando nos fenômenos através do tempo, à maneira hegeliana. De fato, a história é, em parte, hegeliana, mas é também anti-hegeliana: fatos, acidentes, áleas modificam, aceleram ou quebram os processosfenomenológicos,eparticipamtambémdaconstituição de novos princípios. Portanto, a história biológica, assim como a história humana, é, não a de um desenvolvimento, e sim a de uma cascata de desenvolvimentos. É uma história fragmentada, desordenada e deslocada.4 Objeto da desventura, o ser humano – frágil caniço pen- sante – perde o prumo e o norte. Desvalido, compromete o seu porvir e o de sua prole. O efeito nefasto do insucesso é contaminador de múltiplos destinos. Bem por isso, a sucessão de inesperados não pode colher o homem desprevenido. Cumpre ao precavido aparelhar-se para o enfrentamento da álea demolidora de suas estruturas. A desestruturação econômica é suficiente a conduzir uma em- presa ou pessoa exitosa à ruína completa. Ruem os alicerces psicológicos mantenedores de seu equilíbrio, de sua resistên- cia aos embates, de sua coragem para o reinício. 4 Edgar Morin. O homem e a morte. Rio de Janeiro: Imago, 1997, p.15.
  • 8. 8 A N T O N I O P E N T E A D O M E N D O N Ç A O seguro é a alternativa ao caos. Apercebeu-se disso o talento, a vivacidade e o espírito criativo de Antonio Penteado Mendonça, o brasileiro mais inventivo no setor securitário. Ninguém pode dispensar no Brasil de hoje de suas lições provi- das de clareza e tecnicamente precisas. Não é singela a missão de se comunicar com milhões de leitores e de se fazer com- preendido por todos. Pense-se em um Brasil permeado pela heterogeneidade na escolarização, imagine-se um universo em que o analfabetismo funcional acomete razoável parcela da po- pulação, até mesmo aquela provida de formação universitária. Os ensinamentos de direito securitário ministrados por Antonio Penteado Mendonça não padecem da monotonia tecni- cista professoral, tão característica ao hermetismo forense. Ao contrário, atraem já a partir dos títulos dos artigos veiculados nos maiores jornais do país. A denominação do texto enxuto, preciso e instigante é um ímã ao qual não se consegue resistir. Antonio Penteado Mendonça familiariza seus leitores com temas em regra restritos a uma comunidade de iniciados. Desmistifica o seguro, recompõe e clarifica seus conceitos, remove equívocos e demonstra a essencialidade de se dispor dessa proteção indispensável na contemporaneidade. Sua destreza comunicativa se alia ao proveitoso domínio vernacular, e o resultado é um texto de singular fluência atra- tiva. Lê-se com prazer, pois o interesse deflui da abordagem elegante e persuasiva. Conclui-se, a cada leitura, que o seguro é a companhia amorável para mitigar a desdita. Bálsamo para a miserável condição terrena, refrigério disponível ao previ- dente. Remédio para as calamidades das quais ninguém se libera, pois conaturais ao mortal caminheiro do planeta. Sendas novas e auspiciosas são abertas pelo tirocínio do conselheiro capaz de oferecer as melhores salvaguardas. Não
  • 9. 9 T E M A S D E S E G U R O há espaço vedado à contratação do seguro, seja em relação às catástrofes naturais, seja no pertinente aos resultantes da fa- libilidade humana. Os imprevistos de toda ordem podem ser cobertos pelo manto protetor do amparo securitário. O assunto que o tratamento insípido das preleções tradicionais tornava árido e desataviado, resplandece com to- nalidades novas. Dentre as quais não é a de menor relevo a preocupação ética. Ética, a matéria-prima de que o Brasil tanto se ressente, encontrou o seu lugar nos ensinamentos diáfanos de Antonio Penteado Mendonça. A opção pelo contrato de seguro é alter- nativa ética à inviável fuga das desgraças. Agrega à reanimante convicção de se poder arcar com as procelas, o desafogo de uma postura moral irrepreensível frente aos atingidos. O se- guro é um fator de ataraxia no mundo de tormentos a que a categoria produtiva de bens e de valores está subordinada. Essa fisionomia de seguro como instrumento harmoni- zador, pacificador, conciliador e a um tempo presentâneo e acessível, deflui da ensinança irresistível de Antonio Penteado Mendonça. É o elemento diferencial preordenado a conferir condensação à promessa constituinte de edificar uma nação fraterna, justa e solidária. A capacidade de assumir responsa- bilidades abrevia esse projeto por tantos considerado utópico. A distinção dos estudos partilhados por Antonio Penteado Mendonça o credencia a um galardão duradouro no elenco dos doutrinantes verazes e destinados ao reconheci- mento dos coetâneos e dos pósteros. José Renato Nalini Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e Presidente da Academia Paulista de Letras.
  • 10.
  • 11. 11 A OPERAÇÃO DE SEGURO O QUE É SEGURO Ao contrário do que muita gente pensa, a operação de seguro não é uma invenção inglesa, surgida no século 18, nas mesas de um pub chamado Lloyd’s. Muito pelo contrário, a operação de seguros é uma das mais antigas – e a mais bem-sucedida – forma de proteção social desenvolvida pelo homem. Para se ter uma ideia da idade do conceito por trás desse tipo de contrato, o Código de Hamurabi, uma das normatizações legais mais antigas de que se tem notícia, já trazia entre suas disposições regras de proteção muito semelhantes aos comandos das apólices mo- dernas, variando apenas o objeto a ser protegido. Enquanto hoje o mundo se preocupa com satélites, computadores, riscos ambientais etc., na antiga Mesopotâmia visava-se proteger as caravanas, os camelos e os animais em geral. No mais, até alguns tipos de risco são os mesmos: enchentes, tempestades, roubo de mercadorias, saques, incêndios, tumultos etc., da- quela época até os nossos dias estão entre os riscos que têm rotineiramente seguros à sua disposição. O conceito básico que norteia toda e qualquer ope- ração de seguro é a repartição de determinados prejuízos
  • 12. 12 A N T O N I O P E N T E A D O M E N D O N Ç A econômicos que afetam alguns membros de uma determinada sociedade por todos os seus integrantes. Essa regra permane- ce inalterada, desde os tempos da antiga Babilônia. A única diferença substancial entre o passado e o presente é que lá se rateavam os prejuízos causados pela morte de parte dos camelos de uma caravana, e no mundo moderno se rateiam os custos de um satélite que não entrou em órbita, ou do roubo de veículos, ou da responsabilidade civil por um vazamento de material tóxico. É importante salientar que esse rateio só pode ser feito entre titulares de riscos semelhantes. Não é factível segurar objetos diversos contra riscos diferentes. Assim, a indenização de um seguro de vida tem obrigatoriamente que ser rateada entre os segurados de vida, ao passo que uma indenização por roubo de veículo tem que ser rateada entre os segurados de seguros de automóveis. Na medida em que a operação de seguro tem na base o rateio dos prejuízos de alguns segurados afetados por sinistros entre a massa total de segurados, é imprescindível que os ris- cos garantidos pela companhia de seguros, em suas diferentes carteiras, sejam semelhantes. Sem isso não é possível chegar a um prêmio estatístico justo, porque os riscos sendo diferentes, sua frequência e o valor das indenizações também o serão. Nem poderia ser de outro modo, já que um segurado que paga prêmio para ter seu carro garantido contra roubo tem um risco diferente daquele que paga prêmio para proteger-se de danos causados a terceiros em decorrência de sua profissão. Toda essa quantificação tem na sua origem a lei dos grandes números e a lei das probabilidades, com base nas quais são desenvolvidos os cálculos atuariais que determinam o custo de cada seguro e a contribuição individual de cada
  • 13. 13 T E M A S D E S E G U R O segurado, para a constituição de um mútuo destinado a fazer frente às indenizações devidas aos segurados que venham a ser atingidos por aquele determinado tipo de risco, para cuja proteção foi criado o fundo comum. A OPERAÇÃO DE SEGURO – 1 Desde o Código de Hamurabi, na antiga Mesopotâmia, o homem se vale de regras muito próximas às dos seguros atuais para proteger a sociedade organizada dos azares da vi- da e da natureza. A base conceitual do seguro é a repartição dos prejuízos de uns poucos por todos os componentes do grupo, minimizando o impacto individual pela transferência do total das perdas para a coletividade, proporcionalmente à capacidade de cada um suportar custos extras, sem compro- meter sua sobrevivência. Essa operação é conhecida como mutualismo. Ela é a soma das contribuições proporcionais aos riscos de todos os integrantes de um grupo para fazer frente a sinistros que afe- tem alguns de seus membros, em função de riscos cobertos pelas apólices. Em outras palavras, o mútuo é um grande fun- do, composto pelos prêmios pagos por todos os segurados, destinados a indenizar os sinistros previstos nas apólices, que afetem os integrantes do grupo. Assim, o negócio de uma seguradora não é correr ris- cos, mas assumir a obrigação de indenizar os sinistros de seus segurados, com base em análises as mais exatas possíveis, para dimensionar o custo de cada garantia oferecida indivi- dualmente, levando em conta todo o grupo. Seguro é massa, é a soma de milhares de contribuições, representadas pelos
  • 14. 14 A N T O N I O P E N T E A D O M E N D O N Ç A prêmios pagos por milhares de pessoas, para terem seus riscos transferidos para uma companhia de seguros, dentro de deter- minadas condições preestabelecidas e previstas nas apólices. Para a seguradora, o sinistro individual, desde que co- berto e com prêmio pago, é indiferente, porque o seu negócio é justamente arcar com essas despesas, pagando as indeniza- ções de seus segurados. Com o aumento da complexidade da atividade econô- mica moderna, as seguradoras passaram a se defrontar com riscos cada vez mais sofisticados e mais difíceis de serem dimensionados e assumidos de forma simples. Quer pelo ta- manho do objeto do seguro, quer pelo tamanho dos sinistros possíveis, quer pela frequência da sua ocorrência, esses riscos passaram a demandar cuidados especiais, que transformaram as seguradoras em empresas altamente especializadas, ca- pacitadas a assumi-los integralmente ou retendo apenas um pedaço mínimo da obrigação de indenizar, de acordo com sua capacidade de retenção e sua política de aceitação de riscos. Cada tipo de seguro é colocado num mútuo com ca- racterísticas próprias, destinadas a fazer frente aos sinistros daquele tipo de seguro. São os ramos ou carteiras de seguros. É por isso que os seguros de automóveis vão para a carteira de automóveis e os seguros patrimoniais vão para esta carteira. Não seria possível calcular o prêmio correto para um seguro de automóvel e outro de incêndio, aceitos na mesma cartei- ra. São realidades completamente diferentes, que precisam ser tratadas de forma diferente. E como esses riscos são diferen- tes, as seguradoras têm mecanismos diferentes para trabalhar cada um, através de diversas opções.
  • 15. 15 T E M A S D E S E G U R O A OPERAÇÃO DE SEGURO – 2 Ao decidir atuar numa determinada carteira de seguro, uma seguradora deve ter respostas para uma série de questões extremamente importantes, para que chegue a um final feliz. A primeira delas é se ela conhece o mercado em que pretende atuar, porque, se não o conhecer, os riscos de lançar produtos fora de sintonia com as aspirações dos segurados são grandes, e isso pode inviabilizar o projeto, porque ninguém comprará suas apólices. Mais grave ainda, ao atuar num segmento des- conhecido, a seguradora corre o risco de lançar produtos mal dimensionados ou formulados com base em premissas erra- das, e aí o resultado da operação será, com certeza, o prejuízo, e por um bom tempo, já que as apólices de seguros têm vigên- cia no mínimo anual. Mas, além disso, é importante a companhia dimensionar qual a participação que ela deseja ter no risco aceito. Se for um risco unitariamente pequeno, com baixa frequência de sinistros e grande potencial de segurados, pode ser interessante retê-lo integralmente. Porém, contratar planos de resseguros pode re- presentar transferência de tecnologia de ponta para a seguradora, além de ser uma tábua de salvação importante para uma empresa que deseja entrar num segmento novo e desconhecido. Como se vê, as decisões não são fáceis e envolvem variá­ veis quase opostas, que, se adotadas de um ou de outro jeito, terão impactos diferentes no resultado da empresa. É por isso que o marketing é – ou deveria ser – uma das principais ativi- dades de qualquer seguradora. Sem um conhecimento amplo do setor visado e o planejamento estratégico adequado para atacá-lo, uma companhia de seguros corre sérios riscos de in- solvência, independentemente do seu tamanho.
  • 16. 16 A N T O N I O P E N T E A D O M E N D O N Ç A Aliás, justamente por essa gama de possibilidades, o ta- manho de uma seguradora não é tão importante, no momento em que ela aceita um risco. Muito mais importante, especial- mente em riscos de grande porte, é a contratação dos planos de resseguros que garantem o seguro e que são, na realidade, quem fica com o grosso do risco. Como os limites das seguradoras nacionais não são sufi- cientes para reter riscos do porte, elas são obrigadas a aceitar as condições impostas de fora para dentro, porque quem real­ mente retém os riscos, ou seja, quem paga as indenizações, são os resseguradores. Limiteéquantoumaseguradorapodereterdedetermina- do risco. Se, por um lado, a retenção integral de um automóvel pode ser feita por praticamente qualquer seguradora, a mesma regra pode não valer para os seguros de responsabilidade civil desse mesmo veículo. A retenção da companhia na carteira de responsabilidade civil pode ser menor do que a importância segurada pretendida por um segurado, e, aí, a seguradora é obrigada a transferir o que exceder o seu limite para outra seguradora ou para um ressegurador. Essa transferência, obrigatória, visa proteger a segu- radora, limitando sua obrigação de indenizar a patamares compatíveis com o que ela pode suportar, sem ficar abalada, em função de seu tamanho. A OPERAÇÃO DE SEGURO – 3 A principal garantia da solidez do mercado segurador internacional é a sua capilaridade. Na medida em que as com- panhias de seguros são obrigadas a, no mínimo, respeitar os
  • 17. 17 T E M A S D E S E G U R O seus limites de retenção, grande parte dos riscos acaba sendo transferida para outras companhias que, por também terem limites, os repassam para uma terceira leva de companhias que, da mesma forma que as anteriores, os repassam para uma quarta linha de empresas e assim sucessivamente, até o ris- co ser integralmente colocado, no número de seguradoras e resseguradoras necessário para a sua absorção integral, sem expor nenhuma delas a responsabilidades maiores do que as de sua capacidade operacional. Dando um exemplo para mostrar como isso funciona, as operações de cessão de risco seriam muito mais sofistica- das, mas semelhantes às do jogo do bicho, onde as bancas pequenas repassam para os grandes bicheiros os valores que, caso muitos apostadores ganhassem, poderiam representar o seu estouro. As operações de resseguro têm, em princípio, o mes- mo objetivo dos pequenos bicheiros. Todavia, dada a imensa complexidade das atividades econômicas modernas, elas aca- baram se sofisticando para permitir às companhias de seguros e às próprias resseguradoras, não apenas transferirem os seus excedentes de responsabilidade, mas também desenvolverem planos de proteção capazes de permitir uma rentabilidade mí- nima para suas respectivas carteiras, mesmo se afetadas por altas taxas de sinistralidade. Essa sofisticação faz a capilaridade do mercado atingir patamares quase inacreditáveis para quem não está familiari- zado com a atividade. Por exemplo, um pedaço do seguro do metrô de Moscou, anos atrás chegando ao Brasil através de uma operação de aceitação de risco do IRB-Brasil Resseguros S.A. Mas se a capilaridade por si só já é uma ferramen- ta fundamental para a preservação do mercado segurador
  • 18. 18 A N T O N I O P E N T E A D O M E N D O N Ç A internacional, ela não é a única. Além da obrigação de limitar suas responsabilidades, as companhias de seguros têm também o dever de constituir reservas técnicas para fazer frente ao seu negócio, que é pagar sinistros. Assim, com base nas estatísticas de sinistralidade das diferentes carteiras das companhias de seguros, elas são obrigadas a ter permanentemente separados, em contas espe- ciais, fundos dos quais são sacados os valores necessários para indenizar os sinistros, na medida em que estes vão sendo in- formados pelos segurados. Como se não bastasse, as companhias de seguros de- vem ter capital e ativos compatíveis com as suas operações, e esses recursos, mesmo não comprometidos com as reservas, são uma garantia adicional da sua capacidade para pagar os seus sinistros. Num sistema que fatura anualmente 3 trilhões de dóla- res, essas ferramentas são suficientes para preservar a solidez das companhias bem gerenciadas e, consequentemente, a tranquilidade dos segurados, que têm a certeza de receber a indenização de seus sinistros. SEGURO É NEGÓCIO E CONTRATO A atividade seguradora não é instituição de caridade. Ela é um negócio, com o objetivo do lucro, por isso tende a ser eficiente e cumprir de forma satisfatória sua missão de proteger e incentivar o desenvolvimento social. Sendo negócio, a atividade segue as regras inerentes às empresas que se dedicam a fazer negócios, mas, por ser negó- cio de caráter especial, segue, também, regras específicas, que
  • 19. 19 T E M A S D E S E G U R O a norteiam, fazendo dela um setor regulamentado por normas especiais que interferem para dar desde a forma da constitui- ção das empresas até os parâmetros que determinam quem são os que podem ou não participar, em que abrangência e com que competência. É assim que no Brasil as companhias de seguros são so- ciedades anônimas, incidindo sobre elas, de forma integral, a legislação societária e fiscal inerente a esse tipo de empresa. Mas, além de ser obrigatoriamente uma sociedade anô- nima, para que uma empresa possa ser seguradora, ela deve preencher uma série de requisitos impostos por legislação específica que regulamenta o sistema nacional de seguros pri- vados, que determina desde o capital mínimo até a forma de atuação e os ramos em que a companhia, dependendo de sua constituição, pode ou não operar. Ao contrário da imensa maioria das sociedades anônimas que para iniciar suas atividades necessitam apenas os registros previstos na legislação aplicável a elas, as seguradoras, antes de serem autorizadas a vender suas apólices, precisam, além de se constituírem como sociedades anônimas, provar a subscrição de um capital mínimo determinado por norma legal, obter au- torização de funcionamento junto à SUSEP (Superintendência de Seguros Privados), definir os ramos de seguros e as unida- des da Federação em que pretende atuar, definir os limites técnicos e operacionais de cada ramo de seguro, aprovar os nomes de seus dirigentes junto à SUSEP, realizar um depósito mínimo em conta vinculada no Banco do Brasil etc. De acordo com a lei, apenas as companhias de seguros estão autorizadas a aceitar riscos, contratar seguros e vender apólices. Dada a natureza de caráter fortemente social da ati- vidade, elas estão sujeitas a controles muito mais rígidos e a
  • 20. 20 A N T O N I O P E N T E A D O M E N D O N Ç A uma legislação que vai além da legislação societária empresa- rial normal brasileira. Uma seguradora, ao fazer um seguro, está se dispondo a cumprir uma obrigação futura, que, em se materializando a si- tuação, se não for integralmente respeitada, pode causar dano de vulto ao segurado que comprou dela uma apólice, imagi- nando se proteger, por estar transferindo para a seguradora a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos decorrentes de sinistros cujos eventos estão previstos e cobertos pelo seguro. Se uma seguradora deixa de honrar o pagamento de uma indenização devida, o segurado, que pagou adian- tadamente pelo direito de ter essa contrapartida, além do prejuízo direto causado pelo sinistro que o atingiu, fica tam- bém sem ter a quem recorrer para arcar com os custos para a recomposição de seu patrimônio, sendo obrigado a destinar parte de suas reservas – se as tiver – para fazer frente a uma obrigação que havia sido transferida para a companhia de seguros, em virtude de um negócio formalizado através de um contrato. Daí a importância da participação do poder público na regulamentação e na fiscalização da atividade seguradora, e daí a necessidade de todo negócio de seguro ser feito obriga- toriamente através de um contrato com regras extremamente rígidas, a começar por ter nome: apólice de seguro. Sem que haja uma apólice, não há um contrato de seguro, ou seja, não há uma operação de seguro e, consequentemente, não há a transferência da obrigação de arcar com os prejuízos causados por um sinistro coberto do contratante para a contratada. O contrato de seguro é um contrato de adesão regu- lado pelo Código Civil em capítulo especialmente dedicado a ele. Essa exclusividade que lhe é dada pela lei pertinente
  • 21. 21 T E M A S D E S E G U R O não é mais do que a forma prática de se proteger as partes, já que, pelas tipicidades da operação, tanto a seguradora como o segurado podem causar dano ao outro, se não respeitarem os pressupostos básicos e essenciais de um negócio que tem no mutualismo sua base econômica, de onde são sacados os recursos para o pagamento de indenizações decorrentes de eventos futuros, aleatórios, previstos na apólice e que causem prejuízo econômico ao segurado. Assim, a apólice deve especificar os riscos cobertos, as exclusões, bens sem cobertura e situações de perda de direito à indenização com clareza, nos termos impostos pelo Código de Defesa do Consumidor no que tange aos contratos de ade- são. Feito isso, as condições contratadas devem ser respeitadas para não prejudicar o mútuo. A RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA Uma questão interessante para quem estuda os assuntos ligados a seguros é a da responsabilidade da seguradora, ou melhor, das responsabilidades da seguradora, já que, sendo um contrato complexo, o contrato de seguro coloca mais de uma responsabilidade no polo da companhia de seguros. Entre todas, sem dúvida a mais relevante é a responsabi- lidade contratual de pagar a indenização. Afinal, o pagamento da indenização é a razão de ser do contrato de seguro, sua essência e sua finalidade. Mas a companhia de seguros só é responsável perante seu segurado em função de um contrato, a apólice de seguro, que delimita a extensão dessa respon- sabilidade de acordo com seu clausulado e com os valores envolvidos. Assim, a responsabilidade da seguradora não é
  • 22. 22 A N T O N I O P E N T E A D O M E N D O N Ç A ampla e irrestrita, nem se confunde com o próprio sinistro ou com o total do prejuízo dele resultante. Uma companhia de seguros não é em hipótese alguma, dentro das relações geradas pela apólice, responsável pelo sinistro. De acordo com o contrato, ela é responsável pelo pagamento da indenização do sinistro, o que é completamente diferente de responder pelo próprio dano e por seus prejuí­ zos. Mais do que isso, ela é responsável apenas dentro dos limites do contrato, ou seja, em função da apólice de seguro a seguradora tem fronteiras definidas, dentro das quais su- as responsabilidades precisam estar claramente colocadas, e a mais importante dessas limitações – até mesmo para defesa do mútuo e dos outros segurados – é a que veda a companhia de indenizar mais do que o previsto na apólice, seja em função de valor, ou de cláusula de garantia do risco ou de exclusão de cobertura. A ocorrência de um sinistro, ainda que em se tratan- do de um risco em princípio coberto pela apólice, não gera a certeza do pagamento da indenização. Existe toda uma série de variáveis que podem influir positiva ou negativamente no resultado da obrigação de fazer, impondo à seguradora o ônus do pagamento ou liberando-a dessa obrigação. A lei tipifica a operação de seguro assim: “Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento de um prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou coisa, contra riscos predeterminados” (Artigo 757 do Código Civil). Sendo a obrigação da seguradora garantir interesse legí- timo do segurado contra riscos predeterminados, não há que se falar em responsabilidade direta dela pela ocorrência do sinistro. Assim, o sinistro – que é a materialização do risco em
  • 23. 23 T E M A S D E S E G U R O função da ocorrência do evento previsto na apólice, que gere prejuízo econômico para o segurado – gera uma expectativa de obrigação para a seguradora, condicionada aos demais termos e condições do contrato, que pode se concretizar ou não. A ocorrência do evento previsto no contrato por si só não implica automaticamente a certeza do desembolso de qualquer valor pela companhia de seguros. Para que haja essa conclusão é indispensável que o evento cause, antes de tudo, um prejuízo econômico ao segurado. Sem a existência da per- da econômica, não há obrigação de indenizar. Na medida em que a seguradora repõe a perda ou o prejuízo, sem que este exista concretamente, não surge a condição contratual fun- damental, que é exatamente pagar os prejuízos econômicos sofridos pelo segurado em decorrência do evento. Exemplificando, num seguro de vida, a seguradora não é responsável pela morte do segurado; ela responde pelo pa- gamento do valor avençado na apólice, a ser feito para os beneficiários do seguro, no caso da morte dele. Da mesma forma, num incêndio, a seguradora não é responsável pelo fogo ou pelos danos que ele causa; ela responde pela inde- nização dos prejuízos decorrentes deles. E essa situação se repete em todos os outros seguros, especialmente nos seguros de responsabilidade civil facultativa, que antes de tudo são seguros de reembolso, nos quais a seguradora tem a obriga- ção contratual de ressarcir o segurado pelas quantias que for obrigado a pagar a terceiro em função de dano involuntário causado a ele. Todavia, nos seguros de responsabilidade civil a lei impõe algumas exceções e, mesmo a seguradora não sendo nunca responsável direta pelo dano, nessas situações especiais, representadas pelos seguros obrigatórios de responsabilidade, ela pode ser acionada pelo terceiro, vítima do dano causado
  • 24. 24 A N T O N I O P E N T E A D O M E N D O N Ç A pelo segurado. Mas mesmo nessa situação a responsabilidade da companhia de seguro é contratual, ou seja, ela não se con- funde com a responsabilidade do causador do dano frente à vítima, nem, tampouco, com a origem do próprio dano. Finalizando, em toda relação de seguro existem sempre dois momentos distintos. O da ocorrência do evento previsto na apólice, que gera determinado prejuízo, e o do pagamento da indenização pela companhia de seguros, que pode ou não cobrir integralmente os prejuízos causados pelo sinistro, nos limites do contrato. ÉTICA, SEGUROS E TRANSPARÊNCIA – 1 Ao longo das últimas décadas o Brasil vem passando por um processo interessante de resgate dos princípios éticos ne- cessários à construção e manutenção de uma sociedade ativa e mais justa, baseada nos fundamentos essenciais para o funcio- namento da democracia e para a criação de um cenário hábil a dar o suporte à mudança de patamar econômico-social que nos permitirá entrar no seleto grupo dos países desenvolvidos. Ao contrário do que pode parecer, a explosão de es- cândalos que invariavelmente chocam a opinião pública não significa o aumento incontrolável do crime e da esperteza, mas o primeiro resultado dessa luta da sociedade para moralizar a nação, tanto no público, como no privado. Desde o impeachment do presidente Collor, que pode ser visto como o marco inicial desse processo, o Brasil vem exigindo de si um esforço fantástico, que já resultou em ações como os processos de cassação de parlamentares por falta de decoro, na identificação de vários setores do crime organizado,
  • 25. 25 T E M A S D E S E G U R O no repúdio da sociedade a todas as práticas menos claras, em todos os níveis de atuação. Esse resgate da ética tem claros reflexos na atividade empresarial do país. Por conta dele, e pelo uso – às vezes ex- cessivo – de medidas legais à disposição da sociedade, como o Código de Defesa do Consumidor, diversos setores econômi- cos vão modificando suas posturas, passando a agir, acima de tudo, com mais respeito pelos clientes, consumidores poten- ciais e a sociedade em geral. É evidente que ainda há muito a ser feito. Estamos co- meçando uma longa marcha e, portanto, ainda existem abusos de todas as ordens, e certamente novos escândalos virão à tona. Mas os princípios básicos, que foram resgatados pela indignação popular diante de toda sorte de desmandos que eram rotina em nossa vida, já estão consolidados e gerando frutos, como os recalls feitos pela indústria automobilística, os novos clausulados dos contratos de compra e venda, a ex- tensão dos prazos de garantia dos mais diversos produtos, os serviços de atendimento aos clientes etc. E é aqui que a atividade seguradora tem um problema. Enquanto um fabricante de geladeira, ao vender seu produto, pode mostrá-lo e o comprador pode testá-lo, porque existe um bem físico, de determinado tamanho, cor, peso etc., uma apóli- ce de seguro é um pedaço de papel, com cláusulas e condições que só poderão ser testadas se acontecer o sinistro, o que não é obrigatório, e que, de qualquer forma, só acontecerá no futuro. Quer dizer, seguro não tem test drive. A apólice é comprada no escuro, na confiança, e por isso pode dar chabu, depois de pago o prêmio e na hora em que o segurado mais precisa dela. Pela tipicidade, a lei que regulamenta o sistema nacional
  • 26. 26 A N T O N I O P E N T E A D O M E N D O N Ç A de seguros privados, votada em 1966, é provavelmente a primeira lei de defesa do consumidor brasileira. Focada na proteção do segurado em sua relação com seguradoras e cor- retores de seguros, a lei contém uma série de disposições que mesmo em caso de quebra da companhia, garantem o paga- mento dos sinistros. Mas só uma lei, no Brasil, não é suficiente para obri- gar alguém a fazer alguma coisa. E se o setor de seguros tem credibilidade, e ao longo dos últimos anos cresceu a taxas su- periores ao resto do país, é porque a atividade é séria, ética, e na média cumpre o contratado. Esta é a melhor forma de atuar. Para que ela se consolide, é só as seguradoras continuarem investindo no treinamento de seus quadros. ÉTICA, SEGUROS E TRANSPARÊNCIA – 2 Ética só tem sentido como um conceito objetivo. Sem sua aplicação prática, na forma de condução das próprias ações, coerentemente sintonizadas com os padrões morais em que se acredita, não há ética, pelo contrário, neste caso existe uma atitude antiética, e, portanto, reprovável, ainda que de acordo com a posição de determinada maioria. Por isso a apli- cação prática da ética é antes de tudo um ato de boa-fé. Sem boa-fé não há padrão ético que se sustente. E, curiosamente, sem boa-fé não há operação de seguro. Para alicerçar as atividades seguradora e resseguradora, ampliadas para conter capitalização, planos de saúde priva- dos e previdência privada aberta, há que haver a boa-fé – e de ambos os lados. Vale dizer, segurador e segurado devem,
  • 27. 27 T E M A S D E S E G U R O obrigatoriamente, respeitar a mais estrita boa-fé na condução do negócio, o que é muito mais abrangente e profundo do que o momento da assinatura do contrato. Assim, por definição conceitual, a atividade seguradora – na medida em que exige a boa-fé das partes e a boa-fé é o ato que exprime a atitude ética – é essencialmente uma atividade ética, o que, pela análise dos números do setor no mundo, pode ser comprovado pelas somas astronômicas, pagas anual­ mente como indenizações cobertas pelas mais diferentes apólices, para os mais diversos riscos. O exemplo clássico está, sem dúvida, nas indenizações decorrentes do atentado terrorista de 11 de setembro de 2001, que totalizaram várias dezenas de bilhões de dólares e evita- ram um colapso em Nova York. Mas existem números mais próximos que mostram que o Brasil não é exceção à regra e que aqui a atividade seguradora também é ética e eficiente. De acordo com estatísticas recentes anualmente aconte- cem 300 mil contenciosos envolvendo seguros. É um número que sem um referencial para comparação pode impressionar, porque é bastante alto. Todavia, se lembrarmos que no Brasil existem mais ou menos 100 milhões de relações de seguros, esse número deixa de ser tão impressionante assim. Supondo que, do total de riscos cobertos, 10% apresentem algum ti- po de sinistro, os 300 mil casos representam apenas perto de 1,5% dos sinistros reclamados, já que é preciso não esquecer que, numa conta de chegada, mais ou menos a metade deles não tem razão na queixa. Ora, não há como discutir com números, e são eles que provam também que a maioria das operadoras de planos de saúde privados é séria. Num universo aproximado de 50 mi- lhões de usuários, com mais de 150 milhões de procedimentos
  • 28. 28 A N T O N I O P E N T E A D O M E N D O N Ç A autorizados anualmente, o número de reclamações contra elas é insignificante. Para não falar nos planos de previdência privada abertos, que, mesmo sendo produtos recentes e, por- tanto, menos sujeitos a ter suas falhas expostas, praticamente não têm reclamações ou ações judiciais contra eles. Como qualquer atividade humana, o setor está sujeito a erros. Ninguém pretende minimizar o impacto de uma in- denização coberta e não paga, nem a tragédia que isso pode representar na vida de uma pessoa. São situações que aconte- cem e, mesmo sendo minoria, podem ser terríveis e por isso devem ser incessantemente combatidas, através de uma busca constante pelo aprimoramento da mão de obra e das rotinas técnicas e operacionais. A boa-fé na operação de seguro, explicitamente exigi- da pela filosofia e pela lei, não é apenas boa-fé no momento da realização do contrato, nem é uma boa-fé subjetiva. Ela é integralmente objetiva e começa no momento em que a companhia inicia o desenvolvimento de um produto, para só terminar no momento do final da vigência da apólice, tenha ou não acontecido um sinistro. Dentro desse tempo, e nos limites do contrato, a compa- nhia deve, por ser ética, se comportar com o máximo de lisura e absoluta transparência, interna e externa, em cada momen- to, mesmo porque fazer isso com convicção e profissionalismo é a melhor forma de vender seu peixe e continuar crescendo. O LUCRO DAS SEGURADORAS Balanço de companhia de seguro precisa ser lido com mais cuidado do que balanço de fábrica de geladeira ou loja de
  • 29. 29 T E M A S D E S E G U R O móveis. Pela tipicidade do negócio, a última linha nem sempre representa efetivamente o que aconteceu no ano, e o lucro nela não quer obrigatoriamente dizer que a empresa ganhou dinheiro com sua atividade fim. A primeira coisa que é preciso ter claro quando se pen- sa numa companhia de seguros é que ela tem duas fontes de receitas. A primeira é o negócio de aceitar riscos e a segunda, a remuneração do capital e das reservas da companhia, que são o dinheiro do acionista e não têm nenhuma relação com a atividade seguradora. Esse dinheiro serve como lastro para a operação, mas sem interferência direta em seu resultado. Portanto, a primeira providência na análise de um ba- lanço com essas características é separar o que é negócio de seguro do que é remuneração de capital. E isso nem sempre é fácil, dadas as facilidades permitidas pela legislação brasileira para a composição maquiada de um balanço de S.A. É por isso que uma das melhores formas de se aferir o que aconteceu é ler a linha do imposto de renda. Se a segura- dora está pagando muito imposto, é sinal de que ela ganhou dinheiro, independentemente do que está escrito na última linha, que, nesses casos, evidentemente é bom. Mas o recurso da linha do imposto sozinho não é suficiente para mostrar com clareza o que aconteceu com o ne- gócio. Ela pode indicar o grosso, mas não disseca a operação. É verdade que essa, se a seguradora desejar, nunca vai aparecer com toda a clareza, mas existem indicadores que, ainda que com o balanço mascarado, apontam para um qua- dro mais exato do desempenho da companhia. O primeiro é a conta simples do índice combinado, que, grosso modo, pode ser feita com o abatimento dos sinistros, das despesas administrativas e das despesas comerciais do
  • 30. 30 A N T O N I O P E N T E A D O M E N D O N Ç A prêmio do período. Se o resultado ficar abaixo de cem pontos é um indicador de que a companhia ganhou dinheiro com o negócio de seguro. Se ficar acima de cem, a indicação, pela ló- gica, seria no sentido contrário, só que isso não é obrigatório. Comparando com uma atividade mais fácil de ser com- preendida: quando um banco capta dinheiro para a caderneta de poupança, ele toma 100 para devolver 106, mais a variação da inflação. Mesmo tendo que devolver mais do que tomou, o banco ganha dinheiro na operação porque aplica os recursos a taxas mais altas do que os 6% com que remunera a aplicação do poupador. Essa regra se aplica também à atividade segu- radora. A seguradora toma os mesmos cem e os investe, com a diferença de que, ao contrário dos bancos, pode empenhar mais ou menos do que eles. Vale dizer, as seguradoras podem determinar o preço dos seus seguros para fazer que a conta fique abaixo ou acima dos cem pontos. Como as companhias bem administradas sa- bem com precisão o custo de sua operação, elas podem deixar a soma dos sinistros e das despesas ultrapassar os cem pontos que corresponderiam ao prêmio e ainda assim ganhar dinhei- ro com a aplicação desses recursos no mercado financeiro. Com uma taxa de remuneração de dez por cento ao ano, as seguradoras que tiveram um “índice combinado” de 108 ain- da podem ganhar dinheiro com o negócio de seguro, para não falar na aplicação de seus ativos, que, com as mesmas taxas, têm um retorno invejável em qualquer lugar do mundo. Outra forma de se aferir o desempenho de uma segura- dora é verificar suas reservas obrigatórias. Se forem altas em relação aos prêmios e principalmente aos sinistros pagos, é mais um bom indicador de que se trata de uma empresa saudável. E o pior indicador surge quando o balanço mostra que
  • 31. 31 T E M A S D E S E G U R O o dinheiro dos acionistas está sendo usado para custear a ope- ração de seguro. Nesse caso, independentemente do que diz a última linha, a seguradora está perdendo dinheiro e, pior, está usando o capital dos acionistas para camuflar o seu mau desempenho.