1. O SOM DO NORDESTE
Prezado leitor, quero convidá-lo a um passeio pela sonoridade da música nordestina,
com sua poesia, sons, melodias, cores e calor.
Com esse objetivo, me aproveito de algumas canções do repertório popular para que
as pessoas que não conhecem tenham algum contato e para aqueles que já têm intimidade, a
oportunidade de mergulhar nos caminhos da memória.
Recentemente estive em São Luís do Maranhão, lugar onde vivi de 1969 a 1984 e que
depois de quase trinta anos, retornei para uma viagem rápida de dois dias. Foi um momento
de imersão por lugares, cores, luzes, músicas regionais e contemporâneas que me são tão
íntimas quanto caras.
Motivado por esta experiência achei que seria bom trazer um pouco dos sons mais
tradicionais neste artigo, e, num segundo, falar das novidades e contemporaneidades da
música nordestina. Deixo claro que se trata de uma pequena amostra com recortes
intencionais onde cada estilo pode ser tema de outros artigos.
Para ilustrar essa gama de sons escolhi falar rapidamente sobre as Cantorias de Viola
com seus desafios, a Embolada, o Frevo, a Banda de Pífano, o Côco, o Bumba-Meu-Boi, e a
Ciranda. Sete estilos retirados da vasta coxa de retalhos cultural que é o nordeste brasileiro.
Comecemos com a poesia improvisada dos Violeiros da Cantoria ou Desafio.
A música nordestina tem como referência a cultura ibérica do século VII, invadida
pelos árabes que introduziram vários instrumentos musicais, entre eles o alaúde. Esse
instrumento sofreu várias modificações até receber, em Portugal, o nome viola. Nas Catorias
nordestinas, especificamente no início e nos intervalos entre as estrofes os músicos tocam
uma parte instrumental conhecida como baião-de-viola ou ponteado. A Cantoria de Viola é
executada pelo Repentista, que improvisa seus versos ou repentes. Normalmente são dois
cantadores, de viola em punho, que improvisam durante toda a noite, desafios em versos
muito divertidos contando estórias sobre cangaceiros, assombrações, romances proibidos e
contos fantásticos. Escutemos Moacir Laurentino e Sebastião da Silva cantando Paisageando o
Sertão.
As feiras nordestinas com seu artesanato, cestos, flandres, rendas, resultantes da
mistura do talento artística do sertão, cangaceiros, beatos e cantadores tem seu momento
maior quando dois emboladores se encontram. A Embolada é o que podemos chamar de um
verdadeiro duelo com as palavras. Os dois emboladores com pandeiro ou o ganzá
(instrumento de flandre , cheio de caroços de chumbo) tecem seus desafios e recebem dos
circundantes a paga que podem elogiar ou satirizar. Achei no youtube um exemplo retirado
das ruas do Recife, a dupla Peneira e Sonhador cantando Rico x Pobre. A Embolada de
improviso e o diálogo com o público é imperdível.
O Frevo é dança e música e é música e dança. Oriundo da modinha, do dobrado
militar, da quadrilha e do maxixe sofreu várias transformações no seio da cultura popular.
2. Originalmente o frevo não tinha letra e era dançado por capoeiras e valentões do Recife. Hoje
podemos encontrar algumas variações como o frevo-canção e o frevo-de-bloco que para
alguns representam a descaracterização das origens do estilo. Como são muitos os
representantes optei pelo grupo Spok Frevo Orquestra tocando Passo de Anjo, e a versão
deliciosa executada pelo violoncelista Yo-yo Ma e os irmãos Sérgio e Odair Assad para o
clássico, Vassourinha.
Abro um espaço necessário e justo para citar o Movimento Armorial. Movimento
idealizado por Ariano Suassuna ..... O Quinteto Armorial, grupo formado por instrumentos da
cultura nordestina executa aqui a belíssima Toada e Dobrada de Cavalhada.
Renato Cordeiro Campos, estudioso da cultura nordestina nos apresenta a Banda de
Pífanos como orquestra rústica com seus pífanos de taboca (Bambu) que lembram
instrumentos indígenas, utilizados para “tirar” esmolas para o Divino Espírito Santo. A Banda é
quase sempre formada por dois ou três pífanos (normalmente em tons diferentes) três
tambores, uma caixa e pratos de metal. Apresento-lhe a Banda de Pífanos de Caruaru da
família Biano. Na minha infância tive o prazer de ver meu pai produzindo alguns pífanos com
bambu e cano PVC, herança da sua infância em Parnaíba (PI).
O Côco é tocado e dançado em praticamente todo o Nordeste, principalmente nas
zonas canavieiras e praieiras. A dança começou nos engenhos de origem africana chegando a
atingir salões elegantes de Maceió e João Pessoa. Interessante observar que também é
chamado de samba, pagode, zambê e bambelô. Os grupos instrumentais normalmente são
constituídos de pandeiro, pau-de-mestre (ganzá), puita e bobão (surdo). Supõe-se que tenha
nascido no Quilombo dos Palmares. Escolhi para representar este estilo a música de Selma do
Côco, artista de Pernambuco, interpretando Submarino Alemão.
Bumba-meu-boi é uma espécie de drama pastoril e um dos estilos mais característicos
da cultura Nordestina. Embora reconheçamos alguns traços europeus, é de longe o mais
brasileiro dos estilos musicais pois seus temas, estrutura, personagens e música são
profundamente brasileiros. Com origem no período natalino, o bumba-meu-boi, por exemplo
em São Luís do Maranhão é uma das manifestações mais apresentadas durante o carnaval e
nas festas de São João. E se transformou em produto turístico e midiático. Podemos encontrar
variações dessa manifestação em várias regiões brasileiras. Aqui me dou o direito de tomar
emprestada uma das músicas mais cantadas na Ilha do Amor, Se Não Existisse o Sol,
interpretado pelo Boi-de-Matraca da Maioba.
Já a Ciranda com seu ritmo lento e suave, permite a participação de muitas pessoas
em formação de roda, girando de mãos ou braços dados ao som forte do bombo. Existe a
cirandinha cantada pelas crianças e a ciranda propriamente e que é dançada por adultos. É
uma dança de, e, para todos. Daí que se pode ver nas rodas, ricos e mulatos operários
descalços de camisa suada, políticos, professores universitários e empregadas domésticas
bailando juntos. O conjunto instrumental é normalmente formado por bombo, caixa, ganzá e
de um instrumento de sopro que pode ser um saxofone, trombone ou clarineta. Ouçamos Lia
de Itamaracá interpretando a Ciranda Sou Lia.
3. Como não poderia ser diferente, vamos terminar este artigo falando do artista que
levou para todo o país a música nordestina. Falo de Luiz Gonzaga do Nascimento, o Rei do
Baião e um dos mestres da sanfona/acordeão. Esse Pernambucano, cantou a alegria das festas
juninas e dos forrós pé-de-serra, mas também a pobreza, as tristezas e as injustiças de sua
árida terra, o sertão nordestino. Convido-o a ouvir Respeita Januário e Vida de Viajante.
Bem, termino aqui a primeira parte dessa viagem pela música e pela alma musical
nordestina esperando ter transmitido um pouco dessa riquíssima cultura.
Grande abraço a todos (as)!