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Teimo em descobrir as errâncias (não confundir com erros) dos sujeitos que entrela-
çam vidas, ideais e histórias. Há sete anos, moço recém chegado de uma cidadezi-
nha interiorana, colocaram-me um agasalho de dúvida, um chapéu de incerteza e afiançaram
em mim uma incógnita. Meu escritor favorito (sim, eu tenho, nunca neguei e nunca negarei a
existência do meu escritor favorito), Caio Fernando Abreu, cuja vida e obra me fascinam, entre-
cruzara sua entidade (sim, eu o entrono) com a entidade (também o entrono) de um santa-
mariense na década de 1970. Ontem, tomei coragem e fui conversar com esse santa-mariense.
Desagasalhei o mistério.
Reproduzo a seguir, um pouco da história, exultante ainda, pelo segredo desnudado
e pela confiança a mim cedida por esse homem santa-mariense. Porto Alegre,
1974, ou 1975, show de Caetano e de Gal no Gigantinho. Eis que aparece uma figura andrógina,
enleada na desterritorialização dos corpos. Uma amiga em comum do Caio F. e do homem san-
ta-mariense, os apresenta na fila do evento. O santa-
mariense, apesar de ler as crônicas de Caio no jornal Zero
Hora e de vê-lo passar pela Rua da Praia, não havia, ainda,
despido sua alma. Sob efeito do ácido (imagem geracional
da libertação do corpo e da mente a partir dos anos 1960),
“aqueles dois” vão até um apartamento e coincidem sob
“o amor que não ousa dizer seu nome”.
Existia em Porto Alegre, um bar chamado Alas-
ca, que reunia a cena artística da cidade, a mili-
tância de esquerda e que, aceitava, sobremaneira, “as pes-
soas em sua loucura”. A amiga, aquela que os apresentou,
pergunta ao santa-mariense como foi estar com o Caio.
Talvez o uso do ácido tenha-o privado de “conhecer” o Caio, ou quem sabe a alteração dos sen-
tidos o tenha feito comungar tão bem junto do Caio, que as lembranças se perdem nesse tem-
po-espaço tão demarcado. O santa-mariense responde à ela: “Adorou a minha loucura, talvez”.
Casa do Poeta de Santiago
Volume 1, edição 1
Janeiro/2016
Sobre morangos que nunca mofam
Os dois encontram-se, ainda algumas vezes. Em uma delas, na Feira do Livro de Santa
Maria. Caio Fernando Abreu já era um ovacionado escritor e atraia muita atenção dos
jovens, porque os traduzia e os dizia nas letras e nas páginas de seus livros. Terminada a
sessão de autógrafos, diferentemente dos demais escritores, Caio F. juntou-se aos jovens na rua onde
hoje é o Viaduto Evandro Behr. Caio, segundo a nossa personagem principal, ouvia mais do que falava e
quando falava era como se “brincasse sério”. Quem sabe, alguns ouvidos não percebiam as ironias por
detrás de seu discurso “brincalhão”. Caio não tinha uma aura de escritor. Pertencia àquele tipo de gente
que se sabe gente porque estava inserido dentro de uma humanidade típica de sua geração.
Oencontro já não era o mesmo. Nosso santa-mariense estava tão “fissurado na vida e na
obra de Caio” que perdeu a coragem de contatos maiores com ele. Caio já pululava em
sua mente como um célebre escritor e houve um distanciamento, justamente, pelo san-
ta-mariense se imbuir da imagem de fã que não tem suficiente intimidade com o autor vivo, ou com o
vivo autor. Entretanto, isso não impediu de que se encontrassem mais uma vez em Porto Alegre, quando
Caio escreveu e atuou em uma peça infanto-juvenil. A última vez em que tiveram uma comunicação mais
integral foi no Rio de Janeiro, na Praia de Ipanema, mais especificamente no Posto 8. Lá, o santa-
mariense viu um Caio F. diferente do Caio F. de e em Porto Alegre. O Caio F. no sul do Brasil, parecia
agrupar-se, enturmar-se com mais facilidade. Caio era como os demais jovens de sua época: todos con-
quistavam amizades espontaneamente, entre uma conversa e outra sobre “a tia Bethânia” e “a tia Gal”.
No Rio, Caio parecia recursar-se ao toque; isolava-se. Não era um “doce bárbaro” como em Porto Alegre.
As histórias extraoficiais sempre me seduziram de um modo enfeitiçador. Ouvir a perspec-
tiva do outro é para mim como a essência de minha própria vida. Esse texto não é mais
um relato sobre a vida de Caio Fernando Abreu, tampouco, um relato sobre a sua relação
com um homem santa-mariense. Não se trata de um fichamento, ou de um fechamento de vidas e de
histórias. O que faço aqui é adoecer pela palavra, no sentido de que compreendo que a cura não se dá
pela palavra, pois a palavra tem que inquietar, irritar e perpetuar a habitação de buscas e de questiona-
mentos. Por essa razão, espero que a palavra o adoeça, caro leitor, uma vez que o homem santa-
mariense continuará não sendo nomeado e, portanto, o mesmo enigma que me enamorou, está sendo
colocado diante de você. Descubra-o.
Felipe Freitag
Educador
Mestrando em Estudos Linguísticos UFSM

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  • 1. Teimo em descobrir as errâncias (não confundir com erros) dos sujeitos que entrela- çam vidas, ideais e histórias. Há sete anos, moço recém chegado de uma cidadezi- nha interiorana, colocaram-me um agasalho de dúvida, um chapéu de incerteza e afiançaram em mim uma incógnita. Meu escritor favorito (sim, eu tenho, nunca neguei e nunca negarei a existência do meu escritor favorito), Caio Fernando Abreu, cuja vida e obra me fascinam, entre- cruzara sua entidade (sim, eu o entrono) com a entidade (também o entrono) de um santa- mariense na década de 1970. Ontem, tomei coragem e fui conversar com esse santa-mariense. Desagasalhei o mistério. Reproduzo a seguir, um pouco da história, exultante ainda, pelo segredo desnudado e pela confiança a mim cedida por esse homem santa-mariense. Porto Alegre, 1974, ou 1975, show de Caetano e de Gal no Gigantinho. Eis que aparece uma figura andrógina, enleada na desterritorialização dos corpos. Uma amiga em comum do Caio F. e do homem san- ta-mariense, os apresenta na fila do evento. O santa- mariense, apesar de ler as crônicas de Caio no jornal Zero Hora e de vê-lo passar pela Rua da Praia, não havia, ainda, despido sua alma. Sob efeito do ácido (imagem geracional da libertação do corpo e da mente a partir dos anos 1960), “aqueles dois” vão até um apartamento e coincidem sob “o amor que não ousa dizer seu nome”. Existia em Porto Alegre, um bar chamado Alas- ca, que reunia a cena artística da cidade, a mili- tância de esquerda e que, aceitava, sobremaneira, “as pes- soas em sua loucura”. A amiga, aquela que os apresentou, pergunta ao santa-mariense como foi estar com o Caio. Talvez o uso do ácido tenha-o privado de “conhecer” o Caio, ou quem sabe a alteração dos sen- tidos o tenha feito comungar tão bem junto do Caio, que as lembranças se perdem nesse tem- po-espaço tão demarcado. O santa-mariense responde à ela: “Adorou a minha loucura, talvez”. Casa do Poeta de Santiago Volume 1, edição 1 Janeiro/2016 Sobre morangos que nunca mofam
  • 2. Os dois encontram-se, ainda algumas vezes. Em uma delas, na Feira do Livro de Santa Maria. Caio Fernando Abreu já era um ovacionado escritor e atraia muita atenção dos jovens, porque os traduzia e os dizia nas letras e nas páginas de seus livros. Terminada a sessão de autógrafos, diferentemente dos demais escritores, Caio F. juntou-se aos jovens na rua onde hoje é o Viaduto Evandro Behr. Caio, segundo a nossa personagem principal, ouvia mais do que falava e quando falava era como se “brincasse sério”. Quem sabe, alguns ouvidos não percebiam as ironias por detrás de seu discurso “brincalhão”. Caio não tinha uma aura de escritor. Pertencia àquele tipo de gente que se sabe gente porque estava inserido dentro de uma humanidade típica de sua geração. Oencontro já não era o mesmo. Nosso santa-mariense estava tão “fissurado na vida e na obra de Caio” que perdeu a coragem de contatos maiores com ele. Caio já pululava em sua mente como um célebre escritor e houve um distanciamento, justamente, pelo san- ta-mariense se imbuir da imagem de fã que não tem suficiente intimidade com o autor vivo, ou com o vivo autor. Entretanto, isso não impediu de que se encontrassem mais uma vez em Porto Alegre, quando Caio escreveu e atuou em uma peça infanto-juvenil. A última vez em que tiveram uma comunicação mais integral foi no Rio de Janeiro, na Praia de Ipanema, mais especificamente no Posto 8. Lá, o santa- mariense viu um Caio F. diferente do Caio F. de e em Porto Alegre. O Caio F. no sul do Brasil, parecia agrupar-se, enturmar-se com mais facilidade. Caio era como os demais jovens de sua época: todos con- quistavam amizades espontaneamente, entre uma conversa e outra sobre “a tia Bethânia” e “a tia Gal”. No Rio, Caio parecia recursar-se ao toque; isolava-se. Não era um “doce bárbaro” como em Porto Alegre. As histórias extraoficiais sempre me seduziram de um modo enfeitiçador. Ouvir a perspec- tiva do outro é para mim como a essência de minha própria vida. Esse texto não é mais um relato sobre a vida de Caio Fernando Abreu, tampouco, um relato sobre a sua relação com um homem santa-mariense. Não se trata de um fichamento, ou de um fechamento de vidas e de histórias. O que faço aqui é adoecer pela palavra, no sentido de que compreendo que a cura não se dá pela palavra, pois a palavra tem que inquietar, irritar e perpetuar a habitação de buscas e de questiona- mentos. Por essa razão, espero que a palavra o adoeça, caro leitor, uma vez que o homem santa- mariense continuará não sendo nomeado e, portanto, o mesmo enigma que me enamorou, está sendo colocado diante de você. Descubra-o. Felipe Freitag Educador Mestrando em Estudos Linguísticos UFSM