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O ferro de engomar
A cozinha, com uma janela que dava para o terraço, não teria mais
que uns escassos quatro metros quadrados.
Do mobiliário constava um minúsculo armário de parede, uma mesa
rectangular com tampo de cimento vermelho, tendo ao meio uma gaveta
onde se guardava a toalha de linho poída, alva de neve, os guardanapos e
o talher de alpaca. Apenas uma cadeira e… vários mochos de madeira,
amarelos como o ouro.
O lado esquerdo era preenchido pelo fogãozito de ferro perfumado
pelo café do púcaro que, de manhã à noite o ornamentava, fervilhando e,
de cujo forno vinha a surpresa dum delicioso cabrito assado ou dum
moreno «bolo Gungunhana». O espaço restante era preenchido pela
lareira alta, onde a minha Mãe fazia os sonhos e os «velhós» na noite da
consoada.
A parede da lareira ficava negra como um tição.
– Mãe, como é que o Menino Jesus vem pela chaminé tão preta? O
vestido branquinho fica todo farrusco.
O meu Pai, aparentemente distraído na leitura do «Primeiro de
Janeiro», franzia o sobrolho, olhava ternamente para ela e sorria.
Terminada a confecção dos fritos, a minha Mãe colocava as brasas
na braseira de lata e, tendo à mão um balde de cal branca com oca
amarela, com um pincel grosso, caiava a parede de cima abaixo,
tornando-a limpa e brilhante para o Menino Jesus passar.
Se a cal tinha ficado esquecida dentro do balde, no pátio, e o frio
impedia de a ir buscar, a parede era forrada com os jornais do meu Pai,
cortados com recortes aos biquinhos, qual requintadíssimo bordado
inglês.
A cozinha estava num «brinco» para dar entrada ao Menino Jesus
que eu imaginava lindo, criança, mais ou menos da minha altura, parecido
com os «santinhos» que o meu querido «Papá» e a Aidita me davam.
Mas o Menino Jesus só vinha depois da Missa do Galo. Não gostava
de ser visto nem de ver ninguém acordado. Vinha pé ante pé… pela
calada da noite.
Portas fechadas, a cozinha ficava assim silenciosa, livre e… eu
sempre atenta ao menor ruído.
Íamos então para a sala, colocando a braseira no estrado.
No aparador, um tabuleiro já tinha várias iguarias: o arroz-doce, o
finíssimo e aveludado leite-creme que a Mãe fazia como ninguém, as
broinhas, o bolo-rei, o vinho do Porto J. Pires Gouveia, que o primo João
nunca esquecia de mandar ao meu Pai, acompanhado com as deliciosas
ameixas de Elvas «Pina e Martins» (além duma requintada caixa de
charutos) e dois termos com chás variados: tília, erva-cidreira, hortelã ou
Licungo.
Após a Missa, bebido o chá, banho tomado e vestido o pijama novo,
lá me deitavam a cair de sono. A Lina e o Julito já tinham combinado:
queriam ver.
Nenhum dormia. Volta daqui, volta dali.
Qual será o presente do Menino Jesus?
Às quatro da manhã:
– Mãe, o Menino Jesus já veio?
– Não. Só vem de manhã. Dorme.
De madrugada corria à cozinha. Olhos deslumbrados!!! (Em vários
anos):
– Um ferro de engomar pequenino como o da Mãe.
– Uma máquina de costura de lata que enfia a agulha e cose.
– Umas panelinhas minúsculas de alumínio, «último grito» do
mundo dos brinquedos…
Loucura e inocência.
O Menino Jesus era a LUZ. Desceu pela chaminé. Os jornais estavam
um pouco rasgados. Não se sujou. Não fez nenhum barulho. Trouxe as
surpresas que faziam brilhar os nossos olhos e encher os nossos corações.
– Papá, Papá, olhe o que o Menino Jesus me trouxe. Um ferro de
engomar como o da Mãe. Põe-se brasas e passa. (Não sei se foi por isso,
mas ainda hoje gosto de passar a ferro).
O meu Júlio, de beiço a tremer de contente, apertava-me então
muito muito. E ria-se.
A Lina e ele teriam sido coniventes na compra.
O Júlio teve uns sapatos, uma camisa de colarinhos engomados
como gostava e umas meias de xadrez (comprados talvez com dinheiro
ganho por ele, a trabalhar desde os doze anos, e que a minha MÃE, uma
santa, lhe guardou para o efeito…)
A Lina, sempre vaidosa e impecável, teve um vestido amarelo, muito
moderno, feito pela tia Isolina, com botões pequeninos forrados do
mesmo pano!
Todas as raparigas da sua idade tiveram um vestido amarelo-claro.
Imagine-se que irmandade, oito ou nove vestidos todos iguais!
Porém, o vestido da Lina era o único amarelo-torrado, muito
elegante, com um bico à frente e botões miudinhos nas mangas e pelas
costas abaixo.
Para o Arturito, «o meu Arturito» já no Brasil, iam as lágrimas,
muitas lágrimas da minha querida Mãe, sufocada, sem poder engolir e o
silêncio abafado do meu Pai, acompanhado pelo olhar triste da Lina e do
Júlio, relembrando o maravilhoso trio cúmplice, desfeito dois ou três anos
antes. (Eu era a boneca mimada, filha de todos, muito mais nova do que
eles).
O meu pequenino ferro de engomar, cheio de brasas
incandescentes como o da minha inesquecível MÃE, passou durante oito
ou nove anos os vestidos das minhas bonecas e das bonecas das minhas
amigas. Era tão bonito, com o «biquinho debaixo do queixo» que até
hoje, nunca mais vi nenhum igual. Não imagino onde a minha Lina o terá
comprado. Dei-o à filha quando ela tinha dois anos. O ferro viajou até
Moçambique. Talvez a Belita possa continuar a história deste lindíssimo e
único ferro de engomar que o Menino Jesus reservou para nós naquela, já
tão longínqua, noite de NATAL.
Era NATAL! NATAL de JESUS!
Arganil, Natal 2018
M. Olivia Nogueira
Feliz Natal!

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O ferro de engomar

  • 1. O ferro de engomar A cozinha, com uma janela que dava para o terraço, não teria mais que uns escassos quatro metros quadrados. Do mobiliário constava um minúsculo armário de parede, uma mesa rectangular com tampo de cimento vermelho, tendo ao meio uma gaveta onde se guardava a toalha de linho poída, alva de neve, os guardanapos e o talher de alpaca. Apenas uma cadeira e… vários mochos de madeira, amarelos como o ouro. O lado esquerdo era preenchido pelo fogãozito de ferro perfumado pelo café do púcaro que, de manhã à noite o ornamentava, fervilhando e, de cujo forno vinha a surpresa dum delicioso cabrito assado ou dum moreno «bolo Gungunhana». O espaço restante era preenchido pela lareira alta, onde a minha Mãe fazia os sonhos e os «velhós» na noite da consoada. A parede da lareira ficava negra como um tição. – Mãe, como é que o Menino Jesus vem pela chaminé tão preta? O vestido branquinho fica todo farrusco. O meu Pai, aparentemente distraído na leitura do «Primeiro de Janeiro», franzia o sobrolho, olhava ternamente para ela e sorria. Terminada a confecção dos fritos, a minha Mãe colocava as brasas na braseira de lata e, tendo à mão um balde de cal branca com oca amarela, com um pincel grosso, caiava a parede de cima abaixo, tornando-a limpa e brilhante para o Menino Jesus passar. Se a cal tinha ficado esquecida dentro do balde, no pátio, e o frio impedia de a ir buscar, a parede era forrada com os jornais do meu Pai, cortados com recortes aos biquinhos, qual requintadíssimo bordado inglês. A cozinha estava num «brinco» para dar entrada ao Menino Jesus que eu imaginava lindo, criança, mais ou menos da minha altura, parecido com os «santinhos» que o meu querido «Papá» e a Aidita me davam. Mas o Menino Jesus só vinha depois da Missa do Galo. Não gostava de ser visto nem de ver ninguém acordado. Vinha pé ante pé… pela calada da noite. Portas fechadas, a cozinha ficava assim silenciosa, livre e… eu sempre atenta ao menor ruído.
  • 2. Íamos então para a sala, colocando a braseira no estrado. No aparador, um tabuleiro já tinha várias iguarias: o arroz-doce, o finíssimo e aveludado leite-creme que a Mãe fazia como ninguém, as broinhas, o bolo-rei, o vinho do Porto J. Pires Gouveia, que o primo João nunca esquecia de mandar ao meu Pai, acompanhado com as deliciosas ameixas de Elvas «Pina e Martins» (além duma requintada caixa de charutos) e dois termos com chás variados: tília, erva-cidreira, hortelã ou Licungo. Após a Missa, bebido o chá, banho tomado e vestido o pijama novo, lá me deitavam a cair de sono. A Lina e o Julito já tinham combinado: queriam ver. Nenhum dormia. Volta daqui, volta dali. Qual será o presente do Menino Jesus? Às quatro da manhã: – Mãe, o Menino Jesus já veio? – Não. Só vem de manhã. Dorme. De madrugada corria à cozinha. Olhos deslumbrados!!! (Em vários anos): – Um ferro de engomar pequenino como o da Mãe. – Uma máquina de costura de lata que enfia a agulha e cose. – Umas panelinhas minúsculas de alumínio, «último grito» do mundo dos brinquedos… Loucura e inocência. O Menino Jesus era a LUZ. Desceu pela chaminé. Os jornais estavam um pouco rasgados. Não se sujou. Não fez nenhum barulho. Trouxe as surpresas que faziam brilhar os nossos olhos e encher os nossos corações. – Papá, Papá, olhe o que o Menino Jesus me trouxe. Um ferro de engomar como o da Mãe. Põe-se brasas e passa. (Não sei se foi por isso, mas ainda hoje gosto de passar a ferro). O meu Júlio, de beiço a tremer de contente, apertava-me então muito muito. E ria-se. A Lina e ele teriam sido coniventes na compra. O Júlio teve uns sapatos, uma camisa de colarinhos engomados como gostava e umas meias de xadrez (comprados talvez com dinheiro
  • 3. ganho por ele, a trabalhar desde os doze anos, e que a minha MÃE, uma santa, lhe guardou para o efeito…) A Lina, sempre vaidosa e impecável, teve um vestido amarelo, muito moderno, feito pela tia Isolina, com botões pequeninos forrados do mesmo pano! Todas as raparigas da sua idade tiveram um vestido amarelo-claro. Imagine-se que irmandade, oito ou nove vestidos todos iguais! Porém, o vestido da Lina era o único amarelo-torrado, muito elegante, com um bico à frente e botões miudinhos nas mangas e pelas costas abaixo. Para o Arturito, «o meu Arturito» já no Brasil, iam as lágrimas, muitas lágrimas da minha querida Mãe, sufocada, sem poder engolir e o silêncio abafado do meu Pai, acompanhado pelo olhar triste da Lina e do Júlio, relembrando o maravilhoso trio cúmplice, desfeito dois ou três anos antes. (Eu era a boneca mimada, filha de todos, muito mais nova do que eles). O meu pequenino ferro de engomar, cheio de brasas incandescentes como o da minha inesquecível MÃE, passou durante oito ou nove anos os vestidos das minhas bonecas e das bonecas das minhas amigas. Era tão bonito, com o «biquinho debaixo do queixo» que até hoje, nunca mais vi nenhum igual. Não imagino onde a minha Lina o terá comprado. Dei-o à filha quando ela tinha dois anos. O ferro viajou até Moçambique. Talvez a Belita possa continuar a história deste lindíssimo e único ferro de engomar que o Menino Jesus reservou para nós naquela, já tão longínqua, noite de NATAL. Era NATAL! NATAL de JESUS! Arganil, Natal 2018 M. Olivia Nogueira Feliz Natal!