Você já teve dúvida para identificar se um
texto era uma crônica ou um conto?
Essa dúvida é muito comum, pois o conto
e a crônica são gêneros textuais que muitas
vezes se confundem. Isso acontece quando
esses dois gêneros se assemelham em algum
aspecto, por exemplo, o uso de diálogo. Apesar
de algumas semelhanças, conseguimos
estabelecer certas características que
diferenciam o conto da crônica.
“A crônica é um gênero textual que
oscila entre a literatura e o jornalismo, pois
é o resultado da visão pessoal, subjetiva
do cronista ante um fato qualquer, colhido
no noticiário do jornal ou no cotidiano.
Quase sempre explora o humor; às vezes,
diz as coisas mais sérias por meio de uma
aparente conversa fiada.”
(Cereja)
“O conto tem características estruturais
próprias. É um tipo de narrativa concentrada.
É o resultado de uma seleção rigorosa dos
elementos que o compõem. Se comparado a
gêneros como o romance e a novela, o conto
é mais condensado: elimina as análises
minuciosas de personagens ou ambiente, as
longas complicações de enredo e delimita o
tempo e o espaço.”
(Cereja)
Vejamos a seguir algumas características
que diferenciam o conto da crônica.
Personagem
A crônica possui poucas personagens. Nela
as personagens possuem uma ou duas
características, mas não possuem descrição
psicológica profunda. Algumas crônicas podem
aparecer sem personagens. O conto, assim como a
crônica, possui um número reduzido de
personagens, no entanto elas são bem construídas.
Assunto
O assunto abordado na crônica são
fatos cotidiano, tirados do noticiário, de
conversas, de observações. O assunto,
normalmente, está ligado a uma vivência
particular. O assunto do conto é ficcional ,
imaginário. A narrativa do conto é
concentrada e limitada ao essencial.
“Registrando o circunstancial do nosso
cotidiano mais simples, acrescentando, aqui e
ali, fortes doses de humor, sensibilidade,
ironia, crítica e poesia, o cronista, com graça e
leveza, proporciona ao leitor uma visão mais
abrangente, que vai além do fato: mostra-lhe,
de outros ângulos, os sinais de vida que
diariamente deixamos escapar.”
(Cereja)
Linguagem
Na crônica e no conto a linguagem está
predominantemente de acordo com o padrão
culto,formal ou informal ,da língua. A crônica é
escrita numa linguagem coloquial, próxima do
leitor.
Tempo e espaço
Tanto no conto quanto na crônica o tempo e o
espaço são limitados. Os fatos acontecem em um
único lugar ou em poucos lugares e, na maioria
das vezes, num curto espaço de tempo.
Narrador
Na crônica e no conto o narrador
pode aparecer como personagem ou
observador.
Gêneros
textuais
conto
Narrativa concentrada e limitada ao essencial.
Número reduzido de personagens.
Tempo e espaço limitados.
Narrador-observador ou narrador-personagem.
Linguagem de acordo com o padrão culto, formal
ou informal, da língua.
crônica
Texto curto e leve que tem o objetivo de divertir
e refletir sobre a vida.
Número reduzido de personagens.
Tempo e espaço limitados.
Narrador-observador ou narrador-personagem.
Linguagem de acordo com o padrão culto, formal
ou informal, da língua.
Relata os fatos do cotidiano.
Leia o texto a seguir.
Natal na barca
Lygia Fagundes
Não quero nem devo lembrar aqui por que me
encontrava naquela barca. Só sei que em redor tudo era
silêncio e treva. E me sentia bem naquela solidão. Na
embarcação desconfortável, tosca, apenas quatro
passageiros. Uma lanterna nos iluminava com sua luz
vacilante: um velho, uma mulher com uma criança e eu.
O velho, um bêbado esfarrapado, deitara-se de
comprido no banco, dirigira palavras amenas a um vizinho
invisível e agora dormia. A mulher estava sentada entre nós,
apertando nos braços a criança enrolada em panos. Era uma
mulher jovem e pálida. O longo manto escuro que lhe
cobria a cabeça dava-lhe o aspecto de uma figura antiga.
Pensei em falar-lhe assim que entrei na barca. Mas já
devíamos estar quase no fim da viagem e até aquele
instante não me ocorrera dizer-lhe qualquer palavra. Nem
combinava mesmo com uma barca tão despojada, tão sem
artifícios, a ociosidade de um diálogo. Estávamos sós. E o
melhor ainda era não fazer nada, não dizer nada, apenas
olhar o sulco negro que a embarcação ia fazendo no rio.
Debrucei-me na grade de madeira carcomida.
Acendi um cigarro. Ali estávamos os quatro, silenciosos
como mortos num antigo barco de mortos deslizando na
escuridão. Contudo, estávamos vivos. E era Natal.
A caixa de fósforos escapou-me das mãos e quase
resvalou para o. rio. Agachei-me para apanhá-la. Sentindo
então alguns respingos no rosto, inclinei-me mais até
mergulhar as pontas dos dedos na água.
— Tão gelada — estranhei, enxugando a mão.
— Mas de manhã é quente.
Voltei-me para a mulher que embalava a criança e me
observava com um meio sorriso. Sentei-me no banco ao seu lado.
Tinha belos olhos claros, extraordinariamente brilhantes. Reparei que
suas roupas (pobres roupas puídas) tinham muito caráter, revestidas
de uma certa dignidade.
— De manhã esse rio é quente — insistiu ela, me encarando.
— Quente?
— Quente e verde, tão verde que a primeira vez que lavei
nele uma peça de roupa pensei que a roupa fosse sair esverdeada. É
a primeira vez que vem por estas bandas?
Desviei o olhar para o chão de largas tábuas gastas. E
respondi com uma outra pergunta:
— Mas a senhora mora aqui perto?
— Em Lucena. Já tomei esta barca não sei quantas vezes, mas
não esperava que justamente hoje...
A criança agitou-se, choramingando. A mulher
apertou-a mais contra o peito. Cobriu-lhe a cabeça com o
xale e pôs-se a niná-la com um brando movimento de
cadeira de balanço. Suas mãos destacavam-se exaltadas
sobre o xale preto, mas o rosto era tranquilo.
— Seu filho?
— É. Está doente, vou ao especialista, o
farmacêutico de Lucena achou que eu devia ver um
médico hoje mesmo. Ainda ontem ele estava bem mas
piorou de repente. Uma febre, só febre... Levantou a
cabeça com energia. O queixo agudo era altivo mas o
olhar tinha a expressão doce.
— Só sei que Deus não vai me abandonar.
— É o caçula?
— É o único. O meu primeiro morreu o ano
passado. Subiu no muro, estava brincando de mágico
quando de repente avisou, vou voar! E atirou-se. A
queda não foi grande, o muro não era alto, mas caiu de
tal jeito...Tinha pouco mais de quatro anos.
Atirei o cigarro na direção do rioo, mas o toco
bateu na grade e voltou, rolando aceso pelo chão.
Alcancei-o com a ponta do sapato e fiquei a esfregá-lo
devagar. Era preciso desviar o assunto para aquele filho
que estava ali, doente, embora. Mas vivo.
— E esse? Que idade tem?
— Vai completar um ano. — E, noutro tom,
inclinando a cabeça para o ombro: — Era um menino
tão alegre.Tinha verdadeira mania com mágicas. Claro
que não saía nada, mas era muito engraçado... Só a
última mágica que fez foi perfeita, vou voar! — disse
abrindo os braços. E voou.
Levantei-me. Eu queria ficar só naquela
noite, sem lembranças, sem piedade. Mas os
laços (os tais laços humanos) já ameaçavam
me envolver. Conseguira evitá-los até aquele
instante. E agora não tinha forças para rompê-
los.
— Seu marido está à sua espera?
— Meu marido me abandonou.
Sentei-me e tive vontade de rir. Era
incrível. Fora uma loucura fazer a primeira
pergunta, mas agora não podia mais parar.
— Há muito tempo?
— Faz uns seis meses. Imagine que nós vivíamos
bem, mas tão bem! Quando ele encontrou por acaso com
essa antiga namorada, falou comigo sobre ela, fez até
uma brincadeira, a Ducha enfeiou, de nós dois fui eu que
acabei ficando mais bonito…E não falou mais no assunto.
Uma manhã ele se levantou como todas as manhãs, tomou
café, leu o jornal, brincou com o menino e foi trabalhar.
Antes de sair ainda fez assim com a mão, eu estava na
cozinha lavando a louça e ele me deu um adeus através
da tela de arame da porta, me lembro até que eu quis
abrir a porta, não gosto de ver ninguém falar comigo com
aquela tela no meio... Mas eu estava com a mão molhada.
Recebi a carta de tardinha, ele mandou uma carta. Fui
morar com minha mãe numa casa que alugamos perto da
minha escolinha. Sou professora.
Fixei-me nas nuvens tumultuadas que
corriam na mesma direção do rio. Incrível. Ia
contando as sucessivas desgraças com tamanha
calma, num tom de quem relata fatos sem ter
realmente participado deles. Como se não
bastasse a pobreza que espiava pelos remendos
da sua roupa, perdera o filhinho, o marido, e
ainda via pairar uma sombra sobre o segundo
filho que ninava nos braços. E ali estava sem a
menor revolta, confiante. Intocável. Apatia? Não,
não podiam ser de uma apática aqueles olhos
vivíssimos, aquelas mãos enérgicas.
Inconsciência? Uma obscura irritação me fez
sorrir.
— A senhora é conformada.
— Tenho fé, dona. Deus nunca me
abandonou.
— Deus — repeti vagamente.
— A senhora não acredita em Deus?
— Acredito — murmurei. E ao ouvir o
som débil da minha afirmativa, sem saber por
quê, perturbei-me. Agora entendia. Aí estava
o segredo daquela confiança, daquela calma.
Era a tal fé que removia montanhas...
Ela mudou a posição da criança,
passando-a do ombro direito para o
esquerdo. E começou, com voz quente de
paixão:
— Foi logo depois da morte do meu menino. Acordei uma
noite tão desesperada que saí pela rua afora, enfiei um casaco e
saí descalça e chorando feito louca, chamando por ele… Sentei
num banco do jardim onde toda tarde levava ele para brincar. E
fiquei pedindo, pedindo com tamanha força, que ele, que
gostava tanto de mágica, fizesse essa mágica de me aparecer só
mais uma vez, não precisava ficar, se mostrasse só um instante,
ao menos mais uma vez, só mais uma! Quando fiquei sem
lágrimas, encostei a cabeça no banco e não sei como dormi.
Então sonhei e no sonho Deus me apareceu, quer dizer, senti que
ele pegava na minha mão com sua mão de luz. E vi o meu
menino brincando com o Menino Jesus no jardim do Paraíso.
Assim que ele me viu, parou de brincar e veio rindo ao meu
encontro e me beijou tanto, tanto... Era talsua alegria que acordei
rindo também, com o sol batendo em mim.
Fiquei sem saber o que dizer. Esbocei
um gesto e em seguida, apenas para fazer
alguma coisa, levantei a ponta do xale que
cobria a cabeça da criança. Deixei cair o xale
novamente e voltei o olhar para o chão. O
menino estava morto. Entrelacei as mãos para
dominar o tremor que me sacudiu. Estava
morto. A mãe continuava a niná-lo, apertando-
o contra o peito. Mas ele estava morto.
Debrucei-me na grade da barca e
respirei penosamente: era como se estivesse
mergulhada até o pescoço naquela água.
Senti que a mulher se agitou atrás de mim
— Estamos chegando — anunciou.
Apanhei depressa minha pasta. O importante agora
era sair, fugir antes que ela descobrisse. Era terrívrl
demais, não queria ver. Diminuindo a marcha, a barca
fazia uma larga curva antes de atracar. O bilheteiro
apareceu e pôs-se a sacudir o velho que dormia:
- Chegamos!... Ei! chegamos!
Aproximei-me, evitando encará-la.
— Acho melhor nos despedirmos aqui — disse
atropeladamente, estendendo a mão.
Ela pareceu não notar meu gesto. Levantou-se e fez
um movimento como se fosse apanhar a sacola. Ajudei-a,
mas, ao invés de apanhar a sacola que lhe estendi, antes
mesmo que eu pudesse impedi-lo, afastou o xale que
cobria a cabeça do filho.
— Acordou o dorminhoco! E olha aí, deve estar
agora sem nenhuma febre.
— Acordou?!
Ela teve um sorriso.
— Veja...
Inclinei-me. A criança abrira os olhos —
aqueles olhos que eu vira cerrados tão
definitivamente. E bocejava, esfregando a
mãozinha na face corada. Fiquei olhando sem
conseguir falar.
— Então, bom Natal! — disse ela, enfiando a
sacola no braço.
Encarei-a. Sob o manto preto, de pontas
cruzadas e atiradas para trás, seu rosto
resplandecia. Apertei-lhe a mão vigorosa e
acompanhei-a com o olhar até que ela
desapareceu na noite.
Conduzido pelo bilheteiro, o velho
passou por mim retomando seu afetuoso
diálogo com o vizinho invisível. Saí por
último da barca. Duas vezes voltei-me
ainda para ver o rio. E pude imaginá-lo
como seria de manhã cedo: verde e
quente.Verde e quente.
Texto extraído do livro “Para gostar de ler – Volume 9 – Contos”,
Editora Ática – São Paulo, 1984, pág. 67.
O texto que acabamos de ler é um
conto, observamos que os fatos se
estruturam em partes:
a) conflito, isto é, o acontecimento que
quebra a estabilidade: a observação da
mulher sobre a temperatura da água;
iniciar-se uma conversa; a mulher contar
sua vida e infortúnios;
b) clímax, isto é, momento de tensão
máxima antes do desfecho: a narradora
levantar o xale que cobre a criança e
descobrir que ela está morta;
c) O desfecho, isto é, o momento em que o
conflito se resolve e uma nova estabilidade
configura-se: a barca chegar a seu destino;
a narradora querendo fugir da situação; a
mãe levantar o xale e a criança acordar.
Leia o texto abaixo.
Coisas e pessoas
Mário Quintana
Desde pequeno, tive tendência para personificar as
coisas. Tia Tula, que achava que mormaço fazia mal,
sempre gritava: “Vem pra dentro, menino, olha o
mormaço!” Mas eu ouvia o mormaço com M maiúsculo.
Mormaço, para mim, era um velho que pegava crianças!
Ia pra dentro logo. Ainda hoje, quando leio que alguém
se viu perseguido pelo clamor público, vejo com estes
olhos o Sr. Clamor Público, magro, arquejante, de preto,
brandindo um guarda-chuva, com um gogó protuberante
que se abaixa e levanta no excitamento da perseguição.
E já estava devidamente grandezinho, pois devia contar
uns trinta anos, quando me fui, com um grupo de
colegas, a ver o lançamento da pedra fundamental da
ponte Uruguaiana-Libres, ocasião de grandes
solenidades, com os presidentes Justo e Getúlio, e gente
muita, tanto assim que fomos alojados os do meu grupo
num casarão que creio fosse a Prefeitura, com os demais
jornalistas do Brasil e Argentina.
Era como um alojamento de quartel, com breve
espaço entre as camas e todas as portas e janelas
abertas, tudo com os alegres incômodos e
duvidosos encantos de uma coletividade
democrática. Pois lá pelas tantas da noite, como eu
pressentisse, em meu entredormir, um vulto junto à
minha cama, como eu pressentisse, em meu
entredormir, um vulto junto à minha cama, sentei-
me estremunhado e olhei atônito para um tipo de
chiru, ali parado, de bigodes caídos, pala
pendente e chapéu descido sobre os olhos. Diante
da minha muda interrogação, ele resolveu
explicar-se, com a devida calma:
— Pois é! Não vê que eu sou o sereno...
E eis que, por um milésimo de segundo,
ou talvez mais, julguei que se tratasse do
silêncio noturno em pessoa. Coisas do
sono? Além disso, o vulto, aquele
penumbroso e todo em linhas
descendentes, ajudava a ilusão. Mas por
que desculpar-me? Quase
imediatamente compreendi que
o “sereno” era um vigia noturno, uma
espécie de anjo da guarda crioulo e
municipal.
Por que desculpar-me, se os poetas
criaram os deuses e semideuses para
personificar as coisas, visíveis e
invisíveis... E o sereno da Fronteira deve
andar mesmo de chapéu desabado,
bigode, pala e de pé no chão... sim, ele
estava mesmo de pés descalços, decerto
para não nos perturbar o sono mais ou
menos inocente.
O texto lido é uma crônica, pois
percebemos que um aspecto da vida do
cronista (o hábito de personificar as
coisas)serviu de ponto de partida para o
desenvolvimento do texto. A narrativa é
curta , leve e possui poucos personagens.
O narrador é personagem, pois ele
participa dos fatos.
O conto é uma narrativa literária curta.
Seu enredo é condensado: há poucos
personagens, que vivem os fatos num único
lugar(ou em poucos lugares) e, na maioria
das vezes, num curto espaço de tempo. O
enredo é dinâmico, conciso e gira em torno
de um único conflito. A crônica é uma
narrativa curta e leve, quase sempre
inspirada em fatos do cotidiano ou do
noticiário, cujo objetivo é divertir o leitor e
fazê-lo refletir.
1- Leia o texto.
O irmão imaginário
Moacyr Scliar
Até os nove anos, Paulinho foi filho único. Filho único
e muito amado. Os pais não eram ricos -o pai era
mecânico, a mãe trabalhava como caixa num
supermercado-, mas cuidavam do menino com o
maior carinho; colocaram-no numa boa escola,
compravam-lhe roupas, brinquedos, livros. Era como
se quisessem indenizá-lo pelo fato de ser filho único.
Paulinho não sabia porque os pais não haviam
lhe dado um irmão ou uma irmã. Algum problema
havia; muitas vezes surpreendia os dois sentados
lado a lado na sala, muito tristes, a mãe
freqüentemente com os olhos vermelhos de choro.
Nas poucas vezes que perguntou a respeito, recebeu
respostas evasivas; logo se deu conta de que aquele
era um assunto difícil, sobre o qual não poderia falar.
Mas a verdade é que, mesmo tendo amigos -e
ele tinha muitos amigos na vizinhança- Paulinho
sentia-se só. Precisava de companhia. Precisava de
um irmão com quem pudesse partilhar suas dúvidas,
suas aflições, seus sonhos também.
Acabou por criar um irmão imaginário.
Chamava-se Joel. Porque escolhera esse nome, não
saberia dizer; ocorrera-lhe de repente, e pronto, Joel
passara a existir. Mas não morava na casa, junto com a
família; com tábuas e lona, Paulinho construiu para ele uma
cabana, no fundo do pátio. Era uma cabana pequena, mas
servia bem: como Paulinho, Joel era pequeno e magro. Na
verdade os dois eram idênticos, quase como se fossem
gêmeos.
Todos os dias Paulinho visitava Joel. Entrava na
cabana escura e ali ficava, sentado ao lado do irmão
imaginário. Falava horas; contava coisas sobre os pais,
sobre os amigos, sobre a escola... Era um monólogo, porque
Joel nunca respondia. Não era preciso; tudo o que Paulinho
queria do irmão imaginário era que ele o ouvisse. E tinha
certeza de que Joel era um ouvinte atento, como um
verdadeiro irmão deve ser.
Atento e inspirador: Paulinho fazia-lhe uma pergunta
-e de imediato a resposta lhe ocorria. E era sempre a
resposta certa, a resposta confortadora.
Vários anos se passaram assim. Anos felizes,
mas com momentos de apreensão. Cada vez que
caía um temporal, por exemplo, Paulinho entrava
em pânico: como estaria o Joel em sua cabana?
Não estaria assustado, molhado de chuva? Não foi
uma nem duas noite que correu para o fundo do
pátio, debaixo do aguaceiro, para se certificar de
que estava tudo bem, que a cabana continuava no
lugar.
Os pais não desconfiavam de nada. Achavam
que a cabana era um lugar de brinquedo do filho,
só isso. Paulinho nunca lhes falou do irmão
imaginário; era um segredo dele, não podia ser
partilhado.
Mas então um dia aconteceu. Poucos dias
antes de Paulinho completar dez anos, os pais o
chamaram. Vacilando muito, o pai lhe disse que,
durante todos aqueles anos, eles tinham tentado
dar ao filho um irmão ou uma irmã, mas por vários
problemas não o haviam conseguido. Agora,
porém, tinham chegado a uma decisão: Paulinho
ganharia, sim, um irmão. Adotivo.
-Até pensamos num nome -disse a mãe,
emocionada. -Um nome do qual sempre gostamos.
Mas caberá a você decidir. O que você acha de
chamarmos seu irmãozinho de Joel?
Os olhos cheios de lágrimas, Paulinho
fez que sim com a cabeça. Mais tarde, foi até a
cabana. Entrou, contou o que havia sucedido
ao irmão imaginário. Que, como de costume,
nada disse. Mas quando Paulinho estava
saindo, ouviu uma voz sussurrando baixinho:
-Seja feliz, Paulinho, com seu irmão.
E nesse momento ele teve a certeza de
que seria feliz, muito feliz, com o irmão Joel.
a- O conto é uma narrativa literária cuja
principal característica é ser condensada:
há poucos personagens, e as ações se
desenrolam em poucos lugares e, na
maioria das vezes, num curto espaço de
tempo. O texto anterior apresenta essas
características?
a- O conto é uma narrativa literária cuja
principal característica é ser condensada: há
poucos personagens, e as ações se
desenrolam em poucos lugares e, na maioria
das vezes, num curto espaço de tempo. O
texto anterior apresenta essas características?
Há apenas quatro personagens toda
ação se desenrola num espaço limitado (a
casa da família) e, embora o enredo cubra o
espaço de alguns anos, tudo é narrado de
forma rápida.
b- Identifique no conto:
conflito, isto é, o acontecimento que
quebra a estabilidade:
clímax, isto é, momento de tensão
máxima antes do desfecho:
O desfecho, isto é, o momento em que o
conflito se resolve e uma nova estabilidade
configura-se:
b- Identifique no conto:
conflito, isto é, o acontecimento que quebra a
estabilidade:o momento em que ele decide criar
um irmão imaginário.
clímax, isto é, momento de tensão máxima antes
do desfecho: o momento em que ele fica sabendo
que os pais vão adotar outro filho.
O desfecho, isto é, o momento em que o conflito
se resolve e uma nova estabilidade configura-se:
Paulinho despede-se do irmão imaginário e
aguarda a chegada do novo irmão.
2- Leia o texto:
Aptidão
Abre a porta. Entra o Senhor Pacheco.
-Bom dia, Senhor Pacheco. Sente-se, por favor. Temos uma ótima
notícia para o senhor.
-Sim, senhor.
-Como o senhor deve saber, Senhor Pacheco, contratamos uma
firma de psicomputocratas para fazer testes de aptidão nos dez mil
empregados desta firma. Precisamos nos atualizar. Acompanhar os
tempos.
-Sim, senhor.
-Os dez mil testes foram submetidos a um computador, há dois
minutos, e os resultados estão aqui. O senhor é o primeiro a ser
chamado porque o computador nos forneceu os resultados em rigorosa
ordem alfabética.
-Mas o meu nome começa com P.
-Hum, sim, deixa ver. Pacheco. Sim, sim. Deve
ser por ordem alfabética do primeiro nome, então.
Este computador é de quarta geração. Nunca erra.
Como é seu primeiro nome?
-Xisto.
-Bom, isso não tem importância.Vamos
adiante.Vejo aqui pela sua ficha que o senhor está
conosco há vinte e oito anos, Seu Pacheco. Sempre
na seção de entorte de fresos. O senhor nunca
falhou no serviço, nunca tirou férias, e já recebeu
nosso prêmio de produção, o Alfinete de Alumínio,
dezessete vezes. - Sim, senhor. - O senhor começou
na seção de entorte de fresos como faxineiro,
depois passou a assistente de entortador, depois
entortador, e hoje é o chefe de entorte.
-Sim, senhor.
-Me diga uma coisa, Senhor Acheco...
-Pacheco.
-Senhor Pacheco. O senhor nunca se sentiu atraído para
outra função, além do entorte de fresos? Nunca achou que
entortar não era bem sua vocação?
-Nunca, não senhor.
-Pois veja só, Senhor Pacheco. O computador nos revela
que a sua verdadeira vocação não é o entorte de fresos e sim o
bistoque de tronas!
-Sim, senhor.
-O senhor é um bistocador de tronas nato, segundo o
computador. Não é fantástico? E ainda tem gente que critica a
tecnologia. O senhor era um homem deslocado no entorte de
fresos e não sabia. Se não fosse o teste, nunca ficaria sabendo.
Claro que essa situação vai ser corrigida. O senhor, a partir
deste minuto, deixa de entortar.
-Sim, senhor.
-Quanto o senhor ganha conosco, Senhor
Pacheco, depois de vinte e oito anos? Mil, mil e
duzentos?
-Quinhentos, não contando os alfinetes.
-Pois, sim. E sabe quanto ganha um iniciante
no bistoque de tronas? Mil e quinhentos! Não é
fantástico?
-Sim, senhor.
-Só tem uma coisa, Senhor Pacheco. Nossa
firma não trabalha com tronas. Pensando bem,
ninguém trabalha com tronas, hoje em dia.
-Olha, tanto faz. Não é mesmo? Eu estou
perfeitamente satisfeito no entorte, faltam só vinte
anos para me aposentar e...
-Senhor Pacheco, então a firma gasta um
dinheirão para decobrir sua vocação e o senhor
quer jogá-la fora?
a- Em que fato do cotidiano o narrador se
baseou?
b- Na crônica, o tempo e o espaço são
limitados. Em que lugar se passa a história
e quanto tempo dura a ação?
a- Em que fato do cotidiano o narrador se
baseou?
Um antigo e competente funcionário de
uma empresa é despedido após um teste
realizado por um computador.
b- Na crônica, o tempo e o espaço são
limitados. Em que lugar se passa a história e
quanto tempo dura a ação?
A história deve se passar na sala do
chefe e dura alguns minutos, pois o diálogo
dos personagens acontece rapidamente.
c- Qual é a crítica social feita pelo
cronista?
Ele critica um fato que ocorre no
cotidiano: trabalhadores eficientes são
dispensados injustamente. Ele também
critica a sobrevalorização da tecnologia.
PLATÃO, Francisco; FIORIN, José Luiz.
Para entender o texto o texto. São Paulo:
Ática, 2002.
CEREJA, William Roberto; COCHAR,
Thereza. Texto e interação. São Paulo:
Saraiva, 2000.
Reconheço que o senhor tem sido um chefe de
entorte perfeito. Aliás, o computador não descobriu
ninguém com aptidão para o entorte. Vai ser um
problema substituí-lo. Mas não podemos contestar a
tecnologia. O senhor está despedido! Por favor,
mande entrar o seguinte, por ordem alfabética, o
Senhor Roque Lins. Passe bem
-Sim, senhor.
-Sai o Senhor Pacheco. Fecha a porta
VERISSIMO, Luis Fernando. O nariz e outras crônicas. São
Paulo: Ática, 1997. P 38-39. ( Para Gostar de Ler, V. 14).