Este artigo tem como objetivo analisar o papel desempenhado pela mídia nas eleições de 1989. Mas não de uma forma abrangente. O foco é avaliar o grau de influência da versão editada do debate realizado pelas quatro principais emissoras daquele período – Bandeirantes, Manchete, Globo e SBT – e que a Rede Globo exibiu em seu telejornal de maior audiência, o Jornal Nacional, bem como se existiu um favorecimento da emissora ao candidato Fernando Collor de Melo
Influência do debate de 1989 na vitória de Collor analisada por artigo acadêmico
1. Faculdade Estácio de Sá
Eleição de 1989, e a influência do debate editado pela Rede Globo 1
Alan Domingues Santos 2
Gilvan Araújo 3
Faculdade Estácio de Sá – Belo Horizonte
Resumo
Este artigo tem como objetivo analisar o papel desempenhado pela mídia nas eleições
de 1989. Mas não de uma forma abrangente. O foco é avaliar o grau de influência da
versão editada do debate realizado pelas quatro principais emissoras daquele período
– Bandeirantes, Manchete, Globo e SBT – e que a Rede Globo exibiu em seu
telejornal de maior audiência, o Jornal Nacional, bem como se existiu um
favorecimento da emissora ao candidato Fernando Collor de Melo
Palavras-chave: Debate, Rede Globo, eleição, Collor, Lula
A eleição de 1989 veio como uma notícia nova para a política brasileira,
pois representava o retorno da tão esperada eleição direta para Presidente da
República após 21 anos de ditadura militar (1964-1985). Como era para
disputar apenas o cargo de presidente, o pleito ficou conhecido como “eleição
solteira”. Era a primeira vez que 70% dos eleitores compareciam à urna para
escolher um presidente. Outra novidade desta eleição foi o uso da mídia (em
especial a televisão) como principal meio de divulgação dos candidatos e suas
campanhas. Segundo Avelar (1992, p. 49), “a TV passou a ser o centro das
informações políticas dos eleitores, e poucos discordariam do fato de que,
dentre todos os meios de comunicação, a TV se tornou o mais poderoso”.
Grandes conglomerados de comunicação já haviam se estabelecido à
época, como as Organizações Globo, de propriedade de Roberto Marinho,
falecido em 6 de agosto de 2003, e que abrangia inúmeras emissoras de TV,
1
Trabalho apresentado em cumprimento parcial às exigências do curso de graduação em Comunicação
Social (Jornalismo) da Estácio Ensino Superior - Belo Horizonte para a obtenção do grau de bacharel.
2
Estudante do oitavo semestre do curso de Comunicação social/ Jornalismo da Faculdade
Estácio de Sá – Belo Horizonte email: domingues.alan@hotmail.com
3
Orientador do trabalho. Professor do Curso de Jornalismo da Faculdade Estácio de Sá – Belo
Horizonte. Email: gilvan.araujo@uol.com.br
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rádios, revistas e jornais. A Rede Manchete presidida por Adolpho Bloch; o
Sistema Brasileiro de Televisão, presidido pelo empresário Senor Abravanel,
mais conhecido como Sílvio Santos; a TV Bandeirantes, da família Saad;
Grupo Folha de Octavio Frias de Oliveira; o Grupo Estadão; a Revista Veja do
grupo Abril de Roberta Civita, Revista Istoé são alguns que destacavam na
época.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), a população rural brasileira representava 55,3% da população na
década de 60 caindo para 32,4% em 1980. Tal migração imprimiu à população
oriunda das zonas rurais acesso à cultura urbana. Uma das características
adotadas pelos migrantes foi o aumento do consumo de eletrodomésticos,
entre eles a televisão. A mesma pesquisa constatou o aumento do índice da
população que tinha acesso à televisão. Em 1964, apenas 10% da população
urbana possuíam TV em casa. Em 1989, esses eletrodomésticos já estavam
presentes em 71,5% dos lares brasileiros.
Além da volta à democracia, a eleição de 1989 também ficou marcada
por acusações de tentativa de manipulação da Rede Globo de Televisão para
favorecer o candidato do PRN, Fernando Collor de Mello. A edição do debate
exibida no dia seguinte a sua realização e às vésperas da eleição, teria sido
favorável ao candidato do PRN e desfavorável ao candidato do PT, Luis Inácio
Lula da Silva. As suspeitas ficaram evidenciadas, segundo os críticos, com a
vitória de Collor nas urnas.
O primeiro turno contou com a presença de 22 candidatos, sendo
que Collor (PRN) e Lula (PT) seguiram adiante para o segundo turno obtendo
28,52% e 16,08% dos votos respectivamente.
O Brasil de 1989 era completamente diferente daquele que elegeu o
último presidente pelo voto direto em 3 de outubro de 1960. De acordo co
Nêumanne (1989, p. 9), o Brasil tinha uma economia mais complexa, o dobro
da população de 1960 e um eleitorado cinco vezes maior, inchado pela
incorporação de mais de três milhões de jovens eleitores com idade entre 16 e
18 anos, um benefício da nova Constituição de 1988.
O fim do bipartidarismo, obra da reforma política do General Figueiredo
em 1980, teve intenso reflexo na primeira eleição direta depois da ditadura.
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Foram 22 partidos concorrendo diretamente, fora aqueles que faziam parte de
coligações, e outros dez que não conseguiram obter registro nem mesmo para
entrar na cédula (em 1989 ainda não existia a urna eletrônica). Número
exorbitante se comparado à última eleição direta na qual concorreram somente
Jânio Quadros, Adhemar de Barros e Henrique Lott.
Qual a explicação para o aumento pela disputa pelo poder e tamanho
interesse pela vida política? Uma possível resposta pode estar no fato de que
a política é uma prática inerente ao ser humano na qual pode ser vinculada
com a aquisição e ostentação de poder. Naquele cenário de 1989, de enorme
desigualdade e domínio do poder autoritário, nas mãos dos militares,
podemos nos apoiar na teoria de Focault (1988, p. 88-90) que explana melhor
a enorme pretensão pelo cargo de presidente. Para o escritor francês “o poder
se exerce a partir de inúmeros pontos e em meio a relações desiguais e
móveis; (...) o poder vem de baixo”. Numa conjuntura de enorme
descontentamento com a forma de governo, o contexto político, social e
econômico do Brasil em 1989 formava um cenário propício para o surgimento
de novos personagens aspirantes ao poder, alguns velhos conhecidos da
política nacional, outros emergindo das camadas mais baixas se dizendo
legítimos representantes do povo.
Segundo Focault, “o poder está em toda parte” (ibidem, p. 89). Sendo
assim, ninguém está livre dele. E “onde há poder, há resistência”. Resistência
que em 1989 se viu com sede desde poder.
O campo político apresenta uma estreita relação com o poder. Poder
definido por Hobbes (apud BOBBIO, 1995, p. 954) como "consistente nos
meios adequados à obtenção de qualquer vantagem". Por meio do poder,
sobretudo o poder político, conforme defende Marx (apud CHAUÍ,2006. p.1), a
autoridade atua de forma a obrigar o povo a uma obediência, inclusive pelo uso
legal da força “por meios dos instrumentos jurídicos postos pela classe
dominante de uma sociedade” (ibidem, p. 1)
Assim, Collor de Melo utilizou toda vantagem que possuía (boa formação
escolar, nível social e econômico alto, juventude e boa aparência) - para
investir intensivamente em sua campanha presidencial, mesmo sendo
desconhecido por muitos no cenário político nacional.
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Começou a ganhar notoriedade após ser capa da Revista Veja, em
março de 1988, com título de “O caçador de Marajás”. O apelido, que foi usado
como um dos slogans na campanha presidencial de 1988 é pelo fato de Collor
ter combatido os super salários e o empreguismo no funcionalismo público em
Alagoas, estado em que era governador. Conforme noticiou a Revista Veja na
época, Collor conseguiu conquistar a simpatia dos alagoanos e ampliar a sua
popularidade no Brasil “num fenômeno tão curioso quanto inesperado”.
Conforme fez questão de destacar na publicação, a Revista afirma ainda que
“foi ele quem descobriu primeiro e usou melhor a mina de impacto político que
pode ser aberta com uma boa caçada aos marajás do serviço público. Essa foi
sua obra e esse é o seu segredo.” (REVISTA VEJA, 1988, p.38)
Seguindo a lógica de Gomes (2004, p. 294), Collor era um “bom poeta”,
pois sabia se portar diante do público e principalmente da imprensa. Na
concepção do autor, um bom poeta “é aquele que domina a tal ponto a sua arte
que o seu produto, encenação ou narração que seja, desencadeia um efeito
emocional e/ou cognitivo no ânimo do leitor ou espectador”. Collor tinha uma
imagem bem mais jovem que os seus principais adversários. Grande parte da
população via naquele sujeito, que por diversas vezes teve o seu lado de
atleta, viril e aguerrido destacados em capas de revistas e demais órgãos da
imprensa, como a esperança de ser “a salvação para o país.” Collor procurou
edificar sua imagem conforme os anseios da população.
Enquanto seu principal opositor, o ex-metalúrgico Luis Inácio Lula da
Silva, tinha uma aparência mais velha, assim como os demais candidatos.
Além de não ter o mesmo nível de escolaridade de Collor, nem de pertencer a
mesma classe social, uma vez que Lula fazia parte de uma família de
emigrantes do sertão de Pernambuco. Sua aparência física era de um homem
sofrido, ressaltado pela barba mal feita e uma voz rouca, língua presa e uma
oralidade cheia de falhas no uso da língua portuguesa. Além disso, não
possuía um dos dedos de uma das mãos, perdido em um acidente de trabalho
quando era metalúrgico.
As características e defeitos de cada candidato constituem a imagem
formada sobre eles pela grande mídia, principalmente as diferenças sociais
entre os dois. Collor não só contou com o apoio dos grandes veículos,
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sobretudo a Rede Globo de Televisão, como investiu pesado em sua imagem
para aproximar-se do leitor. Conforme cita Gonçalves (apud RUBIM, 1995,
p.159), “fascinado pelo culto ao marketing, o ex-presidente Fernando Collor de
Melo fez de tudo para atrair a atenção em tempo integral das câmeras de TV”.
Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, em 27 de julho 1989,
Marinho deixa explícito seu apoio a Collor, tendo como respaldo o bem do país:
“Eu vou influir o máximo possível a favor dele. Procurarei ser um homem
consultivo, a favor da construção de um Brasil melhor”, declarou. (FOLHA DE
SP, 1989, p. 13) 4 .Na mesma entrevista, Marinho não escondeu que mantinha
contato frequente com Collor, inclusive afirmou ter recebido-o duas vezes.
Conti (1999, p. 133) relata um ponto importante desta eleição que foi a
revelação pela reportagem do Jornal do Brasil, no dia 26 de abril, da existência
de uma filha natural de Lula, Lurian Cordeiro, de 15 anos, filha da enfermeira
Miriam de Carvalho, com quem Lula teve um caso no período entre a morte de
sua primeira mulher e o segundo casamento com Marisa, sua atual esposa.
“Lurian não era propriamente um segredo. Seu nome já constava, por exemplo,
da biografia resumida, que o deputado apresentara no livro, reunindo os perfis
dos parlamentares que redigiram a Constituição de 1988” (Nêumanne,1989 p.
75)
O fato foi explorado por Collor durante a campanha. E no dia 12 de
dezembro, foi exibido um depoimento de Miriam durante o horário eleitoral
gratuito do candidato do PRN no qual ela relata que o petista havia oferecido
dinheiro para abortar a filha dos dois, além de acusá-lo de racista. Ainda
segundo a matéria da Folha, Collor ordenou que seus assessores
“desfechassem” ataques pessoas contra Lula durante o programa eleitoral
gratuito. Nessa mesma edição é revalado, conforme título da matéria, que
“Assessora de Collor disse que depoimento foi pago”.
É importante ressaltar que, nesse ponto, Lula teve uma condenação
popular mais do ponto de vista moral do que propriamente política. O aborto
não era um assunto que fazia parte da pauta de noticiários, muito menos da
vida dos cidadãos.
4
Edição 22030, de 27 de julho de 1989. Editoria de Política. P. A 13.
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O primeiro turno realizado em 15 de novembro de 1989 não definiu o
próximo presidente. Collor obteve 28,52% dos votos válidos, Lula ficou 16,08%
e Brizola com 15,45%, conforme dados oficiais do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) divulgado pelo jornal Folha de São Paulo na manhã de 20 de dezembro
daquele ano.
A votação confirmou uma previsão feita por Collor no início da
campanha: “Iremos para o segundo turno Lula e eu, porque somos os dois
únicos fatos novos da eleição” (COLLOR apud NÊUMANNE, p. 170)
Os brasileiros voltaram às urnas em 17 de dezembro Collor saiu
vitorioso com 35.089.998 votos, representando 42,75% do eleitorado brasileiro.
Lula, derrotado, ficou com 31.076.364 votos, ou seja, 37,86% do eleitorado
(Nêumanne,1989, p. 179).
Entre o primeiro e o segundo turno da eleição, sucederam-se dois
debates televisivos entre Lula e Collor. Esses debates foram transmitidos por
um pool formado pelas quatro principais emissoras de televisão abertas:
Bandeirantes, Globo, Manchete e SBT. O primeiro foi realizado em 3 de
dezembro nos estúdios da TV Manchete, no Rio de Janeiro. Já o último debate
foi transmitido da sede da TV Bandeirante, em São Paulo, no dia 14 do mesmo
mês.
A maioria dos autores que se disponibilizaram a estudar o último debate
de 1989 e a edição feita pela Rede Globo são unânimes em apontar a
influência que este debate ocasionou nos resultados finais daquela eleição.
Contudo, é equivocado analisar somente a veiculação do debate. Antes de se
chegar a uma conclusão, é preciso considerar uma séria de fatos que
ocorreram na época, que juntos formam um quebra-cabeça capaz de elucidar
ou ao menos chegar perto da verdade. Dentre estes fatos, considera-se: o caso
Lurian; o sequestro do empresário Abílio Diniz, no qual foi encontrado material
de campanha do PT no cativeiro descoberto pela polícia um dia antes da
eleição e os criminosos teriam sido presos vestindo uma camisa do PT, e por
último, destaca-se a forma como foi trabalhada a imagem dos próprios
candidatos.
Na versão de Conti (1999, p. 264-278), Francisco Vianey Pinheiro, chefe
de jornalismo da Rede Globo de São Paulo, havia solicitado na sexta-feira, (dia
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15) mais tempo para o Jornal Hoje, já que teria de exibir o debate. Ganhou seis
minutos a mais. Na reunião de editores, foi unânime a conclusão de que Collor
tinha se dado melhor do que Lula. Assim como ficou decidido que cada
candidato iria receber o mesmo tempo na edição, ou seja, três minutos para
cada um.
Editado, na cronometragem de Pinheiros o debate contava com 3’11”
para Collor e 2’49” para Lula. De acordo com Conti (1999, p. 266) “para chegar
aos três minutos salomônicos Pinheiro teria de contar uma frase de Collor no
meio, deixando-a sem sentido, optou por manter a diferença de 22 segundos”.
O presidente do PRN, Daniel Tourinho, foi pessoalmente se queixar com
Marinho sobre a versão exibida à tarde no Jornal Hoje. De imediato, Marinho
mandou um recado a Alberico Souza Cruz, diretor de jornalismo da emissora:
“O Collor ganhou e a edição foi favorável ao Lula. Isso é inadmissível para os
padrões da Globo” (Conti, 1999). Pinheiro, que na primeira versão editada
esforçava ao máximo para dar neutralidade ao conteúdo que levaria ao ar,
ficou “possesso” ao ver um trecho da nova fita que estava sendo preparara
para ir ao ar no Jornal Nacional.
Pinheiro “considerou que a nova versão mostrava Collor massacrando
Lula e achava que isso não acontecera no debate”. Mas não havia mais nada
que podia ser feito. Inclusive precisou ser contido por colegas, já que Pinheiro,
“transfigurado”, prometera encher Souza Cruz “de porradas”.(ibidem, p. 268)
Mesmo diante da indignação de Pinheiros, o debate foi ao ar no Jornal
Nacional do dia 15 de dezembro, com a segunda versão editada com uma
duração média de 10 minutos. Foram 5’57” de fala dos candidatos e o restante
em vinhetas e explanação dos apresentadores Sergio Chapelin e Cid Moreira.
De acordo com as regras do debate original, o tempo destinado a cada
candidato era proporcional. Ao contrário da versão editada, na qual Collor teve
3’34” de fala e Lula 2’22”. Ou seja, uma diferença de 1’12”. Collor teve oito falas
exibidas e Lula uma a menos que o seu adversário. Nesta versão, Lula se
pronunciou primeiro com 13 segundos de fala, discorrendo do fundamento do
seu partido. Já Collor teve 30 segundos, e neste trecho selecionado iniciou
fazendo comparação das duas candidaturas e encerrando com ataque a Lula,
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citando que seu partido “explora teses estranhas ao nosso meio” e “que não
primam pelos princípios democráticos consagrados na nova Constituição”.
O restante foi dividido por temas, obviamente selecionados pela equipe
edição do Jornal Nacional e que serão analisados separadamente a seguir.
1º tema. Os tratamentos das greves: Foi selecionado 10 segundos de
fala de Lula que mencionou o seu plano à categoria dos trabalhadores. Já
Collor, com 25 segundos ataca a CUT e as greves “patrocinadas pelo braço
sindical do outro candidato”.
2º tema. A Questão do Nordeste: No trecho selecionado de Lula, com
duração de 14 segundos, o mesmo chega a trocar a palavra “seca” por “cerca”.
Collor, que teve também 14 segundos não respondeu à pergunta, e mais uma
vez questionou a resposta de Lula, quando o candidato do PT afirmou que era
possível “nascer uma sub-raça” no nordeste, se referindo à afirmação do IBGE.
Collor se apossou desse termo para defender que o nordestino não era uma
sub-raça insinuando que Lula estaria maculando o povo nordestino,
deixandoclaro a intenção de colocar a população nordestina contra Lula.
3º tema. A violência na campanha: Mais uma vez, é exibido ataques
de Collor à Lula que aparece sem reação. Em 37 segundos de vídeo, Collor
começou atacando a violência dos militantes do PT contra militantes do PRN.
Lula, que teve disponível 24 segundos, falou da violência que sofreu “em toda
sua vida política”.
4º tema. Salários: Neste tópico, a emissora selecionou uma pergunta
de Lula, com 18 segundos de duração. Collor gastou 37 segundos em sua
resposta, apresentando um case de um projeto que seu partido propôs para
cortar as mordomias dos deputados e fez questão de enfatizar que o PT negou
a adesão ao projeto.
5º Tema. Os acordos políticos: Com 29 segundos de pronunciamento,
Collor começa falando do episódio em que Brizola chamou o vice de Lula, o
“Bisol”, de corrupto, fazendo uma grave acusação de corrupção. E terminou
perguntando se “Brizola está mentindo ou se seu vice é realmente corrupto”.
Este também foi outro ponto do debate original que pesou contra o petista.
Com 23 segundos de resposta, Lula apenas se conteve em afirmar que tais
divergências dos dois era algo que eles tinham de resolver após a eleição e “e
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que o momento maior era ganhar as eleições”. Àquela altura do campeonato,
Lula não podia se demonstrar tolerante a atos de corrupção, principalmente
envolvendo integrantes de sua equipe. No debate editado, houve sempre uma
fala do Lula e outra do Collor – ou vice-versa - sobre um determinado assunto.
Mas esse foi o único momento em que foi reproduzida uma tréplica, no qual
Collor reforçou a intolerância de Lula em relação a acusação contra seu vive.
1. Quadro analítico da edição do debate realizado no dia 14 de dezembro de
1989, exibido pelo JN no dia 15/12/89
Categorias de Análise Lula Collor
Como se apresenta Não identificado na edição “Eu sou o candidato do
(identidade) centro democrático”
Aparência física Barbas e cabelo grande Sem barba, cabelos bem
penteados.
5
Fala e Pronúncia Ocorrência de ceceio , e Sem problemas com dicção e
falha na dicção pronúncia
Postura Corporal Introspectiva, ausência de Adequada e elegante
simpatia
Palavras mais utilizadas Não identificadas Não identificadas
Uso de gírias ou dialetos Não identificado na edição Não identificado na edição
Discurso direcionado a Classe média baixa Classe média baixa
qual classe social
Como se refere aos Empiricamente, teve Teoricamente
problemas sociais vivência no assunto
Como se refere à Não identificado na edição Não identificado na edição
imprensa
Valores morais Humildade Honestidade, Paciência,
Valores religiosos Não discute Não discute
5
Ceceio é aquele inconfundível acento de “s” e “z”, com a língua entre os dentes, é provocado por uma
alteração na fala chamada, conhecido também como “língua solta”, causada pela flacidez da
musculatura da língua, provocando um som não muito agradável.
(http://ccer.com.br/?pg=artigos&id=6)
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No início da versão editada não houve uma apresentação pessoal por
parte de Lula, já Collor teve a oportunidade de não só falar sobre si, como
também atacar o adversário logo na apresentação.
Quanto à aparência física, este foi um dos principais diferenciais de
Collor em relação a Lula não só neste debate, mas como em toda a sua
campanha. A imagem, conforme cita Rodrigues e Péres-Nebra (2007, p.51)
“tem uma forte influência na vida das pessoas, ela está presente a todo
instante e traz consigo informações que influenciam o cotidiano das pessoas
pela credibilidade que ela sugere.” Os cabelos e barba não estavam
devidamente aparados e o terno não era ajustado ao corpo, dando aspecto
desleixado, o que não é nada positivo para imagem de um candidato à
presidência da república. Portanto, não há como negar que a aparência de
Collor foi um fator de peso para o candidato nesta eleição.
O problema do ceceio na fala de Lula dava uma sensação de ter
agressividade e somado à aparência pouco elegante, discutida anteriormente,
pesava mais ainda na sua aproximação com o eleitor/telespectador. Já quanto
à postura, Lula se mostra mais fechado em frente às câmera e Collor se
comportou mais à vontade com estilo mais engajado ao se pronunciar e com
maior desenvoltura. O discurso dos dois candidatos foram direcionados à
classe de baixa renda abordando aspectos como emprego e salário.
Ao se referir aos problemas sociais, como violência e a questão do
nordeste, Lula arriscou a se pronunciar com mais sentimento, valendo-se da
empatia já que teve vivência em algumas das questões sociais discutidas.
Toda essa postura de Lula lhe atribuiu alguns valores morais
prevalecendo, sobretudo, a humildade. Já Collor conseguiu atribuir um número
maior de valores morais à sua imagem durante o debate, como a honra, a
justiça, honestidade e paciência.
Após a exibição do debate editado, Cid Moreira divulgou números de
pesquisa sobre a opinião dos telespectadores quanto ao desempenho dos
candidatos em todo o Brasil. Tal pesquisa foi realizada pelo Instituto VoxPopuli
com 490 telespectadores. De acordo com a emissora de TV, Collor teve um
desempenho superior na opinião de 44,5% dos entrevistados e Lula obteve
32%. De acordo com Conti (1999, p. 266), o VoxPopuli trabalhava para Collor.
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E o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatísticas (IBOPE), que era
contratado da Rede Globo não havia realizado a pesquisa sobre o debate.
De acordo com Leal (2006, p. 38), antes do primeiro debate “Lula saiu-
se bem e manteve tendência de crescimento nas pesquisas, encostou em
Collor e prometia uma disputa”. Já no segundo debate, Leal (2006) afirma que
Lula “fraquejou e seus assessores reconhecem que Collor havia mostrado mais
firmeza, saindo-se melhor que o adversário”. Os dois candidatos estavam
tecnicamente empatados, conforme apontava praticamente todas as pesquisas
de intenção de votos. Uma delas, realizada pela empresa Toledo e Associados,
nos dias 8, 9 e 10 de dezembro, indicava Collor com 44,7% e Lula com 44,2%
da intenção de votos. Eleitores indecisos correspondiam a 5,9% e votos
brancos ou nulos eram 4,5%. Já o Instituto DataFolha, em pesquisa realizada
nos dias 12 e 13 de dezembro, apontava Collor com 46% da intenção de votos,
contra 45% de seu opositor. Outra pesquisa também promovida pelo Instituto
DataFolha, no dia 16 de dezembro apontou pequena evolução de Collor, que
obteve 47%, três pontos a mais que Lula.
Na apuração final do segundo turno, os votos de Lula ficaram
praticamente inalterados, já Collor teve uma considerável progressão, que
hipoteticamente pode ser justificada com a migração dos votos nulos e
indecisos apontados pelas pesquisas. Este resultado sugere que o debate
editado às vésperas da eleição tenha influenciado de algum modo na escolha
do presidente, especialmente para aqueles indecisos
Considerações finais
Alguns teóricos da comunicação defendem duas correntes de
interpretação do desfecho da eleição de 1989. Lima (2001, p. 218) é um dos
que defende a corrente da “vitória antecipada”. Segundo o autor, mesmo Lula
tendo aproximado de Collor nas últimas pesquisas, as eleições de 1989 foram
decididas antes de 7 de junho daquele ano, quando o candidato do PRN atingiu
a marca de 43% das intenções de votos e Lula era apenas o terceiro colocado,
atrás de Leonel Brizola (PDT).
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A segunda teoria, conhecida como “vitória conquistada”, é defenida por
Eduardo Lins da Silva, citado Kowalski e Santos (2010, p. 7). De acordo com
os autores, na teoria da vitória conquistada, “apesar da crescente importância
dos meios de comunicação de massa na configuração do resultado das
eleições, a identificação entre eleitor e candidato seria o fator determinante.”
(ibdem, p.8). Tal doutrina ilustra a questão da imagem largamente explorada
por Collor e já citado neste trabalho.
Com o contexto aqui exposto, observa-se três fatores que pesaram
incisivamente na derrota de Lula: primeiro foi a entrevista de sua ex-namorada,
Miriam Cordeiro, que o acusou de incentivar o aborto da filha: o segundo fator
foi o seqüestro do empresário Abílio Diniz no qual a mídia insinuou que
integrantes do PT teriam cometido o crime; o terceiro fator foi a edição do
último debate pela Rede Globo.
Quanto às acusações proferidas por Miriam em canal aberto, o Tribunal
Superior Eleitoral já havia concedido a Lula cinco minutos de direito de
resposta no horário eleitoral gratuito de Collor. Além disso, Lula gravou um
programa com a participação de sua filha, Lurian, também exibido durante a
propaganda eleitoral na TV. A denúncia da própria secretária de Collor, Maria
Helena Amaral, de que Miriam havia sido paga para fazer tais declarações
também pode ter tido algum efeito minimizador sobre a polêmica a que se
refere.
O sequestro de Abílio Diniz também não teve muito reflexo, conforme
análise realizada por Nêumanne (1989, p. 181). A matéria veiculada no jornal O
Globo em que Romeu Tuma fazia insinuações da participação de Lula foi
veiculada na manhã do domingo da eleição, e não atingiria uma quantidade de
eleitores suficiente para ter a opinião de voto alterada. O único jornal, conforme
cita Nêumanne (p. 181), que deu o caso como manchete em dias anteriores à
eleição foi o jornal O Rio Branco, do Acre. E nesse estado somavam-se na
época 182.797 eleitores.
Já a edição polêmica do debate, objeto principal deste estudo, é outro
fato que segundo Nêumanne (1989), teve pouca ou nenhuma influência na
votação do dia 17 de dezembro. Para o autor, “essa foi uma desculpa bastante
disseminada, mas sem razão lógica de ser”. O autor apresentou algumas
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justificativas para essa conclusão: o quesito audiência; Nêumanne (1989) relata
que o debate de quinta feira, com duração de 02 horas e 45 minutos foi muito
maior que a edição do Jornal Nacional na sexta-feira:
A edição jornalística não poderia melhorar a atuação de Lula no
programa, transmitido em rede por todas as emissoras de televisão
do país, uma vez que ela havia sido medíocre mesmo. A edição
jornalística do segundo debate favoreceu Collor da mesma forma
como a do primeiro havia favorecido Lula (NÊUMANNE, 1989, p. 181)
É importante também considerar o desempenho de Lula no debate
original. O candidato do PT que de acordo com o sorteio, teve direito aos três
últimos minutos para si, não soube aproveitar da forma adequada. Assim como
Collor, preferiu baixar o nível partindo para cima do adversário, ao invés de
usá-lo em benefício próprio. “Eram três minutos inteirinhos seus, sem
interferência de Collor ou do mediador do debate” (MENDONÇA, 2001, p. 65)
Autores como Nêumanne condena a atitude de Lula no final do debate
ao se despedir fazendo um trocadilho com o apelido que deu fama a Collor.
Lula se despediu com os seguintes dizeres: “(...) espero ter contribuído pra
dizer que o famoso caçador de marajás não passa de um famoso caçador de
maracujá”. O que Lula não poderia jamais ter feito foi desperdiçar aqueles
preciosos minutos para dizer que, em vez de caçador de marajás, Collor
era um caçador de maracujás.O Brasil inteiro se lembra” (MENDONÇA, p. 65)
O jornalista Franklin Martins em entrevista 6 à revista Trip foi incisivo ao
opinar sobre o principal ponto decisivo da eleição de 1989:
(...) não acho que o Lula perdeu a eleição por causa da edição do
debate. Aliás, o Lula foi melhor do que o Collor no primeiro debate e
pior no segundo, no último. A meu ver, ele perdeu a eleição porque
um segmento dos eleitores que estava encarando seriamente a
possibilidade de votar no candidato do PT, na hora H, recuou, ficou
com medo, não se sentiu seguro e acabou apoiando Collor. Não era
tanta gente, talvez uns 2% ou 3% do eleitorado, mas esse segmento
decidiu a eleição. (MARTINS apud REVISTA TRIP, 2002)
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Entrevista disponível no site do próprio jornalista:
http://www.franklinmartins.com.br/naestante_artigo.php?titulo=a‐mudanca‐e‐grande‐vencedora‐das‐
eleicoes
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14. Faculdade Estácio de Sá
Portanto, nessa coletânea de fatos concretos e de opiniões diversas, é
possível apontar a interferência do debate exibido na noite de 15 de dezembro
no Jornal Nacional como de baixo grau de influência nos resultados da eleição
de 1989. Seria um equívoco afirmar que não houve influência alguma, mas o
estudo aqui apresentado fica como base para ao menos entender que não foi o
debate, nem a sua edição os grandes agentes influenciadores das eleições de
1989.
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15. Faculdade Estácio de Sá
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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de Empresas/ EAESPSP, FGV, SP: 199
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• CHAUI, Marilena - O que é política 2006 (TENHO QUE PROCURAR OS
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• RODRIGUES, Cecília de Castro e PÉRES-NEBRA, Amalia Raquel. A mudança
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• REVISTA VEJA. São Paulo: Ed. Abril, n. 835, 5 de Set. 1984
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• http://datafolha.folha.uol.com.br/po/ver_po.php?session=101
• Edição Polêmica do JN - Último debate 89. Disponível em
<http://www.youtube.com/watch?v=rJ3rudZ2odA&feature=related>
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