1) O mercado mundial de carne de cavalo tem crescido nos últimos 50 anos, com exportações anuais de US$ 500 milhões, porém a participação brasileira vem diminuindo.
2) Recentemente, a União Europeia tornou-se mais exigente com controles de medicamentos e rastreabilidade, reduzindo as exportações brasileiras.
3) Empresas brasileiras passaram a divulgar mais informações sobre o processo de produção, visando esclarecer dúvidas e mitos sobre o abate humanitário de equinos.
1. Mudanças recentes no mercado
de carne de cavalo
O mercado mundial de carne de cavalo desenvol- de carne de cavalo, isto é importam, processam e ex-
veu-se nos últimos cinquenta anos, sendo, atualmen- portam carne de equídeos, como é o caso da Bélgica,
te, exportados cerca de US$ 500 milhões anualmente por exemplo. A Tabela 1 apresenta os principais países
de carne de cavalo. O Brasil tem sido um importante no comércio internacional dessa mercadoria.
participante nesse mercado, sempre colocando-se en- O principal destino das exportações brasileiras de
tre os principais exportadores. No entanto, sua impor- carne de cavalo tem sido, destacadamente a Bélgica,
Roberto Arruda de tância relativa decresceu nos últimos anos. Se em 1973 seguido por Itália e Japão (Tabela 2). É interessante
Souza Lima
chegou a representar 25,4% das exportações mundi- destacar que dos cinco principais importadores mun-
Engenheiro agrônomo,
Doutor em ais, em 2007 (última informação disponível pela FAO), diais, em três deles o Brasil não está presente (Rússia
Economia Aplicada, os US$ 31,9 milhões de dólares representaram apenas e Suiça) ou tem participação modesta (França). Para os
Prof. da ESALQ/USP , 6% das exportações mundiais (Figura 1). próximos anos espera-se que novos mercados sejam
Pesquisador do CEPEA Deve-se ressalvar que ao longo desse período, al- abertos pelo Brasil, entre eles a China.
raslima@esalq.usp.br guns países tornaram-se importantes reexportadores Embora os dados mundiais mais atualizados ainda
Tabela 1: Principais países no mercado internacional
de carne de cavalo (2007)
Importadores Exportadores Exportadores líquidos Importadores líquidos
1º França 23,5% Bélgica 19,5% Itália 31,2% Argentina 25,8%
2º Bélgica 21,6% Argentina 15,8% França 25,2% Canadá 22,1%
3º Itália 19,6% Canadá 13,6% Rússia 13,8% Polônia 13,1%
4º Rússia 8,5% França 8,0% Suíça12,9% Brasil 9,8%
5º Suíça 7,9% Polônia 8,0% Japão 9,6% México 5,8%
6º Japão 5,9% Brasil 6,0% Bélgica 3,5% EUA 5,1%
FONTE: FAO (2010)
FONTE: FAO (2010)
Outros 13,1% Outros 29,1% Outros 3,8% Outros18,3%
Figura 1: Evolução das exportações mundiais e brasileiras
Nota: Importação Líquida = Importação – Exportação;
de carne de cavalo e participação do Brasil no mercado
Exportação Líquida = Exportação – Importação
Tabela 2: Brasil - Destino das exportações de carne de cavalo
Destino 2005 2006 2007 2008 2009 01/2010 a 06/2010
Alemanha 0 0 0 54 0 0
Austria 401 311 171 0 0 0
Bélgica 9.939 12.717 12.871 12.619 12.674 2.110
Cazaquistão 143 376 46 180 0 0
Costa do Marfim 0 0 0 53 0 0
Espanha 67 113 136 187 110 47
Finlândia 387 712 553 259 95 0
França 4.279 3.422 3.456 2.509 1.970 319
Hong Kong 0 0 0 0 40 0
Itália 6.231 6.655 7.038 5.433 4.258 1.057
Japão 5.133 3.904 3.524 3.195 2.077 1.165
Nova Zelândia 0 0 0 0 26 0
Holanda 7.310 5.665 3.906 3.191 2.022 219
Reino Unido 0 0 84 0 0 0
Russia 138 0 0 0 0 0
África do Sul 0 0 15 7 50 113
Suécia 0 0 82 57 0 24
Suiça 13 0 29 0 0 0
República Tcheca 0 46 0 0 0 0
FONTE: MIDC (2010)
Uzbequistão 68 0 0 0 0 0
Vietnã 0 0 0 0 104 0
Total 34.109 33.923 31.910 27.742 23.426 5.055
2. não estejam disponíveis, é provável que o Bra-
sil tenha perdido espaço no mercado mundial,
principalmente nos últimos 12 meses. Neste
último ano, muitas alterações ocorreram no
mercado, com destaque para o maior rigor dos
importadores europeus, evidenciado através
de barreiras comerciais. Recentemente a União
Européia, como já ocorria com a carne bovina,
tornou-se mais exigente no controle de medi-
camentos aplicados à tropa, além de exigir a
rastreabilidade. O ponto positivo nestes últi-
FONTE: MIDC (2010)
mos meses é que o Brasil mostrou-se ágil ao
estabelecer rapidamente um plano que rece-
Figura 2: Brasil - Valor, em dólares, e quantidade, em toneladas, de carne de cavalo
beu aprovação do Escritório de Alimentação e
exportada, período de 1989 a junho 2010
Veterinária da União Europeia (FVO). Os even-
tos associados às mudanças no rigor das im-
portações européias contribuíram para redu-
ção das exportações brasileiras (Figura 2) e
no número de abates (Figura 3).
Observa-se que os eventos ocorridos nos
últimos meses foram refletidas na estrutura do
mercado brasileiro. Minas Gerais adquiriu mai-
or destaque tanto em número de abates (Figu-
ra 4) quanto no volume exportado (Figura 5).
Mas a grande alteração no ambiente de pro-
dução de carne de cavalo, no Brasil, altamente
positiva, está na postura das empresas do se-
tor, que finalmente tem mostrado maior trans-
FONTE: MAPA (2010)
parência e oferecendo oportunidade valiosa
para desmitificação de lendas prejudiciais ao Figura 3: Brasil - Quantidade de equideos abatidos por mês, período de
setor (e à economia nacional). Hoje, empresas janeiro de 2002 a junho 2010
como a DSM-FAVA, divulgam informações com
qualidade e quantidade aos interessados e
curiosos no assunto carne de cavalo. Por exem-
plo, torna explícito que “nenhum animal sofre
maus tratos e abuso, sendo devidamente ali-
mentados e tratados”. Os frigoríficos utilizam
sistemas de abate humanitário, isto é, de acor-
do com a Instrução Normativa nº 3, de 17 de
janeiro de 2000, da Secretaria de Defesa Agro-
pecuária do Ministério da Agricultura e do
Abastecimento. Diante das dúvidas que ain-
da existem quanto ao abate, pelo público não
familiarizado com o cotidiano de frigoríficos, é
conveniente transcrever alguns trechos da re-
FONTE: MAPA (2010)
ferida Instrução Normativa:
Figura 4: Brasil - Abates mensais de equídeos por UF,
de julho 2007 a junho 2010
“REGULAMENTO TÉCNICO DE
MÉTODOS DE INSENSIBILIZAÇÃO
PARA O ABATE HUMANITÁRIO DE
ANIMAIS DE AÇOUGUE
1. Alcance
1.1. Objetivo: Estabelecer, padronizar e moder-
nizar os métodos humanitários de insensibili-
zação dos animais de açougue para o abate,
assim como o manejo destes nas instalações
dos estabelecimentos aprovados para esta fi-
nalidade.
FONTE: MIDC (2010)
1.2. Âmbito de Aplicação: Em todos os esta- Figura 5: Brasil - Volume das exportações de carne de cavalo, por UF,
belecimentos industriais que realizam o abate de julho 2009 a junho 2010
dos animais de açougue.
3. 2. Definições chegada no estabelecimento de abate de- te de diferentes espécies, quando utilizadas
2.1. Procedimentos de abate humanitário: É vem ser submetidos à matança de emergên- serão aplicadas somente nos membros;
o conjunto de diretrizes técnicas e científi- cia. Para tal, os animais não devem ser ar- 3.9. Os animais mantidos nos currais, pocil-
cas que garantam o bem-estar dos animais rastados e sim transportados para o local gas ou apriscos devem ter livre acesso a
desde a recepção até a operação de sangria do abate de emergência por meio apropria- água limpa e abundante e, se mantidos por
(...) do, meio este que não acarrete qualquer mais de 24 (vinte e quatro) horas, devem ser
sofrimento inútil; alimentados em quantidades moderadas e a
3. Requisitos aplicáveis aos 3.6. A recepção deve assegurar que os ani- intervalos adequados.
estabelecimentos de abate mais não sejam acuados, excitados ou mal- 3.10. Nas espécies que apresentarem acen-
3.1. A construção, instalações e os equipa- tratados; tuada natureza gregária, não deve haver re-
mentos dos estabelecimentos de abate, bem 3.7. Não será permitido espancar os animais agrupamento ou mistura de lotes animais
como o seu funcionamento devem poupar ou agredi-los, erguê-los pelas patas, chifres, de diferentes origens, evitando assim que
aos animais qualquer excitação, dor ou so- pelos, orelhas ou cauda, ocasionando do- corram o risco de ferirem-se mutuamente.
frimento; res ou sofrimento; (...)”
3.2. Os estabelecimentos de abate devem 3.8. Os animais devem ser movimentados
dispor de instalações e equipamentos apro- Adicionalmente, os frigoríficos devem
com cuidado. Os bretes e corredores por possuir certificados de sua produção, sen-
priados ao desembarque dos animais dos
onde os animais são encaminhados devem do fiscalizados em tempo integral por vete-
meios de transporte;
ser concebidos de modo a reduzir ao míni- rinários, obedecendo a normas rigorosas
3.3. Os animais devem ser descarregados o mo os riscos de ferimentos e estresse. Os previstas em leis brasileiras e Comunidade
mais rapidamente possível após a chegada; instrumentos destinados a conduzir os ani- Européia para exportação e controle sanitá-
se for inevitável uma espera, os animais de- mais devem ser utilizados apenas para esse rio.
vem ser protegidos contra condições climá- fim e unicamente por instantes. Os disposi- A despeito da redução das exportações
ticas extremas e beneficiar-se de uma venti- tivos produtores de descargas elétricas ape- verificadas nos últimos meses, a nova pos-
lação adequada; nas poderão ser utilizados, em caráter ex- tura dos frigoríficos e agentes ligados ao
3.4. Os animais que corram o risco de se cepcional, nos animais que se recusem mo- segmento de carne de cavalo, permite traçar
ferirem mutuamente devido à sua espécie, ver, desde que essas descargas não durem cenários mais promissores para o Brasil, com
sexo, idade ou origem devem ser mantidos mais de dois segundos e haja espaço sufici- esclarecimento (e certificações) à popula-
em locais adequados e separados; ente para que os animais avancem. As des- ção em geral e aos importadores em particu-
3.5. Os animais acidentados ou em estado cargas elétricas, com voltagem estabeleci- lar. Entramos no início de uma nova era, mais
de sofrimento durante o transporte ou à das nas normas técnicas que regulam o aba- transparente e melhor articulada.