O esfacelamento da superestrutura política e jurídica no brasil
Derrotar impeachment, salvar democracia Brasil
1. Derrotar o impeachment, salvar a democracia, sair da crise
Haroldo Lima
O processo de impeachment da presidenta Dilma vai revelando, cada vez
mais, contradições e perfídias. Atinge personalidades de destaque, amplia
a crise política, coloca mal todos os três Poderes constituídos da
República.
Depois de termos nos tornado a sexta economia do mundo e quando
nossas históricas desigualdades sociais e regionais estavam diminuindo,
passamos a enfrentar dificuldades crescentes, oriundas de fatores
externos e internos.
O Poder Executivo não conseguiu conter a queda de nossa produção,
debelar a desindustrialização, impedir que entrássemos em recessão e
que a recessão se estendesse por dois anos seguidos.
Um esquema corrupto foi descoberto, revelou-se grande, organizado e
antigo, atuante dentro e fora da nossa maior empresa, a Petrobras. O
esquema foi combatido, mas o sistema Petrobras foi abalado e toda a
economia foi atingida.
Forças políticas derrotadas na eleição de 2014 não acataram seu resultado
e, desde então, postulam o afastamento da presidenta eleita.
Gradativamente foi-se conformando uma frente oposicionista com os
derrotados na eleição, com setores do Judiciário, do Ministério Público
Federal e da Polícia Federal, em íntima sintonia com a grande mídia do
país.
2. O Poder Legislativo, a partir da Câmara dos Deputados, deu andamento ao
impeachment da presidenta, sem que se configurasse crime de
responsabilidade contra a mesma. Realizou uma sessão bizarra, chamada
de "sessão do horror", tamanho o seu baixo nível. Pouco depois, por ser
réu em processo de corrupção no Supremo Tribunal Federal (STF), o
presidente da Câmara foi afastado de suas funções. Seu sucessor não
consegue sequer dirigir os trabalhos de rotina.
O Poder Judiciário, pela ação do STF, contribuiu para dotar o
impeachment de um rito juridicamente sólido, mas acumulou tantas
distorções que ficou fragilizado. Recebeu, do Procurador Geral da
República, pedido de afastamento do presidente da Câmara e só o
despachou quase cinco meses depois, quando o dito presidente já
encaminhara o impeachment, por ato monocrático de vingança, em
aberto "desvio de poder". Mandou prender um senador flagrado em
gravações conspiratórias, Delcídio do Amaral, ligado ao governo Dilma, no
exercício de seu mandato e sem flagrante delito, e não fez até agora nada,
quando outro senador, Romero Jucá, contrário ao governo Dilma, foi
pilhado em situação absolutamente similar.
A crise, portanto, é ampla e geral. Alcança os três Poderes da República.
As recentes gravações apresentadas por Sérgio Machado, em suas
delações, só a fazem expandir e mostrar o quanto a corrupção era
profunda no lado contrário ao governo Dilma, até então estranhamente
acobertado pelo juiz Sérgio Moro.
Sair da crise salvando a democracia é objetivo do qual não se deve abrir
mão. Isto passa pelo respeito à legalidade democrática,
desenganadamente definida pela vontade soberana das urnas de 2014,
3. que elegeu Dilma Rousseff para a presidência da República; passa,
também, por repelir este impeachment sem crime que, por isso, é visto
como um golpe, ainda mais agora, depois que o seu articulador principal
no Senado, Romero Jucá, disse, de viva voz, nas gravações do Sérgio
Machado, que o impeachment era necessário para conter a "sangria" em
curso, barrar a Lava Jato e preservar corruptos a ele ligados.
Uma vitória do impeachment no Senado truncaria a democracia no país.
Introduziria na cena política um governo ilegítimo, que seria o de Temer.
Despertaria críticas no exterior, inclusive dos mais destacados órgãos de
imprensa, que já não poupam censura ao governo transitório que hoje
Temer dirige, como se transitório não fosse. Não teria chance de governar.
Reporia no Brasil a luta pela restauração da democracia, contra um
governo que não foi eleito e que desbancou, sem razões, um governo
legitimamente eleito.
A votação ocorrida no Senado, quando da "admissibilidade" do
impeachment, precisa ser revertida. Naquela votação, 55 senadores
votaram pela continuidade do processo. Se na votação do julgamento esse
número cair para 53, o impeachment estará derrotado, porque os 2/3 de
votos para cassar o mandato da presidenta não seriam atingidos.
Alterar posições da votação passada é assim essencial e é factível. Não só
porque alguns senadores votaram na "admissibilidade" dizendo não estar
votando no impeachment, como porque a presidenta Dilma, e forças que
a apóiam, poderão enfrentar essa votação de mérito com uma proposição
eminentemente nova, a de buscar os caminhos para antecipar a eleição
direta para presidente da República.
4. A derrota do impeachment no Senado, na votação final que se aproxima,
será a demonstração de que a vontade de 54 milhões de eleitores
brasileiros que votaram em Dilma naquela eleição de 2014 foi respeitada.
A democracia ficaria fortalecida.
Contudo, nosso desafio não é só salvaguardar o resultado democrático
das urnas. É encontrar, através da democracia, uma saída para o país. A
presidenta Dilma, reempossada, restaurará a legalidade democrática, mas
terá enorme dificuldade em governar a Nação, sem base parlamentar e
com baixa popularidade. A crise persistirá, com novos episódios, quem
sabe, mais complexos ainda.
A decisão pela antecipação da eleição direta para presidente da República
- uma espécie de Direta Já - cria o pressuposto para o encontro do meio
adequado disto ser feito. Um plebiscito poderia autorizar o Congresso a
essa antecipação.
A presidenta Dilma, com sua formação patriótica e democrática, ao se
comprometer com esse caminho, ajudaria, e muito, a luta pela derrota do
impeachment. Uma alternativa democrática seria aberta para o país.
Haroldo Lima - é engenheiro, consultor na área de petróleo, ex-deputado
federal, ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis. É membro do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil