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→ DIA 25/01/2010.
INTRODUÇÃO AO DIREITO PROCESSUAL CIVIL CONTEMPORÂNEO
O direito processual civil contemporâneo deve ser compreendido a partir dos
resultados das relações entre: processo e direito material; processo e teoria do
direito; e processo e Constituição. Portanto, pode-se dizer que o processo moderno
é formado por esse tripé.
1. Relações entre processo e direito material.
Em todo processo, por mais simples que ele seja, sempre há a afirmação de um
direito a ser protegido pela jurisdição. Isso quer dizer que o processo nasce para
tutelar direitos, para servir ao direito afirmado. Por esse motivo, há regras
processuais para atender a um direito específico. A essa função primordial do
processo, como instrumento para o direito material, é que se chama de
instrumentalidade processual.
Entretanto, vale lembrar que não há hierarquia entre direito material e direito
processual, pois ambos se complementam. O direito material diz como as coisas
devem ser e o direito processual concretizará as disposições do direito material.
O direito processual serve ao direito material (pois aquele tem a função de
concretizar as determinações deste); ao passo que o direito material tb serve ao
direito processual (pois aquele é a razão de existir deste). Há, portanto, uma relação
mutualista, circular entre ambos, que é chamada de teoria circular dos planos
material e processual.
Questão de concurso:
Explique a razão circular entre direito material e processual.
A resposta correta é esta contida acima.
O mundo do direito material é o mundo da certeza. Mas, quando essa certeza é
levada a juízo, aquele direito que, para o demandante, é certo, passa a ser direito
afirmado, ou processualizado, não mais sendo um direito certo. Para o processo, o
demandante não tem direito até o trânsito em julgado — ele tem afirmação de
direito. Isso se explica porque quem vai a juízo pode perder a causa.
2. Relações entre processo e teoria do direito.
2
A ciência jurídica se transformou sobremaneira após a 2ª guerra mundial. A ciência
jurídica foi criada pelos alemães no século XIX, mas até hoje não existem na
Inglaterra e EUA.
Ao passo que a ciência jurídica tornou lícito e referendou os atos de Hitler, ela
passou a entrar em crise e o processo não ficou alheio a esse fato. Esse período
posterior à crise da ciência jurídica, que ocorreu pós-guerra, com sua reflexão,
passou a ser chamado de neoconstitucionalismo (ou neopositivismo, ou pós-
positivismo, ou positivismo reconstruído). O neoconstitucionalismo perdura até os
dias atuais.
São características básicas do neoconstitucionalismo:
a) reconhecimento da força normativa da Constituição – a Constituição passou a ser
encarada como um conjunto de normas a serem aplicadas e não mais como um
projeto ou carta de intenções. Norma Constitucional programática, sem eficácia, não
tem cabimento para o moderno direito.
b) teoria dos princípios – princípio hoje é espécie do gênero norma. O princípio pode
ser aplicado sozinho no caso concreto, sem que seja aplicada regra. Princípio,
portanto, passou a ser regra e não mais forma de integração do direito.
c) transformações da hermenêutica jurídica – é a percepção de que a atividade
jurisdicional é criadora. O direito se desenvolve pela jurisdição. O juiz não é mais
tido como mero declarador de normas, mas sim um elemento que cria normas em
suas decisões (Ex: a súmula vinculante é norma criada pelo juiz e não norma já
existente que foi meramente declarada).
Destarte, pode-se dizer que texto e norma são distintos, já que a norma é o que
resulta da interpretação do texto. Por isso, um mesmo texto de 20 anos atrás pode
possuir hoje uma interpretação distinta daquela época, o que se leva a deduzir que
um mesmo texto gerou normas diferentes. Ex: um modo de se vestir, considerado
atentatório ao pudor há 20 anos, hoje não mais o é.
Em virtude dessa transformação do entendimento que se tinha da norma, o princípio
da proporcionalidade se desenvolveu para que se pudesse dar um sentido
proporcional e ético à interpretação da norma. Esse princípio se irradiou para todos
os ramos do direito (Ex: o princípio da insignificância do direito penal é um viés da
proporcionalidade).
d) teoria dos direitos fundamentais. Visto em direito constitucional.
e) controle de constitucionalidade. Visto em direito constitucional.
Leitura recomendada:
Texto de Humberto Ávila sobre neoconstitucionalismo (site
www.direitodoestado.com.br). Esse texto é uma crítica a essas características
3
do neoconstitucionalismo — mas não a sua negação —, de forma a revelar o
abuso e a banalização dessas características.
As transformações do neoconstitucionalismo repercutiram na ciência processual, de
modo que esta já se encontra na 4ª fase.
Fases da ciência processual:
1ª – fase do sincretismo ou pragmatismo – o início da ciência processual se dá no
séc. XIX, onde direito material e direito processual eram uma só coisa, sincrética,
sem distinção. O praxismo (ou pragmatismo) se refere ao fato de que o processo só
era discutido em sua forma prática, ou seja, como uma mera praxi forense.
2ª – fase do processualismo ou fase científica – há uma total separação entre o
direito material e o direito processual, de forma que se reconhece que o direito
processual possui princípios próprios a serem estudados. É a fase da afirmação da
ciência processual, onde houve uma total ruptura entre direito material e processual.
3ª – fase do instrumentalismo – reconhece que o direito material e processual são
distintos, mas que ambos devem conviver juntos, harmoniosamente. Essa é a fase
da reaproximação entre eles.
4ª – fase do neoconstitucionalismo – é uma fase tão nova que sequer é mencionada
por alguns doutrinadores. Essa fase ainda não possui um nome definido, mas já há
algumas propostas:
a) Neoprocessualismo – o livro síntese é o volume I do Curso de Processo
Civil de Marinoni.
b) Formalismo-valorativo – é uma definição do processo que segue o
neoconstitucionalismo, pregando a ética e a boa-fé do processo. É uma
denominação criada pela escola gaúcha.
3. Relação entre processo e Constituição.
O processo é pautado por direitos constitucionais processuais, com direitos
fundamentais do processo (devido processo legal, ampla defesa, contraditório, juiz
natural, etc.).
Os direitos processuais constitucionais possuem uma dupla dimensão:
a) Dimensão objetiva – os direitos fundamentais são normas constitucionais,
que garantem um conteúdo mínimo, fundamental, e que por isso estão na
CF para serem seguidos pelo legislador infraconstitucional.
b) Dimensão subjetiva – os direitos fundamentais, além de normas, são
direitos propriamente ditos, ou seja, não no sentido direito-norma, mas
4
direito como relação jurídica — um bem jurídico (posição jurídica vantajosa
do seu titular). Direito com D maiúsculo é norma; mas com d minúsculo é
situação jurídica.
No aspecto objetivo, o processo deve ser pautado pelos direitos
fundamentais constitucionais. Pelo aspecto subjetivo, o processo tem que
ser adequado, estruturado para proteger, tutelar, um direito fundamental.
Princípios constitucionais do processo.
1. Devido processo legal (due process of law).
No séc. XIV, o rei Eduardo III cunhou essa expressão, apesar de que a idéia do
devido processo legal foi concebida no séc. XI. A Magna Carta (1215) não menciona
tal expressão, apesar de alguns autores mencionarem isso.
Em português, a correta tradução de “of law” é direito. Lei, em inglês, é “statute law”.
Assim, a expressão “due process of law” significa devido processo conforme o
direito, ou seja, o sentido do devido processo legal é maior do que a lei.
Na expressão “due process of law”, o termo processo significa método de criação de
normas jurídicas, não sendo processo no sentido de sucessão de atos processuais.
Por esse motivo, o legislador deve observar o devido processo legal — quer dizer
que nenhuma lei pode ser criada sem o devido processo legal. Da mesma forma, até
as normas administrativas infralegais (decretos, portarias, regulamentos, etc.) devem
obedecer ao devido processo legal administrativo. No mesmo sentido, a norma
criada pela jurisdição — ao julgar e interpretar — deve obedecer ao devido processo
legal jurisdicional.
As normas de cunho privado tb devem obedecer ao devido processo legal privado.
O próprio STF reconhece o devido processo legal privado, estabelecendo inclusive o
direito de defesa mesmo em processo privado, bem como demais direitos
fundamentais na esfera privada. Essa decisão do STF fez com que o legislador
alterasse o art. 57 do CC/02.
De todo o exposto, observa-se que o devido processo legal se aplica a qualquer
processo. A incidência do devido processo legal no âmbito privado é decorrência da
chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais (que é a eficácia dos direitos
fundamentais entre particulares, nas relações entre os cidadãos). A eficácia vertical
dos direitos fundamentais é a eficácia dos direitos fundamentais entre o Estado e o
cidadão. Exemplo típico da eficácia horizontal dos direitos fundamentais é o direito
de defesa mesmo nas relações privadas, amparado pelo devido processo legal.
5
O termo “devido”, na expressão “devido processo legal”, estabelece que o poder
deve está conforme o processo legal. O rei João sem terra aceitou esse termo como
sendo uma limitação ao seu poder. Por todo seu período de existência, desde a
criação do devido processo legal até os dias atuais, houve um acúmulo histórico do
que se deve ter no devido processo legal para que ele seja devido (Ex: vedação à
prova ilícita, ampla defesa, contraditório, decisão motivada, etc.). Essa formação
histórica é dinâmica e vai se sedimentando do decorrer do tempo. Muitos direitos
garantidores do processo legal devido foram incorporados, mas o devido processo
legal continua vedando o abuso de poder e continuará vedando-o, mesmo qdo ao
devido processo legal forem incorporados outros direitos.
A efetividade é o conteúdo do processo legal devido, pois, apesar de a efetividade
não está prevista expressamente na CF/88, não haveria processo legal devido se
ele não for efetivo. Dessa forma, não há que se exigir a disposição legal expressa ou
implícita acerca da efetividade, pois ela integra o próprio devido processo legal, de
forma que existe presumidamente.
→ DIA 01/02/2010.
Distinção entre devido processo legal formal e devido processo legal substancial
(divisão feita inicialmente pelos americanos): na dimensão formal (processual), o
devido processo legal é o conj. das garantias processuais mínimas que devem ser
observadas para que o processo seja formalmente devido. Tais garantias foram
sendo acumuladas historicamente (motivação das decisões, vedação à prova ilícita,
etc). Todavia, um processo devido não é só aquele formalmente devido. É preciso
que as decisões produto do processo sejam tb devidas para que o processo seja
substancialmente devido. Isso porque não é razoável que o Estado faça o que bem
entenda apenas cumprindo as formalidades; preciso é controlar as opções do
Estado e não só as formas. Ou seja, as decisões não bastam ser só devidas, tem
que ser justas, razoáveis, equilibradas.
A jurisprudência do STF desenvolveu a idéia de devido processo legal substancial
dando um sentido diferente daquele originalmente pensado pelos americanos. Esse
novo sentido é o entendimento de que o devido processo legal é, em sua dimensão
substancial, o fundamento da máxima da proporcionalidade e da razoabilidade, ou
seja, a proporcionalidade e razoabilidade decorrem do devido processo legal
substancial. Dessa forma, a fundamentação do STF ao principio da
proporcionalidade e razoabilidade está no inciso do art. 5º da CF que trata do devido
processo legal (mas em seu aspecto substancial). É bom observar que essa
construção é do direito brasileiro (tanto doutrina quanto jurisprudência) e que não
corresponde à idéia original dos americanos — o que não quer dizer que a visão
6
americana é correta e que o sentido brasileiro é errôneo. Essa compreensão
brasileira é fundamentada, difundida e bem compreendida.
Entretanto há na doutrina quem defenda que a leitura do STF, pelo fato de está
diferente do primeiro sentido dado pelos americanos ao devido processo legal
substancial, está errada. Entretanto essa crítica não é aceita por outros
doutrinadores que entendem que o princípio do devido processo legal, em seu
aspecto substancial, admite outros sentidos.
Outra crítica ao sentido empregado pelo STF diz que a proporcionalidade e a
razoabilidade são extraídas de outras normas (principio da igualdade e Estado de
direito, que seriam as verdadeiras fontes da proporcionalidade e razoabilidade) e
não do devido processo legal. Para esse matiz crítico, o devido processo legal só
passou a vigorar na CF/88 e a proporcionalidade e razoabilidade são anteriores;
ademais, argumenta que na Alemanha (onde surgiu a proporcionalidade e
razoabilidade) eles estão ligados ao principio da igualdade e do Estado de Direito.
Entretanto, esses 2 principios não tem a pretensão da exclusividade e não se
prestam ao papel de que só eles criam outros princípios.
Para os americanos, o devido processo legal serve como proteção para todos os
direitos fundamentais implícitos. Só que isso é inútil no Brasil, já que a CF
estabelece que o rol dos direitos fundamentais é exemplificativo e não elimina
outros.
OBS 1: a própria doutrina que defende que devido processo legal substancial se
originou dos princípios da igualdade e do Estado de direito não tem um consenso
entre si acerca da natureza jurídica da proporcionalidade a razoabilidade. Uns
afirmam (a maioria) que se trata de princípios; outros, que se trata de regras (a
exemplo de Virgílio Afonso da Silva); já outros entendem que se trata de postulados
(norma que determina como outras normas devem ser aplicadas — ex: Humberto
Ávila, no livro teoria dos princípios — esse livro é tido como uma obra prima).
OBS 2: Ler texto de Humberto Ávila “o que é devido processo legal” (contra a
concepção brasileira, do STF, do devido processo legal substancial).
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PROCESSUAIS:
1- Princípios constitucionais processuais expressos: contraditório, ampla
defesa, duração razoável do processo e publicidade.
a) Contraditório.
Processo é procedimento organizado em contraditório, ou seja, conj. de atos
tendentes a uma decisão final, em que os suj. desses atos participam e podem
7
interferir nessa decisão. O contraditório possui dupla dimensão: formal — é garantia
de participação (de ser ouvido); e substancial — é a garantia de que a parte possa
influenciar a decisão proferida, com os poderes de produzir provas, alegar defesas,
de ter advogado, recorrer, ou seja, são conseqüências do contraditório, que vai de
fato efetivar o processo1
.
b) Ampla defesa.
A ampla defesa é o aspecto substancial do contraditório, é o arsenal de que dispõe a
parte para efetivar o poder de influencia (é o poder de produzir prova, alegar, etc).
Hoje, contraditório e ampla defesa se confundem, sendo esta o aspecto substancial
daquele.
c) Duração razoável do processo.
Consoante esse princípio, o processo deve demorar somente o tempo necessário
para solucionar o direito em discussão, não podendo haver demora não razoável,
injustificada. Entretanto, as garantias processuais (ampla defesa, produção de
prova, fundamentação de decisão) demandam tempo e atrasam o processo. Por
isso um processo devido demora e tb por isso deve haver uma demora mínima (com
um mínimo de atos) para que a decisão seja justa. A demora só não pode ser
desarrazoada. Mas só no caso concreto para saber se a demora é ou não razoável.
Os critérios que devem ser levados em consideração para saber se a demora é
razoável são: 1- complexidade da causa; 2- estrutura do judiciário; 3-
comportamento das partes (se as partes protelam, o processo é mais longo); 4-
comportamento do juiz. Esses critérios são desenvolvidos pela jurisprudência do
Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
d) Publicidade.
1
É preciso que a decisão não esteja tomada e que a parte possa influenciar na decisão que só
acontecerá depois da instrução. Se a decisão já está tomada e a parte é chamada ao processo, só há
contraditório formal, tolhido. Em algumas circunstancia, a lei permite que o juiz traga ao processo
questões sem provocação da parte — são atos ex officio. Ex: inconstitucionalidade de uma lei. Para
compatibilizar a decisão ex officio (não provocada) com o contraditório (poder de influência), o juiz
deve (conforme diretriz do contraditório substancial) abrir oportunidade para que as partes se
manifestassem acerca dessa inconstitucionalidade. Ex: uma “intempestividade de um recurso”,
inicialmente não alegada por nenhuma das partes e nem pelo juiz a quo, que o desembargador
reconhece e indefere o recurso de ofício; só que depois é observado que era feriado na pequena
cidade do juízo a quo e não havia intempestividade — se fosse dada a possibilidade do contraditório
essa situação seria evitada.
Pergunta dissertativa de concurso para Procurador: “Relacione a regra da congruência com o
principio do contraditório”. Resposta: a regra da congruência exige que o juiz decida de acordo com o
que foi pedido; como o réu só se manifesta de acordo que foi pedido, o juiz não pode decidir sobre o
que não foi requerido, pois neste não houve contraditório. Se o juiz não observar esse detalhe, a
decisão é nula por inobservância ao contraditório.
8
O processo para ser devido tem que ser público, pois assim se controla o poder.
Entretanto, é possível restrições pontuais à publicidade, inclusive garantido pela
CF/88, desde que a restrição se fundamenta na proteção à intimidade e no interesse
público. Um questionamento dos constitucionalistas brasileiros é se é bom para a
democracia o julgamento televisionado do STF.
2- Princípios constitucionais processuais implícitos (estes têm laços íntimos
com o devido processo legal): efetividade, adequação e boa-fé processual.
a) Efetividade.
Um processo para ser devido deve ser efetivo, ou seja, tem de realizar os direitos
em discussão no seu bojo, tem que efetivar os direitos. Não basta reconhecer os
direitos, necessário é reconhecer que há direito fundamental de ter o direito
efetivado2
.
b) Adequação.
Processo devido é processo adequado. As normas processuais tem de ser
adequadas a três fatores:
b.1- ao objeto do processo- um processo não pode ter o mesmo regramento de
qualquer outro processo (Ex: a regra do processo de alimentos é diferente da regra
do processo de cobrança contratual). As peculiaridades do direito material discutido
impõem as regras ao procedimento adequado, por isso a existência dos
procedimentos especiais do CPC. A exigência de regras específicas é imposta pela
instrumentalidade (uma relação do processo com o direito material que este visa a
tutelar);
b.2- aos sujeitos que vão participar do processo (é a adequação subjetiva do
processo)- da mesma forma, o processo deve tratar diferentemente sujeitos
diferentes, como um capaz de um incapaz, um particular da Fazenda Pública. É,
portanto, uma imposição do princípio da igualdade.
b.3- à finalidade do processo (adequação teleológica)- as normas processuais
devem ser adequadas aos fins do processo. Se o escopo é executar, é preciso que
2
Esse direito de ter seu direito efetivado é chamado de direito do credor — do titular do direito.
Entretanto o direito do credor é mal visto, pois sua raiz é romana que, por sua vez, foi influenciada
pelo cristianismo. O cristianismo prega o perdão, a piedade, ou seja, o credor deve perdoar — é o
princípio do “FAVOR DEBITORIS” (o devedor deve ser protegido). Os direitos fundamentais do
executado sempre foram protegidos (em virtude da dignidade da pessoa humana), mas só a pouco
tempo é que se fala em direito do credor, que só veio a se manifestar a partir do princípio da
efetividade (a partir da década de 80). Esse “conflito” de direitos fundamentais do devedor e do credor
tem que ser analisado no caso concreto. Ex: pelo princípio da efetividade, é possível penhorar parte
do salário (apesar da regra de impenhorabilidade do salário), desde que não comprometa a dignidade
do executado, ou seja, caso o executado ganhe bem e consiga se prover com a parte do salário não
executado.
9
haja regras processuais à execução (Ex: sem ampla discussão, pois não é essa
finalidade do processo de execução).
Tradicionalmente, o principio da adequação era estudado como se ele fosse dirigido
ao legislador (devendo este criar normas processuais adequadas). Atualmente, fala-
se que o princípio da adequação é tb dirigido ao juiz, ou seja, um processo
adequado não é só aquele previsto em lei, o juiz tb deve adequar as regras
processuais. Enquanto o legislador cria regras processuais adequadas gerais, o juiz
deve criar uma regra processual adequada ao caso concreto. O direito a um
processo adequado é um direito a um processo adequado às peculiaridades do caso
concreto — e isso só o juiz pode fazer. Logo, a adequação é legislativa e
jurisdicional (por isso fala-se em um sub-princípio da adequação — princípio da
adaptabilidade do procedimento ao caso concreto ou principio da elasticidade ou
princípio da flexibilidade do procedimento). Ex: o prazo de defesa é de 15 dias, mas,
a outra parte juntou 10.000 documentos, esse prazo no caso concreto é inadequado,
de forma que o juiz pode dar mais prazo em homenagem ao princípio da
elasticidade.
c) Boa-fé processual.
O termo jurídico Boa-fé assume duas acepções:
c.1- boa-fé subjetiva (boa-fé como fato, como estado anímico, mental) – é o fato de
alguém acreditar que está agindo corretamente (é a boa intenção, a boa-fé como
fato). Esse fato pode ser levado em consideração pelo direito em algumas situações
(Ex: a posse de boa-fé).
c.2- boa-fé objetiva (boa-fé como norma de conduta) – impõe comportamentos leais,
éticos e em respeito à confiança. Esses comportamentos são tidos como devidos,
pois estão em conformidade com o padrão de conduta que se espera das pessoas.
Essa norma de conduta é o princípio da boa-fé (boa-fé objetiva é sinônima de
princípio da boa-fé). O comportamento de boa-fé independe se há boa intenção, pois
a análise é objetiva e não subjetiva. Ex: a uma pessoa age de uma forma que cria
uma expectativa na outra parte e não corresponde à expectativa, age sem boa-fé
objetiva.
O principio da boa-fé se desenvolveu na Alemanha inicialmente no direito privado.
Mas se observou que essa norma de conduta é válida para todos os ramos do
direito. No processo, todos estão vinculados pelo princípio da boa-fé, até o juiz,
advogado e auxiliares da justiça (vide art. 14, II, CPC).
O fundamento constitucional processual da boa-fé é o devido processo legal. O STF
já reconheceu isso. Tanto que se diz que processo devido é processo leal — por
isso o termo devido processo leal. O CPC, art. 14, II, prevê expressamente o devido
processo leal e a boa-fé — esse é o fundamento legal e não constitucional. Já o
10
fundamento constitucional da boa-fé para no direito civil é a igualdade, solidariedade
ou dignidade da pessoa humana.
As conseqüências práticas do principio da boa-fé processual não são exaustiva. Ex
de algumas conseqüências: I- proibir comportamentos dolosos (é conduta ilícita em
virtude do principio da boa-fé); II- vedação ao abuso dos direitos processuais (abuso
do direito é ato ilícito, pois é contrário à boa-fé, como, por exemplo, a defesa a texto
expresso de lei); III- proibição “DO VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM”
(comportar-se contra os próprios fatos, contra as próprias atitudes3
— é espécie de
abuso, só que menos amplo que o conceito de abuso visto acima); IV- deveres de
cooperação (que é conseqüência da boa-fé, mas vai ser visto à frente).
Há uma expressão em alemão, muito difundida, que é sinônima do princípio da boa-
fé objetiva: “TREU UND GLAUBEN” (que quer dizer “lealdade e confiança”). TREU
pronuncia-se trói e as palavras Treu e Glauben escrevem-se com a 1ª letra no
maiúsculo, pois substantivo em alemão é sempre maiúsculo.
PRECLUSÃO4
.
1 – Conceito: é a perda de um poder jurídico processual. Como juízes e partes têm
poderes processuais, há preclusão para ambos. São as chamadas preclusão para a
parte e preclusão para o juiz (ou preclusão PRO IUDICATO, que será estudada mais
abaixo).
2 – Importância da preclusão: a preclusão serve para dar segurança às partes
(pois dá estabilidade à situação processual), assim como tb serve para acelerar o
processo, ao dar impulso para frente. Não há processo sem preclusão.
Processo é marcha pra frente, ou seja, é uma sucessão de atos jurídicos ordenados
(seguindo uma ordem, devendo ser praticados em tempo e lugar certos) e
destinados a alcançar um fim, que é a prestação da tutela jurisdicional. O processo
se vale de um conjunto de regras que ordenam a participação e o papel dos sujeitos
do processo – a esse conjunto de regras, dá-se o nome de formalismo processual.
A preclusão, portanto, é de suma importância, pois visa a limitar o exercício abusivo
dos poderes processuais das partes, bem como impede o reexame dos magistrados
sobre questões já decididas por si próprios, evitando-se o retrocesso processual
3
Se o comportamento gera na outra parte a expectativa de comportar-se em um sentido e se
comportar-se em um outro sentido, há uma conduta contrária à boa-fé. Até na guerra, qdo uma tropa
hasteia bandeira branca e blefa, deve haver respeito à boa-fé objetiva — que nesse caso é crime de
guerra. Ex de falta de “do venire contra factum proprium”: um sujeito executado que dá um bem em
penhora e depois o quer de volta alegando que é bem de família.
4
Precluir vem do latim praecludere, que significa fechar, proibir, vedar.
11
(marcha è ré), a insegurança jurídica, e a má-fé e deslealdade processuais.
Entretanto, o formalismo processual pode minimizar a preclusão de certas situações
(ex: exame de questão de ordem pública a qualquer tempo), sem, porém, eliminá-la.
→ DIA 08/02/2010.
3 – Espécie de preclusão.
Chiovenda classificou a preclusão, de acordo com o fato que a gera, em 3 espécies:
preclusão temporal, preclusão consumativa e preclusão lógica. Mas a moderna
doutrina já trata de um quarto tipo de preclusão: a preclusão-sanção.
3.1 – Preclusão temporal: é a perda de um poder processual, tendo em vista a perda
de um prazo, ou seja, em decorrência do seu não exercício no momento oportuno.
Obs.: os prazos temporais para o juiz se manifestar são impróprios, ou seja, não-
preclusivos, já que nenhum efeito processual se verificará pelo seu descumprimento,
qdo muito pode haver efeito disciplinar. Assim sendo, sem consequência processual
para a omissão do juiz na prática do ato, não há que se falar em preclusão temporal
para o juiz, já que, mesmo transcorrido o prazo para a realização do ato, a sua
realização é totalmente lícita.
3.2 – Preclusão consumativa: é a perda de um poder processual em razão de seu
exercício, não importando se ele fora bem ou mal exercido, pois fato consumado não
pode ser repetido. Ex1: no poder que se tem de recorrer, o ato de recorrer impede
que se recorra novamente. Ex2: se a parte contestou logo no 1º dia do prazo e
depois se lembrou que se esqueceu de alegar argumento importante, não pode ela
contestar novamente, emendá-la, corrigi-la ou melhorá-la, ainda que tenha sobejado
prazo.
A preclusão consumativa aplica-se inclusive ao juiz (Ex: um juiz que já julgou não
pode julgar novamente, ou seja, uma vez publicada a decisão, não pode o juiz
emendá-la ou refazê-la, salvo em casos excepcionais previstos em lei – art. 463,
CPC).
3.3 – Preclusão lógica: é a perda de um poder processual em razão da prática
anterior de um comportamento incompatível com o citado poder. Ex1: a aceitação de
uma decisão, expressa ou implicitamente, torna incompatível um recurso (art. 503,
CPC); Ex2: o oferecimento de um bem a penhora, faz perder, por preclusão, o direito
de questionar a validade dessa penhora; Ex3: confessar um fato impede que
posteriormente se queira produzir prova sobre o fato confessado.
12
Há preclusão lógica em relação ao magistrado. Ex1: se um juiz concede antecipação
de tutela com base no abuso do direito de defesa, ele não poderá se recusar a
condenar o réu por litigância de má-fé com base no mesmo comportamento abusivo
(salvo se posteriormente se observar que houve um erro na 1ª avaliação – na
antecipação de tutela). Ex2: se o juiz julga uma lide antecipadamente, ele não pode
julgá-la improcedente sob o fundamento de que o autor não provou o alegado, pois o
julgamento antecipado da lide exige que os fatos alegados estejam provados.
Entretanto, no tocante às decisões interlocutórias, como se sabe que elas são
recorríveis por agravo e que esse recurso autoriza juízo de retratação, sempre seria
possível, ao menos mediante provocação, que o juiz reconsidere a decisão tomada,
não se podendo falar em preclusão lógica.
Observa-se que a preclusão lógica é a proibição “DO VENIRE CONTRA FACTUM
PROPRIUM”. Por isso, pode-se dizer que a preclusão lógica é um exemplo de uma
relação entre preclusão e o princípio da boa-fé (boa-fé objetiva), tanto para a parte
qto para o magistrado, pois impede que estes adotem um comportamento que
contraria o comportamento anterior, frustrando deslealmente as expectativas
legítimas dos sujeitos processuais. Logo, a preclusão lógica nada mais é do que a
aplicação do princípio da boa-fé objetiva no campo processual. Nesse caso, a
preclusão lógica não é efeito do comportamento contraditório (ilícito), mas sim um
instituto jurídico-processual que incide sobre o dito comportamento contraditório
impedindo que ele produza efeitos – a preclusão lógica é, portanto, consequência da
prática do 1º ato e não do ato contraditório (2º ato).
Preclusão PRO IUDICATO.
A preclusão que se opera em relação ao órgão jurisdicional (preclusão para o juiz) é
chamada pela doutrina de preclusão “PRO IUDICATO”.
A doutrina majoritária entende que o juiz está sujeito apenas à preclusão lógica e
consumativa (o caso mais importante desta última é a preclusão que ocorre para o
juiz após a publicação da sentença – art. 463, CPC). Entretanto, nem todas as
decisões judiciais estão sujeitas à preclusão consumativa, como aquelas atinentes à
matéria de ordem pública (ex: matérias referentes à condição da ação ou
pressuposto processual não precluem jamais).
A preclusão lógica tb pode ser aplicada ao magistrado, mas esta pode ser excluída
em se tratando de decisões interlocutórias, como visto supra.
Como os prazos para o juiz são impróprios (ou seja, não há efeito processual para o
seu descumprimento), ele não se sujeita à preclusão temporal.
3.4 – Preclusão-sanção ou preclusão punitiva: a classificação de Chiovenda nos 3
supracitados tipos de preclusão é uma classificação da preclusão de atos lícitos, de
13
modo que a preclusão seria, pois, um ônus processual. Chiovenda não identificava a
preclusão de atos ilícitos, ou seja, ele não via a preclusão como uma sanção
processual (ou seja, como consequência da prática de ato ilícito).
Observa-se, portanto, que a natureza jurídica da preclusão decorrente de ato lícito é
de ônus processual; já a natureza jurídica da preclusão decorrente de ato ilícito é de
sanção processual.
Sucede que é possível identificar preclusão como conseqüência de ilícitos
processuais. Esse ilícito que gera a perda de um poder jurídico processual é
chamado de ilícito caducificante5
.
Exemplos de preclusão-sanção: a) no atentado, a punição é a proibição (preclusão)
de falar nos autos enquanto as conseqüências do atentado não forem sanadas —
art. 881 do CPC; b) perda da situação de inventariante, em razão da prática de
ilícitos apontados no art. 995 do CPC.
4 – Preclusão e questões que podem ser conhecidas pelo juiz ex officio.
Ponto importante é saber se as questões que o juiz pode conhecer de ofício
precluem. Este ponto deve ser analisado sob 2 prismas:
1ª prisma – preclusão para o exame das questões de ofício: o juiz perde o poder de
examinar questões que podem ser conhecidas de ofício? O juiz pode conhecê-las de
ofício, a qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de
mérito, conforme dicção do § 3º do art. 267, CPC. Por isso, a afirmação “a qualquer
tempo” não quer dizer tempo infinito, mas ao tempo enquanto pendente o processo
(enquanto não proferida a sentença de mérito), pois, se assim não fosse, não
haveria coisa julgada.
OBS.: a expressão “a qualquer tempo” alcança o recurso extraordinário?
Sim, desde que o recurso extraordinário tenha sido admitido para discutir outra
questão, a questão pública passa a ser possível de ser analisada, como se pode ver
na explicação abaixo.
Para que o recurso extraordinário seja conhecido há uma série de exigência. Mas,
uma vez conhecido o recurso ordinário, o seu mérito deve ser julgado. O recurso
extraordinário tem muitas peculiaridades em sua admissibilidade, mas, uma vez
vencida esta etapa, o julgamento de mérito dos recursos extraordinários não tem
nenhuma peculiaridade. O recurso extraordinário não pode ser manejado com a
finalidade de analisar fatos e nem provas (não sendo nem conhecido o recurso
5
Nota-se que esse tipo de ilícito caducificante não tem eficácia de dever indenizatório, mas apenas a
perda de um direito (poder) jurídico processual.
14
nesse caso), mas se o recurso extraordinário foi conhecido para analisar questão de
direito, o tribunal deverá analisar provas e fatos para julgar a causa, ou seja, uma
vez conhecido o recurso, o tribunal superior terá que julgar a causa de modo que
sua jurisdição de abre (reexaminado provas e fatos). Isso ocorre porque não há
como reexaminar a causa sem reanalisar os fatos e provas. Por isso, diz-se que a
extraordinariedade do recurso somente está em sua admissibilidade e não no
mérito — ver súmula 456 do STF. Essa súmula foi incorporada ao regimento interno
do STF e STJ.
É dentro desse contexto que surgem as questões de ordem pública em recurso
extraordinário. Não se pode, no recurso extraordinário, suscitar uma questão de
ordem pública pela falta de pré-questionamento. Mas, se o recurso extraordinário foi
admitido por discutir outra questão (que foi pré-questionada e aceita), a questão de
ordem pública poderá ser analisada, pois a jurisdição se abre. Uma questão de
ordem pública não pode ser objeto do recurso extraordinário sem ser pré-
questionada, mas o tribunal pode reconhecer a questão de ordem pública se o
recurso extraordinário foi admitido. Por isso, é correta a afirmação de que uma
questão de ordem pública pode ser analisada em um recurso extraordinário; ela só
não pode ser objeto do recurso extraordinário.
2ª prisma – preclusão para o reexame das questões que podem ser conhecidas de
ofício: nesse caso há divergência doutrinária. A maior parte da doutrina (sem
qualquer fundamentação) defende que tb não há preclusão para reexame de
questões conhecíveis de ofício (para essa doutrina, um juiz que se julgou
incompetente pode se declarar competente posteriormente). Apesar disso, há
críticas ácidas para esse raciocínio. Entretanto, há doutrina ainda que minoritária
(Barbosa Moreira) que entende haver preclusão nesse tipo de reexame.
5. Distinção entre preclusão temporal, prescrição e decadência.
Para Didier, caducidade é gênero, da qual são espécies preclusão e decadência6
,
pois a caducidade é a extinção de um direito potestativo (poder), sendo a preclusão
a extinção de um direito potestativo processual e a decadência a extinção de um
direito potestativo pré-processual.
5.1. Decadência.
Decadência é a extinção de direitos potestativos em razão da inércia, do seu não-
exercício, dentro de um prazo legal ou convencional. Porém, a decadência refere-se
a direitos pré-processuais, tanto aos direitos potestativos essencialmente materiais
(ex: direito de invalidar um ato jurídico), qto aos direitos potestativos mais
relacionados ao direito processual, mas exercitáveis fora dele (ex: direito à escolha
de um procedimento, submetido à prazo, como no caso do MS).
6
Não obstante, Pontes de Miranda tem caducidade e decadência como sinônimas.
15
5.2. Preclusão.
Preclusão é a perda de poderes jurídicos processuais.
A decadência se aproxima da preclusão temporal, pois esta também se refere à
perda de direito potestativo decorrente da inércia do seu titular. Mas elas se
diferenciam por que a decadência se refere à perda de direitos pré-processuais;
enquanto a preclusão refere-se à perda de poderes/faculdades processuais.
Ademais, a decadência sempre decorre de um ato-fato lícito; já a preclusão pode
decorrer de ato-fato lícito ou ato ilícito (preclusão-sanção).
5.3. Prescrição.
A prescrição é a extinção da eficácia de determinada pretensão por não ter sido
exercitada no prazo legal. É, portanto, a perda do poder de efetivar o direito a uma
prestação (de não poder exigir essa pretensão do Estado-juiz).
Apesar de decorrer da inércia do seu titular, a prescrição não conduz à perda do
direito/poder/faculdade (sejam elas materiais ou processuais), como ocorre na
decadência ou preclusão, mas sim na neutralização da sua eficácia, da sua
pretensão, impedindo que o credor satisfaça a prestação almejada. Ademais, a
prescrição relaciona-se a direitos de uma prestação de cunho material, enquanto a
preclusão temporal refere-se a faculdade/poderes processuais.
Por fim, deve-se observar que prescrição e decadência são institutos de direito
substantivo (pois se operam em fase pré-processual, extraprocessual, embora sejam
reconhecidas geralmente dentro do processo) e suas finalidades projetam-se para
fora do processo (visando à paz/harmonia social e à segurança jurídica). Já a
preclusão temporal é instituto de direito processual, operando-se dentro do processo
(visando ao impulso ordenado deste e à lealdade processual).
6. Efeitos da preclusão.
A observância ou inobservância da preclusão pode gerar efeitos dentro e fora do
processo:
- a preclusão impulsiona o processo ao seu destino final (provimento jurisdicional).
Chegado ao fim, tem-se a preclusão máxima, que é a irrecorribilidade da decisão
final (ou coisa julgada formal), que, recaindo sobre provimento jurisdicional de mérito
e fundado em cognição exauriente projeta efeitos para fora do processo (coisa
julgada material);
- a inobservância da preclusão pode gerar invalidades processuais, que ocorre qdo
juiz ou parte praticam ato já precluso que gera prejuízo para a outra parte. Ex:
reformar sentença publicada; recurso extemporâneo; recurso após a aceitação
expressa ou tácita do decisum. Todos esses exemplos, se praticados, devem ser
anulados.
16
JURISDIÇÃO:
1 – Conceito: a jurisdição é uma função atribuída a terceiro imparcial para, mediante
um processo, reconhecer, efetivar ou proteger situações jurídicas concretamente
deduzidas, de modo imperativo e criativo em decisão insuscetível de controle
externo e com aptidão para tornar-se indiscutível.
→ 1ª parte – a jurisdição é uma função atribuída a terceiro imparcial. Esse terceiro é
um sujeito estranho ao problema e essa pessoa deve ser desinteressada pelo
resultado a ser apresentado.
O fenômeno de ingresso deste terceiro na lide é a IMPARTIALIDADE (aquele que
não é parte), que é diferente de imparcialidade. Jamais confundir imparcialidade com
neutralidade. Não há neutralidade quando se envolve ser humano (juiz).
A jurisdição é uma forma de heterocomposição (solução dada por terceiro). Por isso,
Chiovenda dizia que a atividade jurisdicional é substitutiva, ou seja, ela substitui a
vontade dos litigantes pela vontade do Estado-juiz. A substitutividade á uma
característica fundamental da jurisdição, segundo Chiovenda. Entretanto, há críticas
a esse tratamento de caráter fundamental da substitutividade apregoada por
Chiovenda, já que há outras funções com a mesma característica, como as decisões
do CADE.
Há na doutrina quem defenda que a jurisdição é monopólio do Estado, logo só o
Estado pode ser esse terceiro imparcial. No entanto, pode-se observar que, apesar
de a jurisdição ser monopólio do Estado, isso não significa que só ele pode exercê-
lo, já que o Estado pode autorizar que outros exerçam a jurisdição (Ex: arbitragem
— jurisdição aprovada; o Tribunal de Águas de Valencia na Espanha, que, há mil
anos, julgam problemas relativos ao uso das águas de Valência — esse Tribunal
particular foi reconhecido pela Constituição Espanhola).
→ 2ª parte – utilização de um processo. Para que a jurisdição seja exercida,
necessário é um processo e que este processo seja devido. Não há jurisdição
instantânea. O processo é o método de exercício da jurisdição.
→ 3ª parte – reconhecer/efetivar/ou proteger.
→ 4ª parte – situações jurídicas concretamente deduzidas. Melhor usar “situações
jurídicas” do que “direitos”, pois situações jurídicas implicam em direitos e deveres. A
jurisdição atua sobre problemas concretos e nunca sobre situações especulativas
(por isso Carnelutti dizia que a jurisdição atua sobre encomenda). Isso ocorre em
17
qualquer processo, inclusive em ADIN. A atividade jurisdicional é usada para
resolver problemas específicos (tópicos).
Carnelutti dizia que as questões levadas ao juiz são sempre lide, conflitos.
Entretanto, apesar de os conflitos serem o principal problema levado ao judiciário, há
situações concretas deduzidas perante o judiciário que não são lides. Ex: retificação
de nome estranho. Por isso correto é dizer que a jurisdição atua sobre situações
jurídicas concretamente deduzidas.
→ 5ª parte – modo imperativo. Um dos aspectos da soberania é o poder jurisdicional
em um determinado território. Por isso a jurisdição é um ato de império, que faz valer
suas decisões.
→ 6ª parte – atividade criativa. Qdo um magistrado julga, ele cria o direito, pois
constrói a norma, cria a norma jurídica. O juiz não declara o que a lei diz, mas a
interpreta e dela extrai uma norma que vai regular o caso concreto. Por esse motivo,
pode-se dizer que um mesmo problema é julgado de formas diferentes quando
analisado por juízes diferentes.
A criatividade jurisdicional deve ser analisada sob 2 aspectos: a) ela cria a norma
jurídica individualizada do caso concreto (diz qual é a norma jurídica que vai regular
um caso concreto, qual é a imposição da decisão, ex: A deve para B e deve pagar);
b) qdo a jurisdição julga, ela tb cria, a partir do caso concreto, uma norma jurídica
geral, que serve como precedente para casos semelhantes que por ventura
apareçam.
→ 7ª parte – insuscetibilidade de controle externo. Nenhum dos outros poderes pode
interferir na decisão judicial. Uma lei ou um ato administrativo não podem rever uma
decisão judicial, mas a jurisdição pode controlar a atividade legislativa ou do
executivo. A jurisdição só pode ser revista pela própria jurisdição.
→ 8ª parte – aptidão para tornar-se indiscutível. Somente as decisões judiciais
podem tornar-se indiscutíveis; somente elas podem fazer coisa julgada7
. Essa
indiscutibilidade é um limite para a própria jurisdição. Ocorrendo a coisa julgada, a
decisão não pode ser revista nem internamente pela própria jurisdição.
2 – Equivalentes jurisdicionais:
São os modos de solução de conflitos não jurisdicionais, porém se equivalem à
jurisdição. São eles quatro:
2.1 – Autotutela.
Na autotutela, um dos conflitantes submete o outro à sua vontade, através de
imposição coercitiva. Em regra, é proibida a autotutela, sendo inclusive tipo penal,
pois nesse caso o sujeito usurpa a função estatal. Entretanto, há raras hipóteses de
7
A coisa julgada é fenômeno eminentemente jurisdicional.
18
autotutela que permanecem lícitas, como a guerra, a greve, a legítima defesa,
desforço incontinenti8
, auto executoriedade da Administração Pública, etc.
2.2 – Autocomposição.
É a solução negociada do conflito, através da qual os conflitantes resolvem entre si o
conflito. A autocomposição é estimulada pelo Estado (como câmaras de conciliação,
audiência de conciliação, separação consensual).
A autocomposição pode ser judicial ou extrajudicial. Há o direito de levar a juízo
qualquer autocomposição extrajudicial, para que o juízo a homologue — art. 475-N,
V, do CPC.
A autocomposição pode se dá de duas formas: a) ou cada parte cede um pouco
para chegar ao fim do litígio — é a transação; b) ou uma parte, de forma voluntária,
se submete integralmente à outra — pode ocorrer no processo, onde recebe o nome
de renúncia (se for o autor que submete), ou de “reconhecimento da procedência do
pedido” (se for o réu que se submete).
Toda forma de resolução de litígio não jurisdicional foi designada por uma
convenção internacional de ADR (alternative dispute resolution). A autocomposição
é a ADR por excelência.
2.3 – Mediação.
Na mediação um terceiro é inserido no conflito para auxiliar, estimular, as partes
para chegar à conciliação. O mediador não decide, mas só estimula a que as partes
cheguem à decisão do conflito. O mediador vai aproximar as duas partes que se
afastaram em virtude do conflito.
A mediação pode ser judicial (ex: os conciliadores de juizados) ou extrajudicial.
2.4 – Julgamento de conflitos por tribunais administrativos.
Há, no direito administrativo contemporâneo, órgãos administrativos que julgam
conflitos sob a forma de jurisdição. Eles não são jurisdição porque suas decisões
podem ser submetidas ao controle do judiciário, além de não fazer coisa julgada.
São exemplos de heterocomposição: tribunais de contas, tribunal marítimo (julgam
acidentes nas águas), CADE, agências reguladoras, etc.
3 – Arbitragem.
A arbitragem não é equivalente judicial. Na arbitragem, um terceiro escolhido pelos
conflitantes não estimula a composição do litígio, mas sim julga o conflito. A solução
é por heterocomposição, de forma que a arbitragem não serve para facilitar o
diálogo como na mediação.
8
É o desforço imediato para proteger a própria posse.
19
A arbitragem é manifestação da liberdade, pois é uma opção entre os conflitantes
(de autonomia privada); por isso, jamais a arbitragem pode ser imposta. Este é o
motivo da nulidade da cláusula de arbitragem em contrato de adesão, uma vez que
ela retira de uma das partes a opção pela arbitragem.
Como a escolha pela arbitragem é manifestação de vontade e posterior submissão à
sua decisão, só pessoas capazes podem optar pela arbitragem. Ademais, não é
qualquer questão que pode ser submetida à arbitragem, mas só questões
concernentes a direito disponível.
Pode-se haver arbitragem em questões trabalhistas (CF, art. 114, §§ 1º e 2º).
Pessoas jurídicas de direito público podem optar pela arbitragem, mas não sempre,
de sorte que há arbitragem no direito administrativo — não se discute mais se é
possível arbitragem no direito público; discute-se apenas os seus limites. Tema
polêmico, sem posicionamento consolidado na doutrina, é aquele atinente a
possibilidade da arbitragem no âmbito das tutelas coletivas.
Pode ser árbitro qualquer pessoa capaz (e não só advogado). Na prática, os árbitros
costumam formar juntas arbitrais, compostas cada junta por 3 árbitros (um árbitro de
cada parte e um terceiro árbitro escolhido por uma pessoa indicada pelas partes. Ex:
as partes indicam um pessoa A e esta pessoa indica um árbitro B).
Os árbitros são, para todos os fins, juízes de fato e de direito (inclusive na esfera
penal — claro que nos casos em que o Estado delega essa função). Porém, esse
poder de juiz só é válido em um caso específico e estritamente para os poderes
conferidos pelas partes unicamente para aquele caso. Os árbitros são equiparados a
servidores públicos para efeitos penais.
O processo no âmbito da arbitragem é semelhante ao processo judicial, com a
diferença de que é ele flexível, conforme o modelo decidido pelas partes (prazos,
quantidade de testemunhas, etc), porém respeitados as limitações constitucionais
(ampla defesa, contraditório, etc). É permitida decisão por equidade, uso de normas
de direitos estrangeiro, desde que assim decidido pelas partes. O único recurso que
cabe na arbitragem é embargos de declaração, já que as partes, qdo decidiram pela
arbitragem, abriram mão de contestar a decisão arbitral para um outro órgão.
O judiciário pode executar a sentença arbitral, já que o árbitro não pode executar,
mas só julgar. O arbitro tb não poderá conceder provimentos de urgência, que
exigem atividade executiva para serem implementadas. A sentença arbitral é titulo
executivo judicial. O judiciário não pode revisar a sentença arbitral, de forma que o
mérito da sentença arbitral é insuscetível de controle do judiciário — SENTENÇA
ARBITRAL NÃO SE SUBMETE A HOMOLOGAÇÃO DO JUDICIÁRIO, ELA ESTÁ
PRONTA PARA SER EXECUTADA, POIS É TITULO JUDICIAL.
A sentença arbitral pode ser anulada pelo judiciário somente se houver vicio formal,
mas o judiciário nunca pode rediscutir esta sentença — neste caso, volta para o
20
árbitro julgar. Essa anulação é feita por ação anulatória cujo prazo é de 90 dias da
notificação da decisão. Passado esse prazo, não há o que se discutir nem pelo
judiciário, nem se tiver havido grave erro inconstitucional. Por isso, pode-se dizer
que há coisa julgada arbitral, de forma a não caber nem ação rescisória fora dos 90
dias supracitados. A ação anulatória cabível nos 90 dias é a própria ação rescisória
da decisão arbitral.
Logo, pode-se dizer que a arbitragem é jurisdição privada, pois tem tudo o que a
jurisdição tem. Esse é o entendimento majoritário da doutrina. Há doutrina que diz
que a arbitragem não é jurisdição porque não é estatal — tese pouco aceita. Há
doutrina que diz que a arbitragem não é jurisdição porque o árbitro não executa
(tese pouco aceita, já que o juiz penal não executa — quem executa é o juiz de
execuções penais — e mesmo assim é jurisdição).
A arbitragem é constitucional, pois é exercício de atividade privada voluntária, já que
nada impediu as partes capazes de ir ao judiciário. Na escolha da arbitragem, as
partes optaram pela arbitragem e não pela jurisdição estatal. Inconstitucional seria a
lei que impusesse a arbitragem.
No Brasil, a arbitragem foi regulamentada pela Lei 9.307/96. A arbitragem tem cunho
negocial. O nome do negócio jurídico que gera a arbitragem é a “convenção de
arbitragem”. Há, conforme art. 3º da aludida lei, 2 espécies de convenção de
arbitragem: a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.
Cláusula compromissória é a convenção em que as partes resolvem que as
divergências oriundas de certo negócio jurídico serão resolvidas pela arbitragem,
prévia e abstratamente. Antes de o litígio ocorrer, as partes determinam que,
qualquer que seja este litígio, deverá ser ele resolvido pela arbitragem.
Compromisso arbitral é o acordo de vontade para submeter uma controvérsia
concreta, já existente, ao juízo arbitral, prescindindo o Poder Judiciário.
Para efetivar a cláusula compromissória, necessário é que se faça um compromisso
arbitral, que regulará o processo arbitral para o conflito que surgiu.
→ DIA 22/02/2010.
4 – Características da Jurisdição.
4.1 – Substitutividade (característica proposta por Chiovenda).
Consiste em o Estado, ao analisar o caso concreto, substituir a vontade das partes
pela vontade da norma jurídica. Esta característica é que diferencia a jurisdição das
outras funções do Estado, pois o Estado-juiz não formula decisão sobre própria
21
atividade9
, mas sobre a atividade de outros sujeitos — é a atividade do Estado
substituindo as atividades daqueles envolvidos no litígio.
4.2 – Imparcialidade.
Não confundir imparcialidade com neutralidade, pois, se existisse neutralidade do
magistrado, o juiz não teria uma vontade inconsciente (sua carga cultural, religiosa,
etc.), ademais a vontade do litígio seria a vontade das partes e não do Estado-juiz,
além do que o juiz não interviria no resultado do litígio.
Por essa característica, o órgão judicial deve aplicar o direito ao caso concreto com
imparcialidade, ou seja, o juiz não pode ter interesse no litígio e deve tratar as partes
com igualdade jurídica. A imparcialidade significa que o juiz não tem prévia decisão
dos conflitos, podendo as partes interferirem nela.
4.3 – Lide.
Para Carnelutti, a jurisdição consistia em justa composição da lide. Logo, para ele,
para haver jurisdição deveria haver necessariamente litígio (pretensão de alguém e
resistência de outro), ou seja, só haveria jurisdição em atividade contenciosa.
Carnelutti inicialmente até excluía a execução como atividade jurisdicional.
Entretanto, como já visto, a jurisdição não só atua no litígio, podendo atuar em
questões onde não haja lide, como no controle difuso de constitucionalidade, na
jurisdição voluntária, etc.
4.4 – Monopólio do Estado.
Inicialmente entendia-se que a atividade jurisdicional era monopólio do Estado10
.
Atualmente, esta característica perdeu prestígio, pois já é entendido que a
arbitragem é atividade jurisdicional. Logo, a jurisdição não seria monopólio do
Estado.
A arbitragem possui o elemento da confiança, já que as partes escolhem o julgador;
o que não ocorre na jurisdição, cujo julgador independe da vontade das partes e
mesmo assim impõe sua decisão.
4.5 – Inércia.
A jurisdição é inerte porque só atua quando provocada. A jurisdição é sempre a
última solução, mas pode haver outras formas de solução como aquelas estudadas
nos equivalentes jurisdicionais.
9
Como ocorre nas decisões da Administração, que visão a atender a sua vontade (interesse público).
10
Mas não confundir monopólio do Estado com monopólio do judiciário, pois o executivo e o
legislativo podem exercer a atividade jurisdicional.
22
No entanto, essa visão é hoje mitigada, tendo em vista a ampliação dos poderes do
juiz, como: os poderes de direção do processo sem provocação (produção
probatória); concessão por parte do juiz de pedidos implícitos, em que ele concede
aquilo que não fora expressamente solicitado; poder de efetivar suas decisões,
podendo tomar providências que julgar necessárias e adequadas, conforme art. 461,
§ 5º, CPC, mesmo que tais providências não estejam expressamente contidas em
lei; instauração de alguns procedimentos de ofício (como inventário, art. 989 do
CPC, além de outros procedimentos de jurisdição voluntária).
Por tudo isso, pode-se dizer que a inércia se reduz à instauração de processo e à
determinação do objeto litigioso (o mérito da causa), que em princípio dependem de
provocação da parte
4.6 – Unidade.
Como é expressão do poder estatal, a jurisdição é una. Para cada Estado soberano
só há uma jurisdição. A jurisdição é uma das feições da soberania, de forma que, se
houvesse mais de uma jurisdição, haveria mais de uma soberania e, portanto, mais
de um Estado.
Mas essa jurisdição, que é una, pode ser repartida em vários órgãos (o que não
ofende a unidade da jurisdição), cada um com sua competência para não invadir a
competência alheia. O poder é uno, mas é divisível.
4.7 – Definitividade: aptidão para produção de coisa julgada material.
A coisa julgada só ocorre na jurisdição, mas não se pode dizer que só haverá
jurisdição se houver coisa julgada material.
A coisa julgada é opção política do Estado, logo este poderia retirar de certas
decisões a aptidão de produzir coisa julgada material, sem que com isso se retire
essas mesmas decisões do bojo da jurisdição.
A coisa julgada não é característica ou elemento de existência da decisão, já que a
coisa julgada é posterior à decisão. Correto é dizer que a coisa julgada não pode
ocorrer fora da jurisdição, de forma que ela somente ocorrerá nesta. Não haverá
coisa julgada na função legislativa ou executiva, pois sempre um ato executivo ou
legislativo passará pelo crivo judicial, ou seja, a decisão da jurisdição é última,
definitiva, não podendo ser controlada por outro poder (essa definitividade é a coisa
julgada). Mas deve-se atentar que o legislativo pode exercer a jurisdição (ex:
julgamento de crime de responsabilidade do Presidente da República), sendo, nesse
caso, atribuídas as características da jurisdição (como aptidão para produção de
coisa julgada material) ao processo jurisdicional exercido pelo legislativo – qdo se
diz que não haverá coisa julgada na função legislativa, está se referindo à sua
atividade própria (legislar/fiscalizar) e não à imprópria (julgar).
5. Fins da jurisdição.
23
De acordo com a concepção instrumentalista da jurisdição, a jurisdição possui três
fins: jurídico, social e político.
5.1 – Escopo jurídico – é a atuação da vontade concreta da lei, ou seja, a jurisdição
tem por objetivo primeiro atingir os objetivos da norma material. Mas esse escopo
não é privativo da jurisdição, pois, qdo os particulares ou a administração cumprem
a lei, estão atingindo o objetivo do direito material.
5.2 – Escopo social – consiste em promover o bem comum, com a justa pacificação
dos conflitos.
5.3 – Escopo político – consiste no ato de o Estado afirmar seu poder através da
jurisdição, fazendo valer sua vontade (soberania), além de estimular a participação
popular (ação popular, ação coletiva, presença de leigos nos juizados, etc.) e da
liberdade pelos meios dos remédios constitucionais (tutela dos direitos
fundamentais).
6. Princípios inerentes da jurisdição.
6.1 – Investidura.
A jurisdição só será exercida por quem tenha sido regularmente investido na
autoridade de juiz.
6.2 – Indelegabilidade.
A função jurisdicional não pode ser delegada. Não pode o órgão jurisdicional delegar
suas funções a outro órgão. Essas assertivas, no entanto, são de cunho doutrinário
e sofrem alterações expressas por lei federal ou CF/88.
Exemplo disso é aquele previsto no art. 492 do CPC, onde os Tribunais podem
expedir cartas de ordem solicitando providências para os juízes a eles vinculados.
Observar que nas cartas precatórias não há delegação, pois neste caso
sequer há competência a ser delegada, já que juiz pede a outro juízo uma
cooperação para situações onde ele não pode agir fora de seu território (não
há competência do juízo deprecante sobre o território do juízo deprecado).
Outro exemplo é aquele do art. 102, I, m, CF/88, que permite ao STF delegar
atribuições para a prática de atos processuais relacionados à execução dos seus
julgados. Essa delegação deverá ser sempre endereçada a juízes de primeira
instância e jamais pode versar sobre atos decisórios desses juízes, mas só sobre
atos executivos; se na prática do ato executivo houver incidente que demande
julgamento, este deve ser realizado pelo Tribunal.
24
O art. 93, XI, da CF/88, autoriza delegação da competência do Tribunal Pleno
(composto por todos os membros do Tribunal) para órgão especial deste mesmo
Tribunal.
Também o art. 93, XIV, CF/88, permite expressamente a delegação de atos de
administração e de atos de mero expediente, sem caráter decisório, a serventuário.
Tanto ato não-decisório quanto atos administrativos11
podem ser delegados, como
vistas obrigatórias ao MP, vistas de documentos às partes, etc.
6.3 – Inevitabilidade.
As partes obrigatoriamente se submeteram ao que foi decidido pelo órgão
jurisdicional. A Jurisdição é inevitável. Qualquer pessoa pode ser ré, já que basta
ajuizar uma ação contra ela, ainda que seja tal ação absurda.
A inevitabilidade diz que qualquer pessoa pode ter que se submeter à jurisdição. Já
a inafastabilidade (que será vista abaixo) diz que a lei não pode se escusar de
apreciar lesão a direito ou ameaça de lesão a direito.
A partir do momento em que o ordenamento jurídico conferiu a qualquer pessoa o
acesso à Justiça, ou seja, o direito de postular em juízo (inafastabilidade da
jurisdição), esse mesmo ordenamento jurídico concebeu a possibilidade de que
qualquer pessoa possa se submeter à jurisdição.
6.4 – Territorialidade.
A jurisdição é exercida sempre em um determinado território. O território sobre o
qual a jurisdição se exerce é o foro. Foro é a delimitação territorial para o exercício
da jurisdição. Na justiça estadual, costuma se falar em Comarca ou Distrito12
(distrito
é subdivisão da comarca). Na justiça federal a terminologia é seção judiciária
(sempre com nome de Estado) e as subseções (com nome de cidade).
Extraterritorialidade:
O art. 107 do CPC estabelece que se um imóvel estiver na região de divisão
entre duas comarcas (seja de municípios diferentes, seja de estados
diferentes), o juiz que primeiro conhecer da causa alusiva a este imóvel
possuirá extraterritorialidade sobre todo o imóvel, inclusive sobre a área que
estiver localizada em outra comarca.
O art. 230, CPC, estabelece que oficial de justiça pode fazer comunicação
processual (citação/intimação) em comarca contígua (limítrofe) ou de mesma
região metropolitana (mesmo que não contígua) — é caso de
extraterritorialidade. Mas só pode fazer comunicação, não podendo fazer
11
Desde que sejam atos administrativos burocráticos, quase automáticos, para impulso do processo.
Há doutrina que entende pela não delegação do poder de polícia.
12
Comarca tem nome de cidade. Distrito pode ter nome de cidade ou bairro.
25
penhora (que dependerá de carta precatória).
Logo, extraterritorialidade é a extensão da competência territorial para a
prática de determinados atos, alcançando um território além do foro original,
em decorrência de algumas circunstâncias, como, por exemplo: a) prevenção
em caso de imóveis que se situam em região de divisão de 2 ou mais foros (o
juiz prevento, que primeiro conheceu da causa alusiva a este imóvel, estende
sua competência para além do seu foro original, abarcando todo o imóvel); b)
comunicação processual (citação/intimação) em comarcas contíguas
(limítrofes) ou da mesma região metropolitana, independentemente de carta
precatória.
A decisão sempre será proferida em um lugar, mas, uma vez proferida a decisão, a
mesma produzirá efeitos em todo o território nacional e até mesmo no exterior
(desde que a decisão seja homologada no tribunal de outro país).
6.5 – Inafastabilidade.
Presente no art. 5º, XXXV, da CF/88. Por este princípio, a lei não excluirá da
apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça de lesão a direito. Ele garante o
acesso à Justiça. É daí que surge o direito de ação, ou seja, o direito de provocar a
atividade jurisdicional sobre qualquer problema, sem restrição de tema13
.
Há uma idéia errônea de que não se pode ir ao judiciário para discutir o mérito de
decisão discricionária de ato administrativo. Porém é um grande erro. O problema é
saber como se controla o ato discricionário administrativo — tal controle se faz
através da proporcionalidade e discricionariedade. A lei do MS de 1951 impedia
ajuizamento de MS contra ato disciplinar, só que essa norma nunca vingou (pois não
tinha respaldo da doutrina ou jurisprudência), de forma que a atual lei de MS vetou
esse impedimento.
OBS.: Na arbitragem não é a lei que afasta a jurisdição, mas as partes, ao
escolherem-na. Ademais, na arbitragem a jurisdição estatal é afastada quanto
a direitos disponíveis, em favor do princípio da autonomia privada da vontade.
Os crimes de responsabilidade do Presidente da República não podem ser
analisados pelo Judiciário, mas somente pelo Senado. Neste caso, não há
afastamento da jurisdição, mas só a determinação de que a jurisdição será exercida
pelo Senado e não pelo judiciário.
Uma demanda da justiça desportiva, consoante previsão do art. 217, § 1º, da CF/88,
só poderá ser levada ao judiciário qdo esgotada as instâncias da justiça desportiva.
13
Na ditadura, a CF vetava ação que versasse sobre os atos institucionais.
26
Essa é a única exceção em que a CF permite um condicionamento (esgotamento da
via administrativa) ao acesso perante o judiciário. Inúmeras leis infraconstitucionais
prevêem a exigência de prévio esgotamento administrativo para acionar o judiciário
(Ex: Habeas-data, MS, Súmula vinculante, etc.), mas para que elas não sejam
inconstitucionais, deve se dar interpretação conforme a CF —, ou seja, se há
urgência, não pode a lei exigir o prévio esgotamento administrativo (exemplo disso
foi o julgamento das ADIN’s 2139 e 2160).
A CF diz que a mera ameaça de lesão a direito é inafastável da jurisdição. É uma
medida preventiva inovadoramente prevista na CF/88.
6.6 – Juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII).
Garante que ninguém será processado ou julgado se não por autoridade competente
(mediante regras prévias, gerias e legais14
) e imparcial (através de regras que
impeçam a escolha do juiz da causa). Por isso veda-se a criação de tribunal de
exceção15
. Entretanto, até hoje certos Tribunais designam muitos juízes para
determinadas causas, o que é inconstitucional na inteligência do princípio do juiz
natural.
Essa garantia, embora não muito observada, se estende aos processos
administrativos. Por isso, o correto é que exista comissão permanente de licitação,
comissão permanente disciplinar, etc.
Ler julgado da Reclamação 417 do STF.
7. Jurisdição voluntária.
1 – Conceito:
Jurisdição voluntária é uma atividade estatal de fiscalização e integração da vontade
das partes, pois o judiciário, depois de fiscalizar se foram atendidos certos requisitos
legais, integrará a vontade das partes para torná-la apta a produzir determinada
situação jurídica.
Há certos efeitos jurídicos decorrentes da vontade humana que só podem ser
obtidos após a integração da vontade perante o Estado-juiz, que o faz mediante a
fiscalização da obediência de certos requisitos legais. Portanto, na jurisdição
voluntária, a jurisdição fiscaliza para depois integrar.
2 – Características gerais indiscutíveis:
14
Não pode lei posterior criar competência para uma causa, ou seja, não pode haver tribunais de
exceção.
15
Tribunal de exceção é um tribunal criado especificamente para julgar determinada causa que já
existe (exemplo disso é o Tribunal de Nuremberg; por isso criou-se o Tribunal Penal Internacional,
para substituir o Tribunal de Nuremberg). O órgão jurisdicional deve ser permanente e prévio.
27
→ É uma atividade de integração da vontade – o juiz na jurisdição voluntária integra
a vontade dos sujeitos. Nesse caso, a simples vontade não é bastante para produzir
efeitos, sendo necessário que o juiz a integre. Portanto ela serve para integrar,
completar.
→ é uma atividade de fiscalização – o juiz fiscaliza se a prática do ato pela parte
está regular. Para integrar é preciso fiscalizar.
→ a jurisdição voluntária é necessária – se a parte quer que o efeito jurídico se
produza, ela tem que ir ao judiciário. Ex: a interdição só é possível se deferido pelo
judiciário. Entretanto há casos excepcionais em que se admite jurisdição voluntária
optativa (Ex: separação consensual sem filhos).
→ é predominantemente uma atividade constitutiva – novas situações jurídicas são
criadas, outras são extintas ou alteradas.
→ na jurisdição voluntária, tb há contraditório – por isso, tem-se que ouvir todos os
interessados na ação, no prazo de 10 dias. Logo, há citação (Ex: cita-se o
interditando) — art. 1105 CPC. Há tb todas as garantias fundamentais do processo,
necessárias à sobrevivência do Estado de direito.
→ a jurisdição voluntária se resolve por sentença16
(que pode ser apelável).
→ na jurisdição voluntária o juiz tem todas as garantias da magistratura. Houve
época em que o juiz na jurisdição voluntária era comparado a tabelião.
→ o MP intervirá em todo o processo de jurisdição voluntária que aludir sobre
direitos indisponíveis. Esse é o entendimento do STJ, mesmo que o art. 1105 do
CPC diga que o MP deverá ser intimado17
em todos os casos. Qdo tratar de direitos
disponíveis, o MP não atuará, exceto se presente circunstâncias do art. 82 do CPC.
→ a doutrina costuma afirmar que o processo de jurisdição voluntária é processo
inquisitivo. Processo inquisitivo é aquele em que o principal protagonista é o juiz, ou
seja, este goza de muitos poderes para instruir o processo. O seu contraponto é o
processo dispositivo ou adversarial ou acusatório (nesse caso o protagonismo é das
partes, de forma que o papel do juiz é basicamente julgar). A manifestação de
inquisitividade ocorre porque muitos procedimentos de inquisição voluntária podem
ser instaurados ex officio (Ex art. 1129, 1142, 1160, 1171, do CPC).
→ a jurisdição voluntária permite decisões formadas em equidade, ou seja, o juiz
poderá não se ater à legalidade estrita, podendo decidir conforme conveniência e
oportunidade. Por isso, diz-se que o poder do juiz na jurisdição voluntária é poder
16
Segundo Rogério Greco, todos os procedimentos cognitivos que exigem do juiz um provimento
declaratório ou constitutivo encerram-se por sentença. Já os demais provimentos (meramente
receptícios, probatórios ou executivos) se encerram com o desempenho das atividades que lhe são
próprias e não por sentença.
17
O art. 1105 do CPC fala em citação, mas a doutrina unanimemente entende ser caso de intimação.
28
discricionário. Neste caso, o poder do magistrado é reforço da inquisitividade. Ex:
art. 1109 do CPC — a guarda compartilhada de filhos, mediante acordo entre
cônjuges, era aplicada na prática mesmo muito antes de prevista por lei (2008); Ex:
o juiz tem obrigatoriamente que interrogar o interditando, mas, se ele estiver em
coma, o juiz pode dispensar o interrogatório.
→ há um procedimento comum de jurisdição voluntária previsto nos arts. 1103 a
1111 do CPC. A partir do art. 1112 têm-se procedimentos especiais de jurisdição
voluntária. O processo se instaura por petição inicial, cujo valor da causa é estimado
pelo autor; as despesas processuais são antecipadas pelo requerente (art. 24 do
CPC) e rateadas entre os interessados.
3 – Características polêmicas:
A polêmica se dá quanto à natureza jurídica da jurisdição voluntária. Há 2 grandes
correntes doutrinárias acerca da natureza jurídica.
a) a jurisdição voluntária, segundo a corrente tradicional (doutrina
preponderante), não é atividade jurisdicional18
, mas sim administrativa, onde o juiz
administra interesses privados (por isso se comparava juiz com tabelião qdo ele
atuava na jurisdição voluntária).
Para essa doutrina, na jurisdição voluntária só há interesses privados, de forma que
não há conflito, logo não há partes (e sim interessados).
Alegam tb que não há jurisdição (pois a atividade é administrativa), logo não há
processo (e sim procedimento). Não há, portanto, ação, mas só requerimento.
Se não há nada disso dito antes, e de acordo com o art. 1.111 do CPC, não há coisa
julgada (pois coisa julgada vem da jurisdição) — há, no máximo, preclusão.
Essa corrente afirma, ainda, que, como algumas dessas funções administrativas
podem ser exercidas por órgãos estranhos ao Poder Judiciário (como serventuários,
notários ou órgãos da Administração), não podem ser consideradas jurisdição.
b) segundo a corrente jurisdicionalista (mais moderna e que vem crescendo,
apesar de ainda ser minoritária), a jurisdição voluntária é atividade jurisdicional,
mesmo que com algumas peculiaridades, pois a jurisdição pressupõe um caso a ser
resolvido mediante a interferência de um terceiro imparcial, não necessitando ser
litigioso.
Ademais, pode haver sim lide na jurisdição voluntária (como na interdição de
incapaz ou na emancipação a pedido do menor) e todos os seus casos são
potencialmente conflituosos, tendo, inclusive, que haver citação (art. 1.105 do CPC)
e possível resistência dos citados — por isso são de atribuição do Poder Judiciário.
18
Há doutrina que diz que a jurisdição voluntária sequer é voluntária, pois os atos da vida privada que
precisam passar pela jurisdição voluntária só podem ser validados por meio dela. Realmente a regra
é da obrigatoriedade, mas há casos que não necessitam da jurisdição voluntária.
29
A jurisdição voluntária, mesmo quando sem litígio, serve para tutelar interesse
particular — o que é de atribuição da jurisdição — e aplica o direito objetivo em
última instância e sem controle de outro poder estatal.
Há tb processo, pois é através dele que o direito produzirá normas jurídicas no caso
concreto e isso acontece na jurisdição voluntária (com petição, apelação, etc.), da
mesma forma que ocorre com o processo administrativo. A jurisdição voluntária é
exercida por um juiz imparcial, desinteressado do caso, como ocorre na jurisdição
contenciosa, enquanto a administração age com interesse próprio. Desta forma, não
há bom senso em reconhecer que no processo administrativo há jurisdição enquanto
na jurisdição voluntária não há jurisdição.
Se há processo e jurisdição, há ação. Por tudo isso, pode dizer tb que há partes, até
mesmo porque elas ingressam na jurisdição voluntária com interesses, logo são
parciais.
Há tb coisa julgada, apesar de boa parte da doutrina, baseada no art. 1.111 do CPC,
não defender esse ponto. Para a doutrina jurisdicionalista, este artigo justamente
consagra a coisa julgada na jurisdição voluntária, pois, qdo ele diz que a sentença
poderá ser modificada se ocorrerem circunstâncias supervenientes, ele deixa claro
que, não ocorrendo tais circunstâncias, a sentença não será modificada. Ora, se
uma parte ajuizar demanda de jurisdição voluntária para mudar seu nome e o juízo
negar, não poderá ela ajuizar demandas com o mesmo objetivo indefinitivamente,
pois, se assim não o fosse, não haveria segurança jurídica e nem a força do Estado-
juiz em fazer valer seu poder decisório. Ocorre que o art. 1.111 do CPC é claro ao
dizer que “a sentença pode ser modificada, sem prejuízo dos efeitos já produzidos,
se ocorrerem circunstâncias supervenientes”, ou seja, a sentença pode ser
modificada sim, mas se houver circunstância superveniente — não havendo tais
circunstâncias, opera-se a coisa julgada19
.
4 – Classificação dos procedimentos de jurisdição voluntária segundo Leonardo
Greco.
4.1 – Receptícios – a atividade judicial se limita a registrar, documentar e comunicar
manifestações de vontade. Ex: notificações, interpelações e protestos, etc.
4.2 – Probatórios – a atividade judicial se limita à produção de provas. Ex:
justificação.
19
Ex: o nome Bráulio, antes da propaganda da camisinha realizada pelo Ministério da Saúde que o
compara ao órgão sexual masculino, era um nome que não expunha a pessoa ao ridículo, de forma
que se o juiz negasse pedido de mudança desse nome antes da campanha, não cabia ao
demandante ajuizar nova demanda com o mesmo objeto, pois havia coisa julgada. Mas, com o
advento da propaganda (que é a circunstância superveniente), poderia novamente a mesma pessoa
ajuizar nova ação, pois essa causa superveniente (propaganda) passou a ser motivo de situações
vexatórias.
30
4.3 – Declaratório – a atividade judicial se limita a declarar a existência ou
inexistência de uma relação jurídica (e não de um fato). Ex: extinção de usufruto,
posse em nome de nascituro, confirmação do testamento particular, etc.
4.4 – Constitutivos – a atividade judicial se limita a criar, modificar ou extinguir uma
situação jurídica, por meio de autorizações, homologações ou aprovações. Ex:
interdição, arrendamento ou oneração de bens de incapazes, aprovação de estatuto
de fundações, alvará para a venda de bens de incapazes, etc.
4.5 – Executórios – a atividade judicial se limita a exercer uma atividade prática que
modifica o mundo exterior. Ex: arrecadação de herança jacente, arrecadação de
bens dos ausentes, etc.
4.6 – Tutelares – ocorre a proteção de interesses daqueles que se encontram em
situação de desamparo, como os incapazes, cujo procedimento pode ser instaurado
pelo Poder Judiciário de ofício. Ex: nomeação ou remoção de tutor/curador;
procedimentos do ECA, etc.
COMPETÊNCIA:
1. Conceito.
A jurisdição, como função estatal que aplica o direito ao caso concreto em última
instância, é exercida em todo o território nacional (art. 1º do CPC). Qualquer país
soberano deve ter jurisdição e esta deve ser exercida em um dado território, pois é
neste território que vigorará a soberania de um Estado.
Para exercer a jurisdição em todo o seu território, o Estado a distribui, através de
lei20
, para os órgãos jurisdicionais. Mas, como se verá mais adiante, a distribuição de
competência não ocorre só sob o critério territorial. A jurisdição é una, pois é
manifestação do poder e soberania estatais, mas pode ser dividida para sua melhor
administração.
A competência é o resultado desses critérios de distribuição. Logo, competência é o
poder de exercer a jurisdição nos limites estabelecidos pela lei. A competência é,
portanto, a medida da jurisdição, ou seja, a quantidade de jurisdição atribuída a cada
órgão.
2. Princípios da tipicidade e da indisponibilidade da competência.
20
Aqui se trata de lei em sentido amplo, pois a competência pode tb ser determinada por regimento
interno de Tribunais, por exemplo, desde que este não avance sobre determinação legal ou
constitucional de competência.
31
Esses princípios compõem o conteúdo do juiz natural, de forma que o desrespeito
deles implica no desrespeito ao princípio do juiz natural.
Pelo princípio da tipicidade, as competências são aquelas expressamente
determinadas pela CF. Entretanto, o STF reconhece a competência implícita
(IMPLIED POWER), segundo a qual, pode haver competência ainda que não
determinada expressamente pela CF (Ex: A CF não fala que o STF ou STJ possuem
competência para julgar embargos de declaração interpostos para atacarem suas
próprias decisões, mas é óbvio que tal competência compete ao próprio Tribunal que
proferiu a decisão).
Pelo princípio da indisponibilidade, a competência determinada pela CF não pode
ser transferida a órgãos diferentes dos que ela fixou. Mesmo no caso de delegação
de competência deve haver prévia permissão constitucional.
→ DIA 24/02/2010.
3. Distribuição de competência.
Cabe ao legislador, em sentido amplo, distribuir a competência, de forma que a CF
faz a primeira grande distribuição de competência. Para tanto, o constituinte criou as
5 justiças brasileiras: federal, trabalhista, militar, eleitoral e estadual. À justiça
estadual cabe a competência residual, tendo sido a competência das 4 outras
justiças definidas na CF.
Um juiz que julga causa de outra justiça não possui competência constitucional. Ada
Pellegrini defende que a falta da competência constitucional implica em decisão
proferida por não juiz, sendo este ato uma não decisão, uma decisão inexistente.
Para Ada, a competência constitucional é pressuposto de existência, mas seu
entendimento não é majoritário. Majoritariamente, se entende que a falta de
competência constitucional implica em invalidade da decisão (em decorrência da
nulidade) e não em inexistência, até por que tal decisum pode já ter gerado efeitos e
não se pode negar que esses efeitos advieram de uma decisão existente.
Feita a primeira distribuição de competência pela CF, cabe às leis
infraconstitucionais fazer as demais subdivisões. As leis estaduais subdividem a
competência na esfera estadual.
Há, ainda, os regimentos internos dos Tribunais. A competência do Tribunal é
imposta pela lei, mas o Tribunal pode dividir essa sua competência (já definida pela
lei) internamente (ex: criando varas comuns ou varas especiais). O que o regimento
interno do Tribunal não pode é invadir a competência que não lhe foi outorgada.
32
4. Determinação ou fixação da competência.
Essas distribuições supracitadas dividem as competências de forma abstrata, mas
não tem como a parte saber ainda qual juiz apreciará a sua causa (até por que numa
comarca ou seção pode haver várias varas que lidam com aquela matéria). Para
concretizar a competência, surge o fenômeno da determinação ou fixação da
competência.
Determinação ou fixação da competência é o momento em que se sabe qual é o
juízo que julgará determinada causa. Esse momento se dá na data da propositura da
ação. A data da propositura da ação é a data da distribuição da demanda (qdo
houver mais de uma vara) ou é a data do despacho inicial qdo não houver
necessidade de distribuição (ex: comarca onde só há um único juízo). Isso está
previsto no art. 87 combinado com o art. 263, ambos do CPC.
Identificado o juiz da causa, a causa deverá se fixar em um juízo, ficando a
jurisdição perpetuada nessa vara determinada — esse fenômeno é a perpetuação
da jurisdição.
Conforme art. 87 do CPC, fatos supervenientes não podem tirar a causa daquele
juízo que a perpetuou (ou seja, “são irrelevantes as modificações do estado de fato
ou de direito ocorridas posteriormente”). Tal regra serve à estabilidade do processo,
para que um processo não fique ad infinitum sem julgamento, de vara em vara.
Entretanto, há somente 2 exceções à perpetuação de jurisdição, ou seja, há dois
fatos supervenientes com aptidão para quebrar a perpetuação da jurisdição: a)
desaparecimento do órgão judicial (nesse caso, redistribui-se a demanda); b)
alteração superveniente de competência absoluta21
(Ex: a EC/45 transformou a
competência da Justiça Trabalhista, de modo que esta passou a ser competente
para julgar acidente de trabalho — nesse caso, as ações que versavam sobre
acidente de trabalho migraram da Justiça Comum Estadual para a Justiça
Trabalhista22
).
5. Classificação da competência.
5.1. Competência originaria e derivada.
Competência originaria é a competência para conhecer a causa primeiramente. A
regra é que a competência originaria é do juiz de 1º instância. Mas,
21
O art. 87 do CPC fala em mudança de competência em razão da matéria ou da hierarquia.
Competência é gênero, enquanto matéria e hierarquia são espécies, por isso a doutrina é pacífica em
entender que a correta interpretação é quanto à mudança de competência absoluta e não quanto à
matéria ou hierarquia.
22
Se um processo de acidente do trabalho que tramita na Justiça estadual possui sentença antes da
EC/45, a causa não migrará para a Justiça Trabalhista, pois já houve julgamento de juízo competente
à época.
33
excepcionalmente, a causa pode ser de competência originaria de um Tribunal (logo
um Tribunal tb tem competência originária, porém de forma excepcional).
Competência derivada e a competência para julgar a causa em nível de recurso. A
regra é que a competência derivada é dos Tribunais. No entanto, juiz de 1ª instância
tem competência derivada em determinados casos (Ex1: embargo de declaração do
juízo de 1ª instância deve ser julgado por este juízo; Ex2: em execução fiscal de até
50 ORTN, o juiz da causa é que julgará o recurso contra sua própria sentença — art.
34, § 3º, Lei 6.830/80).
Apesar de Turmas Recursais de juizados serem formadas por juízes, elas possuem
competência derivada, pois o órgão é recursal.
5.2. Competência absoluta e relativa23
.
As regras de competência absoluta são criadas para atender a interesse público e
por conta disso são regras que não podem ser alteradas pela vontade das partes e
nem podem ser modificadas por conexão ou continência. Em virtude disso, a
incompetência absoluta pode ser reconhecida de ofício pelo juiz, pode ser alegada
por qualquer das partes, pode ser alegada por qualquer forma e enquanto estiver
pendente o processo (ou seja, pode ser alegada por um juízo enquanto este juízo
23
Segundo Freitas Câmara, é atécnico dizer “competência absoluta” e “competência relativa”. A
competência é bastante em si mesma e não deve ser adjetivada. Já a incompetência pode ser
absoluta ou relativa.
34
não proferir a sua última decisão). Isso ocorre devido à gravidade da incompetência
absoluta.
Já as regras de competência relativa são regras criadas para atender um interesse
particular e, por conta disso, podem ser alteradas por vontade das partes. A
incompetência relativa não pode ser conhecida de ofício, pois só o réu pode alegá-la
e ele tem que fazer isso no 1º momento de falar nos autos24
(prazo de 15 dias
contado do fato que ocasionou a incompetência – art. 305, CPC – que, qdo for
conhecida no momento da citação, deve ser tal prazo contado a partir desta), sob
pena de preclusão, tendo que alegá-la no bojo de um instrumento próprio chamado
de “exceção de incompetência relativa” 25
(logo, a forma não é livre).
A incompetência absoluta não permite prorrogação de competência; enquanto a
incompetência relativa permite prorrogação de competência. Prorrogar a
competência é ampliar a competência, tornar competente um juízo originalmente
incompetente.
Qualquer das espécies de incompetência (absoluta ou relativa) tem por efeito a
remessa dos autos ao juízo competente, de forma que o processo não é extinto.
Entretanto, há 2 exceções a essa regra: a) a incompetência no âmbito dos juizados
24
Se o réu não impugnar no prazo, presume-se aceita a incompetência relativa pelo réu — é a
modificação tácita da competência relativa. Há, porém, casos de modificação expressa de
competência — são casos de foro de eleição ou foro contratual — em que se escolhe o foro (a
localidade) e não a vara.
Há cláusulas de foro de eleição em contrato de adesão que não são abusivas (Ex: se um aluno
assina um contrato com uma escola e coloca o foro da cidade onde ocorrem as aulas, tal cláusula
não é abusiva para os alunos que moram na cidade onde ocorrem as aulas). Logo, nem todo contrato
de adesão é abusivo. Ademais, nem todo contrato de adesão ocorre em causas consumeristas,
podendo ocorrer em contrato fora do direito do consumidor.
Qdo o CDC diz que a proteção do consumidor é questão de ordem pública e que cláusula abusiva é
nula de pleno direito, permite-se ao juiz controlar ex officio uma incompetência relativa (sob o
fundamento da questão de ordem pública). O STJ aceita essa excepcionalidade, de conhecimento ex
officio de incompetência relativa, desde que em causas de consumo e desde que a cláusula seja
abusiva.
O art 112, § único, CPC, mudado em 2006, consagrou esse pensamento do STJ, só que de forma
mais ampla, pois esse conhecimento de ofício vale para qualquer contrato de adesão, ampliando-se a
aludida excepcionalidade das causas de consumo para as causas em que conste contrato de adesão
(seja de consumo ou não). O art. 114 do CPC, alterado em 2006, diz que, se no caso do art. 112 o
juiz não conhecer a incompetência de oficio e se o réu tb não a alegar, preclui-se a modificação da
competência. Nesse caso específico do art. 114, o juiz pode conhecer uma competência de oficio,
mas não o pode a qualquer tempo — é uma situação mista.
25
Porém há varias decisões aceitando a alegação de incompetência relativa feita na contestação e
não por exceção, se não houver prejuízo ao autor. No entanto, em questão de concurso, se a
assertiva disser que a alegação deve ser proposta por exceção de incompetência, esta assertiva é
certa; mas, se a assertiva disser que “a alegação pode ser proposta na contestação, desde que não
prejudique o autor”, essa assertiva tb é certa.
35
especiais extingue o processo; b) tb extingue o processo a incompetência
internacional (logo, se proposta a ação no juízo de um país, este não terá que
remeter a causa para o juízo de outro país).
Na incompetência absoluta (e não na relativa), além de se remeter os autos ao juízo
competente, os atos decisórios praticados pelo juízo incompetente serão havidos
como nulos.
6. Critérios para distribuição da competência.
A doutrina lista 3 critérios para distribuição de competência:
- objetivo – a distribuição da competência se dá em razão da demanda;
- funcional – a distribuição da competência se dá em razão da função do
órgão judicial;
- territorial – a distribuição da competência se dá em razão do foro.
6.1. Objetivo – é aquele que leva em consideração a demanda. Uma demanda
possui 3 elementos: partes, pedido e causa de pedir.
Por isso, surgem 3 sub-critérios para distribuir a competência sob o critério objetivo,
a saber, respectivamente: a) competência em razão da pessoa (das partes); b)
competência em razão do valor da causa (do pedido); c) competência em razão da
matéria (causa de pedir).
6.1.1. A competência em razão da pessoa – é a competência distribuída
conforme o sujeito do processo. Ex: competência das varas da Fazenda
Pública e da Justiça federal, leva em questão as partes do processo — é caso
de competência absoluta.
A súmula 206 do STJ diz que vara privativa (ela quis dizer vara da fazenda
pública) instituída por lei estadual não altera competência territorial
resultante das leis processuais. Ou seja, caso um estado só tenha vara da
fazenda pública em sua capital ou em alguma outra cidade diferente
daquela onde um administrado demandou contra a fazenda pública, esta
demanda não deve ir para a capital ou outra cidade só por que nestas há
vara da fazenda pública, devendo-se respeitar a competência territorial da
comarca onde não há vara da fazenda pública. Mas, se houver demanda na
comarca onde tenha vara da fazenda publica, ai sim essa vara atrai a
demanda.
36
6.1.2. A competência em razão do valor da causa – é a competência
distribuída conforme o pedido constante na demanda (mais especificamente
qto ao seu valor). Ex: competência dos juizados.
O CPC se limitou a prever a possibilidade de se distribuir a competência em
razão do valor da causa, mas a regulamentação desse critério objetivo ficou a
cargo das leis locais de organização judiciária.
Pelo art. 111 do CPC, observa-se que a competência absoluta26
não pode ser
modificada pela vontade das partes; ademais, esse mesmo artigo diz que a
competência territorial e em razão do valor podem ser modificadas pelas
partes (ou seja, ambas competências são relativas). Em 1973, qdo não
existiam os juizados e este artigo 111 vigia em absoluto, o juiz com
competência para causas até determinado valor não podia apreciar causas
superiores a este valor, sendo incompetente absolutamente para causas
superiores ao valor de sua alçada, de forma que, assim sendo, podia a parte
propor ou não a demanda em outro juízo. Entretanto, as leis dos juizados
especiais federais e dos juizados especiais da fazenda pública dizem que sua
competência é absoluta para aquela causa cujo valor máximo é estabelecido,
não podendo a parte, a partir dessas leis de juizados, propor a demanda
sequer em outro juízo.
6.1.3. A competência em razão da matéria – é a competência distribuída
conforme a causa de pedir, de acordo com a natureza da relação jurídica
discutida. Ex: se a relação for trabalhista, a vara do trabalho será a
competente. A competência em razão da matéria é sempre absoluta.
O CPC se limitou a prever a possibilidade de se distribuir a competência em
razão da matéria, mas a regulamentação desse critério objetivo ficou a cargo
das leis locais de organização judiciária.
6.2. Funcional – é aquele que leva em consideração a função do órgão judicial.
Iniciado o processo, várias são as funções que o órgão jurisdicional deve exercer ao
longo do processo (colher provas, julgar, receber petições, executar, etc.). O
legislador distribui essas funções entre diversos órgãos, gerando a competência
funcional. A divisão de competência original e derivada, vista supra, são exemplos
de competência funcional. A competência funcional é absoluta. Ela pode ser
visualizada em 2 dimensões:
6.2.1. Vertical – a competência é distribuída em razão das funções de
instâncias diversas, por isso é chamada tb de competência em razão da
hierarquia (Ex: julgamento de recurso).
26
Melhor dizer competência absoluta em vez de em razão da matéria e da hierarquia.
37
6.2.2. Horizontal – a competência é distribuída em razão das funções de uma
mesma instância, de num mesmo nível hierárquico. Ex: no Tribunal do Júri, o
juiz pronuncia, o júri condena e o juiz dosa a pena.
6.3. Territorial – a distribuição da competência se dá em razão do foro. A
competência territorial é, em regra, relativa, podendo ser territorial absoluta em
casos excepcionais (ex: art. 95 do CPC).
Há autores italianos que, diante de uma regra de competência territorial absoluta,
dizem que, porque é absoluta, não é territorial, mas sim funcional. No Brasil esse
pensamento foi repercutido (Ex: art. 2º da Lei 7347/85). No entanto esse não é o
melhor entendimento.
O art. 209 do ECA já trata o assunto com melhor técnica, sem denominar de
competência funcional. Da mesma forma o fez o art. 80 do Estatuto do Idoso27
.
OBS.: Como fixar uma competência.
A 1ª questão a se resolver é estabelecer se se aplica a competência
internacional, ou seja, saber se a demanda pode ser submetida à jurisdição
brasileira. Na verdade, essa é uma análise anterior à competência. Para tanto,
se aplica os arts. 88 e 89 do CPC. O art. 88 trata dos casos em que a
jurisdição brasileira possui competência internacional concorrente (a demanda
pode ser ajuizado no Brasil ou em outro país que tb tenha tal competência
internacional). O art. 89 trata dos casos em que a jurisdição brasileira possui
competência internacional exclusiva.
Podendo a demanda ser ajuizada na jurisdição brasileira, analisa-se a
competência interna.
O 2º passo é determinar se a demanda se enquadrará no critério objetivo (cuja
competência pode ser absoluta ou relativa, a depender de seus subcritérios),
funcional (a competência será sempre absoluta) ou territorial (a competência é,
em regra, relativa).
Sendo escolhido o critério objetivo, ainda é necessário um 3º passo: saber se
a competência será distribuída em razão da pessoa (a competência será
sempre absoluta), em razão do valor da causa (de competência absoluta ou
relativa, a depender da lei de organização local) ou em razão da matéria (se é
competente um juízo especializado ou um juízo residual, cuja competência
será sempre absoluta).
O 4º passo está em fixar qual das 5 “Justiças” existentes é a competente:
27
O aludido art. 80 só se aplica às ações coletivas (pois a própria redação desse art. 80 diz que ele só
se aplica ao capítulo III, que trata das ações coletivas), não se aplicando às ações individuais, pois o
idoso não é obrigado a propor a ação em determinado foro — ocorre de modo similar como
determinado pelo art. 101, I, do CDC.
38
federal, militar, eleitoral, trabalhista ou estadual (que é residual, ou seja, ela
será competente se a demanda não for de competência de nenhuma das
outras 4).
Escolhida a “Justiça”, o 5º passo determina em que foro deverá prosseguir a
demanda.
Por fim, o 6º passo identifica o juízo competente em um foro, caso haja mais
de uma vara com competência para a demanda.
7. Regras básicas de competência do CPC.
Convém ressaltar que as regras descritas abaixo são as regras básicas, mas elas
podem ser excepcionadas por outras regras, em se tratando de: consumidor (CDC),
da mulher em caso de divórcio ou anulação de casamento, do alimentando, etc.
→ O art. 94 do CPC dispõe que, qdo se tratar de ação pessoal ou qdo se tratar de
ação real mobiliária28
, o foro competente é aquele do domicílio do réu. Essa é uma
competência relativa, pois se relaciona ao foro (territorial), portanto pode ser
prorrogada.
→ O art. 95 do CPC dispõe que, qdo se tratar de ação real imobiliária, a
competência é do foro da situação do imóvel (“FORUM REI SITAE”). Entretanto,
esse artigo cria situações de foros concorrentes, onde o autor pode optar pelo foro
de seu domicílio ou foro de eleição; mas, no seu fim, este artigo prevê 7 situações29
em que o autor não pode optar, devendo propor a ação no foro do local da situação
da coisa (logo, essas 7 hipóteses são de competência territorial absoluta30
).
Copiar tabela do livro Código de Processo Civil Comentado de Nelson Nery, na
parte de possessório, falando das ações possessórias e suas características, e
estudar por ela para concurso.
OBS.: Ação publiciana (chamada tb de ação reivindicatória sem titulo) é a ação real
pela qual se reivindica um bem de que se afirma ser proprietário, mas que não tem
título de propriedade. Ex1: coisa herdada sem transcrição de formal de partilha no
28
Observa-se que aqui se trata de bens móveis e não sobre bens imóveis. Avião e navio são bens
móveis, mesmo podendo ser hipotecados. Logo, em ações cujo objeto seja avião ou navio, obedece-
se a regra do art. 94 do CPC e não a regra de bens imóveis.
29
Essas 7 situações, que devem ser decoradas, ocorrem qdo se trata de litígio sobre: direito de
propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terra e nunciação de obra nova.
Observar que enfiteuse e usufruto não estão nessas hipóteses.
30
Vê-se, portanto, que nem toda competência territorial é relativa.
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  • 1. 1 → DIA 25/01/2010. INTRODUÇÃO AO DIREITO PROCESSUAL CIVIL CONTEMPORÂNEO O direito processual civil contemporâneo deve ser compreendido a partir dos resultados das relações entre: processo e direito material; processo e teoria do direito; e processo e Constituição. Portanto, pode-se dizer que o processo moderno é formado por esse tripé. 1. Relações entre processo e direito material. Em todo processo, por mais simples que ele seja, sempre há a afirmação de um direito a ser protegido pela jurisdição. Isso quer dizer que o processo nasce para tutelar direitos, para servir ao direito afirmado. Por esse motivo, há regras processuais para atender a um direito específico. A essa função primordial do processo, como instrumento para o direito material, é que se chama de instrumentalidade processual. Entretanto, vale lembrar que não há hierarquia entre direito material e direito processual, pois ambos se complementam. O direito material diz como as coisas devem ser e o direito processual concretizará as disposições do direito material. O direito processual serve ao direito material (pois aquele tem a função de concretizar as determinações deste); ao passo que o direito material tb serve ao direito processual (pois aquele é a razão de existir deste). Há, portanto, uma relação mutualista, circular entre ambos, que é chamada de teoria circular dos planos material e processual. Questão de concurso: Explique a razão circular entre direito material e processual. A resposta correta é esta contida acima. O mundo do direito material é o mundo da certeza. Mas, quando essa certeza é levada a juízo, aquele direito que, para o demandante, é certo, passa a ser direito afirmado, ou processualizado, não mais sendo um direito certo. Para o processo, o demandante não tem direito até o trânsito em julgado — ele tem afirmação de direito. Isso se explica porque quem vai a juízo pode perder a causa. 2. Relações entre processo e teoria do direito.
  • 2. 2 A ciência jurídica se transformou sobremaneira após a 2ª guerra mundial. A ciência jurídica foi criada pelos alemães no século XIX, mas até hoje não existem na Inglaterra e EUA. Ao passo que a ciência jurídica tornou lícito e referendou os atos de Hitler, ela passou a entrar em crise e o processo não ficou alheio a esse fato. Esse período posterior à crise da ciência jurídica, que ocorreu pós-guerra, com sua reflexão, passou a ser chamado de neoconstitucionalismo (ou neopositivismo, ou pós- positivismo, ou positivismo reconstruído). O neoconstitucionalismo perdura até os dias atuais. São características básicas do neoconstitucionalismo: a) reconhecimento da força normativa da Constituição – a Constituição passou a ser encarada como um conjunto de normas a serem aplicadas e não mais como um projeto ou carta de intenções. Norma Constitucional programática, sem eficácia, não tem cabimento para o moderno direito. b) teoria dos princípios – princípio hoje é espécie do gênero norma. O princípio pode ser aplicado sozinho no caso concreto, sem que seja aplicada regra. Princípio, portanto, passou a ser regra e não mais forma de integração do direito. c) transformações da hermenêutica jurídica – é a percepção de que a atividade jurisdicional é criadora. O direito se desenvolve pela jurisdição. O juiz não é mais tido como mero declarador de normas, mas sim um elemento que cria normas em suas decisões (Ex: a súmula vinculante é norma criada pelo juiz e não norma já existente que foi meramente declarada). Destarte, pode-se dizer que texto e norma são distintos, já que a norma é o que resulta da interpretação do texto. Por isso, um mesmo texto de 20 anos atrás pode possuir hoje uma interpretação distinta daquela época, o que se leva a deduzir que um mesmo texto gerou normas diferentes. Ex: um modo de se vestir, considerado atentatório ao pudor há 20 anos, hoje não mais o é. Em virtude dessa transformação do entendimento que se tinha da norma, o princípio da proporcionalidade se desenvolveu para que se pudesse dar um sentido proporcional e ético à interpretação da norma. Esse princípio se irradiou para todos os ramos do direito (Ex: o princípio da insignificância do direito penal é um viés da proporcionalidade). d) teoria dos direitos fundamentais. Visto em direito constitucional. e) controle de constitucionalidade. Visto em direito constitucional. Leitura recomendada: Texto de Humberto Ávila sobre neoconstitucionalismo (site www.direitodoestado.com.br). Esse texto é uma crítica a essas características
  • 3. 3 do neoconstitucionalismo — mas não a sua negação —, de forma a revelar o abuso e a banalização dessas características. As transformações do neoconstitucionalismo repercutiram na ciência processual, de modo que esta já se encontra na 4ª fase. Fases da ciência processual: 1ª – fase do sincretismo ou pragmatismo – o início da ciência processual se dá no séc. XIX, onde direito material e direito processual eram uma só coisa, sincrética, sem distinção. O praxismo (ou pragmatismo) se refere ao fato de que o processo só era discutido em sua forma prática, ou seja, como uma mera praxi forense. 2ª – fase do processualismo ou fase científica – há uma total separação entre o direito material e o direito processual, de forma que se reconhece que o direito processual possui princípios próprios a serem estudados. É a fase da afirmação da ciência processual, onde houve uma total ruptura entre direito material e processual. 3ª – fase do instrumentalismo – reconhece que o direito material e processual são distintos, mas que ambos devem conviver juntos, harmoniosamente. Essa é a fase da reaproximação entre eles. 4ª – fase do neoconstitucionalismo – é uma fase tão nova que sequer é mencionada por alguns doutrinadores. Essa fase ainda não possui um nome definido, mas já há algumas propostas: a) Neoprocessualismo – o livro síntese é o volume I do Curso de Processo Civil de Marinoni. b) Formalismo-valorativo – é uma definição do processo que segue o neoconstitucionalismo, pregando a ética e a boa-fé do processo. É uma denominação criada pela escola gaúcha. 3. Relação entre processo e Constituição. O processo é pautado por direitos constitucionais processuais, com direitos fundamentais do processo (devido processo legal, ampla defesa, contraditório, juiz natural, etc.). Os direitos processuais constitucionais possuem uma dupla dimensão: a) Dimensão objetiva – os direitos fundamentais são normas constitucionais, que garantem um conteúdo mínimo, fundamental, e que por isso estão na CF para serem seguidos pelo legislador infraconstitucional. b) Dimensão subjetiva – os direitos fundamentais, além de normas, são direitos propriamente ditos, ou seja, não no sentido direito-norma, mas
  • 4. 4 direito como relação jurídica — um bem jurídico (posição jurídica vantajosa do seu titular). Direito com D maiúsculo é norma; mas com d minúsculo é situação jurídica. No aspecto objetivo, o processo deve ser pautado pelos direitos fundamentais constitucionais. Pelo aspecto subjetivo, o processo tem que ser adequado, estruturado para proteger, tutelar, um direito fundamental. Princípios constitucionais do processo. 1. Devido processo legal (due process of law). No séc. XIV, o rei Eduardo III cunhou essa expressão, apesar de que a idéia do devido processo legal foi concebida no séc. XI. A Magna Carta (1215) não menciona tal expressão, apesar de alguns autores mencionarem isso. Em português, a correta tradução de “of law” é direito. Lei, em inglês, é “statute law”. Assim, a expressão “due process of law” significa devido processo conforme o direito, ou seja, o sentido do devido processo legal é maior do que a lei. Na expressão “due process of law”, o termo processo significa método de criação de normas jurídicas, não sendo processo no sentido de sucessão de atos processuais. Por esse motivo, o legislador deve observar o devido processo legal — quer dizer que nenhuma lei pode ser criada sem o devido processo legal. Da mesma forma, até as normas administrativas infralegais (decretos, portarias, regulamentos, etc.) devem obedecer ao devido processo legal administrativo. No mesmo sentido, a norma criada pela jurisdição — ao julgar e interpretar — deve obedecer ao devido processo legal jurisdicional. As normas de cunho privado tb devem obedecer ao devido processo legal privado. O próprio STF reconhece o devido processo legal privado, estabelecendo inclusive o direito de defesa mesmo em processo privado, bem como demais direitos fundamentais na esfera privada. Essa decisão do STF fez com que o legislador alterasse o art. 57 do CC/02. De todo o exposto, observa-se que o devido processo legal se aplica a qualquer processo. A incidência do devido processo legal no âmbito privado é decorrência da chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais (que é a eficácia dos direitos fundamentais entre particulares, nas relações entre os cidadãos). A eficácia vertical dos direitos fundamentais é a eficácia dos direitos fundamentais entre o Estado e o cidadão. Exemplo típico da eficácia horizontal dos direitos fundamentais é o direito de defesa mesmo nas relações privadas, amparado pelo devido processo legal.
  • 5. 5 O termo “devido”, na expressão “devido processo legal”, estabelece que o poder deve está conforme o processo legal. O rei João sem terra aceitou esse termo como sendo uma limitação ao seu poder. Por todo seu período de existência, desde a criação do devido processo legal até os dias atuais, houve um acúmulo histórico do que se deve ter no devido processo legal para que ele seja devido (Ex: vedação à prova ilícita, ampla defesa, contraditório, decisão motivada, etc.). Essa formação histórica é dinâmica e vai se sedimentando do decorrer do tempo. Muitos direitos garantidores do processo legal devido foram incorporados, mas o devido processo legal continua vedando o abuso de poder e continuará vedando-o, mesmo qdo ao devido processo legal forem incorporados outros direitos. A efetividade é o conteúdo do processo legal devido, pois, apesar de a efetividade não está prevista expressamente na CF/88, não haveria processo legal devido se ele não for efetivo. Dessa forma, não há que se exigir a disposição legal expressa ou implícita acerca da efetividade, pois ela integra o próprio devido processo legal, de forma que existe presumidamente. → DIA 01/02/2010. Distinção entre devido processo legal formal e devido processo legal substancial (divisão feita inicialmente pelos americanos): na dimensão formal (processual), o devido processo legal é o conj. das garantias processuais mínimas que devem ser observadas para que o processo seja formalmente devido. Tais garantias foram sendo acumuladas historicamente (motivação das decisões, vedação à prova ilícita, etc). Todavia, um processo devido não é só aquele formalmente devido. É preciso que as decisões produto do processo sejam tb devidas para que o processo seja substancialmente devido. Isso porque não é razoável que o Estado faça o que bem entenda apenas cumprindo as formalidades; preciso é controlar as opções do Estado e não só as formas. Ou seja, as decisões não bastam ser só devidas, tem que ser justas, razoáveis, equilibradas. A jurisprudência do STF desenvolveu a idéia de devido processo legal substancial dando um sentido diferente daquele originalmente pensado pelos americanos. Esse novo sentido é o entendimento de que o devido processo legal é, em sua dimensão substancial, o fundamento da máxima da proporcionalidade e da razoabilidade, ou seja, a proporcionalidade e razoabilidade decorrem do devido processo legal substancial. Dessa forma, a fundamentação do STF ao principio da proporcionalidade e razoabilidade está no inciso do art. 5º da CF que trata do devido processo legal (mas em seu aspecto substancial). É bom observar que essa construção é do direito brasileiro (tanto doutrina quanto jurisprudência) e que não corresponde à idéia original dos americanos — o que não quer dizer que a visão
  • 6. 6 americana é correta e que o sentido brasileiro é errôneo. Essa compreensão brasileira é fundamentada, difundida e bem compreendida. Entretanto há na doutrina quem defenda que a leitura do STF, pelo fato de está diferente do primeiro sentido dado pelos americanos ao devido processo legal substancial, está errada. Entretanto essa crítica não é aceita por outros doutrinadores que entendem que o princípio do devido processo legal, em seu aspecto substancial, admite outros sentidos. Outra crítica ao sentido empregado pelo STF diz que a proporcionalidade e a razoabilidade são extraídas de outras normas (principio da igualdade e Estado de direito, que seriam as verdadeiras fontes da proporcionalidade e razoabilidade) e não do devido processo legal. Para esse matiz crítico, o devido processo legal só passou a vigorar na CF/88 e a proporcionalidade e razoabilidade são anteriores; ademais, argumenta que na Alemanha (onde surgiu a proporcionalidade e razoabilidade) eles estão ligados ao principio da igualdade e do Estado de Direito. Entretanto, esses 2 principios não tem a pretensão da exclusividade e não se prestam ao papel de que só eles criam outros princípios. Para os americanos, o devido processo legal serve como proteção para todos os direitos fundamentais implícitos. Só que isso é inútil no Brasil, já que a CF estabelece que o rol dos direitos fundamentais é exemplificativo e não elimina outros. OBS 1: a própria doutrina que defende que devido processo legal substancial se originou dos princípios da igualdade e do Estado de direito não tem um consenso entre si acerca da natureza jurídica da proporcionalidade a razoabilidade. Uns afirmam (a maioria) que se trata de princípios; outros, que se trata de regras (a exemplo de Virgílio Afonso da Silva); já outros entendem que se trata de postulados (norma que determina como outras normas devem ser aplicadas — ex: Humberto Ávila, no livro teoria dos princípios — esse livro é tido como uma obra prima). OBS 2: Ler texto de Humberto Ávila “o que é devido processo legal” (contra a concepção brasileira, do STF, do devido processo legal substancial). PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PROCESSUAIS: 1- Princípios constitucionais processuais expressos: contraditório, ampla defesa, duração razoável do processo e publicidade. a) Contraditório. Processo é procedimento organizado em contraditório, ou seja, conj. de atos tendentes a uma decisão final, em que os suj. desses atos participam e podem
  • 7. 7 interferir nessa decisão. O contraditório possui dupla dimensão: formal — é garantia de participação (de ser ouvido); e substancial — é a garantia de que a parte possa influenciar a decisão proferida, com os poderes de produzir provas, alegar defesas, de ter advogado, recorrer, ou seja, são conseqüências do contraditório, que vai de fato efetivar o processo1 . b) Ampla defesa. A ampla defesa é o aspecto substancial do contraditório, é o arsenal de que dispõe a parte para efetivar o poder de influencia (é o poder de produzir prova, alegar, etc). Hoje, contraditório e ampla defesa se confundem, sendo esta o aspecto substancial daquele. c) Duração razoável do processo. Consoante esse princípio, o processo deve demorar somente o tempo necessário para solucionar o direito em discussão, não podendo haver demora não razoável, injustificada. Entretanto, as garantias processuais (ampla defesa, produção de prova, fundamentação de decisão) demandam tempo e atrasam o processo. Por isso um processo devido demora e tb por isso deve haver uma demora mínima (com um mínimo de atos) para que a decisão seja justa. A demora só não pode ser desarrazoada. Mas só no caso concreto para saber se a demora é ou não razoável. Os critérios que devem ser levados em consideração para saber se a demora é razoável são: 1- complexidade da causa; 2- estrutura do judiciário; 3- comportamento das partes (se as partes protelam, o processo é mais longo); 4- comportamento do juiz. Esses critérios são desenvolvidos pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. d) Publicidade. 1 É preciso que a decisão não esteja tomada e que a parte possa influenciar na decisão que só acontecerá depois da instrução. Se a decisão já está tomada e a parte é chamada ao processo, só há contraditório formal, tolhido. Em algumas circunstancia, a lei permite que o juiz traga ao processo questões sem provocação da parte — são atos ex officio. Ex: inconstitucionalidade de uma lei. Para compatibilizar a decisão ex officio (não provocada) com o contraditório (poder de influência), o juiz deve (conforme diretriz do contraditório substancial) abrir oportunidade para que as partes se manifestassem acerca dessa inconstitucionalidade. Ex: uma “intempestividade de um recurso”, inicialmente não alegada por nenhuma das partes e nem pelo juiz a quo, que o desembargador reconhece e indefere o recurso de ofício; só que depois é observado que era feriado na pequena cidade do juízo a quo e não havia intempestividade — se fosse dada a possibilidade do contraditório essa situação seria evitada. Pergunta dissertativa de concurso para Procurador: “Relacione a regra da congruência com o principio do contraditório”. Resposta: a regra da congruência exige que o juiz decida de acordo com o que foi pedido; como o réu só se manifesta de acordo que foi pedido, o juiz não pode decidir sobre o que não foi requerido, pois neste não houve contraditório. Se o juiz não observar esse detalhe, a decisão é nula por inobservância ao contraditório.
  • 8. 8 O processo para ser devido tem que ser público, pois assim se controla o poder. Entretanto, é possível restrições pontuais à publicidade, inclusive garantido pela CF/88, desde que a restrição se fundamenta na proteção à intimidade e no interesse público. Um questionamento dos constitucionalistas brasileiros é se é bom para a democracia o julgamento televisionado do STF. 2- Princípios constitucionais processuais implícitos (estes têm laços íntimos com o devido processo legal): efetividade, adequação e boa-fé processual. a) Efetividade. Um processo para ser devido deve ser efetivo, ou seja, tem de realizar os direitos em discussão no seu bojo, tem que efetivar os direitos. Não basta reconhecer os direitos, necessário é reconhecer que há direito fundamental de ter o direito efetivado2 . b) Adequação. Processo devido é processo adequado. As normas processuais tem de ser adequadas a três fatores: b.1- ao objeto do processo- um processo não pode ter o mesmo regramento de qualquer outro processo (Ex: a regra do processo de alimentos é diferente da regra do processo de cobrança contratual). As peculiaridades do direito material discutido impõem as regras ao procedimento adequado, por isso a existência dos procedimentos especiais do CPC. A exigência de regras específicas é imposta pela instrumentalidade (uma relação do processo com o direito material que este visa a tutelar); b.2- aos sujeitos que vão participar do processo (é a adequação subjetiva do processo)- da mesma forma, o processo deve tratar diferentemente sujeitos diferentes, como um capaz de um incapaz, um particular da Fazenda Pública. É, portanto, uma imposição do princípio da igualdade. b.3- à finalidade do processo (adequação teleológica)- as normas processuais devem ser adequadas aos fins do processo. Se o escopo é executar, é preciso que 2 Esse direito de ter seu direito efetivado é chamado de direito do credor — do titular do direito. Entretanto o direito do credor é mal visto, pois sua raiz é romana que, por sua vez, foi influenciada pelo cristianismo. O cristianismo prega o perdão, a piedade, ou seja, o credor deve perdoar — é o princípio do “FAVOR DEBITORIS” (o devedor deve ser protegido). Os direitos fundamentais do executado sempre foram protegidos (em virtude da dignidade da pessoa humana), mas só a pouco tempo é que se fala em direito do credor, que só veio a se manifestar a partir do princípio da efetividade (a partir da década de 80). Esse “conflito” de direitos fundamentais do devedor e do credor tem que ser analisado no caso concreto. Ex: pelo princípio da efetividade, é possível penhorar parte do salário (apesar da regra de impenhorabilidade do salário), desde que não comprometa a dignidade do executado, ou seja, caso o executado ganhe bem e consiga se prover com a parte do salário não executado.
  • 9. 9 haja regras processuais à execução (Ex: sem ampla discussão, pois não é essa finalidade do processo de execução). Tradicionalmente, o principio da adequação era estudado como se ele fosse dirigido ao legislador (devendo este criar normas processuais adequadas). Atualmente, fala- se que o princípio da adequação é tb dirigido ao juiz, ou seja, um processo adequado não é só aquele previsto em lei, o juiz tb deve adequar as regras processuais. Enquanto o legislador cria regras processuais adequadas gerais, o juiz deve criar uma regra processual adequada ao caso concreto. O direito a um processo adequado é um direito a um processo adequado às peculiaridades do caso concreto — e isso só o juiz pode fazer. Logo, a adequação é legislativa e jurisdicional (por isso fala-se em um sub-princípio da adequação — princípio da adaptabilidade do procedimento ao caso concreto ou principio da elasticidade ou princípio da flexibilidade do procedimento). Ex: o prazo de defesa é de 15 dias, mas, a outra parte juntou 10.000 documentos, esse prazo no caso concreto é inadequado, de forma que o juiz pode dar mais prazo em homenagem ao princípio da elasticidade. c) Boa-fé processual. O termo jurídico Boa-fé assume duas acepções: c.1- boa-fé subjetiva (boa-fé como fato, como estado anímico, mental) – é o fato de alguém acreditar que está agindo corretamente (é a boa intenção, a boa-fé como fato). Esse fato pode ser levado em consideração pelo direito em algumas situações (Ex: a posse de boa-fé). c.2- boa-fé objetiva (boa-fé como norma de conduta) – impõe comportamentos leais, éticos e em respeito à confiança. Esses comportamentos são tidos como devidos, pois estão em conformidade com o padrão de conduta que se espera das pessoas. Essa norma de conduta é o princípio da boa-fé (boa-fé objetiva é sinônima de princípio da boa-fé). O comportamento de boa-fé independe se há boa intenção, pois a análise é objetiva e não subjetiva. Ex: a uma pessoa age de uma forma que cria uma expectativa na outra parte e não corresponde à expectativa, age sem boa-fé objetiva. O principio da boa-fé se desenvolveu na Alemanha inicialmente no direito privado. Mas se observou que essa norma de conduta é válida para todos os ramos do direito. No processo, todos estão vinculados pelo princípio da boa-fé, até o juiz, advogado e auxiliares da justiça (vide art. 14, II, CPC). O fundamento constitucional processual da boa-fé é o devido processo legal. O STF já reconheceu isso. Tanto que se diz que processo devido é processo leal — por isso o termo devido processo leal. O CPC, art. 14, II, prevê expressamente o devido processo leal e a boa-fé — esse é o fundamento legal e não constitucional. Já o
  • 10. 10 fundamento constitucional da boa-fé para no direito civil é a igualdade, solidariedade ou dignidade da pessoa humana. As conseqüências práticas do principio da boa-fé processual não são exaustiva. Ex de algumas conseqüências: I- proibir comportamentos dolosos (é conduta ilícita em virtude do principio da boa-fé); II- vedação ao abuso dos direitos processuais (abuso do direito é ato ilícito, pois é contrário à boa-fé, como, por exemplo, a defesa a texto expresso de lei); III- proibição “DO VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM” (comportar-se contra os próprios fatos, contra as próprias atitudes3 — é espécie de abuso, só que menos amplo que o conceito de abuso visto acima); IV- deveres de cooperação (que é conseqüência da boa-fé, mas vai ser visto à frente). Há uma expressão em alemão, muito difundida, que é sinônima do princípio da boa- fé objetiva: “TREU UND GLAUBEN” (que quer dizer “lealdade e confiança”). TREU pronuncia-se trói e as palavras Treu e Glauben escrevem-se com a 1ª letra no maiúsculo, pois substantivo em alemão é sempre maiúsculo. PRECLUSÃO4 . 1 – Conceito: é a perda de um poder jurídico processual. Como juízes e partes têm poderes processuais, há preclusão para ambos. São as chamadas preclusão para a parte e preclusão para o juiz (ou preclusão PRO IUDICATO, que será estudada mais abaixo). 2 – Importância da preclusão: a preclusão serve para dar segurança às partes (pois dá estabilidade à situação processual), assim como tb serve para acelerar o processo, ao dar impulso para frente. Não há processo sem preclusão. Processo é marcha pra frente, ou seja, é uma sucessão de atos jurídicos ordenados (seguindo uma ordem, devendo ser praticados em tempo e lugar certos) e destinados a alcançar um fim, que é a prestação da tutela jurisdicional. O processo se vale de um conjunto de regras que ordenam a participação e o papel dos sujeitos do processo – a esse conjunto de regras, dá-se o nome de formalismo processual. A preclusão, portanto, é de suma importância, pois visa a limitar o exercício abusivo dos poderes processuais das partes, bem como impede o reexame dos magistrados sobre questões já decididas por si próprios, evitando-se o retrocesso processual 3 Se o comportamento gera na outra parte a expectativa de comportar-se em um sentido e se comportar-se em um outro sentido, há uma conduta contrária à boa-fé. Até na guerra, qdo uma tropa hasteia bandeira branca e blefa, deve haver respeito à boa-fé objetiva — que nesse caso é crime de guerra. Ex de falta de “do venire contra factum proprium”: um sujeito executado que dá um bem em penhora e depois o quer de volta alegando que é bem de família. 4 Precluir vem do latim praecludere, que significa fechar, proibir, vedar.
  • 11. 11 (marcha è ré), a insegurança jurídica, e a má-fé e deslealdade processuais. Entretanto, o formalismo processual pode minimizar a preclusão de certas situações (ex: exame de questão de ordem pública a qualquer tempo), sem, porém, eliminá-la. → DIA 08/02/2010. 3 – Espécie de preclusão. Chiovenda classificou a preclusão, de acordo com o fato que a gera, em 3 espécies: preclusão temporal, preclusão consumativa e preclusão lógica. Mas a moderna doutrina já trata de um quarto tipo de preclusão: a preclusão-sanção. 3.1 – Preclusão temporal: é a perda de um poder processual, tendo em vista a perda de um prazo, ou seja, em decorrência do seu não exercício no momento oportuno. Obs.: os prazos temporais para o juiz se manifestar são impróprios, ou seja, não- preclusivos, já que nenhum efeito processual se verificará pelo seu descumprimento, qdo muito pode haver efeito disciplinar. Assim sendo, sem consequência processual para a omissão do juiz na prática do ato, não há que se falar em preclusão temporal para o juiz, já que, mesmo transcorrido o prazo para a realização do ato, a sua realização é totalmente lícita. 3.2 – Preclusão consumativa: é a perda de um poder processual em razão de seu exercício, não importando se ele fora bem ou mal exercido, pois fato consumado não pode ser repetido. Ex1: no poder que se tem de recorrer, o ato de recorrer impede que se recorra novamente. Ex2: se a parte contestou logo no 1º dia do prazo e depois se lembrou que se esqueceu de alegar argumento importante, não pode ela contestar novamente, emendá-la, corrigi-la ou melhorá-la, ainda que tenha sobejado prazo. A preclusão consumativa aplica-se inclusive ao juiz (Ex: um juiz que já julgou não pode julgar novamente, ou seja, uma vez publicada a decisão, não pode o juiz emendá-la ou refazê-la, salvo em casos excepcionais previstos em lei – art. 463, CPC). 3.3 – Preclusão lógica: é a perda de um poder processual em razão da prática anterior de um comportamento incompatível com o citado poder. Ex1: a aceitação de uma decisão, expressa ou implicitamente, torna incompatível um recurso (art. 503, CPC); Ex2: o oferecimento de um bem a penhora, faz perder, por preclusão, o direito de questionar a validade dessa penhora; Ex3: confessar um fato impede que posteriormente se queira produzir prova sobre o fato confessado.
  • 12. 12 Há preclusão lógica em relação ao magistrado. Ex1: se um juiz concede antecipação de tutela com base no abuso do direito de defesa, ele não poderá se recusar a condenar o réu por litigância de má-fé com base no mesmo comportamento abusivo (salvo se posteriormente se observar que houve um erro na 1ª avaliação – na antecipação de tutela). Ex2: se o juiz julga uma lide antecipadamente, ele não pode julgá-la improcedente sob o fundamento de que o autor não provou o alegado, pois o julgamento antecipado da lide exige que os fatos alegados estejam provados. Entretanto, no tocante às decisões interlocutórias, como se sabe que elas são recorríveis por agravo e que esse recurso autoriza juízo de retratação, sempre seria possível, ao menos mediante provocação, que o juiz reconsidere a decisão tomada, não se podendo falar em preclusão lógica. Observa-se que a preclusão lógica é a proibição “DO VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM”. Por isso, pode-se dizer que a preclusão lógica é um exemplo de uma relação entre preclusão e o princípio da boa-fé (boa-fé objetiva), tanto para a parte qto para o magistrado, pois impede que estes adotem um comportamento que contraria o comportamento anterior, frustrando deslealmente as expectativas legítimas dos sujeitos processuais. Logo, a preclusão lógica nada mais é do que a aplicação do princípio da boa-fé objetiva no campo processual. Nesse caso, a preclusão lógica não é efeito do comportamento contraditório (ilícito), mas sim um instituto jurídico-processual que incide sobre o dito comportamento contraditório impedindo que ele produza efeitos – a preclusão lógica é, portanto, consequência da prática do 1º ato e não do ato contraditório (2º ato). Preclusão PRO IUDICATO. A preclusão que se opera em relação ao órgão jurisdicional (preclusão para o juiz) é chamada pela doutrina de preclusão “PRO IUDICATO”. A doutrina majoritária entende que o juiz está sujeito apenas à preclusão lógica e consumativa (o caso mais importante desta última é a preclusão que ocorre para o juiz após a publicação da sentença – art. 463, CPC). Entretanto, nem todas as decisões judiciais estão sujeitas à preclusão consumativa, como aquelas atinentes à matéria de ordem pública (ex: matérias referentes à condição da ação ou pressuposto processual não precluem jamais). A preclusão lógica tb pode ser aplicada ao magistrado, mas esta pode ser excluída em se tratando de decisões interlocutórias, como visto supra. Como os prazos para o juiz são impróprios (ou seja, não há efeito processual para o seu descumprimento), ele não se sujeita à preclusão temporal. 3.4 – Preclusão-sanção ou preclusão punitiva: a classificação de Chiovenda nos 3 supracitados tipos de preclusão é uma classificação da preclusão de atos lícitos, de
  • 13. 13 modo que a preclusão seria, pois, um ônus processual. Chiovenda não identificava a preclusão de atos ilícitos, ou seja, ele não via a preclusão como uma sanção processual (ou seja, como consequência da prática de ato ilícito). Observa-se, portanto, que a natureza jurídica da preclusão decorrente de ato lícito é de ônus processual; já a natureza jurídica da preclusão decorrente de ato ilícito é de sanção processual. Sucede que é possível identificar preclusão como conseqüência de ilícitos processuais. Esse ilícito que gera a perda de um poder jurídico processual é chamado de ilícito caducificante5 . Exemplos de preclusão-sanção: a) no atentado, a punição é a proibição (preclusão) de falar nos autos enquanto as conseqüências do atentado não forem sanadas — art. 881 do CPC; b) perda da situação de inventariante, em razão da prática de ilícitos apontados no art. 995 do CPC. 4 – Preclusão e questões que podem ser conhecidas pelo juiz ex officio. Ponto importante é saber se as questões que o juiz pode conhecer de ofício precluem. Este ponto deve ser analisado sob 2 prismas: 1ª prisma – preclusão para o exame das questões de ofício: o juiz perde o poder de examinar questões que podem ser conhecidas de ofício? O juiz pode conhecê-las de ofício, a qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, conforme dicção do § 3º do art. 267, CPC. Por isso, a afirmação “a qualquer tempo” não quer dizer tempo infinito, mas ao tempo enquanto pendente o processo (enquanto não proferida a sentença de mérito), pois, se assim não fosse, não haveria coisa julgada. OBS.: a expressão “a qualquer tempo” alcança o recurso extraordinário? Sim, desde que o recurso extraordinário tenha sido admitido para discutir outra questão, a questão pública passa a ser possível de ser analisada, como se pode ver na explicação abaixo. Para que o recurso extraordinário seja conhecido há uma série de exigência. Mas, uma vez conhecido o recurso ordinário, o seu mérito deve ser julgado. O recurso extraordinário tem muitas peculiaridades em sua admissibilidade, mas, uma vez vencida esta etapa, o julgamento de mérito dos recursos extraordinários não tem nenhuma peculiaridade. O recurso extraordinário não pode ser manejado com a finalidade de analisar fatos e nem provas (não sendo nem conhecido o recurso 5 Nota-se que esse tipo de ilícito caducificante não tem eficácia de dever indenizatório, mas apenas a perda de um direito (poder) jurídico processual.
  • 14. 14 nesse caso), mas se o recurso extraordinário foi conhecido para analisar questão de direito, o tribunal deverá analisar provas e fatos para julgar a causa, ou seja, uma vez conhecido o recurso, o tribunal superior terá que julgar a causa de modo que sua jurisdição de abre (reexaminado provas e fatos). Isso ocorre porque não há como reexaminar a causa sem reanalisar os fatos e provas. Por isso, diz-se que a extraordinariedade do recurso somente está em sua admissibilidade e não no mérito — ver súmula 456 do STF. Essa súmula foi incorporada ao regimento interno do STF e STJ. É dentro desse contexto que surgem as questões de ordem pública em recurso extraordinário. Não se pode, no recurso extraordinário, suscitar uma questão de ordem pública pela falta de pré-questionamento. Mas, se o recurso extraordinário foi admitido por discutir outra questão (que foi pré-questionada e aceita), a questão de ordem pública poderá ser analisada, pois a jurisdição se abre. Uma questão de ordem pública não pode ser objeto do recurso extraordinário sem ser pré- questionada, mas o tribunal pode reconhecer a questão de ordem pública se o recurso extraordinário foi admitido. Por isso, é correta a afirmação de que uma questão de ordem pública pode ser analisada em um recurso extraordinário; ela só não pode ser objeto do recurso extraordinário. 2ª prisma – preclusão para o reexame das questões que podem ser conhecidas de ofício: nesse caso há divergência doutrinária. A maior parte da doutrina (sem qualquer fundamentação) defende que tb não há preclusão para reexame de questões conhecíveis de ofício (para essa doutrina, um juiz que se julgou incompetente pode se declarar competente posteriormente). Apesar disso, há críticas ácidas para esse raciocínio. Entretanto, há doutrina ainda que minoritária (Barbosa Moreira) que entende haver preclusão nesse tipo de reexame. 5. Distinção entre preclusão temporal, prescrição e decadência. Para Didier, caducidade é gênero, da qual são espécies preclusão e decadência6 , pois a caducidade é a extinção de um direito potestativo (poder), sendo a preclusão a extinção de um direito potestativo processual e a decadência a extinção de um direito potestativo pré-processual. 5.1. Decadência. Decadência é a extinção de direitos potestativos em razão da inércia, do seu não- exercício, dentro de um prazo legal ou convencional. Porém, a decadência refere-se a direitos pré-processuais, tanto aos direitos potestativos essencialmente materiais (ex: direito de invalidar um ato jurídico), qto aos direitos potestativos mais relacionados ao direito processual, mas exercitáveis fora dele (ex: direito à escolha de um procedimento, submetido à prazo, como no caso do MS). 6 Não obstante, Pontes de Miranda tem caducidade e decadência como sinônimas.
  • 15. 15 5.2. Preclusão. Preclusão é a perda de poderes jurídicos processuais. A decadência se aproxima da preclusão temporal, pois esta também se refere à perda de direito potestativo decorrente da inércia do seu titular. Mas elas se diferenciam por que a decadência se refere à perda de direitos pré-processuais; enquanto a preclusão refere-se à perda de poderes/faculdades processuais. Ademais, a decadência sempre decorre de um ato-fato lícito; já a preclusão pode decorrer de ato-fato lícito ou ato ilícito (preclusão-sanção). 5.3. Prescrição. A prescrição é a extinção da eficácia de determinada pretensão por não ter sido exercitada no prazo legal. É, portanto, a perda do poder de efetivar o direito a uma prestação (de não poder exigir essa pretensão do Estado-juiz). Apesar de decorrer da inércia do seu titular, a prescrição não conduz à perda do direito/poder/faculdade (sejam elas materiais ou processuais), como ocorre na decadência ou preclusão, mas sim na neutralização da sua eficácia, da sua pretensão, impedindo que o credor satisfaça a prestação almejada. Ademais, a prescrição relaciona-se a direitos de uma prestação de cunho material, enquanto a preclusão temporal refere-se a faculdade/poderes processuais. Por fim, deve-se observar que prescrição e decadência são institutos de direito substantivo (pois se operam em fase pré-processual, extraprocessual, embora sejam reconhecidas geralmente dentro do processo) e suas finalidades projetam-se para fora do processo (visando à paz/harmonia social e à segurança jurídica). Já a preclusão temporal é instituto de direito processual, operando-se dentro do processo (visando ao impulso ordenado deste e à lealdade processual). 6. Efeitos da preclusão. A observância ou inobservância da preclusão pode gerar efeitos dentro e fora do processo: - a preclusão impulsiona o processo ao seu destino final (provimento jurisdicional). Chegado ao fim, tem-se a preclusão máxima, que é a irrecorribilidade da decisão final (ou coisa julgada formal), que, recaindo sobre provimento jurisdicional de mérito e fundado em cognição exauriente projeta efeitos para fora do processo (coisa julgada material); - a inobservância da preclusão pode gerar invalidades processuais, que ocorre qdo juiz ou parte praticam ato já precluso que gera prejuízo para a outra parte. Ex: reformar sentença publicada; recurso extemporâneo; recurso após a aceitação expressa ou tácita do decisum. Todos esses exemplos, se praticados, devem ser anulados.
  • 16. 16 JURISDIÇÃO: 1 – Conceito: a jurisdição é uma função atribuída a terceiro imparcial para, mediante um processo, reconhecer, efetivar ou proteger situações jurídicas concretamente deduzidas, de modo imperativo e criativo em decisão insuscetível de controle externo e com aptidão para tornar-se indiscutível. → 1ª parte – a jurisdição é uma função atribuída a terceiro imparcial. Esse terceiro é um sujeito estranho ao problema e essa pessoa deve ser desinteressada pelo resultado a ser apresentado. O fenômeno de ingresso deste terceiro na lide é a IMPARTIALIDADE (aquele que não é parte), que é diferente de imparcialidade. Jamais confundir imparcialidade com neutralidade. Não há neutralidade quando se envolve ser humano (juiz). A jurisdição é uma forma de heterocomposição (solução dada por terceiro). Por isso, Chiovenda dizia que a atividade jurisdicional é substitutiva, ou seja, ela substitui a vontade dos litigantes pela vontade do Estado-juiz. A substitutividade á uma característica fundamental da jurisdição, segundo Chiovenda. Entretanto, há críticas a esse tratamento de caráter fundamental da substitutividade apregoada por Chiovenda, já que há outras funções com a mesma característica, como as decisões do CADE. Há na doutrina quem defenda que a jurisdição é monopólio do Estado, logo só o Estado pode ser esse terceiro imparcial. No entanto, pode-se observar que, apesar de a jurisdição ser monopólio do Estado, isso não significa que só ele pode exercê- lo, já que o Estado pode autorizar que outros exerçam a jurisdição (Ex: arbitragem — jurisdição aprovada; o Tribunal de Águas de Valencia na Espanha, que, há mil anos, julgam problemas relativos ao uso das águas de Valência — esse Tribunal particular foi reconhecido pela Constituição Espanhola). → 2ª parte – utilização de um processo. Para que a jurisdição seja exercida, necessário é um processo e que este processo seja devido. Não há jurisdição instantânea. O processo é o método de exercício da jurisdição. → 3ª parte – reconhecer/efetivar/ou proteger. → 4ª parte – situações jurídicas concretamente deduzidas. Melhor usar “situações jurídicas” do que “direitos”, pois situações jurídicas implicam em direitos e deveres. A jurisdição atua sobre problemas concretos e nunca sobre situações especulativas (por isso Carnelutti dizia que a jurisdição atua sobre encomenda). Isso ocorre em
  • 17. 17 qualquer processo, inclusive em ADIN. A atividade jurisdicional é usada para resolver problemas específicos (tópicos). Carnelutti dizia que as questões levadas ao juiz são sempre lide, conflitos. Entretanto, apesar de os conflitos serem o principal problema levado ao judiciário, há situações concretas deduzidas perante o judiciário que não são lides. Ex: retificação de nome estranho. Por isso correto é dizer que a jurisdição atua sobre situações jurídicas concretamente deduzidas. → 5ª parte – modo imperativo. Um dos aspectos da soberania é o poder jurisdicional em um determinado território. Por isso a jurisdição é um ato de império, que faz valer suas decisões. → 6ª parte – atividade criativa. Qdo um magistrado julga, ele cria o direito, pois constrói a norma, cria a norma jurídica. O juiz não declara o que a lei diz, mas a interpreta e dela extrai uma norma que vai regular o caso concreto. Por esse motivo, pode-se dizer que um mesmo problema é julgado de formas diferentes quando analisado por juízes diferentes. A criatividade jurisdicional deve ser analisada sob 2 aspectos: a) ela cria a norma jurídica individualizada do caso concreto (diz qual é a norma jurídica que vai regular um caso concreto, qual é a imposição da decisão, ex: A deve para B e deve pagar); b) qdo a jurisdição julga, ela tb cria, a partir do caso concreto, uma norma jurídica geral, que serve como precedente para casos semelhantes que por ventura apareçam. → 7ª parte – insuscetibilidade de controle externo. Nenhum dos outros poderes pode interferir na decisão judicial. Uma lei ou um ato administrativo não podem rever uma decisão judicial, mas a jurisdição pode controlar a atividade legislativa ou do executivo. A jurisdição só pode ser revista pela própria jurisdição. → 8ª parte – aptidão para tornar-se indiscutível. Somente as decisões judiciais podem tornar-se indiscutíveis; somente elas podem fazer coisa julgada7 . Essa indiscutibilidade é um limite para a própria jurisdição. Ocorrendo a coisa julgada, a decisão não pode ser revista nem internamente pela própria jurisdição. 2 – Equivalentes jurisdicionais: São os modos de solução de conflitos não jurisdicionais, porém se equivalem à jurisdição. São eles quatro: 2.1 – Autotutela. Na autotutela, um dos conflitantes submete o outro à sua vontade, através de imposição coercitiva. Em regra, é proibida a autotutela, sendo inclusive tipo penal, pois nesse caso o sujeito usurpa a função estatal. Entretanto, há raras hipóteses de 7 A coisa julgada é fenômeno eminentemente jurisdicional.
  • 18. 18 autotutela que permanecem lícitas, como a guerra, a greve, a legítima defesa, desforço incontinenti8 , auto executoriedade da Administração Pública, etc. 2.2 – Autocomposição. É a solução negociada do conflito, através da qual os conflitantes resolvem entre si o conflito. A autocomposição é estimulada pelo Estado (como câmaras de conciliação, audiência de conciliação, separação consensual). A autocomposição pode ser judicial ou extrajudicial. Há o direito de levar a juízo qualquer autocomposição extrajudicial, para que o juízo a homologue — art. 475-N, V, do CPC. A autocomposição pode se dá de duas formas: a) ou cada parte cede um pouco para chegar ao fim do litígio — é a transação; b) ou uma parte, de forma voluntária, se submete integralmente à outra — pode ocorrer no processo, onde recebe o nome de renúncia (se for o autor que submete), ou de “reconhecimento da procedência do pedido” (se for o réu que se submete). Toda forma de resolução de litígio não jurisdicional foi designada por uma convenção internacional de ADR (alternative dispute resolution). A autocomposição é a ADR por excelência. 2.3 – Mediação. Na mediação um terceiro é inserido no conflito para auxiliar, estimular, as partes para chegar à conciliação. O mediador não decide, mas só estimula a que as partes cheguem à decisão do conflito. O mediador vai aproximar as duas partes que se afastaram em virtude do conflito. A mediação pode ser judicial (ex: os conciliadores de juizados) ou extrajudicial. 2.4 – Julgamento de conflitos por tribunais administrativos. Há, no direito administrativo contemporâneo, órgãos administrativos que julgam conflitos sob a forma de jurisdição. Eles não são jurisdição porque suas decisões podem ser submetidas ao controle do judiciário, além de não fazer coisa julgada. São exemplos de heterocomposição: tribunais de contas, tribunal marítimo (julgam acidentes nas águas), CADE, agências reguladoras, etc. 3 – Arbitragem. A arbitragem não é equivalente judicial. Na arbitragem, um terceiro escolhido pelos conflitantes não estimula a composição do litígio, mas sim julga o conflito. A solução é por heterocomposição, de forma que a arbitragem não serve para facilitar o diálogo como na mediação. 8 É o desforço imediato para proteger a própria posse.
  • 19. 19 A arbitragem é manifestação da liberdade, pois é uma opção entre os conflitantes (de autonomia privada); por isso, jamais a arbitragem pode ser imposta. Este é o motivo da nulidade da cláusula de arbitragem em contrato de adesão, uma vez que ela retira de uma das partes a opção pela arbitragem. Como a escolha pela arbitragem é manifestação de vontade e posterior submissão à sua decisão, só pessoas capazes podem optar pela arbitragem. Ademais, não é qualquer questão que pode ser submetida à arbitragem, mas só questões concernentes a direito disponível. Pode-se haver arbitragem em questões trabalhistas (CF, art. 114, §§ 1º e 2º). Pessoas jurídicas de direito público podem optar pela arbitragem, mas não sempre, de sorte que há arbitragem no direito administrativo — não se discute mais se é possível arbitragem no direito público; discute-se apenas os seus limites. Tema polêmico, sem posicionamento consolidado na doutrina, é aquele atinente a possibilidade da arbitragem no âmbito das tutelas coletivas. Pode ser árbitro qualquer pessoa capaz (e não só advogado). Na prática, os árbitros costumam formar juntas arbitrais, compostas cada junta por 3 árbitros (um árbitro de cada parte e um terceiro árbitro escolhido por uma pessoa indicada pelas partes. Ex: as partes indicam um pessoa A e esta pessoa indica um árbitro B). Os árbitros são, para todos os fins, juízes de fato e de direito (inclusive na esfera penal — claro que nos casos em que o Estado delega essa função). Porém, esse poder de juiz só é válido em um caso específico e estritamente para os poderes conferidos pelas partes unicamente para aquele caso. Os árbitros são equiparados a servidores públicos para efeitos penais. O processo no âmbito da arbitragem é semelhante ao processo judicial, com a diferença de que é ele flexível, conforme o modelo decidido pelas partes (prazos, quantidade de testemunhas, etc), porém respeitados as limitações constitucionais (ampla defesa, contraditório, etc). É permitida decisão por equidade, uso de normas de direitos estrangeiro, desde que assim decidido pelas partes. O único recurso que cabe na arbitragem é embargos de declaração, já que as partes, qdo decidiram pela arbitragem, abriram mão de contestar a decisão arbitral para um outro órgão. O judiciário pode executar a sentença arbitral, já que o árbitro não pode executar, mas só julgar. O arbitro tb não poderá conceder provimentos de urgência, que exigem atividade executiva para serem implementadas. A sentença arbitral é titulo executivo judicial. O judiciário não pode revisar a sentença arbitral, de forma que o mérito da sentença arbitral é insuscetível de controle do judiciário — SENTENÇA ARBITRAL NÃO SE SUBMETE A HOMOLOGAÇÃO DO JUDICIÁRIO, ELA ESTÁ PRONTA PARA SER EXECUTADA, POIS É TITULO JUDICIAL. A sentença arbitral pode ser anulada pelo judiciário somente se houver vicio formal, mas o judiciário nunca pode rediscutir esta sentença — neste caso, volta para o
  • 20. 20 árbitro julgar. Essa anulação é feita por ação anulatória cujo prazo é de 90 dias da notificação da decisão. Passado esse prazo, não há o que se discutir nem pelo judiciário, nem se tiver havido grave erro inconstitucional. Por isso, pode-se dizer que há coisa julgada arbitral, de forma a não caber nem ação rescisória fora dos 90 dias supracitados. A ação anulatória cabível nos 90 dias é a própria ação rescisória da decisão arbitral. Logo, pode-se dizer que a arbitragem é jurisdição privada, pois tem tudo o que a jurisdição tem. Esse é o entendimento majoritário da doutrina. Há doutrina que diz que a arbitragem não é jurisdição porque não é estatal — tese pouco aceita. Há doutrina que diz que a arbitragem não é jurisdição porque o árbitro não executa (tese pouco aceita, já que o juiz penal não executa — quem executa é o juiz de execuções penais — e mesmo assim é jurisdição). A arbitragem é constitucional, pois é exercício de atividade privada voluntária, já que nada impediu as partes capazes de ir ao judiciário. Na escolha da arbitragem, as partes optaram pela arbitragem e não pela jurisdição estatal. Inconstitucional seria a lei que impusesse a arbitragem. No Brasil, a arbitragem foi regulamentada pela Lei 9.307/96. A arbitragem tem cunho negocial. O nome do negócio jurídico que gera a arbitragem é a “convenção de arbitragem”. Há, conforme art. 3º da aludida lei, 2 espécies de convenção de arbitragem: a cláusula compromissória e o compromisso arbitral. Cláusula compromissória é a convenção em que as partes resolvem que as divergências oriundas de certo negócio jurídico serão resolvidas pela arbitragem, prévia e abstratamente. Antes de o litígio ocorrer, as partes determinam que, qualquer que seja este litígio, deverá ser ele resolvido pela arbitragem. Compromisso arbitral é o acordo de vontade para submeter uma controvérsia concreta, já existente, ao juízo arbitral, prescindindo o Poder Judiciário. Para efetivar a cláusula compromissória, necessário é que se faça um compromisso arbitral, que regulará o processo arbitral para o conflito que surgiu. → DIA 22/02/2010. 4 – Características da Jurisdição. 4.1 – Substitutividade (característica proposta por Chiovenda). Consiste em o Estado, ao analisar o caso concreto, substituir a vontade das partes pela vontade da norma jurídica. Esta característica é que diferencia a jurisdição das outras funções do Estado, pois o Estado-juiz não formula decisão sobre própria
  • 21. 21 atividade9 , mas sobre a atividade de outros sujeitos — é a atividade do Estado substituindo as atividades daqueles envolvidos no litígio. 4.2 – Imparcialidade. Não confundir imparcialidade com neutralidade, pois, se existisse neutralidade do magistrado, o juiz não teria uma vontade inconsciente (sua carga cultural, religiosa, etc.), ademais a vontade do litígio seria a vontade das partes e não do Estado-juiz, além do que o juiz não interviria no resultado do litígio. Por essa característica, o órgão judicial deve aplicar o direito ao caso concreto com imparcialidade, ou seja, o juiz não pode ter interesse no litígio e deve tratar as partes com igualdade jurídica. A imparcialidade significa que o juiz não tem prévia decisão dos conflitos, podendo as partes interferirem nela. 4.3 – Lide. Para Carnelutti, a jurisdição consistia em justa composição da lide. Logo, para ele, para haver jurisdição deveria haver necessariamente litígio (pretensão de alguém e resistência de outro), ou seja, só haveria jurisdição em atividade contenciosa. Carnelutti inicialmente até excluía a execução como atividade jurisdicional. Entretanto, como já visto, a jurisdição não só atua no litígio, podendo atuar em questões onde não haja lide, como no controle difuso de constitucionalidade, na jurisdição voluntária, etc. 4.4 – Monopólio do Estado. Inicialmente entendia-se que a atividade jurisdicional era monopólio do Estado10 . Atualmente, esta característica perdeu prestígio, pois já é entendido que a arbitragem é atividade jurisdicional. Logo, a jurisdição não seria monopólio do Estado. A arbitragem possui o elemento da confiança, já que as partes escolhem o julgador; o que não ocorre na jurisdição, cujo julgador independe da vontade das partes e mesmo assim impõe sua decisão. 4.5 – Inércia. A jurisdição é inerte porque só atua quando provocada. A jurisdição é sempre a última solução, mas pode haver outras formas de solução como aquelas estudadas nos equivalentes jurisdicionais. 9 Como ocorre nas decisões da Administração, que visão a atender a sua vontade (interesse público). 10 Mas não confundir monopólio do Estado com monopólio do judiciário, pois o executivo e o legislativo podem exercer a atividade jurisdicional.
  • 22. 22 No entanto, essa visão é hoje mitigada, tendo em vista a ampliação dos poderes do juiz, como: os poderes de direção do processo sem provocação (produção probatória); concessão por parte do juiz de pedidos implícitos, em que ele concede aquilo que não fora expressamente solicitado; poder de efetivar suas decisões, podendo tomar providências que julgar necessárias e adequadas, conforme art. 461, § 5º, CPC, mesmo que tais providências não estejam expressamente contidas em lei; instauração de alguns procedimentos de ofício (como inventário, art. 989 do CPC, além de outros procedimentos de jurisdição voluntária). Por tudo isso, pode-se dizer que a inércia se reduz à instauração de processo e à determinação do objeto litigioso (o mérito da causa), que em princípio dependem de provocação da parte 4.6 – Unidade. Como é expressão do poder estatal, a jurisdição é una. Para cada Estado soberano só há uma jurisdição. A jurisdição é uma das feições da soberania, de forma que, se houvesse mais de uma jurisdição, haveria mais de uma soberania e, portanto, mais de um Estado. Mas essa jurisdição, que é una, pode ser repartida em vários órgãos (o que não ofende a unidade da jurisdição), cada um com sua competência para não invadir a competência alheia. O poder é uno, mas é divisível. 4.7 – Definitividade: aptidão para produção de coisa julgada material. A coisa julgada só ocorre na jurisdição, mas não se pode dizer que só haverá jurisdição se houver coisa julgada material. A coisa julgada é opção política do Estado, logo este poderia retirar de certas decisões a aptidão de produzir coisa julgada material, sem que com isso se retire essas mesmas decisões do bojo da jurisdição. A coisa julgada não é característica ou elemento de existência da decisão, já que a coisa julgada é posterior à decisão. Correto é dizer que a coisa julgada não pode ocorrer fora da jurisdição, de forma que ela somente ocorrerá nesta. Não haverá coisa julgada na função legislativa ou executiva, pois sempre um ato executivo ou legislativo passará pelo crivo judicial, ou seja, a decisão da jurisdição é última, definitiva, não podendo ser controlada por outro poder (essa definitividade é a coisa julgada). Mas deve-se atentar que o legislativo pode exercer a jurisdição (ex: julgamento de crime de responsabilidade do Presidente da República), sendo, nesse caso, atribuídas as características da jurisdição (como aptidão para produção de coisa julgada material) ao processo jurisdicional exercido pelo legislativo – qdo se diz que não haverá coisa julgada na função legislativa, está se referindo à sua atividade própria (legislar/fiscalizar) e não à imprópria (julgar). 5. Fins da jurisdição.
  • 23. 23 De acordo com a concepção instrumentalista da jurisdição, a jurisdição possui três fins: jurídico, social e político. 5.1 – Escopo jurídico – é a atuação da vontade concreta da lei, ou seja, a jurisdição tem por objetivo primeiro atingir os objetivos da norma material. Mas esse escopo não é privativo da jurisdição, pois, qdo os particulares ou a administração cumprem a lei, estão atingindo o objetivo do direito material. 5.2 – Escopo social – consiste em promover o bem comum, com a justa pacificação dos conflitos. 5.3 – Escopo político – consiste no ato de o Estado afirmar seu poder através da jurisdição, fazendo valer sua vontade (soberania), além de estimular a participação popular (ação popular, ação coletiva, presença de leigos nos juizados, etc.) e da liberdade pelos meios dos remédios constitucionais (tutela dos direitos fundamentais). 6. Princípios inerentes da jurisdição. 6.1 – Investidura. A jurisdição só será exercida por quem tenha sido regularmente investido na autoridade de juiz. 6.2 – Indelegabilidade. A função jurisdicional não pode ser delegada. Não pode o órgão jurisdicional delegar suas funções a outro órgão. Essas assertivas, no entanto, são de cunho doutrinário e sofrem alterações expressas por lei federal ou CF/88. Exemplo disso é aquele previsto no art. 492 do CPC, onde os Tribunais podem expedir cartas de ordem solicitando providências para os juízes a eles vinculados. Observar que nas cartas precatórias não há delegação, pois neste caso sequer há competência a ser delegada, já que juiz pede a outro juízo uma cooperação para situações onde ele não pode agir fora de seu território (não há competência do juízo deprecante sobre o território do juízo deprecado). Outro exemplo é aquele do art. 102, I, m, CF/88, que permite ao STF delegar atribuições para a prática de atos processuais relacionados à execução dos seus julgados. Essa delegação deverá ser sempre endereçada a juízes de primeira instância e jamais pode versar sobre atos decisórios desses juízes, mas só sobre atos executivos; se na prática do ato executivo houver incidente que demande julgamento, este deve ser realizado pelo Tribunal.
  • 24. 24 O art. 93, XI, da CF/88, autoriza delegação da competência do Tribunal Pleno (composto por todos os membros do Tribunal) para órgão especial deste mesmo Tribunal. Também o art. 93, XIV, CF/88, permite expressamente a delegação de atos de administração e de atos de mero expediente, sem caráter decisório, a serventuário. Tanto ato não-decisório quanto atos administrativos11 podem ser delegados, como vistas obrigatórias ao MP, vistas de documentos às partes, etc. 6.3 – Inevitabilidade. As partes obrigatoriamente se submeteram ao que foi decidido pelo órgão jurisdicional. A Jurisdição é inevitável. Qualquer pessoa pode ser ré, já que basta ajuizar uma ação contra ela, ainda que seja tal ação absurda. A inevitabilidade diz que qualquer pessoa pode ter que se submeter à jurisdição. Já a inafastabilidade (que será vista abaixo) diz que a lei não pode se escusar de apreciar lesão a direito ou ameaça de lesão a direito. A partir do momento em que o ordenamento jurídico conferiu a qualquer pessoa o acesso à Justiça, ou seja, o direito de postular em juízo (inafastabilidade da jurisdição), esse mesmo ordenamento jurídico concebeu a possibilidade de que qualquer pessoa possa se submeter à jurisdição. 6.4 – Territorialidade. A jurisdição é exercida sempre em um determinado território. O território sobre o qual a jurisdição se exerce é o foro. Foro é a delimitação territorial para o exercício da jurisdição. Na justiça estadual, costuma se falar em Comarca ou Distrito12 (distrito é subdivisão da comarca). Na justiça federal a terminologia é seção judiciária (sempre com nome de Estado) e as subseções (com nome de cidade). Extraterritorialidade: O art. 107 do CPC estabelece que se um imóvel estiver na região de divisão entre duas comarcas (seja de municípios diferentes, seja de estados diferentes), o juiz que primeiro conhecer da causa alusiva a este imóvel possuirá extraterritorialidade sobre todo o imóvel, inclusive sobre a área que estiver localizada em outra comarca. O art. 230, CPC, estabelece que oficial de justiça pode fazer comunicação processual (citação/intimação) em comarca contígua (limítrofe) ou de mesma região metropolitana (mesmo que não contígua) — é caso de extraterritorialidade. Mas só pode fazer comunicação, não podendo fazer 11 Desde que sejam atos administrativos burocráticos, quase automáticos, para impulso do processo. Há doutrina que entende pela não delegação do poder de polícia. 12 Comarca tem nome de cidade. Distrito pode ter nome de cidade ou bairro.
  • 25. 25 penhora (que dependerá de carta precatória). Logo, extraterritorialidade é a extensão da competência territorial para a prática de determinados atos, alcançando um território além do foro original, em decorrência de algumas circunstâncias, como, por exemplo: a) prevenção em caso de imóveis que se situam em região de divisão de 2 ou mais foros (o juiz prevento, que primeiro conheceu da causa alusiva a este imóvel, estende sua competência para além do seu foro original, abarcando todo o imóvel); b) comunicação processual (citação/intimação) em comarcas contíguas (limítrofes) ou da mesma região metropolitana, independentemente de carta precatória. A decisão sempre será proferida em um lugar, mas, uma vez proferida a decisão, a mesma produzirá efeitos em todo o território nacional e até mesmo no exterior (desde que a decisão seja homologada no tribunal de outro país). 6.5 – Inafastabilidade. Presente no art. 5º, XXXV, da CF/88. Por este princípio, a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça de lesão a direito. Ele garante o acesso à Justiça. É daí que surge o direito de ação, ou seja, o direito de provocar a atividade jurisdicional sobre qualquer problema, sem restrição de tema13 . Há uma idéia errônea de que não se pode ir ao judiciário para discutir o mérito de decisão discricionária de ato administrativo. Porém é um grande erro. O problema é saber como se controla o ato discricionário administrativo — tal controle se faz através da proporcionalidade e discricionariedade. A lei do MS de 1951 impedia ajuizamento de MS contra ato disciplinar, só que essa norma nunca vingou (pois não tinha respaldo da doutrina ou jurisprudência), de forma que a atual lei de MS vetou esse impedimento. OBS.: Na arbitragem não é a lei que afasta a jurisdição, mas as partes, ao escolherem-na. Ademais, na arbitragem a jurisdição estatal é afastada quanto a direitos disponíveis, em favor do princípio da autonomia privada da vontade. Os crimes de responsabilidade do Presidente da República não podem ser analisados pelo Judiciário, mas somente pelo Senado. Neste caso, não há afastamento da jurisdição, mas só a determinação de que a jurisdição será exercida pelo Senado e não pelo judiciário. Uma demanda da justiça desportiva, consoante previsão do art. 217, § 1º, da CF/88, só poderá ser levada ao judiciário qdo esgotada as instâncias da justiça desportiva. 13 Na ditadura, a CF vetava ação que versasse sobre os atos institucionais.
  • 26. 26 Essa é a única exceção em que a CF permite um condicionamento (esgotamento da via administrativa) ao acesso perante o judiciário. Inúmeras leis infraconstitucionais prevêem a exigência de prévio esgotamento administrativo para acionar o judiciário (Ex: Habeas-data, MS, Súmula vinculante, etc.), mas para que elas não sejam inconstitucionais, deve se dar interpretação conforme a CF —, ou seja, se há urgência, não pode a lei exigir o prévio esgotamento administrativo (exemplo disso foi o julgamento das ADIN’s 2139 e 2160). A CF diz que a mera ameaça de lesão a direito é inafastável da jurisdição. É uma medida preventiva inovadoramente prevista na CF/88. 6.6 – Juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII). Garante que ninguém será processado ou julgado se não por autoridade competente (mediante regras prévias, gerias e legais14 ) e imparcial (através de regras que impeçam a escolha do juiz da causa). Por isso veda-se a criação de tribunal de exceção15 . Entretanto, até hoje certos Tribunais designam muitos juízes para determinadas causas, o que é inconstitucional na inteligência do princípio do juiz natural. Essa garantia, embora não muito observada, se estende aos processos administrativos. Por isso, o correto é que exista comissão permanente de licitação, comissão permanente disciplinar, etc. Ler julgado da Reclamação 417 do STF. 7. Jurisdição voluntária. 1 – Conceito: Jurisdição voluntária é uma atividade estatal de fiscalização e integração da vontade das partes, pois o judiciário, depois de fiscalizar se foram atendidos certos requisitos legais, integrará a vontade das partes para torná-la apta a produzir determinada situação jurídica. Há certos efeitos jurídicos decorrentes da vontade humana que só podem ser obtidos após a integração da vontade perante o Estado-juiz, que o faz mediante a fiscalização da obediência de certos requisitos legais. Portanto, na jurisdição voluntária, a jurisdição fiscaliza para depois integrar. 2 – Características gerais indiscutíveis: 14 Não pode lei posterior criar competência para uma causa, ou seja, não pode haver tribunais de exceção. 15 Tribunal de exceção é um tribunal criado especificamente para julgar determinada causa que já existe (exemplo disso é o Tribunal de Nuremberg; por isso criou-se o Tribunal Penal Internacional, para substituir o Tribunal de Nuremberg). O órgão jurisdicional deve ser permanente e prévio.
  • 27. 27 → É uma atividade de integração da vontade – o juiz na jurisdição voluntária integra a vontade dos sujeitos. Nesse caso, a simples vontade não é bastante para produzir efeitos, sendo necessário que o juiz a integre. Portanto ela serve para integrar, completar. → é uma atividade de fiscalização – o juiz fiscaliza se a prática do ato pela parte está regular. Para integrar é preciso fiscalizar. → a jurisdição voluntária é necessária – se a parte quer que o efeito jurídico se produza, ela tem que ir ao judiciário. Ex: a interdição só é possível se deferido pelo judiciário. Entretanto há casos excepcionais em que se admite jurisdição voluntária optativa (Ex: separação consensual sem filhos). → é predominantemente uma atividade constitutiva – novas situações jurídicas são criadas, outras são extintas ou alteradas. → na jurisdição voluntária, tb há contraditório – por isso, tem-se que ouvir todos os interessados na ação, no prazo de 10 dias. Logo, há citação (Ex: cita-se o interditando) — art. 1105 CPC. Há tb todas as garantias fundamentais do processo, necessárias à sobrevivência do Estado de direito. → a jurisdição voluntária se resolve por sentença16 (que pode ser apelável). → na jurisdição voluntária o juiz tem todas as garantias da magistratura. Houve época em que o juiz na jurisdição voluntária era comparado a tabelião. → o MP intervirá em todo o processo de jurisdição voluntária que aludir sobre direitos indisponíveis. Esse é o entendimento do STJ, mesmo que o art. 1105 do CPC diga que o MP deverá ser intimado17 em todos os casos. Qdo tratar de direitos disponíveis, o MP não atuará, exceto se presente circunstâncias do art. 82 do CPC. → a doutrina costuma afirmar que o processo de jurisdição voluntária é processo inquisitivo. Processo inquisitivo é aquele em que o principal protagonista é o juiz, ou seja, este goza de muitos poderes para instruir o processo. O seu contraponto é o processo dispositivo ou adversarial ou acusatório (nesse caso o protagonismo é das partes, de forma que o papel do juiz é basicamente julgar). A manifestação de inquisitividade ocorre porque muitos procedimentos de inquisição voluntária podem ser instaurados ex officio (Ex art. 1129, 1142, 1160, 1171, do CPC). → a jurisdição voluntária permite decisões formadas em equidade, ou seja, o juiz poderá não se ater à legalidade estrita, podendo decidir conforme conveniência e oportunidade. Por isso, diz-se que o poder do juiz na jurisdição voluntária é poder 16 Segundo Rogério Greco, todos os procedimentos cognitivos que exigem do juiz um provimento declaratório ou constitutivo encerram-se por sentença. Já os demais provimentos (meramente receptícios, probatórios ou executivos) se encerram com o desempenho das atividades que lhe são próprias e não por sentença. 17 O art. 1105 do CPC fala em citação, mas a doutrina unanimemente entende ser caso de intimação.
  • 28. 28 discricionário. Neste caso, o poder do magistrado é reforço da inquisitividade. Ex: art. 1109 do CPC — a guarda compartilhada de filhos, mediante acordo entre cônjuges, era aplicada na prática mesmo muito antes de prevista por lei (2008); Ex: o juiz tem obrigatoriamente que interrogar o interditando, mas, se ele estiver em coma, o juiz pode dispensar o interrogatório. → há um procedimento comum de jurisdição voluntária previsto nos arts. 1103 a 1111 do CPC. A partir do art. 1112 têm-se procedimentos especiais de jurisdição voluntária. O processo se instaura por petição inicial, cujo valor da causa é estimado pelo autor; as despesas processuais são antecipadas pelo requerente (art. 24 do CPC) e rateadas entre os interessados. 3 – Características polêmicas: A polêmica se dá quanto à natureza jurídica da jurisdição voluntária. Há 2 grandes correntes doutrinárias acerca da natureza jurídica. a) a jurisdição voluntária, segundo a corrente tradicional (doutrina preponderante), não é atividade jurisdicional18 , mas sim administrativa, onde o juiz administra interesses privados (por isso se comparava juiz com tabelião qdo ele atuava na jurisdição voluntária). Para essa doutrina, na jurisdição voluntária só há interesses privados, de forma que não há conflito, logo não há partes (e sim interessados). Alegam tb que não há jurisdição (pois a atividade é administrativa), logo não há processo (e sim procedimento). Não há, portanto, ação, mas só requerimento. Se não há nada disso dito antes, e de acordo com o art. 1.111 do CPC, não há coisa julgada (pois coisa julgada vem da jurisdição) — há, no máximo, preclusão. Essa corrente afirma, ainda, que, como algumas dessas funções administrativas podem ser exercidas por órgãos estranhos ao Poder Judiciário (como serventuários, notários ou órgãos da Administração), não podem ser consideradas jurisdição. b) segundo a corrente jurisdicionalista (mais moderna e que vem crescendo, apesar de ainda ser minoritária), a jurisdição voluntária é atividade jurisdicional, mesmo que com algumas peculiaridades, pois a jurisdição pressupõe um caso a ser resolvido mediante a interferência de um terceiro imparcial, não necessitando ser litigioso. Ademais, pode haver sim lide na jurisdição voluntária (como na interdição de incapaz ou na emancipação a pedido do menor) e todos os seus casos são potencialmente conflituosos, tendo, inclusive, que haver citação (art. 1.105 do CPC) e possível resistência dos citados — por isso são de atribuição do Poder Judiciário. 18 Há doutrina que diz que a jurisdição voluntária sequer é voluntária, pois os atos da vida privada que precisam passar pela jurisdição voluntária só podem ser validados por meio dela. Realmente a regra é da obrigatoriedade, mas há casos que não necessitam da jurisdição voluntária.
  • 29. 29 A jurisdição voluntária, mesmo quando sem litígio, serve para tutelar interesse particular — o que é de atribuição da jurisdição — e aplica o direito objetivo em última instância e sem controle de outro poder estatal. Há tb processo, pois é através dele que o direito produzirá normas jurídicas no caso concreto e isso acontece na jurisdição voluntária (com petição, apelação, etc.), da mesma forma que ocorre com o processo administrativo. A jurisdição voluntária é exercida por um juiz imparcial, desinteressado do caso, como ocorre na jurisdição contenciosa, enquanto a administração age com interesse próprio. Desta forma, não há bom senso em reconhecer que no processo administrativo há jurisdição enquanto na jurisdição voluntária não há jurisdição. Se há processo e jurisdição, há ação. Por tudo isso, pode dizer tb que há partes, até mesmo porque elas ingressam na jurisdição voluntária com interesses, logo são parciais. Há tb coisa julgada, apesar de boa parte da doutrina, baseada no art. 1.111 do CPC, não defender esse ponto. Para a doutrina jurisdicionalista, este artigo justamente consagra a coisa julgada na jurisdição voluntária, pois, qdo ele diz que a sentença poderá ser modificada se ocorrerem circunstâncias supervenientes, ele deixa claro que, não ocorrendo tais circunstâncias, a sentença não será modificada. Ora, se uma parte ajuizar demanda de jurisdição voluntária para mudar seu nome e o juízo negar, não poderá ela ajuizar demandas com o mesmo objetivo indefinitivamente, pois, se assim não o fosse, não haveria segurança jurídica e nem a força do Estado- juiz em fazer valer seu poder decisório. Ocorre que o art. 1.111 do CPC é claro ao dizer que “a sentença pode ser modificada, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, se ocorrerem circunstâncias supervenientes”, ou seja, a sentença pode ser modificada sim, mas se houver circunstância superveniente — não havendo tais circunstâncias, opera-se a coisa julgada19 . 4 – Classificação dos procedimentos de jurisdição voluntária segundo Leonardo Greco. 4.1 – Receptícios – a atividade judicial se limita a registrar, documentar e comunicar manifestações de vontade. Ex: notificações, interpelações e protestos, etc. 4.2 – Probatórios – a atividade judicial se limita à produção de provas. Ex: justificação. 19 Ex: o nome Bráulio, antes da propaganda da camisinha realizada pelo Ministério da Saúde que o compara ao órgão sexual masculino, era um nome que não expunha a pessoa ao ridículo, de forma que se o juiz negasse pedido de mudança desse nome antes da campanha, não cabia ao demandante ajuizar nova demanda com o mesmo objeto, pois havia coisa julgada. Mas, com o advento da propaganda (que é a circunstância superveniente), poderia novamente a mesma pessoa ajuizar nova ação, pois essa causa superveniente (propaganda) passou a ser motivo de situações vexatórias.
  • 30. 30 4.3 – Declaratório – a atividade judicial se limita a declarar a existência ou inexistência de uma relação jurídica (e não de um fato). Ex: extinção de usufruto, posse em nome de nascituro, confirmação do testamento particular, etc. 4.4 – Constitutivos – a atividade judicial se limita a criar, modificar ou extinguir uma situação jurídica, por meio de autorizações, homologações ou aprovações. Ex: interdição, arrendamento ou oneração de bens de incapazes, aprovação de estatuto de fundações, alvará para a venda de bens de incapazes, etc. 4.5 – Executórios – a atividade judicial se limita a exercer uma atividade prática que modifica o mundo exterior. Ex: arrecadação de herança jacente, arrecadação de bens dos ausentes, etc. 4.6 – Tutelares – ocorre a proteção de interesses daqueles que se encontram em situação de desamparo, como os incapazes, cujo procedimento pode ser instaurado pelo Poder Judiciário de ofício. Ex: nomeação ou remoção de tutor/curador; procedimentos do ECA, etc. COMPETÊNCIA: 1. Conceito. A jurisdição, como função estatal que aplica o direito ao caso concreto em última instância, é exercida em todo o território nacional (art. 1º do CPC). Qualquer país soberano deve ter jurisdição e esta deve ser exercida em um dado território, pois é neste território que vigorará a soberania de um Estado. Para exercer a jurisdição em todo o seu território, o Estado a distribui, através de lei20 , para os órgãos jurisdicionais. Mas, como se verá mais adiante, a distribuição de competência não ocorre só sob o critério territorial. A jurisdição é una, pois é manifestação do poder e soberania estatais, mas pode ser dividida para sua melhor administração. A competência é o resultado desses critérios de distribuição. Logo, competência é o poder de exercer a jurisdição nos limites estabelecidos pela lei. A competência é, portanto, a medida da jurisdição, ou seja, a quantidade de jurisdição atribuída a cada órgão. 2. Princípios da tipicidade e da indisponibilidade da competência. 20 Aqui se trata de lei em sentido amplo, pois a competência pode tb ser determinada por regimento interno de Tribunais, por exemplo, desde que este não avance sobre determinação legal ou constitucional de competência.
  • 31. 31 Esses princípios compõem o conteúdo do juiz natural, de forma que o desrespeito deles implica no desrespeito ao princípio do juiz natural. Pelo princípio da tipicidade, as competências são aquelas expressamente determinadas pela CF. Entretanto, o STF reconhece a competência implícita (IMPLIED POWER), segundo a qual, pode haver competência ainda que não determinada expressamente pela CF (Ex: A CF não fala que o STF ou STJ possuem competência para julgar embargos de declaração interpostos para atacarem suas próprias decisões, mas é óbvio que tal competência compete ao próprio Tribunal que proferiu a decisão). Pelo princípio da indisponibilidade, a competência determinada pela CF não pode ser transferida a órgãos diferentes dos que ela fixou. Mesmo no caso de delegação de competência deve haver prévia permissão constitucional. → DIA 24/02/2010. 3. Distribuição de competência. Cabe ao legislador, em sentido amplo, distribuir a competência, de forma que a CF faz a primeira grande distribuição de competência. Para tanto, o constituinte criou as 5 justiças brasileiras: federal, trabalhista, militar, eleitoral e estadual. À justiça estadual cabe a competência residual, tendo sido a competência das 4 outras justiças definidas na CF. Um juiz que julga causa de outra justiça não possui competência constitucional. Ada Pellegrini defende que a falta da competência constitucional implica em decisão proferida por não juiz, sendo este ato uma não decisão, uma decisão inexistente. Para Ada, a competência constitucional é pressuposto de existência, mas seu entendimento não é majoritário. Majoritariamente, se entende que a falta de competência constitucional implica em invalidade da decisão (em decorrência da nulidade) e não em inexistência, até por que tal decisum pode já ter gerado efeitos e não se pode negar que esses efeitos advieram de uma decisão existente. Feita a primeira distribuição de competência pela CF, cabe às leis infraconstitucionais fazer as demais subdivisões. As leis estaduais subdividem a competência na esfera estadual. Há, ainda, os regimentos internos dos Tribunais. A competência do Tribunal é imposta pela lei, mas o Tribunal pode dividir essa sua competência (já definida pela lei) internamente (ex: criando varas comuns ou varas especiais). O que o regimento interno do Tribunal não pode é invadir a competência que não lhe foi outorgada.
  • 32. 32 4. Determinação ou fixação da competência. Essas distribuições supracitadas dividem as competências de forma abstrata, mas não tem como a parte saber ainda qual juiz apreciará a sua causa (até por que numa comarca ou seção pode haver várias varas que lidam com aquela matéria). Para concretizar a competência, surge o fenômeno da determinação ou fixação da competência. Determinação ou fixação da competência é o momento em que se sabe qual é o juízo que julgará determinada causa. Esse momento se dá na data da propositura da ação. A data da propositura da ação é a data da distribuição da demanda (qdo houver mais de uma vara) ou é a data do despacho inicial qdo não houver necessidade de distribuição (ex: comarca onde só há um único juízo). Isso está previsto no art. 87 combinado com o art. 263, ambos do CPC. Identificado o juiz da causa, a causa deverá se fixar em um juízo, ficando a jurisdição perpetuada nessa vara determinada — esse fenômeno é a perpetuação da jurisdição. Conforme art. 87 do CPC, fatos supervenientes não podem tirar a causa daquele juízo que a perpetuou (ou seja, “são irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente”). Tal regra serve à estabilidade do processo, para que um processo não fique ad infinitum sem julgamento, de vara em vara. Entretanto, há somente 2 exceções à perpetuação de jurisdição, ou seja, há dois fatos supervenientes com aptidão para quebrar a perpetuação da jurisdição: a) desaparecimento do órgão judicial (nesse caso, redistribui-se a demanda); b) alteração superveniente de competência absoluta21 (Ex: a EC/45 transformou a competência da Justiça Trabalhista, de modo que esta passou a ser competente para julgar acidente de trabalho — nesse caso, as ações que versavam sobre acidente de trabalho migraram da Justiça Comum Estadual para a Justiça Trabalhista22 ). 5. Classificação da competência. 5.1. Competência originaria e derivada. Competência originaria é a competência para conhecer a causa primeiramente. A regra é que a competência originaria é do juiz de 1º instância. Mas, 21 O art. 87 do CPC fala em mudança de competência em razão da matéria ou da hierarquia. Competência é gênero, enquanto matéria e hierarquia são espécies, por isso a doutrina é pacífica em entender que a correta interpretação é quanto à mudança de competência absoluta e não quanto à matéria ou hierarquia. 22 Se um processo de acidente do trabalho que tramita na Justiça estadual possui sentença antes da EC/45, a causa não migrará para a Justiça Trabalhista, pois já houve julgamento de juízo competente à época.
  • 33. 33 excepcionalmente, a causa pode ser de competência originaria de um Tribunal (logo um Tribunal tb tem competência originária, porém de forma excepcional). Competência derivada e a competência para julgar a causa em nível de recurso. A regra é que a competência derivada é dos Tribunais. No entanto, juiz de 1ª instância tem competência derivada em determinados casos (Ex1: embargo de declaração do juízo de 1ª instância deve ser julgado por este juízo; Ex2: em execução fiscal de até 50 ORTN, o juiz da causa é que julgará o recurso contra sua própria sentença — art. 34, § 3º, Lei 6.830/80). Apesar de Turmas Recursais de juizados serem formadas por juízes, elas possuem competência derivada, pois o órgão é recursal. 5.2. Competência absoluta e relativa23 . As regras de competência absoluta são criadas para atender a interesse público e por conta disso são regras que não podem ser alteradas pela vontade das partes e nem podem ser modificadas por conexão ou continência. Em virtude disso, a incompetência absoluta pode ser reconhecida de ofício pelo juiz, pode ser alegada por qualquer das partes, pode ser alegada por qualquer forma e enquanto estiver pendente o processo (ou seja, pode ser alegada por um juízo enquanto este juízo 23 Segundo Freitas Câmara, é atécnico dizer “competência absoluta” e “competência relativa”. A competência é bastante em si mesma e não deve ser adjetivada. Já a incompetência pode ser absoluta ou relativa.
  • 34. 34 não proferir a sua última decisão). Isso ocorre devido à gravidade da incompetência absoluta. Já as regras de competência relativa são regras criadas para atender um interesse particular e, por conta disso, podem ser alteradas por vontade das partes. A incompetência relativa não pode ser conhecida de ofício, pois só o réu pode alegá-la e ele tem que fazer isso no 1º momento de falar nos autos24 (prazo de 15 dias contado do fato que ocasionou a incompetência – art. 305, CPC – que, qdo for conhecida no momento da citação, deve ser tal prazo contado a partir desta), sob pena de preclusão, tendo que alegá-la no bojo de um instrumento próprio chamado de “exceção de incompetência relativa” 25 (logo, a forma não é livre). A incompetência absoluta não permite prorrogação de competência; enquanto a incompetência relativa permite prorrogação de competência. Prorrogar a competência é ampliar a competência, tornar competente um juízo originalmente incompetente. Qualquer das espécies de incompetência (absoluta ou relativa) tem por efeito a remessa dos autos ao juízo competente, de forma que o processo não é extinto. Entretanto, há 2 exceções a essa regra: a) a incompetência no âmbito dos juizados 24 Se o réu não impugnar no prazo, presume-se aceita a incompetência relativa pelo réu — é a modificação tácita da competência relativa. Há, porém, casos de modificação expressa de competência — são casos de foro de eleição ou foro contratual — em que se escolhe o foro (a localidade) e não a vara. Há cláusulas de foro de eleição em contrato de adesão que não são abusivas (Ex: se um aluno assina um contrato com uma escola e coloca o foro da cidade onde ocorrem as aulas, tal cláusula não é abusiva para os alunos que moram na cidade onde ocorrem as aulas). Logo, nem todo contrato de adesão é abusivo. Ademais, nem todo contrato de adesão ocorre em causas consumeristas, podendo ocorrer em contrato fora do direito do consumidor. Qdo o CDC diz que a proteção do consumidor é questão de ordem pública e que cláusula abusiva é nula de pleno direito, permite-se ao juiz controlar ex officio uma incompetência relativa (sob o fundamento da questão de ordem pública). O STJ aceita essa excepcionalidade, de conhecimento ex officio de incompetência relativa, desde que em causas de consumo e desde que a cláusula seja abusiva. O art 112, § único, CPC, mudado em 2006, consagrou esse pensamento do STJ, só que de forma mais ampla, pois esse conhecimento de ofício vale para qualquer contrato de adesão, ampliando-se a aludida excepcionalidade das causas de consumo para as causas em que conste contrato de adesão (seja de consumo ou não). O art. 114 do CPC, alterado em 2006, diz que, se no caso do art. 112 o juiz não conhecer a incompetência de oficio e se o réu tb não a alegar, preclui-se a modificação da competência. Nesse caso específico do art. 114, o juiz pode conhecer uma competência de oficio, mas não o pode a qualquer tempo — é uma situação mista. 25 Porém há varias decisões aceitando a alegação de incompetência relativa feita na contestação e não por exceção, se não houver prejuízo ao autor. No entanto, em questão de concurso, se a assertiva disser que a alegação deve ser proposta por exceção de incompetência, esta assertiva é certa; mas, se a assertiva disser que “a alegação pode ser proposta na contestação, desde que não prejudique o autor”, essa assertiva tb é certa.
  • 35. 35 especiais extingue o processo; b) tb extingue o processo a incompetência internacional (logo, se proposta a ação no juízo de um país, este não terá que remeter a causa para o juízo de outro país). Na incompetência absoluta (e não na relativa), além de se remeter os autos ao juízo competente, os atos decisórios praticados pelo juízo incompetente serão havidos como nulos. 6. Critérios para distribuição da competência. A doutrina lista 3 critérios para distribuição de competência: - objetivo – a distribuição da competência se dá em razão da demanda; - funcional – a distribuição da competência se dá em razão da função do órgão judicial; - territorial – a distribuição da competência se dá em razão do foro. 6.1. Objetivo – é aquele que leva em consideração a demanda. Uma demanda possui 3 elementos: partes, pedido e causa de pedir. Por isso, surgem 3 sub-critérios para distribuir a competência sob o critério objetivo, a saber, respectivamente: a) competência em razão da pessoa (das partes); b) competência em razão do valor da causa (do pedido); c) competência em razão da matéria (causa de pedir). 6.1.1. A competência em razão da pessoa – é a competência distribuída conforme o sujeito do processo. Ex: competência das varas da Fazenda Pública e da Justiça federal, leva em questão as partes do processo — é caso de competência absoluta. A súmula 206 do STJ diz que vara privativa (ela quis dizer vara da fazenda pública) instituída por lei estadual não altera competência territorial resultante das leis processuais. Ou seja, caso um estado só tenha vara da fazenda pública em sua capital ou em alguma outra cidade diferente daquela onde um administrado demandou contra a fazenda pública, esta demanda não deve ir para a capital ou outra cidade só por que nestas há vara da fazenda pública, devendo-se respeitar a competência territorial da comarca onde não há vara da fazenda pública. Mas, se houver demanda na comarca onde tenha vara da fazenda publica, ai sim essa vara atrai a demanda.
  • 36. 36 6.1.2. A competência em razão do valor da causa – é a competência distribuída conforme o pedido constante na demanda (mais especificamente qto ao seu valor). Ex: competência dos juizados. O CPC se limitou a prever a possibilidade de se distribuir a competência em razão do valor da causa, mas a regulamentação desse critério objetivo ficou a cargo das leis locais de organização judiciária. Pelo art. 111 do CPC, observa-se que a competência absoluta26 não pode ser modificada pela vontade das partes; ademais, esse mesmo artigo diz que a competência territorial e em razão do valor podem ser modificadas pelas partes (ou seja, ambas competências são relativas). Em 1973, qdo não existiam os juizados e este artigo 111 vigia em absoluto, o juiz com competência para causas até determinado valor não podia apreciar causas superiores a este valor, sendo incompetente absolutamente para causas superiores ao valor de sua alçada, de forma que, assim sendo, podia a parte propor ou não a demanda em outro juízo. Entretanto, as leis dos juizados especiais federais e dos juizados especiais da fazenda pública dizem que sua competência é absoluta para aquela causa cujo valor máximo é estabelecido, não podendo a parte, a partir dessas leis de juizados, propor a demanda sequer em outro juízo. 6.1.3. A competência em razão da matéria – é a competência distribuída conforme a causa de pedir, de acordo com a natureza da relação jurídica discutida. Ex: se a relação for trabalhista, a vara do trabalho será a competente. A competência em razão da matéria é sempre absoluta. O CPC se limitou a prever a possibilidade de se distribuir a competência em razão da matéria, mas a regulamentação desse critério objetivo ficou a cargo das leis locais de organização judiciária. 6.2. Funcional – é aquele que leva em consideração a função do órgão judicial. Iniciado o processo, várias são as funções que o órgão jurisdicional deve exercer ao longo do processo (colher provas, julgar, receber petições, executar, etc.). O legislador distribui essas funções entre diversos órgãos, gerando a competência funcional. A divisão de competência original e derivada, vista supra, são exemplos de competência funcional. A competência funcional é absoluta. Ela pode ser visualizada em 2 dimensões: 6.2.1. Vertical – a competência é distribuída em razão das funções de instâncias diversas, por isso é chamada tb de competência em razão da hierarquia (Ex: julgamento de recurso). 26 Melhor dizer competência absoluta em vez de em razão da matéria e da hierarquia.
  • 37. 37 6.2.2. Horizontal – a competência é distribuída em razão das funções de uma mesma instância, de num mesmo nível hierárquico. Ex: no Tribunal do Júri, o juiz pronuncia, o júri condena e o juiz dosa a pena. 6.3. Territorial – a distribuição da competência se dá em razão do foro. A competência territorial é, em regra, relativa, podendo ser territorial absoluta em casos excepcionais (ex: art. 95 do CPC). Há autores italianos que, diante de uma regra de competência territorial absoluta, dizem que, porque é absoluta, não é territorial, mas sim funcional. No Brasil esse pensamento foi repercutido (Ex: art. 2º da Lei 7347/85). No entanto esse não é o melhor entendimento. O art. 209 do ECA já trata o assunto com melhor técnica, sem denominar de competência funcional. Da mesma forma o fez o art. 80 do Estatuto do Idoso27 . OBS.: Como fixar uma competência. A 1ª questão a se resolver é estabelecer se se aplica a competência internacional, ou seja, saber se a demanda pode ser submetida à jurisdição brasileira. Na verdade, essa é uma análise anterior à competência. Para tanto, se aplica os arts. 88 e 89 do CPC. O art. 88 trata dos casos em que a jurisdição brasileira possui competência internacional concorrente (a demanda pode ser ajuizado no Brasil ou em outro país que tb tenha tal competência internacional). O art. 89 trata dos casos em que a jurisdição brasileira possui competência internacional exclusiva. Podendo a demanda ser ajuizada na jurisdição brasileira, analisa-se a competência interna. O 2º passo é determinar se a demanda se enquadrará no critério objetivo (cuja competência pode ser absoluta ou relativa, a depender de seus subcritérios), funcional (a competência será sempre absoluta) ou territorial (a competência é, em regra, relativa). Sendo escolhido o critério objetivo, ainda é necessário um 3º passo: saber se a competência será distribuída em razão da pessoa (a competência será sempre absoluta), em razão do valor da causa (de competência absoluta ou relativa, a depender da lei de organização local) ou em razão da matéria (se é competente um juízo especializado ou um juízo residual, cuja competência será sempre absoluta). O 4º passo está em fixar qual das 5 “Justiças” existentes é a competente: 27 O aludido art. 80 só se aplica às ações coletivas (pois a própria redação desse art. 80 diz que ele só se aplica ao capítulo III, que trata das ações coletivas), não se aplicando às ações individuais, pois o idoso não é obrigado a propor a ação em determinado foro — ocorre de modo similar como determinado pelo art. 101, I, do CDC.
  • 38. 38 federal, militar, eleitoral, trabalhista ou estadual (que é residual, ou seja, ela será competente se a demanda não for de competência de nenhuma das outras 4). Escolhida a “Justiça”, o 5º passo determina em que foro deverá prosseguir a demanda. Por fim, o 6º passo identifica o juízo competente em um foro, caso haja mais de uma vara com competência para a demanda. 7. Regras básicas de competência do CPC. Convém ressaltar que as regras descritas abaixo são as regras básicas, mas elas podem ser excepcionadas por outras regras, em se tratando de: consumidor (CDC), da mulher em caso de divórcio ou anulação de casamento, do alimentando, etc. → O art. 94 do CPC dispõe que, qdo se tratar de ação pessoal ou qdo se tratar de ação real mobiliária28 , o foro competente é aquele do domicílio do réu. Essa é uma competência relativa, pois se relaciona ao foro (territorial), portanto pode ser prorrogada. → O art. 95 do CPC dispõe que, qdo se tratar de ação real imobiliária, a competência é do foro da situação do imóvel (“FORUM REI SITAE”). Entretanto, esse artigo cria situações de foros concorrentes, onde o autor pode optar pelo foro de seu domicílio ou foro de eleição; mas, no seu fim, este artigo prevê 7 situações29 em que o autor não pode optar, devendo propor a ação no foro do local da situação da coisa (logo, essas 7 hipóteses são de competência territorial absoluta30 ). Copiar tabela do livro Código de Processo Civil Comentado de Nelson Nery, na parte de possessório, falando das ações possessórias e suas características, e estudar por ela para concurso. OBS.: Ação publiciana (chamada tb de ação reivindicatória sem titulo) é a ação real pela qual se reivindica um bem de que se afirma ser proprietário, mas que não tem título de propriedade. Ex1: coisa herdada sem transcrição de formal de partilha no 28 Observa-se que aqui se trata de bens móveis e não sobre bens imóveis. Avião e navio são bens móveis, mesmo podendo ser hipotecados. Logo, em ações cujo objeto seja avião ou navio, obedece- se a regra do art. 94 do CPC e não a regra de bens imóveis. 29 Essas 7 situações, que devem ser decoradas, ocorrem qdo se trata de litígio sobre: direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terra e nunciação de obra nova. Observar que enfiteuse e usufruto não estão nessas hipóteses. 30 Vê-se, portanto, que nem toda competência territorial é relativa.