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A liquidez do homem pós-moderno
 Para Bauman, os valores da sociedade ocidental cada vez mais diluídos cerceiam
                                                 a tolerância e o relacionamento
                                                          POR RENATO NUNES BITTENCOURT




  Talvez nunca a humanidade tenha alcançado um estado de consciência acerca da dor e da
sua própria finitude de modo tão elevado como na cultura contemporânea. Buscamos de todas
  as maneiras meios de escaparmos das experiências dolorosas e tristes, vislumbrando acima
       de tudo a aquisição de um utópico estado de prazer eterno. Com efeito, os avanços
tecnológicos nos proporcionaram em muitas circunstâncias um aprimoramento da qualidade de
      vida, favorecendo assim a dinamização do tempo para o seu uso em atividades mais
aprazíveis. Porém, será que sabemos fazer uso adequado do tempo livre que dispomos para a
   realização de atividades que efetivamente ampliam a nossa potência de agir, tornando-nos
mais criativos e solidários? Talvez não, e esse é o paradoxo inscrito no seio de nossa
    sociedade tecnologizada. Simultaneamente ao fato de termos obtido um considerável
desenvolvimento material, ao mesmo tempo nos diluímos enquanto pessoas, pois pretendemos
 adequar todas as nossas interações apenas àquilo que de alguma maneira nos proporcionará
                                     vantagens imediatas.

A era em que vivemos é a era da liquidez, esse é o diagnóstico feito por Zygmunt
Bauman, pensador polonês de grande vigor intelectual, dono de um estilo que associa
na sua escrita clareza argumentativa profundidade e beleza retórica. De acordo com a
análise nevrálgica de Bauman, os valores que a nossa cultura ocidental até então
estabelecera como os mais nobres e elevados cada vez mais diluem-se como a água
que se escorre das nossas mãos, sem que sejamos capazes de detê-la. A vida líquida
é uma vida precária, vivida em condições de incerteza constante. Bauman constata
que a vida na sociedade "líquido-moderna" é uma versão perniciosa da dança das
cadeiras. O prêmio nessa competição é a garantia temporária de ser excluído das
fileiras dos destruídos e evitar ser jogado no lixo [Vida Líquida, p. 10].



                                           Esse processo simbólico de liquefação dos valores mais
                                           elevados da condição humana manifesta- se em diversas
                                           perspectivas de nossa vida em sociedade, tendo como
                                           característica comum a incapacidade de nos relacionarmos
                                           com a pessoa do "outro" de maneira plena,
                                           compreendendo assim a sua subjetividade e singularidade.
                                           Tendemos sempre a valorar a figura do "outro" tal como
                                           ela se apresenta diante de nós e não nela mesma,
                                           decorrendo daí os preconceitos, as diversas expressões
                                           de intolerâncias, em suma, a incompreensão da
                                           subjetividade      do     "outro",   que,     infelizmente,
                                           progressivamente perde a sua própria natureza humana,
                                           singular, única, para se tornar uma mera coisa com a qual
                                           nos relacionamos de maneira fria, egoísta e superficial.


"Tolerar é injurioso", dizia escritor,
cientista e filósofo Johann von Goethe
durante o Iluminismo, época na qual o
pensamento da tolerância produziu uma
espécie de "religião da razão". No
século XIX, Goethe alerta para o fato de
que a tolerância seria apenas uma
atitude transitória que deve levar ao
reconhecimento do outro

Um dos sintomas mais evidentes da "sociedade líquida" em que vivemos é a intolerância da
massa social diante de tudo aquilo que de alguma maneira se considera como desvio de
conduta ou que destoa dos padrões vigentes. Todo tipo de comportamento ou modo de ser que
supostamente não se coaduna com nossos princípios particulares torna-se digno de nosso
mais terrível desprezo, pois no fundo queremos ver estampado no rosto do "outro" um pouco
daquilo que nós mesmos somos. Tudo aquilo que se expressa como "diferente" diante de
nossos olhos é imputado enfaticamente como "extravagante", merecendo assim a nossa
reprovação imediata e o convite ostensivo a adequar-se aos nossos conservadores parâmetros
axiológicos. Caso a resposta do "outro" diante de nossa exortação seja negativa, nos
considerados no pleno direito de desprezar a expressão da diferença. Esta é a lógica
excludente da neurótica sociedade pós-moderna, despreparada para interagir com a
diversidade de perspectivas, pois para o indivíduo acomodado nos seus valores
conservadores, é muito mais fácil tentar modificar o outro do que a si mesmo. Sempre a figura
do "outro" é a culpada pela minha insegurança e derrota. É através desse tipo de ponderação
que surge o espírito de tensão diante das ameaças terroristas, pois os governantes,
interessados na manutenção do domínio político sobre a massa social, elegem como figura
inimiga o outro, o intruso do país, tal como vemos atualmente na tendência absurda de
considerar todo muçulmano como um terrorista em potencial. Os medos nos estimulam a
assumir uma ação defensiva. Quando isso ocorre, a ação defensiva confere proximidade e
tangibilidade ao medo, segundo a análise de Bauman (Tempos Líquidos, p. 15).

A liquefação dos valores da era pós-moderna manifesta como seu problema por excelência o
projeto de suprimir a consciência de alteridade, a capacidade de compreendermos o outro na
sua própria pluralidade de significados e vivências. Suprimindo a alteridade, cada vez mais
empobrecemos as nossas relações interpessoais, pois reduzimos nossas experiências
existenciais apenas àquilo que julgamos conveniente segundo nossos escusos critérios de
avaliação. Um agravante a ser inserido nessas considerações é que dissimulamos essa
incapacidade de convivência com a diferença através da criação de preceitos "politicamente
corretos", pois muitas vezes demonstrarmos publicamente adequação irrestrita a esses
princípios de respeitabilidade social, mas intimamente permanecemos racistas, machistas e
intolerantes diante do "outro", ou ainda buscamos perseverar no nobre propósito de aceitar as
diferenças, mas no primeiro desagravo que sofremos da parte do "outro", lançam - lhes as
nossas violentas invectivas. Desenvolvemos o crônico medo de sermos deixados para trás, de
sermos excluídos (Medo Líquido, p. 29). Tememos assim a proximidade do outro, pois este, na
visão distorcida que dele fazemos, traz sempre consigo uma sombra ameaçadora, capaz de
desestabilizar o frágil suporte de nossa organização familiar, de nossa atividade profissional e
de nossa sociedade como um todo. Sendo o outro proclamado como o verdadeiro culpado por
todo infortúnio da vida corriqueira, tudo aquilo que é feito para minar a sua dita inf luência
maléfica sobre nós se torna válido. O agravante de tal situação é que muitas vezes colocamos
o outro em situações vexatórias ou em condições vitais degradantes, e ainda por cima
esperamos dele respostas positivas.

Desenvolvemos o crônico medo de sermos deixados para trás,
de sermos excluídos. Tememos assim a proximidade do outro.


Nesse mundo marcado pelo alto índice de violência e pela necessidade de
aceleração das nossas atividades cotidianas, seja na profissão ou nos estudos,
optamos por viver encerrados e supostamente protegidos por muros e grades
pretensamente invioláveis. Da mesma maneira, queremos distância da diferença, pois
consideramos que somente o igual é bom, belo e útil para nós. Podemos constatar que
a própria estética das grandes metrópoles modificou- se de forma grotesca nas últimas
décadas. Os casarões antigos até podiam ser envolvidos por grades, mas estas eram
constituídas de tal forma que permitia ao observador externo contemplar a beleza do
imóvel, tratando-se muito mais de uma delimitação territorial do espaço ocupado.
Atualmente, ocorreu uma mudança radical no modo como são elaboradas as estruturas
espaciais das casas e prédios, evidenciando uma busca insana por segurança.
A necessidade mais profunda do ser humano é a de
                      superar seu
estado de separação em relação ao outro, deixando assim
                a prisão de sua solidão
Ora, como a busca por segurança pode ser algo insano? De fato, parece uma ideia paradoxal,
mas é tal comportamento que impera na nossa sociedade pós-moderna. De tanto
vislumbrarmos a criação de mecanismos infalíveis de defesa perante o outro, o desconhecido,
acabamos por desenvolver afetos reativos, medos, ou seja, a própria insegurança pessoal
diante do mundo que nos circunda. O mal pode estar oculto em qualquer lugar, não se pode
confiar em ninguém. Conforme salienta Bauman, grande parte do capital comercial pode ser e
é acumulado a partir da insegurança e do medo (Tempos Líquidos, p. 18).

                                                Uma nova estética da segurança modela todos os
                                                tipos de construção e impõe uma nova lógica de
                                                vigilância e distância. Se uma casa ou um prédio
                                                público não é ornado com grades nem possui
                                                câmeras de monitoramento, eles não nos inspiram
                                                a menor confiança. Somente nos sentimos seguros
                                                se somos vigiados a cada instante e se um grande
                                                muro de concreto nos isola da realidade externa.
                                                Permanece sempre uma atmosfera de insegurança
                                                no ar, pois, apesar de todos os recursos técnicos
                                                para nos proteger que possuímos, fica ainda essa
                                                tensão diante das ameaças externas. Talvez
                                                mesmo que permanecêssemos numa redoma
Nos sentimos seguros apenas quando somos        hermeticamente fechada, a dúvida diante do
vigiados a cada instante e se um grande muro de
                                                desconhecido ainda nos afetaria. Como é possível
concreto nos isola da realidade externa.
Permanece sempre uma atmosfera de               vivermos assim?
insegurança no ar, pois, apesar de todos os
recursos técnicos para nos proteger que
possuímos, fica ainda essa tensão diante das
ameaças externas



As práticas amorosas também refletem essa tendência de esvaziamento da interatividade
humana, pois a nova ordem é apenas usufruir aquilo que o outro nos oferece, para que
possamos em seguida descartá-lo sem qualquer peso na consciência. O complexo de Don
Juan vigente na cultura mega hedonista em que vivemos, longe de significar uma plena
afirmação da condição amorosa e da própria sexualidade de uma pessoa, na verdade
manifesta a sua pobreza existencial e a sua incapacidade de satisfazer-se plenamente através
da sua relação sentimental com o outro. Podemos dizer que a relação amorosa genuína
desvela o espírito de alteridade entre duas pessoas, que se compreendem e se valorizam
enquanto expressões subjetivas singulares. A necessidade mais profunda do ser humano é a
de superar seu estado de separação em relação ao outro, deixando assim a prisão de sua
solidão. Erich Fromm, que exerceu notável influência sobre Bauman, diz que "se eu amo o
outro, sinto-me um só com ele, mas com ele como ele é, e não na medida em que preciso dele
como objeto para meu uso" [A arte de Amar, p, 35].
Já as práticas líquidas do "amor" representam uma
                          transposição da lógica consumista para o âmbito das
                          relações humanas, pois o propósito maior é obter o
                          máximo possível de contatos sexuais, em detrimento da
                          qualidade e da profundidade das vivências. Nesse
                          processo de degradação da experiência amorosa, o mais
                          importante é aumentar cada vez mais o catálogo de nomes
                          das "conquistas", tudo em nome da soma de prazeres
                          sensoriais, que, todavia, nunca satisfazem os desejos do
                          fragmentado homem da pós-modernidade. Um desejo,
                          sendo realizado, não gera um estado de satisfação
                          duradouro na afetividade do indivíduo, levando-o então a
                          correr atrás de novas conquistas, que servem de estímulos
                          fortes para a manutenção de sua frágil sanidade psíquica.
Esse processo de busca desenfreada por novas conquistas ocorre muitas vezes por
uma necessidade narcisista do indivíduo adquirir reconhecimento diante dos seus
"amigos" e de sua própria sociedade, caracterizando assim a falsa imagem de que o
homem pretensamente bem sucedido sexualmente é feliz.

                 O AMOR PLATÔNICO

                 Os gregos antigos dizem que o ser humano experimenta,
                 basicamente, três formas de amor: Eros, que está centrado
                 na dependência dos parceiros; Filos , que se baseia na
                 segurança; Ágape, o amor incondicional. O amor é temática
                 comum dentre os filósofos gregos. Para Platão, o amor era
                 o desejo de algo que não se possui. Contudo, o termo amor
                 platônico, que designa um amor ideal, ou algo impossível
                 de realizar, não espelha uma interpretação da Filosofia de
                 Platão, que trata de uma realidade essencial.


Do momento em que o bem-estar genuíno proporcionado pelo amor, para ser alcançado,
requer essa interação sincera entre duas partes distintas, a tendência egoísta de utilizar-se o
outro como meio de obtenção de prazer conduz a um processo de reificação da condição
humana, diluída na sua própria evasão axiológica. Isso não significa uma apologia da
existência de um amor eterno, mas sim a necessidade de que o sujeito contemporâneo possa
participar de um relacionamento movido pelo propósito de, mediante a capacidade de
proporcionar bons afetos ao seu parceiro amoroso, recolher a partir daí a sua felicidade. O tipo
egoísta é incapaz de amar o outro, mas tampouco é capaz de amar a si mesmo. O que o
egoísta supostamente venera em si mesmo é a máscara social que ele utiliza como
instrumento de fuga de si mesmo, de sua própria pobreza existencial. Para Bauman, "Nos
compromissos duradouros, a líquida razão moderna enxerga a opressão; no engajamento
permanente percebe a dependência incapacitante" (Amor Líquido, p. 65).


        Bauman define as "práticas amorosas" virtuais e os
    relacionamentos afetivos marcados pela efemeridade como
                  "relacionamento de bolso".
Talvez o fato mais curioso da condição amorosa da
atualidade é que, apesar de toda liberdade sexual que
conquistamos, tal fato não favoreceu de modo algum o
enriquecimento das nossas relações amorosas; pelo
contrário, o indivíduo contemporâneo em nenhum
momento demonstra superioridade nas disposições
amorosas do que a humanidade medieval ou antiga. A
magia romântica do amor dissolveu- se na velocidade da
vida dinâmica em que vivemos na vertiginosa era da alta
tecnologia. Por temermos a proximidade com o outro,
preferimos então abrir mão das relações amorosas
concretas para adentramos na dimensão das relações
                                                          Para Erich Fromm (1900-1980)
virtuais. Conforme os dizeres de Bauman, "é preciso       existem vários tipos de amor que
diluir as relações para que possamos consumi-las" (Amor   podem ser classificados, como o
                                                          amor romântico, o amor neurótico,
Líquido, p. 10).                                          o amor materno e paterno e o amor
                                                          de Deus. Mas, segundo o
                                                          psicanalista, a capacidade de amar
                                                          só se adquire plenamente na
                                                          madurez pessoal




A grande vantagem do amor mediatizado pela tela de computador é que
assim evitamos a intimidade invejável com a presença do parceiro. Se
porventura essa relação torna-se enfadonha, basta apertar algum botão e
excluir para sempre o contato dessa pessoa da lista. O mundo virtual, que
deveria proporcionar a aproximação entre os indivíduos, acaba então
motivando ainda mais a ruptura interpessoal, com o agravante de que o
amor virtual se trata de uma ilusão afetiva, ainda que supostamente
prazerosa para aquele que dela se utiliza. Os relacionamentos virtuais são
assépticos e descartáveis, e não exigem o compromisso efetivo de
nenhuma das partes pretensamente envolvidas.

Bauman define tanto as "práticas amorosas" virtuais como os
relacionamentos afetivos marcados pelo gosto pela efemeridade pelo
termo "relacionamento de bolso", pois podemos dispor deles quando
necessário e depois tornar a guardá-los (Amor Líquido, p. 10).
TEMPOS LÍQUIDOS

"A violenta destruição da vida e da propriedade inerente à guerra, o esforço e o alarme contínuos resultantes de um estado
de perigo constante, vão compelir as nações mais vinculadas à liberdade a recorrerem, para seu repouso e segurança, a
instituições cuja tendência é destruir seus direitos civis e políticos. Para serem mais seguras, elas acabam se dispondo a
correr o risco de serem menos livres. Agora essa profecia está se tornando realidade. Uma vez investido sobre o mundo
humano, o medo adquire um ímpeto e uma lógica de desenvolvimento próprio e precisa de poucos cuidados e
praticamente nenhum investimento adicional para crescer e se espalhar - irrefreavelmente. Nas palavras de David L.
Altheide, o principal não é o medo do perigo, mas aquilo no qual esse medo pode se desdobrar, o que ele se torna. A vida
social se altera quando as pessoas vivem atrás de muros, contratam seguranças, dirigem veículos blindados, portam
porretes e revólveres, e frequentam aulas de artes marciais. O problema é que essas atividades reafirmam e ajudam a
produzir o senso de desordem que nossas ações buscam evitar.

Os medos nos estimulam a assumir uma ação defensiva. Quando isso ocorre, a ação defensiva confere proximidade e
tangibilidade ao medo. São nossas respostas que reclassificam as premonições sombrias como realidade diária, dando
corpo à palavra. O medo agora se estabeleceu, saturando nossas rotinas cotidianas; praticamente não precisa de outros
estímulos exteriores, já que as ações que estimula, dia após dia, fornecem toda a motivação e toda a energia de que ele
necessita para se reproduzir. Entre os mecanismos que buscam aproximar- se do modelo de sonhos do moto-perpétuo, a
auto reprodução do emaranhado do medo e das ações inspiradas por esse sentimento está perto de reclamar uma posição
de destaque. É como se os nossos medos tivessem ganhado a capacidade de se autoperpetuar e se auto fortalecer; como
se tivessem adquirido um ímpeto próprio - e pudessem continuar crescendo com base unicamente nos seus próprios
recursos. [...]

                                                         Tempos Líquidos, p.15, Zygmunt Bauman, da Jorge Zahar Editor




             Cumpre dizer que a própria mídia é uma grande incentivadora dessa
             tendência dissolvente dos valores elevados da cultura humana, pois
             continuamente ela despeja na massa social a ideia de que está na moda o ato
             de se "ficar" com várias
             pessoas sem que
             mantenha compromisso
             duradouro com
             ninguém, uma vez que
             assim, segundo os
             critérios dessa lógica
             "mega-hedonista",
             amplia-se o número de
             experiências afetivas.
             Troca-se de parceiro
             como se troca de roupa,
             e assim a lógica do
             descarte pessoal impera
             na liquidez humana de
             nossa
             contemporaneidade.
Quando alguém diz que "fica" com várias pessoas, será
  que de fato essa pessoa "fica" com alguém? Aliás, será
  que podemos dizer que a pessoa imersa na liquefação da
  pós-modernidade é capaz de ficar consigo mesma, isto é,
  adquirir autoconsciência, interiorizar- se, compreender o
  seu próprio potencial criativo? A mídia, ao invés de motivar
  na coletividade social a busca efetiva por mais cultura,
  utiliza- se do potencial consumidor do indivíduo para
  continuar exercendo o seu poder controlador sobre as
  massas. Não é a toa que os grandes heróis da mídia
  caracterizam- se geralmente pela ausência de senso
  crítico, pois a eles cabe apenas representar o papel de
  chamariz de sedução do grande público, daí decorrendo a
                                                                 Segundo Bauman, os valores
  necessidade de se apresentarem como corpos fortes,             que a nossa cultura ocidental até
  aparentemente saudáveis.                                       então estabelecera como os
                                                                 mais nobres e elevados cada
                                                                 vez mais diluem-se como a água
                                                                 que escorre das nossas mãos,
                                                                 sem que sejamos capazes de
  Os apontamentos de Bauman sobre a vertiginosa                  detê-la
  liquefação da condição humana nos servem de alerta para
  o rumo que escolhemos seguir nesse momento de grandes inovações científicas e
  tecnológicas. A exposição do declínio das relações humanas não significa, nessas
  condições, um olhar pessimista sobre a nossa cultura contemporânea, mas uma
  incitação por mudanças, a fim de que nossas vidas se enriqueçam efetivamente, não
  mediante aspectos quantitativos e materiais, mas pelo aprimoramento de nosso modo
  de se relacionar com o mundo externo e com a figura do outro. Certamente assim nos
  tornaremos pessoas consistentes, concretas, com algo de belo e criativo a transmitir
  para os nossos interlocutores.

REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido - Sobre a Fragilidade dos laços humanos. Trad. de
Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

_________. Medo Líquido. Trad. de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2008.

_________. Tempos Líquidos. Trad. de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2007.

________. Vida Líquida. Trad. de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2007.

FROMM, Erich. A Arte de Amar. Trad. de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes,
2000.

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A liquidez do homem pós

  • 1. A liquidez do homem pós-moderno Para Bauman, os valores da sociedade ocidental cada vez mais diluídos cerceiam a tolerância e o relacionamento POR RENATO NUNES BITTENCOURT Talvez nunca a humanidade tenha alcançado um estado de consciência acerca da dor e da sua própria finitude de modo tão elevado como na cultura contemporânea. Buscamos de todas as maneiras meios de escaparmos das experiências dolorosas e tristes, vislumbrando acima de tudo a aquisição de um utópico estado de prazer eterno. Com efeito, os avanços tecnológicos nos proporcionaram em muitas circunstâncias um aprimoramento da qualidade de vida, favorecendo assim a dinamização do tempo para o seu uso em atividades mais aprazíveis. Porém, será que sabemos fazer uso adequado do tempo livre que dispomos para a realização de atividades que efetivamente ampliam a nossa potência de agir, tornando-nos
  • 2. mais criativos e solidários? Talvez não, e esse é o paradoxo inscrito no seio de nossa sociedade tecnologizada. Simultaneamente ao fato de termos obtido um considerável desenvolvimento material, ao mesmo tempo nos diluímos enquanto pessoas, pois pretendemos adequar todas as nossas interações apenas àquilo que de alguma maneira nos proporcionará vantagens imediatas. A era em que vivemos é a era da liquidez, esse é o diagnóstico feito por Zygmunt Bauman, pensador polonês de grande vigor intelectual, dono de um estilo que associa na sua escrita clareza argumentativa profundidade e beleza retórica. De acordo com a análise nevrálgica de Bauman, os valores que a nossa cultura ocidental até então estabelecera como os mais nobres e elevados cada vez mais diluem-se como a água que se escorre das nossas mãos, sem que sejamos capazes de detê-la. A vida líquida é uma vida precária, vivida em condições de incerteza constante. Bauman constata que a vida na sociedade "líquido-moderna" é uma versão perniciosa da dança das cadeiras. O prêmio nessa competição é a garantia temporária de ser excluído das fileiras dos destruídos e evitar ser jogado no lixo [Vida Líquida, p. 10]. Esse processo simbólico de liquefação dos valores mais elevados da condição humana manifesta- se em diversas perspectivas de nossa vida em sociedade, tendo como característica comum a incapacidade de nos relacionarmos com a pessoa do "outro" de maneira plena, compreendendo assim a sua subjetividade e singularidade. Tendemos sempre a valorar a figura do "outro" tal como ela se apresenta diante de nós e não nela mesma, decorrendo daí os preconceitos, as diversas expressões de intolerâncias, em suma, a incompreensão da subjetividade do "outro", que, infelizmente, progressivamente perde a sua própria natureza humana, singular, única, para se tornar uma mera coisa com a qual nos relacionamos de maneira fria, egoísta e superficial. "Tolerar é injurioso", dizia escritor, cientista e filósofo Johann von Goethe durante o Iluminismo, época na qual o pensamento da tolerância produziu uma espécie de "religião da razão". No século XIX, Goethe alerta para o fato de que a tolerância seria apenas uma atitude transitória que deve levar ao reconhecimento do outro Um dos sintomas mais evidentes da "sociedade líquida" em que vivemos é a intolerância da massa social diante de tudo aquilo que de alguma maneira se considera como desvio de conduta ou que destoa dos padrões vigentes. Todo tipo de comportamento ou modo de ser que supostamente não se coaduna com nossos princípios particulares torna-se digno de nosso mais terrível desprezo, pois no fundo queremos ver estampado no rosto do "outro" um pouco daquilo que nós mesmos somos. Tudo aquilo que se expressa como "diferente" diante de nossos olhos é imputado enfaticamente como "extravagante", merecendo assim a nossa reprovação imediata e o convite ostensivo a adequar-se aos nossos conservadores parâmetros axiológicos. Caso a resposta do "outro" diante de nossa exortação seja negativa, nos considerados no pleno direito de desprezar a expressão da diferença. Esta é a lógica excludente da neurótica sociedade pós-moderna, despreparada para interagir com a diversidade de perspectivas, pois para o indivíduo acomodado nos seus valores
  • 3. conservadores, é muito mais fácil tentar modificar o outro do que a si mesmo. Sempre a figura do "outro" é a culpada pela minha insegurança e derrota. É através desse tipo de ponderação que surge o espírito de tensão diante das ameaças terroristas, pois os governantes, interessados na manutenção do domínio político sobre a massa social, elegem como figura inimiga o outro, o intruso do país, tal como vemos atualmente na tendência absurda de considerar todo muçulmano como um terrorista em potencial. Os medos nos estimulam a assumir uma ação defensiva. Quando isso ocorre, a ação defensiva confere proximidade e tangibilidade ao medo, segundo a análise de Bauman (Tempos Líquidos, p. 15). A liquefação dos valores da era pós-moderna manifesta como seu problema por excelência o projeto de suprimir a consciência de alteridade, a capacidade de compreendermos o outro na sua própria pluralidade de significados e vivências. Suprimindo a alteridade, cada vez mais empobrecemos as nossas relações interpessoais, pois reduzimos nossas experiências existenciais apenas àquilo que julgamos conveniente segundo nossos escusos critérios de avaliação. Um agravante a ser inserido nessas considerações é que dissimulamos essa incapacidade de convivência com a diferença através da criação de preceitos "politicamente corretos", pois muitas vezes demonstrarmos publicamente adequação irrestrita a esses princípios de respeitabilidade social, mas intimamente permanecemos racistas, machistas e intolerantes diante do "outro", ou ainda buscamos perseverar no nobre propósito de aceitar as diferenças, mas no primeiro desagravo que sofremos da parte do "outro", lançam - lhes as nossas violentas invectivas. Desenvolvemos o crônico medo de sermos deixados para trás, de sermos excluídos (Medo Líquido, p. 29). Tememos assim a proximidade do outro, pois este, na visão distorcida que dele fazemos, traz sempre consigo uma sombra ameaçadora, capaz de desestabilizar o frágil suporte de nossa organização familiar, de nossa atividade profissional e de nossa sociedade como um todo. Sendo o outro proclamado como o verdadeiro culpado por todo infortúnio da vida corriqueira, tudo aquilo que é feito para minar a sua dita inf luência maléfica sobre nós se torna válido. O agravante de tal situação é que muitas vezes colocamos o outro em situações vexatórias ou em condições vitais degradantes, e ainda por cima esperamos dele respostas positivas. Desenvolvemos o crônico medo de sermos deixados para trás, de sermos excluídos. Tememos assim a proximidade do outro. Nesse mundo marcado pelo alto índice de violência e pela necessidade de aceleração das nossas atividades cotidianas, seja na profissão ou nos estudos, optamos por viver encerrados e supostamente protegidos por muros e grades pretensamente invioláveis. Da mesma maneira, queremos distância da diferença, pois consideramos que somente o igual é bom, belo e útil para nós. Podemos constatar que a própria estética das grandes metrópoles modificou- se de forma grotesca nas últimas décadas. Os casarões antigos até podiam ser envolvidos por grades, mas estas eram constituídas de tal forma que permitia ao observador externo contemplar a beleza do imóvel, tratando-se muito mais de uma delimitação territorial do espaço ocupado. Atualmente, ocorreu uma mudança radical no modo como são elaboradas as estruturas espaciais das casas e prédios, evidenciando uma busca insana por segurança.
  • 4. A necessidade mais profunda do ser humano é a de superar seu estado de separação em relação ao outro, deixando assim a prisão de sua solidão Ora, como a busca por segurança pode ser algo insano? De fato, parece uma ideia paradoxal, mas é tal comportamento que impera na nossa sociedade pós-moderna. De tanto vislumbrarmos a criação de mecanismos infalíveis de defesa perante o outro, o desconhecido, acabamos por desenvolver afetos reativos, medos, ou seja, a própria insegurança pessoal diante do mundo que nos circunda. O mal pode estar oculto em qualquer lugar, não se pode confiar em ninguém. Conforme salienta Bauman, grande parte do capital comercial pode ser e é acumulado a partir da insegurança e do medo (Tempos Líquidos, p. 18). Uma nova estética da segurança modela todos os tipos de construção e impõe uma nova lógica de vigilância e distância. Se uma casa ou um prédio público não é ornado com grades nem possui câmeras de monitoramento, eles não nos inspiram a menor confiança. Somente nos sentimos seguros se somos vigiados a cada instante e se um grande muro de concreto nos isola da realidade externa. Permanece sempre uma atmosfera de insegurança no ar, pois, apesar de todos os recursos técnicos para nos proteger que possuímos, fica ainda essa tensão diante das ameaças externas. Talvez mesmo que permanecêssemos numa redoma Nos sentimos seguros apenas quando somos hermeticamente fechada, a dúvida diante do vigiados a cada instante e se um grande muro de desconhecido ainda nos afetaria. Como é possível concreto nos isola da realidade externa. Permanece sempre uma atmosfera de vivermos assim? insegurança no ar, pois, apesar de todos os recursos técnicos para nos proteger que possuímos, fica ainda essa tensão diante das ameaças externas As práticas amorosas também refletem essa tendência de esvaziamento da interatividade humana, pois a nova ordem é apenas usufruir aquilo que o outro nos oferece, para que possamos em seguida descartá-lo sem qualquer peso na consciência. O complexo de Don Juan vigente na cultura mega hedonista em que vivemos, longe de significar uma plena afirmação da condição amorosa e da própria sexualidade de uma pessoa, na verdade manifesta a sua pobreza existencial e a sua incapacidade de satisfazer-se plenamente através da sua relação sentimental com o outro. Podemos dizer que a relação amorosa genuína desvela o espírito de alteridade entre duas pessoas, que se compreendem e se valorizam enquanto expressões subjetivas singulares. A necessidade mais profunda do ser humano é a de superar seu estado de separação em relação ao outro, deixando assim a prisão de sua solidão. Erich Fromm, que exerceu notável influência sobre Bauman, diz que "se eu amo o outro, sinto-me um só com ele, mas com ele como ele é, e não na medida em que preciso dele como objeto para meu uso" [A arte de Amar, p, 35].
  • 5. Já as práticas líquidas do "amor" representam uma transposição da lógica consumista para o âmbito das relações humanas, pois o propósito maior é obter o máximo possível de contatos sexuais, em detrimento da qualidade e da profundidade das vivências. Nesse processo de degradação da experiência amorosa, o mais importante é aumentar cada vez mais o catálogo de nomes das "conquistas", tudo em nome da soma de prazeres sensoriais, que, todavia, nunca satisfazem os desejos do fragmentado homem da pós-modernidade. Um desejo, sendo realizado, não gera um estado de satisfação duradouro na afetividade do indivíduo, levando-o então a correr atrás de novas conquistas, que servem de estímulos fortes para a manutenção de sua frágil sanidade psíquica. Esse processo de busca desenfreada por novas conquistas ocorre muitas vezes por uma necessidade narcisista do indivíduo adquirir reconhecimento diante dos seus "amigos" e de sua própria sociedade, caracterizando assim a falsa imagem de que o homem pretensamente bem sucedido sexualmente é feliz. O AMOR PLATÔNICO Os gregos antigos dizem que o ser humano experimenta, basicamente, três formas de amor: Eros, que está centrado na dependência dos parceiros; Filos , que se baseia na segurança; Ágape, o amor incondicional. O amor é temática comum dentre os filósofos gregos. Para Platão, o amor era o desejo de algo que não se possui. Contudo, o termo amor platônico, que designa um amor ideal, ou algo impossível de realizar, não espelha uma interpretação da Filosofia de Platão, que trata de uma realidade essencial. Do momento em que o bem-estar genuíno proporcionado pelo amor, para ser alcançado, requer essa interação sincera entre duas partes distintas, a tendência egoísta de utilizar-se o outro como meio de obtenção de prazer conduz a um processo de reificação da condição humana, diluída na sua própria evasão axiológica. Isso não significa uma apologia da existência de um amor eterno, mas sim a necessidade de que o sujeito contemporâneo possa participar de um relacionamento movido pelo propósito de, mediante a capacidade de proporcionar bons afetos ao seu parceiro amoroso, recolher a partir daí a sua felicidade. O tipo egoísta é incapaz de amar o outro, mas tampouco é capaz de amar a si mesmo. O que o egoísta supostamente venera em si mesmo é a máscara social que ele utiliza como instrumento de fuga de si mesmo, de sua própria pobreza existencial. Para Bauman, "Nos compromissos duradouros, a líquida razão moderna enxerga a opressão; no engajamento permanente percebe a dependência incapacitante" (Amor Líquido, p. 65). Bauman define as "práticas amorosas" virtuais e os relacionamentos afetivos marcados pela efemeridade como "relacionamento de bolso".
  • 6. Talvez o fato mais curioso da condição amorosa da atualidade é que, apesar de toda liberdade sexual que conquistamos, tal fato não favoreceu de modo algum o enriquecimento das nossas relações amorosas; pelo contrário, o indivíduo contemporâneo em nenhum momento demonstra superioridade nas disposições amorosas do que a humanidade medieval ou antiga. A magia romântica do amor dissolveu- se na velocidade da vida dinâmica em que vivemos na vertiginosa era da alta tecnologia. Por temermos a proximidade com o outro, preferimos então abrir mão das relações amorosas concretas para adentramos na dimensão das relações Para Erich Fromm (1900-1980) virtuais. Conforme os dizeres de Bauman, "é preciso existem vários tipos de amor que diluir as relações para que possamos consumi-las" (Amor podem ser classificados, como o amor romântico, o amor neurótico, Líquido, p. 10). o amor materno e paterno e o amor de Deus. Mas, segundo o psicanalista, a capacidade de amar só se adquire plenamente na madurez pessoal A grande vantagem do amor mediatizado pela tela de computador é que assim evitamos a intimidade invejável com a presença do parceiro. Se porventura essa relação torna-se enfadonha, basta apertar algum botão e excluir para sempre o contato dessa pessoa da lista. O mundo virtual, que deveria proporcionar a aproximação entre os indivíduos, acaba então motivando ainda mais a ruptura interpessoal, com o agravante de que o amor virtual se trata de uma ilusão afetiva, ainda que supostamente prazerosa para aquele que dela se utiliza. Os relacionamentos virtuais são assépticos e descartáveis, e não exigem o compromisso efetivo de nenhuma das partes pretensamente envolvidas. Bauman define tanto as "práticas amorosas" virtuais como os relacionamentos afetivos marcados pelo gosto pela efemeridade pelo termo "relacionamento de bolso", pois podemos dispor deles quando necessário e depois tornar a guardá-los (Amor Líquido, p. 10).
  • 7. TEMPOS LÍQUIDOS "A violenta destruição da vida e da propriedade inerente à guerra, o esforço e o alarme contínuos resultantes de um estado de perigo constante, vão compelir as nações mais vinculadas à liberdade a recorrerem, para seu repouso e segurança, a instituições cuja tendência é destruir seus direitos civis e políticos. Para serem mais seguras, elas acabam se dispondo a correr o risco de serem menos livres. Agora essa profecia está se tornando realidade. Uma vez investido sobre o mundo humano, o medo adquire um ímpeto e uma lógica de desenvolvimento próprio e precisa de poucos cuidados e praticamente nenhum investimento adicional para crescer e se espalhar - irrefreavelmente. Nas palavras de David L. Altheide, o principal não é o medo do perigo, mas aquilo no qual esse medo pode se desdobrar, o que ele se torna. A vida social se altera quando as pessoas vivem atrás de muros, contratam seguranças, dirigem veículos blindados, portam porretes e revólveres, e frequentam aulas de artes marciais. O problema é que essas atividades reafirmam e ajudam a produzir o senso de desordem que nossas ações buscam evitar. Os medos nos estimulam a assumir uma ação defensiva. Quando isso ocorre, a ação defensiva confere proximidade e tangibilidade ao medo. São nossas respostas que reclassificam as premonições sombrias como realidade diária, dando corpo à palavra. O medo agora se estabeleceu, saturando nossas rotinas cotidianas; praticamente não precisa de outros estímulos exteriores, já que as ações que estimula, dia após dia, fornecem toda a motivação e toda a energia de que ele necessita para se reproduzir. Entre os mecanismos que buscam aproximar- se do modelo de sonhos do moto-perpétuo, a auto reprodução do emaranhado do medo e das ações inspiradas por esse sentimento está perto de reclamar uma posição de destaque. É como se os nossos medos tivessem ganhado a capacidade de se autoperpetuar e se auto fortalecer; como se tivessem adquirido um ímpeto próprio - e pudessem continuar crescendo com base unicamente nos seus próprios recursos. [...] Tempos Líquidos, p.15, Zygmunt Bauman, da Jorge Zahar Editor Cumpre dizer que a própria mídia é uma grande incentivadora dessa tendência dissolvente dos valores elevados da cultura humana, pois continuamente ela despeja na massa social a ideia de que está na moda o ato de se "ficar" com várias pessoas sem que mantenha compromisso duradouro com ninguém, uma vez que assim, segundo os critérios dessa lógica "mega-hedonista", amplia-se o número de experiências afetivas. Troca-se de parceiro como se troca de roupa, e assim a lógica do descarte pessoal impera na liquidez humana de nossa contemporaneidade.
  • 8. Quando alguém diz que "fica" com várias pessoas, será que de fato essa pessoa "fica" com alguém? Aliás, será que podemos dizer que a pessoa imersa na liquefação da pós-modernidade é capaz de ficar consigo mesma, isto é, adquirir autoconsciência, interiorizar- se, compreender o seu próprio potencial criativo? A mídia, ao invés de motivar na coletividade social a busca efetiva por mais cultura, utiliza- se do potencial consumidor do indivíduo para continuar exercendo o seu poder controlador sobre as massas. Não é a toa que os grandes heróis da mídia caracterizam- se geralmente pela ausência de senso crítico, pois a eles cabe apenas representar o papel de chamariz de sedução do grande público, daí decorrendo a Segundo Bauman, os valores necessidade de se apresentarem como corpos fortes, que a nossa cultura ocidental até aparentemente saudáveis. então estabelecera como os mais nobres e elevados cada vez mais diluem-se como a água que escorre das nossas mãos, sem que sejamos capazes de Os apontamentos de Bauman sobre a vertiginosa detê-la liquefação da condição humana nos servem de alerta para o rumo que escolhemos seguir nesse momento de grandes inovações científicas e tecnológicas. A exposição do declínio das relações humanas não significa, nessas condições, um olhar pessimista sobre a nossa cultura contemporânea, mas uma incitação por mudanças, a fim de que nossas vidas se enriqueçam efetivamente, não mediante aspectos quantitativos e materiais, mas pelo aprimoramento de nosso modo de se relacionar com o mundo externo e com a figura do outro. Certamente assim nos tornaremos pessoas consistentes, concretas, com algo de belo e criativo a transmitir para os nossos interlocutores. REFERÊNCIAS BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido - Sobre a Fragilidade dos laços humanos. Trad. de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. _________. Medo Líquido. Trad. de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. _________. Tempos Líquidos. Trad. de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. ________. Vida Líquida. Trad. de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. FROMM, Erich. A Arte de Amar. Trad. de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2000.